Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01193/16
Data do Acordão:05/17/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
COIMA
LIMITE MAXIMO DA MULTA FISCAL
LIMITE MINIMO DA MULTA FISCAL
ATENUAÇÃO ESPECIAL
Sumário:I - Em termos de moldura abstracta da coima prevista no art. 114° do RGIT, deverá atender-se ao limite mínimo resultante da aplicação dessa norma e ter em consideração, se for o caso, o disposto no nº 3 do art. 26° do mesmo diploma legal, se o valor encontrado for abaixo do estabelecido neste último normativo.
II - A atenuação especial da coima prevista no nº 2 do art. 32º do RGIT exige a verificação cumulativa dos pressupostos atinentes ao reconhecimento, por parte do infractor, da sua responsabilidade e da regularização da situação tributária até à decisão do processo.
Nº Convencional:JSTA000P21877
Nº do Documento:SA22017051701193
Data de Entrada:10/25/2016
Recorrente:A......., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A…………., S.A., recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga na impugnação judicial da decisão administrativa que lhe aplicou uma coima no valor de € 25.596,50 (pela falta de entrega dentro do prazo, nos cofres do Estado, da prestação tributária referente à liquidação de IVA relativa ao período de 201508), na parte em que tal decisão julgou improcedente aquela impugnação (quanto ao limite mínimo da coima decorrente do disposto no art. 26°, n.ºs 3 e 4 e no art. 114°, ambos do RGIT e quanto à não verificação dos requisitos para a atenuação especial da coima, nos termos do art. 32°, também do RGIT).
1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
i. De acordo com a jurisprudência sufragada no acórdão de 1 de outubro de 2014 do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo nº 01665/13, e no acórdão de 28 de janeiro de 2015 do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo nº 0335/14, com a eliminação da expressão "se o contrário não resultar da lei" da redação do nº 3 do artigo 26º do RGIT, através da alteração introduzida pela Lei n° 53-A/2006, de 29 de dezembro, o legislador claramente quis estabelecer um regime vinculativo para todas as infrações tributárias relativamente ao limite mínimo da coima abstratamente aplicável;
ii. Nos termos do nº 3 do artigo 9° do Código Civil, o pensamento legislativo subjacente à nova redação do nº 3 do artigo 26º do RGIT, ao retirar a expressão "se o contrário não resultar da lei", foi de estender o seu regime a todas as coimas;
iii. Os acórdãos acima citados sustentam claramente que o regime consagrado no n° 3 do artigo 26° do RGIT que consagra o valor mínimo da coima de € 50,00 (elevado para o dobro no caso de pessoas coletivas) aplica-se aos casos de falta de entrega da prestação tributária, previstos no artigo 114° do RGIT;
iv. Nestes termos, podemos concluir que, quanto à determinação do montante mínimo abstratamente aplicável, deve o presente recurso judicial ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, e, consequentemente, o montante mínimo da coima abstratamente aplicável ao presente caso deve ser fixado em € 100,00, nos termos conjugados dos n.ºs 3 e 4 do artigo 26° e do nº 2 do artigo 114°, ambos do RGIT; sem prescindir,
v. Sem prejuízo de se determinar o valor mínimo abstratamente aplicável, importa, ainda assim verificar se se encontram preenchidos os requisitos legais para a Recorrente beneficiar da atenuação especial da coima, nos termos do nº 2 do artigo 32º do RGIT;
vi. Caso se considere que o montante mínimo abstratamente aplicável ao presente caso é de € 100,00, então a coima deve ser especialmente atenuada para metade (€ 50,00), nos termos do n° 3 do artigo 18° do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de outubro, ex vi alínea b) do artigo 3° do RGIT;
vii. Caso se considere que o montante mínimo abstratamente aplicável ao presente caso é de € 25.596,50 (€ 85.321,68 x 30%), então a coima deve ser especialmente atenuada para metade (€ 12.798,25 = € 25.596,50 x 50%), nos termos do nº 3 do artigo 18° do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de outubro, ex vi alínea b) do artigo 3° do RGIT;
viii. No presente caso, a regularização da situação tributária ocorreu em 2 de dezembro de 2015, enquanto a decisão de aplicação da coima só foi notificada em 29 de fevereiro de 2016, e, por conseguinte, dever-se-á entender, para efeitos do nº 2 do artigo 32° do RGIT, que a regularização da situação tributária ocorreu até à decisão do processo;
ix. Para efeitos do nº 2 do artigo 32º do RGIT, a decisão do processo só é suscetível de produzir os seus efeitos quando se torna caso decidido, isto é, quando se torne incontestável, decorrido o prazo de recurso sem que o mesmo seja apresentado;
x. Pois, caso a situação tributária seja regularizada após a notificação da decisão de aplicação da coima, o arguido ainda tem a possibilidade de apresentar recurso judicial dessa decisão que será apreciada, em primeiro lugar, pela entidade recorrida que pode, nos termos do nº 3 do artigo 80° do RGIT, revogar essa decisão com fundamento na atenuação especial da coima;
xi. Nestes termos, podemos concluir que, ao contrário do que o Tribunal a quo concluiu, a regularização da situação tributária ocorreu até à decisão do processo, nos termos e para os efeitos do nº 2 do artigo 32° do RGTI, com todas as consequências legais, nomeadamente, a redução a metade do montante mínimo aplicável; sem prescindir,
xii. Caso assim não se entenda e sem prescindir, devemos considerar que no presente caso a Recorrente regularizou a sua situação tributária até à notificação da decisão de aplicação da coima, em 29 de fevereiro de 2016;
xiii. Nestes termos, podemos concluir que, ao contrário do que o Tribunal a quo concluiu, a regularização da situação tributária ocorreu até à decisão do processo, nos termos e para os efeitos do nº 2 do artigo 32° do RGTI, com todas as consequências legais, nomeadamente, a redução a metade do montante mínimo aplicável.
PEDIDO:
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado precedente e revogada a sentença recorrida, nos seguintes termos:
a) O presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, porquanto o montante mínimo da coima abstratamente aplicável ao presente caso deve ser fixado em € 100,00, com os fundamentos acima invocados, nos termos conjugados dos n.ºs 3 e 4 do artigo 26° e do artigo 114°, ambos do RGIT; sem prescindir,
b) O presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, porquanto encontram-se preenchidos os requisitos legais para a atenuação especial da coima, com os fundamentos acima invocados, nos termos do n° 2 do artigo 32° do RGIT;
Consequentemente, deve o presente recurso judicial da decisão de aplicação da coima ser julgado procedente, nos seguintes termos:
c) A decisão de aplicação da coima aqui em apreço deve ser anulada e a coima deve ser aplicada pelo montante mínimo abstratamente aplicável e deve ser especialmente atenuada, nos termos conjugados dos n.ºs 3 e 4 do artigo 26°, do artigo 114° e do nº 2 do artigo 32°, todos do RGIT, e fixada no montante a pagar de € 50,00 (artigo 18°, nº 3, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de outubro); ou, se assim não se entender e sem prescindir,
d) A decisão de aplicação da coima aqui em apreço deve ser anulada e a coima deve ser aplicada pelo montante mínimo abstratamente aplicável, nos termos conjugados dos n.ºs 3 e 4 do artigo 26° e do artigo 114°, ambos do RGIT, e fixada no montante a pagar de € 100.00: ou, se assim não se entender e sem prescindir,
e) A decisão de aplicação da coima aqui em apreço deve ser anulada e a coima deve ser especialmente atenuada, nos termos conjugados do artigo 114° e do n° 2 do artigo 32°, ambos do RGIT, e fixada no montante a pagar de € 12.798,25 (€ 25.596,50 (€ 85.321,98 x 30%) / 50%) (artigo 18°, nº 3, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de outubro).
1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.4. Neste Supremo Tribunal Administrativo, o MP emite Parecer nos termos seguintes:
«A recorrente, A…………, SA, vem sindicar a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, exarada a fls, 69/77, em 23 de Maio de 2015, que julgou parcialmente procedente recurso judicial interposto de decisão de aplicação de coima, no entendimento de que, não verificando os pressupostos da atenuação especial da coima, atenta a factualidade assente deve ser a aplicada a coima mínima, que fixou em € 25.596,50.
A recorrente termina a motivação com as conclusões de fls. 38/41 e 51/57, que, como é sabido, ressalvadas questões de conhecimento oficioso, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 412°, 417°/3 e 420°/1/ c) do CPP.
Não houve contra-alegações.
Em nosso entendimento o recurso não merece provimento.
Parece certo que não se verificam os pressupostos para a atenuação especial da coima. Nos termos do disposto no artigo 32°/2 do RGIT "Independentemente do disposto no nº 1, a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infrator reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo."
A atenuação especial da coima tem como efeito que os limites máximo e mínimo sejam reduzidos a metade (art. 18°/3 do RGCO).
São, pois, pressupostos da atenuação especial da coima:
1.Que o infrator reconheça a sua responsabilidade;
2.A regularização da sua responsabilidade até à decisão do processo.
Ora, no caso em análise parece manifesto certo que não ocorre o apontado segundo pressuposto.
Na verdade, como resulta do probatório, a arguida/recorrente só procedeu ao pagamento do devido em 02/12/2015, no âmbito de execução fiscal instaurada para cobrança coerciva de tal montante, sendo certo que a decisão de aplicação da coima foi proferida em 02/11/2015, portanto, antes da regularização da responsabilidade da recorrente.
Não pode, assim, a recorrente beneficiar do instituo da atenuação especial da coima (ver acórdão do STA, de 26/10/2011, proferido no recurso n° 085/11, citado na decisão recorrida e disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt).
No que concerne à determinação dos montantes máximos e mínimos, abstratamente aplicáveis à contraordenação imputada à recorrente, a sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação do direito.
Na verdade, vem imputada à recorrente a contraordenação p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 27°, 41º/1/ a) do CIVA 114°/2/5/ a) e 26°/4 do RGIT.
Entendeu a sentença recorrida que a regra geral do artigo 26° do RGIT também se aplica nos casos de não entrega da prestação tributária, mas tem de se atender sempre ao limite mínimo e máximo resultante do artigo 114° desse RGIT.
Nos termos do estatuído no artigo 114°/2 do RGIT, a infração em causa é, abstratamente, punível com coima variável entre 15% e metade do imposto em falta, elevada para o dobro por estar em causa pessoa coletiva, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido, ou seja, como no caso em análise estava em falta a quantia de € 85.321,68, a coima varia entre € 25.596,50 e € 85.321.60.
Como decidiu a sentença recorrida há que ter em conta o estatuído no artigo 26° do RGIT.
Assim, uma vez que o limite máximo estabelecido no artigo 114°/2 do RGIT não ultrapassa o limite máximo estabelecido no artigo 26° do RGIT aplica-se aquele (Regime Geral das Infrações Tributárias, anotado, 4ª edição, 2010, Áreas Editora, página 294, Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos).
No caso do limite mínimo é de ter em conta o que resulta do estatuído no artigo 114°/2 do RGIT, já que não é inferior, mas sim superior ao que decorre do artigo 26°/3 do mesmo RGIT.
Com efeito, com a redação introduzida ao n° 3 do artigo 26° do RGIT, pela Lei 53-A/2006, de 29/12, foi abolida a expressão "se o contrário não resultar da lei", pelo que se pretendeu estabelecer um limite mínimo geral que se sobrepõe às normas especiais anteriores à sua vigência que prevêem limites inferiores, não estando, naturalmente afastada a possibilidade de em normas especiais que vierem a ser emitidas para o futuro se preverem contraordenacões com coimas com limite inferior ao previsto no nº 3 do artigo 26° do RGIT.
Ou seja, o limite mínimo das coimas previsto no artigo 26°/3 do RGIT é aplicável aos casos previstos no artigo 114° do mesmo RGIT, no sentido de que não podem ser aplicadas coimas de valor inferior a 50 €, mas nada impede que se apliquem coimas com um valor mínimo superior (Neste sentido, pela leitura que fazemos, obra citada, páginas 292/293).
A nosso ver, a sentença recorrida não merece censura.
Termos em que deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a decisão recorrida na ordem jurídica.
1.6. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
2. Os factos
Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
1. A arguida, ora Recorrente, apresentou a declaração periódica de IVA referente ao período 201508, da qual constava o montante de imposto exigível de € 85.321,68 de IVA, a entregar ao Estado Português, desacompanhada do respectivo meio de pagamento.
2. A prática da infracção foi considerada, face aos registos da Administração Fiscal, como "acidental".
3. O prejuízo para a Fazenda Nacional corresponde ao não pagamento do valor do imposto em falta.
4. A Administração Fiscal, face às declarações de rendimento apresentadas, e demais elementos constantes dos seus arquivos, qualificou a situação económica da Recorrente como "baixa".
5. Não se verificou a prática de qualquer acto que dificultasse a descoberta dos factos em causa.
6. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do auto de notícia de fls. 4 verso e 5.
7. Por decisão que consta a fls. 25, datada de 21/11/2015, que se dá por integralmente reproduzida, foi a Recorrente condenada por "Falta entrega prest. tributária dentro prazo", infracção prevista e punida pelo disposto nos artigos 27° e 41º, nº 1, alínea a), do CIVA, artigo 114, n° 2, nº 5, alínea a), e 26°, n° 4, do Regime Geral das Infracções Tributárias, na coima de € 26.428,39.
8. A Administração Tributária instaurou o Processo de Execução Fiscal nº 0396201501089439, com vista ao pagamento dos créditos de IVA identificados em 1.
9. A Recorrente, em 2/12/2015, pagou a quantia exequenda e acrescido no Processo de Execução Fiscal n° 0396201501089439, no montante global de € 86.133,65.
10. A arguida não actuou com o cuidado a que estava obrigada, face às circunstâncias apuradas, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei.
3. Enunciando como questões a decidir as que se prendem com a medida da coima, nomeadamente com a fixação do seu limite mínimo, bem como com a possibilidade de atenuação especial dessa mesma coima, a sentença recorrida, invocando o disposto nos arts. 26°,27°, nº 1,29°, n° 1, aI. c), 40° nº 1 do CIVA e nos arts. 32°, nº 2 e 114° do RGIT e considerando que a recorrente não coloca em causa o preenchimento do tipo legal e se limitou a discordar do montante da coima aplicada, a fixar no dobro do valor mínimo, em € 100,00, face ao estatuído nos nºs. 3 e 4 do art. 26° do RGIT, especialmente atenuada face à reduzida gravidade da infracção e da culpa, e tendo em conta o disposto no nº 2 do art. 32° do RGIT, concluiu que a recorrente não tem razão, nem no que respeita à aplicação de coima pelo montante de € 100,00 ou € 22.500,00, nem no que respeita à pretendida atenuação especial, pois que o pagamento teve lugar depois de proferida a decisão condenatória, em 24/1/2016, pelo que não se verifica o requisito exigido na parte final do nº 2 do art. 32° do RGIT.
Discordando, a recorrente imputa à sentença erro de julgamento, quer por não ter considerado aplicável, em abstracto, o limite mínimo da coima de 100,00 €, nos termos do nº 3 do art. 26° do RGIT, quer por não ter considerado estarem reunidos os pressupostos legais para aplicação da atenuação especial da coima prevista no n° 2 do art. 32° do RGIT.
Vejamos, pois, estas apontadas questões, referindo-se, contudo, que as mesmas foram já objecto de apreciação em vários outros arestos deste STA (cfr., por mais recentes, os acs. de 15/3/2017, proc. nº 52/17 e de 10/5/2017, proc. n° 1279/16, que subscrevemos e nos quais foi recorrente a mesma sociedade) e cuja fundamentação, que passamos a seguir, é a seguinte:
«3.1. Da medida da coima e limite mínimo desta
3.1.1. Sob a epígrafe «Montante das coimas», o art. 26° do RGIT (na redacção dada pelo artigo 155° da Lei nº 64-B/2011, de 30/12), aqui aplicável, dispõe:
«1 - Se o contrário não resultar da lei, as coimas aplicáveis às pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, ou outras entidades fiscalmente equiparadas podem elevar-se até ao valor máximo de:
a) € 165 000, em caso de dolo;
b) € 45 000, em caso de negligência.
2 - Se o contrário não resultar da lei, as coimas aplicáveis às pessoas singulares não podem exceder metade dos limites estabelecidos no número anterior.
3 - O montante mínimo da coima a pagar é de € 50, excepto em caso de redução da coima, em que é de € 25.
4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, os limites mínimo e máximo das coimas previstas nos diferentes tipos legais de contra-ordenação, são elevados para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada»
Impõem-se, pois, limites à fixação das coimas, não se permitindo que sejam fixadas por valores inferiores aos limites mínimos ou superiores aos limites máximos, ali previstos para ambos os casos.
Contudo, se quanto ao limite máximo, a expressão "se o contrário não resultar da lei", inserida nos nºs 1 e 2 do normativo, nos leva a concluir que a lei permite que sejam aplicadas coimas superiores desde que tal resulte da moldura penal prevista em cada tipo legal de contraordenação, já no que respeita ao limite mínimo, no nº 3 do mesmo artigo o legislador abandonou aquela expressão "se o contrário não resultar da lei" e, actualmente (com a redacção introduzida pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12) apenas estabelece que não podem ser fixados valores mínimos inferiores a 50,00 Euros (exceptuando a situação de redução da coima). Ou seja, como se pondera no ac. desta Secção do STA, de 15/2/2017, proc. n° 01195/16, o art. 26° do RGIT «tem uma vocação de aplicação à generalidade das contra-ordenações enquanto o art. 114° vê o seu âmbito de aplicação restrito à contra-ordenação fiscal de falta de entrega da prestação tributária.
A conjugação dos dois preceitos art. 26° e 114° far-se-á pela prevalência do segundo sempre que o limite mínimo seja igual ou superior ao limite mínimo geral constante do art. 26° e pela prevalência deste quando o limite mínimo a determinar segundo as regras do art. 114° atingisse um valor que fosse inferior ao limite mínimo geral previsto no art. 26º.
Para a determinação da moldura contraordenacional a ter em conta em cada caso há-de procurar-se primeiro a norma especial que a fixa para a infracção em concreto e, depois verificar se, aplicados os critérios ou o montante ai estabelecidos, o limite mínimo da coima é igual ou superior a 30 €, quando o infractor seja uma pessoa colectiva ou sociedade ou entidade fiscalmente equiparada. Apenas na situação em que o limite mínimo da coima seja inferior a 30 €, quando o infractor seja uma pessoa colectiva, sociedade ou entidade fiscalmente equiparada, se aplicará o limite constante do art. 26 do Regime Geral das Infracções Tributárias, por ser este o limite mínimo de todos os limites mínimos aplicáveis a infracções tributárias.
Diversamente o art. 26º, n° 1 não estabelece o que seria um limite máximo do limite máximo de todas as molduras contraordenacionais aplicáveis a todas as infracções tributárias porque ele próprio admite a sua derrogação por outra norma, como é, no caso concreto, tendo em conta o valor do imposto em falta, o art. 114° do Regime Geral das Infracções Tributárias.»
No mesmo sentido se pronunciam, aliás, Jorge de Sousa e Simas Santos, salientando que com a redacção em que não se incluiu a expressão "se o contrário não resultar da lei" ressalvam-se «os casos especiais em que se estabelece valor inferior, o que conduz à conclusão de que, ao contrário do que sucedia à face da redacção inicial, não se pretendeu admitir excepções ao mínimo das coimas aí fixado. Haverá, assim, uma inequívoca intenção de eliminar valores mínimos de coimas inferiores aos indicados naquele nº 3, o que justifique que se considerem revogadas as normas especiais que prevêem valores inferiores a esses (art. 7º nº 3, do Código Civil).» (Regime Geral das Infracções Tributárias, 4ª ed., Áreas Editora, 2010, p. 296, anotação 5 ao art. 26º).
Sendo que «[o] limite mínimo das coimas previsto no nº 3 deste art. 26° será aplicável nos casos previstos no art. 114° do RGIT, em que o mínimo das coimas é igual ao valor da prestação em falta, no caso de contra-ordenação dolosa, e é de 10% desse valor se a contra-ordenação for por negligência.
Em nenhum destes casos previstos no art. 114° o valor da coima pode ser inferior ao mínimo de 30 euros, tanto relativamente a pessoas singulares como a pessoas colectivas.
Contra-ordenações cujos mínimos têm de ser actualizados em conformidade com o n° 3 deste artigo são as previstas nos arts. 117°, nº 3, 119°, nº 4, e 125° do RGIT.
Porém, este mínimo legal da coima não é obstáculo a que os agentes das contraordenações venham a pagar coimas de montante inferior àquele, no âmbito do direito à redução previsto no art. 29° do RGIT, sendo o mínimo, nestes casos, de 15 euros.» (Ibidem, p. 295, anotação 3 ao mesmo art. 26º). - (Neste sentido, revemos o entendimento subscrito no acórdão desta Secção, de 01/10/2014, no proc. 01665/13).
3.1.2. E é precisamente com o montante do limite mínimo que se prende a questão que aqui importa decidir (é quanto a esse limite que a divergência se suscita), sendo que, como vimos, deverá atender-se ao limite mínimo resultante da aplicação do art. 114° do RGIT e ter em consideração, se for o caso, o disposto no nº 3 do art. 26° do mesmo diploma legal, se o valor encontrado for abaixo do estabelecido neste último normativo.
Ora, estando em causa contra-ordenação imputada a título de negligência, a não entrega da quantia de 162.369,56 Euros, a regra constante do art. 114° do RGIT implicará que o limite mínimo ascenda a 15% desse imposto (24.355,43 Euros), elevado ao dobro (48.710,86) por se tratar de pessoa colectiva) e que o limite máximo ascenda a metade do imposto em falta (81.184,78 Euros), elevado ao dobro (162.369,56 Euros) por se tratar de pessoa colectiva). Só que, atendendo aos próprios limites estabelecidos nos n.º s 1 e 3 do art. 26° do RGT, o montante máximo da coima não poderá ultrapassar o limite de 45.000,00 Euros.
Quanto ao limite mínimo apenas seria aplicável o de 50 euros caso o montante mínimo que resultasse da aplicação da regra do n° 3 do art. 114° do RGIT fosse inferior a essa quantia de 50 Euros. O que não é o caso.
Ou seja, ao invés do alegado pela recorrente, não se trataria de o limite mínimo da coima abstratamente aplicável dever ser fixado em 100 (50 x 2) Euros, mas, antes, de elevar para tal montante esse limite mínimo, caso da aplicação concreta das regras do art. 114° resultasse um montante inferior a 50 Euros (E, neste sentido, revemos o entendimento subscrito no acórdão desta Secção, de 01/10/2014, no proc. 01665/13).
Improcedem, portanto, nesta parte, as alegações do recurso.
3.2. Da questão dos pressupostos legais para aplicação da atenuação especial da coima
Nas Conclusões V e segts. a recorrente sustenta que ao contrário do que a sentença recorrida considerou, a regularização da situação tributária ocorreu até à decisão do processo, nos termos e para os efeitos do nº 2 do art. 32° do RGTI, com todas as consequências legais, nomeadamente, a redução a metade do montante mínimo aplicável.
E tem razão.
Na verdade, sob a epígrafe «Dispensa e atenuação especial das coimas», dispõe-se nessa norma o seguinte:
«1 - Para além dos casos especialmente previstos na lei, pode não ser aplicada coima, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias:
a) A prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária;
b) Estar regularizada a falta cometida;
c) A falta revelar um diminuto grau de culpa.
2 - Independentemente do disposto no nº 1, a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infractor reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo.»
Ora, no caso, embora a decisão de aplicação de coima haja sido proferida em 24/1/2016 e a recorrente tenha regularizado a situação tributária, procedendo em 24/1/2016 ao pagamento, no âmbito do processo de execução, do imposto em falta, aquela decisão de aplicação da coima só lhe veio a ser notificada em 4/4/2016.
E como aponta o MP, quando no nº 2 do art. 32° do RGIT se faz depender a atenuação especial da coima, também da regularização da situação tributária até à decisão do processo, este terminus só pode ser balizado pela data da notificação da decisão proferida no processo de contraordenação, pois só então o infractor se vê confrontado com o acto decisório e bem assim lhe são dados a conhecer os meios legais à sua disposição para o contrariar.
Daí que, no caso, não se controvertendo nos autos o reconhecimento, por parte da recorrente, da sua responsabilidade no incumprimento da obrigação de entrega do imposto no prazo (sendo que na impugnação da decisão administrativa de aplicação da coima, como também no presente recurso, a defesa da recorrente se esgota na discordância quanto aos limites e montante da coima aplicada - configurando-se, pois, com relevância para aquele juízo sobre reconhecimento da responsabilidade do infractor, uma situação fáctica diversa da equacionada no acórdão do STA, de 26/10/2011, proc. nº 85/11, mencionado na sentença, bem como na jurisprudência e doutrina nesse aresto também referenciadas) e tendo ela (recorrente) procedido, por outro lado, ao pagamento da quantia em dívida, na apontada data de 24/1/2006, é de concluir que se encontram preenchidos os requisitos da atenuação especial da coima previstos no nº 2 do art. 32° do RGIT e que, nessa conformidade, a sentença recorrida haveria de ter reduzido para metade o montante mínimo aplicável da coima, fixando-a em 22.500,00 Euros, considerando o disposto no nº 3 do art. 18° do DL nº 433/82, de 27/10 e na al. b) do art. 3° do RGIT.» (fim de citação)
Aqui, como ali, procedem, portanto, nesta parte e nesta medida (mas sempre com adaptação dos montantes concretos em causa no caso vertente), as Conclusões do recurso.
Com efeito, embora a decisão de aplicação de coima haja sido proferida em 21/11/2015 e a recorrente tenha regularizado a situação tributária, procedendo em 2/12/2015 ao pagamento, no âmbito do processo de execução, do imposto em falta, aquela decisão de aplicação da coima só lhe veio a ser notificada por carta registada de 24/2/2016 (fls. 27).
Daí que, nos termos acima referidos, seja de concluir que se encontram preenchidos os requisitos da atenuação especial da coima previstos no nº 2 do art. 32° do RGIT e que, nessa conformidade, a sentença recorrida haveria de ter reduzido para metade o montante mínimo aplicável da coima, fixando-a em 12.798,50 Euros, considerando o disposto no n° 3 do art. 18º do DL nº 433/82, de 27/10 e na aI. b) do art. 3° do RGIT.
DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, dando parcial provimento ao recurso:
- revogar a decisão recorrida na parte em que, não considerando atenuação especial da coima, confirmou a condenação da recorrente na coima de 25.596,50 Euros;
- atenuando especialmente a coima aplicada, condenar a recorrente na coima de 12.798,50 Euros (doze mil e setecentos e noventa e oito euros e cinquenta cêntimos).
Sem custas.

Lisboa, 17 de Maio de 2017. - Casimiro Gonçalves - Relator Francisco Rothes - Aragão Seia.