Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0252/12.3BEBRG |
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Data do Acordão: | 11/08/2023 |
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Tribunal: | 2 SECÇÃO |
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Relator: | ISABEL MARQUES DA SILVA |
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Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL NÃO ADMISSÃO DO RECURSO |
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Sumário: | Não se justifica a admissão da revista se, contrariamente ao alegado, a questão não oferece complexidade jurídica superior à comum nem a solução sufragada se revela manifestamente errada ou juridicamente insustentável. |
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Nº Convencional: | JSTA000P31541 |
Nº do Documento: | SA2202311080252/12 |
Recorrente: | AGERE – EMPRESA DE ÁGUAS, EFLUENTES E RESÍDUOS DE BRAGA, E.M. |
Recorrido 1: | A..., S.A. |
Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório – 1 – AGERE – EMPRESA DE ÁGUAS, EFLUENTES E RESÍDUOS DE BRAGA, E.M., com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 11 de maio de 2023, que concedeu provimento ao recurso interposto por A..., S.A., melhor identificada nos autos, revogando a sentença recorrida e julgando procedente a impugnação de taxa de ligação do saneamento do imóvel de que esta é proprietária. A recorrente conclui as suas alegações de recurso nos seguintes termos: 1ª Com o presente recurso de revista pretende a Recorrente obter uma melhor aplicação do direito, bem como obter pronúncia sobre uma questão com relevância jurídica, pois está em causa a anulação de um acto administrativo em matéria tributária por efeito de aplicação de um princípio constitucional ou princípios da actividade administrativa, que regem a actividade discricionária da Administração. 2ª Numa matéria estritamente vinculada (aplicação de uma tarifa por parte de uma empresa municipal, na sequência de delegação (por constituição) do Município), o acórdão recorrido fundamenta-se em princípios gerais para anulação da liquidação quando tem sido entendimento constante e maioritário da jurisprudência e da doutrina que não é anulável por efeito de princípios da actividade administrativa o acto praticado ao abrigo de poderes vinculados, motivo pelo qual se entende que a relevância jurídica da questão e a melhor aplicação do direito se explica pelo facto do acórdão recorrido constituir uma derrogação de entendimento constante dos tribunais e contrariar posição dominante sobre uma matéria estruturante da actividade administrativa. 3ª O presente recurso preenche os requisitos previstos no nº 1 do artigo 285º do CPPT, pelo que se encontra em condições de ser recebido na apreciação liminar sumária prevista no nº 6 do mesmo normativo. 4ª A Recorrente emitiu a liquidação no uso de poderes vinculados e estava obrigada a cumprir a deliberação da Assembleia Geral que aprovou a tarifa (cfr. factos provados 17 e 18), constituindo, tal como foi identificado na sentença da 1ª instância, esta deliberação a norma de incidência. 5ª Como resulta do artigo 8º da LGT, estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência e a liquidação da taxa e nos termos do artigo 266º/nº 2 da CRP a Recorrente está obrigada a cumprir com a lei, isto é, obrigada a liquidar a taxa de acordo com a deliberação, motivo pelo qual não é a informação errada na página na internet que pode legitimar a violação do princípio da legalidade tributária. 6ª O acórdão recorrido acaba por responsabilizar a Recorrente por ter fornecido uma informação errada à Recorrida, considerando injusto que se liquide a tarifa à área bruta e não à área útil (como estava publicitado) e é contra este entendimento que a Recorrente se manifesta, pois esta injustiça podia relevar em sede de responsabilidade civil extracontratual (em teoria), mas não pode conduzir à anulação do acto impugnado. 7ª A Recorrente terá induzido a Recorrida em erro de forma não intencional, pelo que a violação da boa-fé e da colaboração entre Administração e particulares (a situação de facto não permite qualquer colaboração entre as partes) se afigura desajustada. 8ª Considera a Recorrente que a informação errada constante da página na internet não constitui violação de nenhum dos princípios indicados pelo acórdão recorrido, não afectando a validade da liquidação impugnada, que respeitou a deliberação que a aprovou. 9ª O acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento de Direito, concretamente dos artigos 8º da LGT e 266º/nº 2 da CRP, e do princípio da confiança no Estado de Direito e dos princípios da boa-fé e da colaboração na actividade administrativa. TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o douto acórdão recorrido e substituindo-o por outro que julgue a impugnação totalmente improcedente, assim se fazendo inteira JUSTIÇA. 2 – Contra-alegou a recorrida concluindo nos seguintes termos: I. Para sustentar a admissibilidade do recurso, a Recorrente aponta a relevância jurídica da questão e a necessidade de uma melhor aplicação do Direito, fundamentos previstos no artigo 285º/1 do CPPT (réplica do art.º 150º do CPTA). II. Entende a Recorrida que nenhum dos fundamentos erigidos pela Recorrente se subsumem aos requisitos de admissibilidade do Recurso de Revista, explanados no art.º 285º/1 do CPPT, porquanto, sendo a revista um recurso excecional, deve funcionar como uma “válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.” TERMOS EM QUE, Não deve ser admitido o presente recurso de revista por não se verificarem as condições de admissibilidade do artigo 285.º do CPPT e do artigo 150.º do CPTA. Caso assim não se entenda, deve ser NEGADO provimento ao mesmo, impondo-se a confirmação da douta decisão recorrida.
3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA não emitiu parecer sobre a admissão da revista.
4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão sindicado e respectiva motivação (fls. 12 a 17 da respectiva numeração autónoma).
Cumpre decidir da admissibilidade do recurso. - Fundamentação – 5 – Apreciando. Dos pressupostos legais do recurso de revista. O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”: 1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual. 3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado. 4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. 5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias. 6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário. Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso. E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.». Vejamos, pois. O acórdão do TCA sob escrutínio concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão de 1.ª instância que julgara improcedente a impugnação da taxa de ligação de saneamento com a seguinte motivação específica: «(…) Não há dúvida, em face dos factos provados, que a norma que constitui o fundamento legal da quantificação do tributo dispõe que a área do prédio a ter em conta para o cálculo da taxa é a área bruta. Nesse sentido, a ter sido correctamente publicitada aquela norma, nada haveria a apontar quer à liquidação quer à sentença recorrida. Porém, também está provado que a norma se encontrava publicitada em termos diversos do efectivamente deliberado e aprovado pelo sujeito emissor da mesma, na medida em que na página oficial da Recorrida na internet figurava que seria a área útil, aquela que se teria em conta para aplicar os coeficientes deliberados. A Mª Juiz a qua entendeu que isso era irrelevante, pois este instrumento de publicitação não é, em si mesmo, “fonte idónea dos pressupostos da taxa, não se sobrepondo, por isso, ao teor da referida deliberação”. Mas será isso bastante para uma liquidação que ignorou os termos daquela publicitação ser válida e legal? A recorrente invoca o artigo 232º do CC e louva-se na teoria do negócio jurídico para vincular a Recorrida à versão publicitada. A teoria do negócio jurídico não se presta à apreciação de um acto de mera publicitação de um regulamento, que, por sua vez, é um acto normativo. Por outro lado, na liquidação de um tributo, a vontade do autor da liquidação é irrelevante. O que releva é a adequação legal da liquidação. Julgamos que é o Direito Constitucional que aqui é chamado a intervir, directamente. Na verdade, ao entendimento do Mº Juiz recorrido opõe-se, antes de mais, o direito fundamental à tutela da confiança no Estado de Direito (artigo 2º da Constituição), direito da ordem dos direitos liberdades e garantias a que se refere o artigo 18º nº 1 da Constituição, directamente invocáveis e aplicáveis, isto é, aplicáveis sem necessidade de mediação legislativa. No nosso caso, o contribuinte vê publicitado um certo modo, plausível e proporcional, de determinar uma taxa de valor não despiciendo, confia, justamente, em que a norma emitida corresponde em tudo ao teor publicitado, conclui e pressupõe, na sua actividade económica, que a taxa a pagar será, consequentemente, de determinado valor, mas a Administração, após consumado um facto tributário que envolve um investimento considerável (a construção ou a aquisição de um edifício de consideráveis proporções) vem exigir-lhe valor sensivelmente superior, por aplicação de uma norma de quantificação contraditória com o que fora publicado. Note-se: do ponto de vista do contribuinte o erro não era evidente nem perto disso, nada permitia, ao contribuinte, antevê-lo. Neste contexto a injustiça da aplicação do coeficiente à área bruta, como efectivamente previsto na deliberação, mostra-se flagrante. Importava e importa, por isso, fazer intervir o princípio da confiança no Estado de Direito, o qual impõe que a entidade fiscal, possa exigir do contribuinte apenas o valor resultante da aplicação do coeficiente à área útil – a que constava da publicação. Para quem não encontrar razão neste nosso entendimento, dir-se-á que ao mesmo resultado terá de chegar por aplicação dos princípios jus administrativos da boa fé e da colaboração com os contribuintes, que norteiam e condicionam toda a actividade da administração, mesmo a tributária (cf. artigos 48º do CPPT, e 6º-A, maxime nºs 1 e 2 a)3 e 7º, maxime o nº 24. Não nos convence a alegação da recorrente quanto à necessidade da revista. O entendimento segundo o qual é o do exercício de “poderes discricionários” o campo primacial de aplicação directa dos princípios constitucionais em detrimento da legalidade estrita não é posto em causa, antes reafirmado, pelo acórdão do TCA recorrido, que entendeu contudo - num juízo que não reputamos de manifestamente errado ou juridicamente insustentável – ser necessário, no caso concreto, sob pena de “flagrante injustiça”, apelar aos princípios fundamentais jusadministrativos para obviar a que se sancione decisão contrária ao Direito. Esta linha de pensamento e de fundamentação não é, aliás, estranha à jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, como bem demonstra a recorrida nas suas contra-alegações. Não se vê, pois, como justificada a admissão da revista, porquanto a questão não oferece complexidade jurídica superior à comum nem a solução sufragada se revela manifestamente errada ou juridicamente insustentável.
Concluindo: Não se justifica a admissão da revista se, contrariamente ao alegado, a questão não oferece complexidade jurídica superior à comum nem a solução sufragada se revela manifestamente errada ou juridicamente insustentável.
Termos em que, face ao exposto, a revista não será admitida. - Decisão - 6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista.
Custas do incidente pela recorrente. Lisboa, 8 de Novembro de 2023. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia. |