Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02144/23.1BELSB
Data do Acordão:04/11/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA
Sumário:É de admitir revista sobre a adequação do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, para reagir à inércia da Administração na decisão de uma pretensão de autorização de residência, face à relevância jurídica da questão e à necessidade de a clarificar e solidificar no caso concreto.
Nº Convencional:JSTA000P32132
Nº do Documento:SA12024041102144/23
Recorrente:AA
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA – SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
AA, com os sinais dos autos, intentou no TAC de Lisboa contra o Ministério da Administração Interna/ Serviço de Estrangeiros e Fronteiras [agora AIMA, IP], Intimação para Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias, nos termos do art. 109º, nº 1 do CPTA, pedindo a intimação da entidade demandada a decidir a pretensão por si formulada em 08.08.2022 e, em consequência, a emitir o título de residência do Autor com carácter urgente ou, caso não se entenda que o seu pedido foi objecto de deferimento, que seja declarado, por força do prazo legal para a decisão, o deferimento tácito do mesmo.

Por sentença datada de 06.07.2023, o TAC julgou inobservado o requisito da subsidiariedade que é inerente à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, circunstância consubstanciadora de uma excepção inominada, nos termos conjugados dos artigos 109º, nº 1 e 110º, nº 1, ambos do CPTA, tendo rejeitado liminarmente o requerimento inicial.

Por acórdão de 25.01.2024 o TCA Sul negou provimento ao recurso interposto daquela decisão pelo Requerente, mantendo a decisão de 1ª instância, por ter entendido, em síntese, e, por referência a anterior acórdão daquele Tribunal em caso idêntico, que “o «decretamento de uma providência cautelar que intime o réu a emitir uma autorização de residência provisória (e o competente título de residência) mostra-se suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, dos direitos que o autor invoca, dando resposta às necessidades invocadas pelo mesmo (nomeadamente residência legal em Portugal, exercício de uma atividade profissional neste país, liberdade de circulação e de entrada e saída do território nacional e acesso à saúde nas mesmas conduções dos cidadãos nacionais e dos portadores de autorização de residência), enquanto não é proferida decisão na ação principal, e sendo certo que o eventual recurso interposto do referido decretamento de providência cautelar tem efeito meramente devolutivo (cfr. art. 143º n.º 2, al. b) do CPTA).» (Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13 de julho de 2023, proferido no Processo n.º 489/23.0BELSB).”.

É deste acórdão que o Autor interpõe o presente recurso de revista, nos termos do disposto no art. 150º, nº 1 do CPTA, invocando a manifesta relevância jurídica e social da questão que se reveste de importância fundamental, já que estão em causa direitos absolutamente fundamentais.

Não foram apresentadas contra-alegações.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente revista o Recorrente invoca que o acórdão recorrido, confirmativo da decisão do TAC de Lisboa, incorreu em erro de julgamento ao ter entendido que a intimação intentada não era o meio idóneo para ver decidida a sua pretensão de 08.08.2022 para obter «autorização de residência», com urgência, ou reconhecer que tal pretensão foi objecto de deferimento tácito, e emitir o título de residência, violando o seu direito a uma tutela jurisdicional efectiva e criando um entrave desproporcionado e injustificado no acesso ao direito e ao processo previsto no art. 20º da CRP. E que o acórdão recorrido violou os arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 15º, 20º, 26º, 27º, 36º, 44º, 53º, 58º, 59º, 64º, 67º, 68º e 268º, nº 4, todos da CRP, arts. 7º, 15º, e 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 6º e 14º da CEDH e ainda o art. 109º e 120º, nº 1, ambos do CPTA, e os arts. 82º, nº 1 e 88º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4/7, Lei nº 59/2017, de 31/7 e Lei nº 102/17, de 28/8 e Lei nº 18/2022, de 25/8 e ainda os arts. 5º, 8º, 10º e 13º, todos do CPA e art. 607º, nº 4 do CPC.
Esta Formação de Apreciação Preliminar teve já oportunidade de se pronunciar sobre as questões que o Recorrente pretende ver apreciadas nesta revista, em casos em tudo semelhantes.
Assim, v.g., no acórdão de 28.09.2023, Proc. nº 0455/23.5BELSB expendeu-se, nomeadamente, o seguinte: “Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista – referidos no citado artigo 150º do CPTA – ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
Feita uma tal apreciação, impõe-se-nos concluir pela admissão do presente recurso de revista. Efectivamente, e desde logo, a sintonia dos «tribunais de instância» no sentido da decisão de indeferimento liminar assenta em «diferentes fundamentos», (…). Estas discrepâncias jurídicas traduzem claramente, aliás, a divergência existente nas instâncias sobre a questão aqui litigada, a qual se mostra resolvida em aparente divergência com acórdão deste STA – AC STA de 11.09.2019 Rº 01899/18.0BELSB.
Assim, para além de estarmos perante uma «questão» de relevância jurídica, acresce a necessidade de clarificar e solidificar o sentido da sua resolução, no âmbito dos «casos concretos trazidos a juízo», o que é múnus do órgão máximo desta jurisdição.” (cfr. ainda os acórdãos desta Formação todos de 04.04.2024, Proc. nºs 180/23.7BECBR, 477/23.6BELSB e 741/23.4BELSB e de 22.03.2019, Proc. nº 02762/17.7BELSB).
Estes considerandos são absolutamente transponíveis para o caso em presença, sendo de toda a conveniência que o STA se pronuncie sobre a problemática dos pressupostos do meio previsto no art. 109º do CPTA, já que, além do mais, a questão da urgência representa um problema nesse domínio susceptível de se colocar repetidamente, justificando-se, portanto, admitir o recurso.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 11 de Abril de 2024. - Teresa de Sousa (relatora) – José Veloso – Fonseca da Paz.