Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0651/08 |
Data do Acordão: | 01/29/2009 |
Tribunal: | 1 SUBSECÇÃO DO CA |
Relator: | COSTA REIS |
Descritores: | FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO DIREITO DE AUDIÊNCIA DISPENSA DE AUDIÊNCIA DEGRADAÇÃO EM FORMALIDADE NÃO ESSENCIAL |
Sumário: | I - A fundamentação, que varia em função do tipo legal de acto, visa responder às necessidades de esclarecimento do seu destinatário, procurando-se através dela informá-lo do seu itinerário cognoscitivo e valorativo por forma a dar-lhe a conhecer as razões que estiveram na sua génese. II - A fundamentação, não necessitando de ser uma exaustiva descrição de todas as razões que determinaram o acto, implica uma exposição suficientemente esclarecedora de tais razões de modo a que o seu destinatário fique ciente porque se decidiu num sentido e não noutro. III - O direito de audiência constitui uma manifestação do princípio do contraditório pois que, dessa forma, se possibilita o confronto dos pontos de vista da Administração com os do Administrado. E, porque assim, e porque a mesma constituiu uma formalidade essencial a violação da referida norma procedimental ou a sua incorrecta realização tem como consequência normal a ilegalidade do próprio acto final e a sua consequente anulabilidade. IV - Todavia, nem sempre assim acontece pois, em certos casos, a lei dispensa o seu cumprimento (vd. art.º 103.º do CPA e 2 e 3 do art.º 60.º da LGT) e, noutros, a mesma pode degradar-se em formalidade não essencial e, portanto, ser omitida sem que daí resulte ilegalidade determinante da anulação do acto. |
Nº Convencional: | JSTA00065505 |
Nº do Documento: | SA1200901290651 |
Data de Entrada: | 07/15/2008 |
Recorrente: | VEREADOR DA CM DE LISBOA |
Recorrido 1: | A... |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL. |
Objecto: | SENT TAF LISBOA DE 2007/07/18 PER SALTUM. |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO. |
Área Temática 1: | DIR ADM CONT - ACTO. |
Legislação Nacional: | CONST76 ART268 N3 ART267 N5. DL 256-A/77 DE 1977/06/17 ART1. CPA91 ART100 ART124 ART125 ART135 ART103. |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC48369 DE 2002/03/07.; AC STA PROC47953 DE 2003/09/25.; AC STA PROC39792 DE 1997/06/26. |
Referência a Doutrina: | MARCELLO CAETANO MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO PAG477. ESTEVES DE OLIVEIRA DIREITO ADMINISTRATIVO PAG470. VIEIRA DE ANDRADE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA DE 1976 1983 PAG192. SANTOS BOTELHO E OUTROS CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO ANOTADO 4ED PAG378 PAG383. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | A... intentou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, recurso contencioso de anulação do despacho do Sr. Vereador do Pelouro da Habitação da Câmara Municipal de Lisboa, de 13/08/97, que o excluiu do realojamento, alegando que o mesmo estava inquinado por vícios de forma - incumprimento do disposto no art.º 100.º do CPA, notificação irregular e falta de fundamentação - e de violação de lei – violação do princípio da igualdade. Com sucesso já que, por sentença de 18/07/2007, o recurso foi provido e o acto impugnado anulado. Inconformada, a Autoridade Recorrida interpôs o presente recurso que rematou do seguinte modo: I. Salvo o devido respeito, falece a argumentação expendida na douta decisão proferida pelo Mmo Juiz "a quo", nos termos da qual, determinou a anulação do acto recorrido, com base, quer na omissão da audiência do interessado, quer na insuficiência da fundamentação do acto posto em crise. II. Quanto ao primeiro fundamento invocado, cumpre realçar, que relativamente à alegada omissão da formalidade prevista no art.° 100° e seguintes do CPA, não se afigura legítimo concluir pela indispensabilidade absoluta dessa formalidade, na medida em que a própria lei em certos casos a exclui e em outros permite que dela se prescinda, conforme o art.° 103° do Código do Procedimento Administrativo. III. Aliás, a omissão injustificada dessa formalidade - que no caso vertente não se verificou - configura-se como um mero vício de procedimento susceptível de inquinar o acto final, mas causador de mera anulabilidade, mas para que tal efeito operasse, salvo o devido respeito, no caso vertente, sempre se deveria ter por suprida a formalidade prevista no art.° 100° do CPA, dado que o recorrente foi ouvido em auto de declarações, conforme consta dos autos. IV. Ao verificar que o ora Agravado não habitava no fogo municipal, bem andou a autoridade recorrida ao prolatar o acto recorrido, com a fundamentação de facto e de direito nele contido, conforme Parecer Final do Digníssimo Ministério Público, em que nos louvamos e que damos por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais. V. De acordo com o exposto, salvo o devido respeito que é muito, falece a conclusão aduzida na douta sentença recorrida da falta de audiência do interessado. VI. Por outro lado, com a devida vénia, não podemos deixar de discordar do segundo fundamento aduzido na douta sentença recorrida, que determinou a anulação do acto sindicado, também por o mesmo se encontrar "(...) ferido de vício de forma, por falta de fundamentação. " VII. Com efeito, no caso "sub judice" foi dado conhecimento ao então Recorrente de todos os elementos do acto praticado, através da respectiva notificação, conforme se alcança claramente do referido ofício n.° 2061/DGP/97, sendo certo que a notificação ultimada incluiu a integral fundamentação de facto e de direito do acto em causa. VIII. Assim, o acto recorrido foi exarado na informação 1125/DGP/97, tendo-se fundado na falta de requisitos essenciais para ser titular de um fogo municipal, nomeadamente na circunstância de a recorrente não necessitar do fogo municipal, atento que ficou provado que o mesmo é possuidor de alternativa habitacional. IX. Ora, ao contrário do que se entrevê do teor da sentença recorrida, o ora Agravado, no recurso então interposto, demonstra indubitavelmente que ficou a conhecer o processo lógico, teleológico e axiológico do acto administrativo em causa (existe abundante jurisprudência neste sentido, nomeadamente o acórdão do STA proferido no recurso n.º 22568, bem como acórdão de 90.02.06 in AD n.° 341 pág. 680, acórdão de 10.01.89 in AD n.° 339 pág. 1303), não merecendo, ao invés do defendido na douta sentença recorrida, qualquer censura a actuação do Agravante. X. Finalmente, resta referir, que como anteriormente se demonstrou, o Agravante, não violou qualquer das disposições constitucionais referidas pelo ora Agravado, pautando- se a sua actuação por critérios de imparcialidade. Não foram apresentadas contra alegações. O Ilustre Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso. FUNDAMENTAÇÃO I. MATÉRIA DE FACTO A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos: 1) Em 12 de Agosto de 1997, a Chefe de Divisão de Gestão Patrimonial da Câmara Municipal de Lisboa despacha: "... proponho o realojamento do Sr. B... e respectivo agregado e a exclusão do direito a realojamento de A... o e respectiva Companheira...". (Cfr. fls. 109 v PA); 2) Sobre a informação referida no precedente facto despacha em 13 de Agosto de 1997, o Vereador do Pelouro da Habitação da CML: "Concordo". (Cfr. fls. 109 v PA); 3) A Câmara Municipal de Lisboa envia a C... o ofício n.º 2061/DGP/97 em 18 de Agosto de 1997, no qual se refere, designadamente: "Por Despacho do Ex.mo Sr. Vereador do Pelouro da Habitação da Câmara Municipal de Lisboa, exarado em 97/08/13 na Informação n.° 1125/DGP/97 ... foi decidido: Excluir V. Ex.ª e o Sr. A... do realojamento, com o fundamento no facto de não residirem no n.°... da ... tendo habitação alternativa na Zona ... - Rua ..., Lote ... local onde a D.ª C... é coabitante autorizada." (Cfr. fls. 23 Proc.º); 4) Em 21 de Agosto de 1997, a Junta de Freguesia de Marvila atesta que o aqui Recorrente "reside nesta freguesia desde 3-8-1992 em ..., nº ... ." (Cfr. fls. 11 Proc.º). 5) Em 27 de Agosto de 1997, o aqui Recorrente apresenta Reclamação do indeferimento do seu realojamento, requerendo a reapreciação. (Cfr. fls. 87 PA); 6) Em 15 de Outubro de 1997, o Vereador do Pelouro da Habitação da CML profere o seguinte despacho, sobre informação da Divisão de Gestão Patrimonial: "Concordo. Indefiro a reclamação. Proceda-se à desocupação e demolição da barraca.". (Cfr. 87v PA); 7) Em 10 de Outubro de 1997 a Policia Municipal elaborou Informação na qual se refere que o aqui Recorrente "reside na ..., na barraca n.° ... e desloca-se com frequência à residência acima referida porque namora com a C.... No local, contactei com vários moradores do mesmo lote e todos afirmam que efectivamente o ... o é visto com frequência no prédio, nomeadamente nas escadas na companhia da C..., mas ninguém confirmou que ali tenha residência." (Cfr. fls. 92 PA); 8) O presente Recurso foi intentado junto do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, em 26 de Agosto de 1997. (Cfr. fls. 2 Proc.º). II. O DIREITO. O presente recurso jurisdicional dirige-se contra a sentença do TAC de Lisboa que, com fundamento no incumprimento do disposto no art.º 100.º do CPA e na falta da fundamentação devida, anulou o despacho do Sr. Vereador da Câmara Municipal de Lisboa que excluiu o Recorrido do processo de realojamento que aquela autarquia levou a efeito aquando da demolição de um conjunto de barracas onde este alegava ter residência. A CM de Lisboa não se conforma com esta decisão já que entende que, por um lado, o despacho recorrido estava suficientemente fundamentado e, por outro, que ocorria uma situação de dispensabilidade da audiência prévia. Vejamos, pois, começando-se pela questão de saber se o acto impugnado está devidamente fundamentado. 1. A fundamentação é, como a jurisprudência e a doutrina têm repetidamente afirmado, um requisito formal do acto que varia em função do seu tipo legal, a qual se destina a responder às necessidades de esclarecimento do seu destinatário. Deste modo, pode afirmar-se que o acto está fundamentado sempre que o seu destinatário fica devidamente esclarecido acerca das razões que o motivaram, isto é, sempre que o mesmo exponha com suficiência e clareza as razões de facto e de direito que conduziram à sua prática, revelando desse modo o seu iter cognoscitivo e valorativo, por forma a que o interessado, se o quiser, o possa impugnar com o necessário esclarecimento. Daí que também se venha dizendo que se pode concluir que o acto está fundamentado quando o teor da petição de recurso evidencia que o recorrente conhece bem as razões que o determinaram Neste sentido veja-se M. Caetano, “Manual”, pg. 477 e E. Oliveira “Direito Administrativo”, pg. 470, e, entre muitos outros, os Acórdãos da Secção Administrativa do STA de 19/3/81, (rec. 13.031), de 27/10/82 in AD 256/528, de 25/7/84 (P) in AD 288/1386, de 4/3/87 in AD 319/849, de 15/12/87 (P) in AD 318/813 de 5/4/90 (P) in AD 346/1253, de 21/3/91 (rec. n.º 25.426), de 28/4/94 (rec. n.º 32.352), de 30/4/96, Ap. do DR de 23/10/98, pg. 3074, de 30/1/02, (rec. 44.288) e de 7/3/02 (rec. 48.369)..– Vd. n.º 3 do art. 268º da CRP, art. 1º do DL 256-A/77, de 17/6, art. 124º do CPA e art. 21.º, n.º 1 do CPT. Ao que acresce que a fundamentação não necessita de ser uma exaustiva descrição de todas as razões que estiveram na base da decisão, bastando que se traduza numa “sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito”, ou até numa “mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto” – art.º 125º do CPA. |