Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0563/16
Data do Acordão:07/13/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:GARANTIA
HIPOTECA VOLUNTÁRIA
VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO
Sumário:I - Embora o art. 199º do CPPT, não remeta expressamente para o artº 250º do CPPT no que concerne à forma de determinar o valor dos bens oferecidos como garantia é lícito que se recorra a este preceito legal para a determinação também de tal valor, pois que, a final, será esse o valor de referência se a execução houver que prosseguir pela venda executiva dos bens penhorados oferecidos em garantia.
II - A lei não impõe uma prévia avaliação ad-hoc dos imóveis para determinar a idoneidade ou a suficiência da garantia oferecida que sobre eles se constitua, embora - por razões de justiça e proporcionalidade – tal avaliação possa e deva ser realizada quando circunstâncias especiais o justifiquem, cabendo ao recorrente trazer ao conhecimento da Administração as circunstâncias especiais que, a verificarem-se, justifiquem eventualmente que a garantia constituída sobre imóveis deva atender a valor diverso do valor patrimonial tributário destes.
Nº Convencional:JSTA00069806
Nº do Documento:SA2201607130563
Data de Entrada:05/05/2016
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.......
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART199 ART250.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01362/13 DE 2013/09/18.; AC STA PROC0823/14 DE 2014/07/23.; AC STA PROC01688/13 DE 2013/12/04.; AC STA PROC0137/16 DE 2016/03/02.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal, de 4 de Março de 2016, que julgou procedente a reclamação judicial deduzida por A……….., com os sinais dos autos, contra o despacho do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, datado de 25 de Agosto de 2015, que determinou o reforço da garantia prestada ou a prestação de garantia idónea pelo montante em falta por forma a permitir a suspensão dos autos de execução, anulando o despacho reclamado.
A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a Reclamação apresentada por A………, NIF ……….., contra a decisão proferida pelo Senhor Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa em 25-08-2015 no âmbito dos autos de execução fiscal n.º 1503201501172166 que correm termos no Serviço de Finanças de Cascais 1 o qual aceitou a garantia por si prestada – hipoteca voluntária, mas, considerando a sua insuficiência para fazer face à dívida exequenda, condicionou a suspensão dos autos executivos em apreço ao seu reforço.
II. A garantia idónea, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 52.º da LGT e no artigo 199.º do CPPT, será aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento da totalidade do crédito e legais acréscimos – neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.09.2011, recurso n.º 0786/11, de 11.07.2012, recurso 730/12, de 10.10.2012, recurso 916/12 e, na doutrina, Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, pag. 77, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, pag. 474, Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª edição, Áreas Editora, Volume III, anotação 2 ao art. 199º.
III. Embora saibamos que o CPPT não contém, no seu elenco, qualquer norma que regule especificamente a determinação do valor dos bens oferecidos em garantia em sede de execução fiscal, é certo que os critérios levados em consideração na apreciação da suficiência da garantia têm por base a legislação tributária vigente, na medida em que, confere o n.º 2 do artigo 199.º do CPPT à Administração Fiscal uma certa margem de discricionariedade para decidir, em função do caso concreto, se a garantia prestada é ou não idónea para assegurar a cobrança efectiva da dívida exequenda.
IV. Na apreciação casuística que compete à Administração Fiscal fazer acerca da idoneidade da garantia oferecida, tratando-se de hipoteca voluntária sobre um bem imóvel, e pese embora o artigo 199.º do CPPT nada referir expressamente quanto ao critério a seguir para se aferir de tal idoneidade, é lícito que se recorra ao critério do valor patrimonial tributário para esse efeito.
V. Este é também um entendimento que tem sido vertido, reiteradamente, na Jurisprudência dos Tribunais Superiores, da qual se dá à estampa o Venerando Acórdão do STA de 04-12-2013, proferido no âmbito do recurso n.º 01688/13, que sumariza “I – O valor pelo qual foram avaliados os bens oferecidos em garantia aceite pelo credor hipotecário não tem de ser aceite pela Administração fiscal para efeitos de determinação da idoneidade da garantia prestada na vertente da sua suficiência (artigo 199.º do CPPT). II – Embora o artigo 199.º do CPPT não remeta expressamente para o artigo 250.º do CPPT no que concerne à forma de determinar o valor dos bens oferecidos como garantia, é lícito que se recorra a este preceito legal para a determinação também de tal valor, pois que, a final, será esse o valor de referência se a execução houver que prosseguir pela venda executiva dos bens penhorados oferecidos em garantia. III – Tal critério não se afigura violador do princípio da proporcionalidade, consagrado nos arts. 17.º n.º 2 e 266.º, n.º 2 da CRP, nas vertentes da necessidade e do equilíbrio ou da proibição do excesso, porquanto não parece que possa aceitar-se valerem os bens como garantia mais do que o valor pelo qual poderão ser avaliados para venda executiva”.
VI. Não é de estranhar que a Administração Fiscal utilize, in casum, o critério do valor patrimonial tributário do bem imóvel dado como garantia, porquanto é este o valor, também, que serve de base à liquidação e pagamento do Imposto Municipal sobre Imóveis, cfr. artigo 113.º do Código do IMI, o que se traduz, claramente, num critério justo e objectivo para efeitos tributários.
VII. O valor patrimonial é calculado tendo por base formulas fixadas por lei em que são tidos em atenção diversos coeficientes, fixados pelo legislador tendo em conta, precisamente, os preços de mercado correntes na zona em que os imóveis se inserem, com o objectivo último de por via da avaliação, aproximar o valor do imóvel o mais próximo dos valores de mercado.
VIII. Ora, no mesmo sentido de que, nos termos do n.º 4 do artigo 36.º da LGT, “A qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária”, também o valor pelo qual os imóveis são tratados no comércio jurídico (que pode, inclusivamente, não corresponder ao valor de mercado, ao que se dá, a título de exemplo, uma doação), não produz qualquer efeito perante a Administração Fiscal, máxime, no processo de execução fiscal, isto é, “tal valor, aceite pela credora hipotecária, não tem de o ser pelo credor Fisco, ou por qualquer outro credor, e nem sequer pode sê-lo por parte do Fisco, por expressa determinação da lei (artigo 250.º do CPPT), havendo necessidade de proceder à venda executiva dos bens dados em garantia, pois que a lei tributária fixa, sem margem para qualquer outra ponderação, a forma de determinação dos bens para venda …”, cfr. acórdão do STA de 04-12-2013, processo n.º 01688/13.
IX. E assim, o valor tributário afigura-se-nos, in casum, o critério uniforme e obectivo para efeitos de apreciação da garantia oferecida, em consonância com a Lei e toda a Jurisprudência dos Tribunais Superiores acima citada, contrariamente ao que foi decidido pelo Tribunal a quo, que baseou a idoneidade da garantia “no valor de mercado apurado por uma concreta avaliação dos imóveis”.
X. A Jurisprudência na qual se alicerçou a Douta Sentença, ora Recorrida, (acórdãos do STA de 18-09-2013 e de 23-07-2014, processos n.º 01362/13 e 0823/14, respectivamente) não logra aplicação nos presentes autos.
XI. Pelo que, à Fazenda Pública, não se conformando com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, não resta senão concluir, salvo o devido respeito, que a douta Sentença se estribou numa errónea apreciação da matéria de direito relevante para, a nosso ver, a boa decisão da causa, tendo violado o disposto no n.º 2 do artigo 52.º da LGT e nos n.ºs 1 e 2, ambos do artigo 199.º do CPPT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, deve a douta sentença, ora recorrida, ser revogada, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

2 – Contra-alegou a recorrida, nos termos de fls. 200 a 215 dos autos, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do julgado recorrido.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 224 a 226 dos autos, no qual se pronuncia pela improcedência do recurso e pela manutenção do julgado recorrido, embora com diversa fundamentação.

4 - Porquanto no seu parecer o Ministério Público suscitava questão não considerada na sentença recorrida e que se afigurava relevante para a apreciação do mérito do recurso, pelo meu Despacho de fls. 227 dos autos ordenei a notificação às partes do parecer do MP e para, querendo, se pronunciarem, vindo a recorrente, nos termos de fls. 231/232, dizer que o valor do pagamento efetuado pelo executado em 2015.07.30 foi já tido em conta no despacho reclamado e o recorrido, nos termos de fls. 2337234, remeter para a sua pronúncia anterior sobre a questão.

Com dispensa de vistos, dado o carácter urgente do processo, vêm os autos à conferência.
- Fundamentação -

5 – Questão a decidir
É a da saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar ilegal o despacho reclamado por este ter considerado insuficiente para suspender a execução fiscal a garantia prestada - hipoteca voluntária sobre imóvel -, atendendo a que valor patrimonial tributário do imóvel é inferior ao valor da execução e sem ter procedido à avaliação deste para determinação do respectivo valor de mercado.

6 – Na sentença do objecto do presente recurso foram fixados os seguintes factos:
1. A Administração Fiscal instaurou contra o ora Reclamante o processo de execução fiscal n.º 1503201501172166, que tramita pelo serviço de Finanças de Cascais 1 para cobrança de dívidas de IRS, referentes ao ano de 2010, no montante de Euros 1.926.197,00 e acrescido;
2. A liquidação de IRS que subjaz à dívida em cobrança nos presentes autos de execução foi objecto de impugnação judicial;
3. Em 09.07.2015 no intuito de suspender os autos de execução o ora Reclamante constituiu garantia na forma de hipoteca voluntária a favor da Administração Tributária incidente sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ............... , do concelho de Cascais, sob o n.º 12316;
4. Em 30.07.2015 o Reclamante procedeu ao pagamento do montante de Euros 1.042.000,00;
5. Através o Ofício n.º 2015S000105906, de 28.08.2015, foi o ora Reclamante notificado do despacho de 25 de Agosto de 2015 do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa;
6. O despacho reclamado e a informação sobre o qual recaiu contêm o seguinte teor:

“Concordo. Face à informação e pareceres prestados e com os fundamentos neles aduzidos aceito a garantia apresentada. Considerando no entanto a sua insuficiência, fica a presente aceitação condicionada ao seu reforço pelo montante aqui referido, cabendo ao serviço local, a sua verificação, em fase anterior à emissão do despacho de suspensão dos autos.
Ao serviço local para efeitos.
Por delegação,
Director Adjunto
25-08-2015

Informação
Objecto da informação
N.º da Informação: 1738/15.
Assunto: Apreciação de garantia.
Serviço de Finanças: Cascais 1.
Natureza do Imposto: IRS (2010).
N.º de Processo – SLF: 1503201501172166.
N.º de Processo – DF: PEF 714/15.
Identificação do Contribuinte
Nome: A……….
Morada ou sede: R. ……………, 2765-………. ESTORIL.
NIF: ............
Informação
I – Do pedido
Mediante comunicação electrónica endereçada, em 04-08-2015, pelo SF de Cascais 1 a esta DF/DGDE, sob o n.º 15032015C115846, a que foi atribuída a entrada geral nesta DF/DGDE, sob o n.º 2015S000097870, aquele veio dar conta de que, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1503201501172166, com origem em dívida de IRS de 2010, o executado A…………., contribuinte n.º ………, constituiu hipoteca voluntária unilateral, para servir de garantia, a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, sobre o prédio urbano infra melhor referenciado, com vista a assegurar os créditos subjacentes ao citado processo de execução fiscal.
II – Da competência para decidir o pedido
Dado que a quantia em dívida (€1.926.197,00), é superior a 500 unidades de conta (€51.000,00), compete ao órgão periférico regional, que, no caso concreto é esta DF/DGDE, apreciar a garantia concretizada nos presentes autos, nos termos conjugados dos arts. 197.º, n.ºs 1 e 2, e 199.º, n.º 9, do CPPT.
III – Da análise do pedido
Compulsados os autos de execução em apreço verifica-se que, em 09-07-2015, o executado constituiu hipoteca voluntária unilateral, a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 12316, sito Na União das Freguesias de …………, no concelho de Cascais, do qual o executado é seu titular.
Refira-se que na escritura constitutiva subjacente a tal hipoteca voluntária unilateral se consignou o pagamento do Imposto do Selo decorrente da constituição dessa mesma hipoteca voluntária unilateral com vista a fazer face aos autos em apreço.
Vale isto por dizer que, no caso vertente, a indicada hipoteca voluntária unilateral erigida sobre o alvitrado prédio urbano foi constituída por quem tinha, e tem, legitimidade para o fazer, sendo que aquela faz parte, diga-se, do elenco das garantias dos créditos tributários prevista na lei (cfr. artigo 199.º, n.º 2, do CPPT).
Aqui chegados, cumpre-nos informar que o supradito prédio urbano se acha avaliado nos termos do CIMI pelo valor patrimonial tributário de €988.592,20.
Note-se que sobre o prédio em causa não incidem quaisquer ónus e/ou encargos, à excepção, naturalmente da hipoteca voluntária unilateral que foi constituída para fazer face aos presentes autos executivos.
Tudo como melhor se infere do teor da escritura constitutiva da mencionada hipoteca voluntária unilateral, bem como do teor da certidão permanente atinente ao referido prédio urbano, as quais se encontram insertas nos autos e que se dão aqui por integralmente reproduzidas, e bem assim das aplicações informáticas da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Por aqui se vê, pois, que o prédio urbano dado em garantias nos autos, sob a forma de hipoteca voluntária unilateral, garante, o pagamento do montante de €988.592,20, correspondente, como vimos, ao seu valor patrimonial tributário.
Tal montante (€988.592,20), porém, fica muito aquém do montante a garantir nos presentes autos para efeitos suspensivos e que foi fixado pelo SF de Cascais 1 em €1.179.111,53 (cfr. vide informação tipo elaborada, em 04-08-2015, pelo SF de Cascais, que se encontra inserta nos autos).
Assim, face ao exposto, afigura-se-nos de que tal hipoteca voluntária unilateral vale como garantia (cfr. art. 199.º, n.º 2, do CPPT), mas esta é inidónea, face à sua insuficiência, para assegurar os créditos tributários subjacentes aos autos em apreço, ao abrigo do disposto no art. 199.º, n.ºs 1 e 6, do CPPT, por interpretação a contrario sensu.
Consigna-se que, em 02-06-2015, o executado deduziu impugnação judicial contra o acto de liquidação subjacente aos autos, a qual se encontra pendente de decisão judicial, sob o n.º 1503201503000400.
IV – Das conclusões
1) A aceitação da garantia constituída pelo executado, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 150320151172166, consubstanciada na hipoteca voluntária unilateral erigida sobre o prédio urbano supra mencionado, porquanto a mesma faz parte do elenco das garantias dos créditos tributários previstas na lei (cfr. art. 199.º n.º 2, do CPPT).
2) Que o executado seja notificado da insuficiência da garantia por si constituída e da obrigação de proceder ao seu reforço ou à prestação de garantia idónea pelo montante remanescente em falta a garantir, no prazo de 15 dias, a contar da notificação a efectuar para o efeito, sob pena de prossecução dos termos normais do processo de execução, à luz do preceituado no art. 199.º, n.º 8, do CPPT.
Para os efeitos preconizados e notificação do executado, na pessoa do seu mandatário, propõe-se, finalmente, a remessa da presente informação ao SF de Cascais 1.
À consideração superior.”

7. O imóvel a que se referem os autos, foi adquirido pelo Reclamante em 2013 pelo preço de €1.600.000,00;
8. O valor patrimonial do imóvel é de Euros 988.592,20;
9. O prédio antes referido não foi objecto, por parte da AT, de avaliação do respectivo valor de mercado.

7. Apreciando
7.1 Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida
A sentença recorrida, a fls. 158 a 172 dos autos, julgou procedente a reclamação judicial deduzida pelo ora recorrido contra o despacho do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa que determinou o reforço da garantia prestada ou a prestação de garantia idónea pelo montante em falta por forma a permitir a suspensão da execução fiscal na pendência da impugnação judicial deduzida contra liquidação de IRS de 2010, anulando-o, no entendimento de que resultando evidenciada uma manifesta discrepância entre o valor patrimonial tributário de tal imóvel, ou seja Euros 988.592,20€, e o respectivo valor de aquisição, elemento indiciador do valor de mercado (…) tomando-se em consideração imperativos de proporcionalidade e de justiça se terá de buscar o juízo de suficiência das garantias (e do mesmo modo de idoneidade, que aqui se encontra desprovida de autonomia) em critério diverso do vertido no artigo 250.º do CPPT (…), ou seja, como jurisprudencialmente definido, no valor de mercado apurado por uma concreta avaliação dos imóveis, o que a administração Tributária não fez, em evidente violação da lei – cfr. sentença recorrida, a fls. 170/171 dos autos.
Invoca o Tribunal a quo, em abono do decidido, os acórdãos deste STA de 18 de Setembro de 2013, rec. n.º 01362/13 e de 23 de Julho de 2014, rec. n.º 0823/14.
Discorda do decidido a AT, alegando que na apreciação casuística que compete à Administração Fiscal fazer acerca da idoneidade da garantia oferecida, tratando-se de hipoteca voluntária sobre um bem imóvel, e pese embora o artigo 199.º do CPPT nada referir expressamente quanto ao critério a seguir para se aferir de tal idoneidade, é lícito que se recorra ao critério do valor patrimonial tributário para esse efeito, invocando igualmente em abono da sua alegação o Acórdão deste STA de 4 de Dezembro de 2013, rec. n.º 01688/13.
O recorrido defende a manutenção do julgado sob recurso e o mesmo fazendo o Ministério Público junto deste STA, embora partindo do pressuposto – que não damos como assente –, de que o despacho reclamado não teria tido em conta o pagamento parcial da quantia exequenda efectuado pelo recorrente. Tal questão, porém, salvo o devido respeito, apenas relevará, em caso de improcedência do presente recurso, no conhecimento – a efectuar primariamente em 1.ª instância –, da invocada insuficiência de fundamentação do despacho reclamado, questão esta não conhecida pela sentença recorrida porquanto prejudicada pela procedência da reclamação (cfr. fls. 171 dos autos).
No que ao objecto do presente recurso respeita, entendemos que, no caso dos auto, assiste razão à recorrente.
Vejamos.
Tem afirmado este STA, em Acórdãos por nós subscritos - cfr., ainda recentemente, o Acórdão de 2 de Março de 2016, proferido no recurso n.º 0137/16 – que «a exigência, como regra, de prestação de garantia para suspensão da execução na pendência de meio procedimental ou processual tendo por objecto a legalidade ou exigibilidade da dívida exequenda visa acautelar a boa cobrança do crédito tributário caso o diferendo venha a ser resolvido em sentido favorável à pretensão da Administração tributária, sendo que, nesse caso, se não for voluntariamente efectuado o pagamento, a Administração accionará a garantia (….) Faz, por isso, sentido que, embora o artigo 199.º do CPPT não remeta expressamente para o artigo 250.º do CPPT no que concerne à forma de determinar o valor dos bens oferecidos como garantia, se recorra a este último preceito legal para a determinação também de tal valor, pois que, a final, será esse o valor de referência se a execução houver que prosseguir pela venda executiva dos bens penhorados oferecidos em garantia».
O recurso ao valor patrimonial tributário do imóvel não se afigura, pois, como um critério irrazoável, antes um critério em regra adequado, não se impondo necessariamente, sob pena de ilegalidade, a avaliação ad-hoc do imóvel por iniciativa da AT se este valor for manifestamente discrepante do valor atribuído ao bem onerado em aquisição recente.
Ou seja, não é porque há uma circular que manda avaliar as garantias constituídas sobre imóveis pelo valor patrimonial tributário destes que este critério de avaliação da suficiência da garantia é, ou deixa de ser, bom ou mau. O critério é bom - conste ou não de circular - se se revelar, in casu, adequado para ajuizar da suficiência da garantia para satisfação da dívida exequenda e acrescido. Será mau – conste ou não de circular ou outra “doutrina administrativa” -, no caso inverso.
No caso dos autos o Tribunal “a quo” julgou que se impunha à AT, em face da discrepância de valores, o prévio recurso à avaliação do imóvel oferecido em garantia e que, tendo sido preterida tal avaliação, o despacho sindicado se encontrava ferido de violação de lei, juízo este que não podemos sufragar sem que tivessem sido minimamente apuradas as razões de tal discrepância, que podem radicar em razões muito diversas.
A lei não impõe essa prévia avaliação ad-hoc, embora esta - por razões de justiça e proporcionalidade - possa e deva ser realizada quando circunstâncias especiais o justifiquem, cabendo ao recorrente trazer ao conhecimento da Administração as circunstâncias especiais que, a verificarem-se, justifiquem eventualmente que a garantia constituída sobre imóveis deva atender a valor diverso do valor patrimonial tributário destes, pois que é razoável presumir que o valor patrimonial tributário constitua um valor aproximado do valor de mercado dos bens imóveis.
Não pode, pois, pelas razões expostas, o julgado recorrido manter-se, sendo de revogar a sentença recorrida – pois que o vício de violação de lei que apontou ao despacho reclamado não se verifica -, ordenando-se a baixa dos autos ao Tribunal “a quo” para que conheça do outro vício apontado pelo reclamante ao despacho reclamado e cujo conhecimento foi julgado prejudicado pela sentença.

O recurso merece provimento.
- Decisão -

8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal “a quo” para que conheça da questão da invocada falta de fundamentação do despacho reclamado.

Custas do recurso pelo recorrido, que contra-alegou.

Lisboa, 13 de Julho de 2016. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Pedro Delgado - Fonseca Carvalho.