Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01794/02
Data do Acordão:03/14/2006
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:PIRES ESTEVES
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL.
PUCS.
CULPA.
DANO.
JUROS MORATÓRIOS.
ACTO TÁCITO.
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
Sumário:I - O legislador (art°2° do Código Comercial) arruma a matéria comercial em duas categorias: actos objectivamente comerciais e actos subjectivamente comerciais. Não se norteou, na delimitação do direito comercial, nem pela concepção subjectiva pura (em que actos de comércio são apenas os praticados pelos comerciantes) nem, tão-somente, por uma concepção objectiva (em que os actos de comércio são os que como tal a lei define, seja quem for pessoa que os pratique). Adoptou antes um sistema misto, nos termos do qual são actos de comércio os que a lei enumera como tais, mas e além destes, os actos dos comerciantes que tenham conexão com a sua actividade mercantil.
II — Tendo o Estado sido condenado a pagar uma indemnização a uma empresa de construção pela prática de acto ilícito culposo (o não envio à Direcção-Geral do Ordenamento do Território de requerimento pela CCRLVT, que indevidamente fora endereçado a esta quando o devia ter sido àquela — art°34° n°1 al.a] do Código de Procedimento Administrativo) os juros devidos pelo Estado não têm natureza comercial.
III — A tutela administrativa consiste no conjunto dos poderes de intervenção de uma pessoa colectiva pública na gestão de outra pessoa colectiva, a fim de assegurara legalidade ou o mérito da sua actuação.
IV – As faculdades da tutela são, essencialmente, as seguintes: a faculdade de autorizar ou de aprovar actos da entidade tutelada (tutela integrativa); a faculdade de fiscalizar a organização, o funcionamento e a actuação da entidade tutelada (tutela inspectiva); a faculdade de aplicar sanções à entidade tutelada, por preterição da legalidade ou do mérito da sua actuação (tutela sancionatória); a faculdade de revogar, modificar ou suspender os actos administrativos da entidade tutelada (tutela revogatória ou correctiva); a faculdade de suprir as omissões da entidade tutelada, praticando, em vez dela e por sua conta, os actos que forem legalmente devidos (tutela substitutiva ou supletiva).
V – O termo instância pode ter dois sentidos. Num primeiro, instância quer dizer os diversos graus de jurisdição admitidos na hierarquia judiciária (assim há tribunais de lª e de 2ª instância); num outro sentido, quer significar a própria relação jurídica processual, a acção em exercício e movimento, confundindo-se, por vezes, com o processo, que é a sua exteriorização material.
VI – Quando a lei fala no art°287° al.e) do CPC que “a instância se extingue coma inutilidade superveniente da lide” está a usar a palavra instância no segundo sentido apontado.
VII - A relação jurídica processual iniciada com a propositura da petição do recurso contencioso extinguindo-se por inutilidade superveniente da lide e tendo esta pronúncia transitado em julgado, não chegou a haver uma declaração de ilegalidade do acto contenciosamente recorrido.
VIII — As leis que não estiverem sujeitas a prazos especiais de vigência permanecem tendencialmente para sempre, nunca servindo a antiguidade da lei, ou o seu desuso, de argumento para a sua não aplicação.
IX — A cessação da vigência de uma lei, para além da sua anulação, só pode acontecer ou pela caducidade ou pela revogação.
Na caducidade, a lei cessa de vigorar por mero efeito da superveniência de um facto, independentemente de nova lei.
A revogação consiste na substituição expressa ou por declaração, tácita ou por incompatibilidade, parcial ou por derrogação e global ou ab-rogação.
X — O art°122° da CRP, respeitante à publicação dos actos normativos, não é parâmetro de aferição da validade constitucional das normas do Plano de Urbanização da ..., pois, sendo estas normas anteriores à Constituição de 1976, não pode a sua validade formal e orgânica ser ajuizada à luz dos preceitos deste texto constitucional.
XI— O sentido do art°290° n°2 da CRP (art°293° n°1, na redacção originária) — que dispõe que o direito ordinário anterior à entrada em vigor da Constituição mantém-se desde que não seja contrário à Constituição ou aos seus princípios nela consignados — é o de que todo o direito ordinário anterior, vigente à data da entrada em vigor da Constituição, se mantém, desde que o seu conteúdo seja materialmente compatível com as normas ou princípios da nova Constituição, e isso independentemente da sua conformidade ou desconformidade com a ordem constitucional anterior e independentemente também da sua conformidade ou desconformidade com as novas normas constitucionais relativas à forma e à competência dos actos normativos.
XI — As normas da CRP/1976 relativas à forma e à competência dos actos normativos só se aplicam para o futuro, não fazendo qualquer sentido averiguar se, à luz do art°122° da CRP, as normas do Plano de Urbanização da ... deviam ou não ser publicadas no Diário da República para serem válidas e eficazes.
XII — Por outro lado, considerando que o DL. n°37 251, de 28/12/1948, que aprovou o PUCS, foi publicado no Diário de Governo, e que na época, só a publicação do diploma legal de aprovação do Plano, e não também a deste, era habitual, atendendo ao tempo já decorrido e sabendo os interessados, pela publicação daquele decreto-lei, que o Plano de Urbanização da Costa Sol tinha sido aprovado, não pode dizer-se que a confiança dos cidadãos na ordem jurídica tenha sido intoleravelmente afectada, e, assim, não ocorre violação dos princípios da segurança e da protecção da confiança, integrantes do princípio do Estado de Direito.
XIII — A disciplina do silêncio administrativo vem regulada nos arts. 108° e 109° do Código de Procedimento Administrativo. De acordo com estes preceitos, a formação de acto tácito depende da verificação dos seguintes requisitos: a) que um órgão da Administração seja solicitado a pronunciar-se num caso concreto; b) que a matéria sobre que esse órgão é solicitado a pronunciar-se seja da sua competência; c) que esse órgão tenha, sobre a matéria em causa, o dever legal de decidir, através de um acto definitivo; d) que tenha decorrido o prazo legal sem que haja sido tomada uma decisão expressa sobre a matéria; e) que a lei atribua significado jurídico ao silêncio da Administração durante esse prazo.
XIV — O conceito jurídico-administrativo de proporcionalidade (art°5° n°2 do CPA) decompõe-se em três aspectos: a) a exigibilidade do comportamento administrativo, tendo este de constituir condição indispensável da prossecução do interesse público; b) a adequação do comportamento administrativo à prossecução do interesse visado; c) a proporcionalidade em sentido estrito ou relação custos-beneficios, isto é, a existência de uma proporção entre as vantagens decorrentes da prossecução do interesse público e o sacrifício inerente dos interesses privados.
XV — A legalização de uma obra de construção tem como pressuposto que a mesma já esteja totalmente acabada, e não meramente em construção ou em fase de acabamento.
XVI — Por dano, em sentido jurídico, deve entender-se a supressão ou diminuição duma situação favorável que estava protegida pelo direito.
No conceito de dano, tanto cabe o dano emergente (o que resulta da frustração duma vantagem já existente), como o lucro cessante - (o outrora apelidado “dano pelas oportunidades perdidas” - (a não concretização duma vantagem que, doutra forma, operaria).
Nº Convencional:JSTA00062990
Nº do Documento:SA12006031401794
Data de Entrada:11/15/2002
Recorrente:A...
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAC DE LISBOA.
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE EXTRA.
Legislação Nacional:CPA91 ART34 N1 A ART52 N2 ART108.
CONST97 ART122 ART290 N2.
DL 37251 DE 1948/12/28 ART4 ART5 ART6.
CCIV66 ART570 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC27938 DE 1999/01/14.; AC STAPLENO PROC27816 DE 1998/02/18.; AC STA PROC27838 DE 1991/03/14.; AC STA PROC43505 DE 1999/06/01.; AC STA PROC648/05 DE 2005/11/23.
Referência a Doutrina:MENEZES CORDEIRO DAS OBRIGAÇÕES VOLII PAG283.
MARCELO REBELO DE SOUSA LIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO 1999 PAG231.
JOÃO CAUPERS DIREITO ADMINISTRATIVO PAG81.
SÉRVULO CORREIA NOÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO VOLI PAG210.
Aditamento: