Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
| Processo: | 0951/24.7BEBRG-CP |
| Data do Acordão: | 04/30/2025 |
| Tribunal: | CONFLITOS |
| Relator: | TERESA DE SOUSA |
| Descritores: | CONSULTA DE JURISDIÇÃO ACIDENTE DE VIAÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL COMPANHIA DE SEGUROS |
| Sumário: | Compete aos Tribunais Judiciais conhecer de litígio no qual, face aos termos em que o Autor configurou na petição inicial a causa de pedir, o pedido e o Réu que demandou, a relação controvertida é uma relação jurídica privada. |
| Nº Convencional: | JSTA000P33681 |
| Nº do Documento: | SAC202504300951 |
| Recorrente: | AA |
| Recorrido 1: | A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Área Temática 1: | * |
| Aditamento: | |
| Texto Integral: | Consulta Prejudicial nº 951/24.7BEBRG Acordam no Tribunal dos Conflitos Por despacho do Sr. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (doravante TAF de Braga), de 14.01.2025, foi decidido suscitar a consulta prejudicial deste Tribunal dos Conflitos, ao abrigo do artigo 15º, nº 1, da Lei nº 91/2019, de 4 de Setembro, por se haver entendido que a questão da jurisdição competente para conhecer da causa levanta fundadas dúvidas. A presente acção de condenação foi intentada no TAF de Braga por AA, identificado nos autos, contra A... – Companhia de Seguros, SA, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, peticionando: “a) A quantia de 8.347,26 €, relativa ao valor necessário para a reparação dos danos causados na viatura da A., resultado das proveniências referidas em 35 e 52 desta petição inicial. b) A quantia diária de 15,00€/dia, resultante da imobilização e privação da viatura, desde a data do sinistro até efetivo ressarcimento dos danos sofridos e que na presente data (tendo decorrido 493 dias) perfaz a quantia de 7.395,00€, conforme resulta das proveniências referidas em 65 e 66 desta petição inicial. c) E ainda nos juros legais contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. d) Bem como nas custas a que deu causa.” Em síntese, o Autor alega que sofreu danos na sua viatura automóvel, em consequência de um acidente de viação que terá sido causado pelo mau estado do pavimento de uma via pública municipal, por estar esburacado, circunstância da responsabilidade do Município de Celorico de Basto, que transmitira a sua responsabilidade para a Ré seguradora. A Ré contestou defendendo-se por excepção, suscitando a sua ilegitimidade passiva, e por impugnação. O Autor, em resposta, pugnou pela improcedência dessa excepção e requereu, no caso de assim não se entender, a intervenção do Município de Celorico de Basto como parte principal do lado do Réu, nos termos do artigo 316º e seguintes do CPC. Remetidos os autos a este Tribunal dos Conflitos, face ao pedido de consulta prejudicial, nos termos ao nº 1 do art. 15.º da Lei 91/2019, foi dado cumprimento ao disposto no nº 3 do art. 11º daquele diploma. O Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser emitida pronúncia que atribua a competência material para conhecer da presente acção aos tribunais judiciais. Vejamos. Cabe aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas “que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” [artigos 211º, nº 1, da CRP; 64º do CPC; e 40º, n.º 1, da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ)], e aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar as causas “emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” [artigos 212º, nº 3, da CRP e 1º, nº 1, do ETAF]. A competência dos tribunais administrativos e fiscais é concretizada no art. 4º do ETAF com delimitação do “âmbito da jurisdição” mediante uma enunciação positiva (nºs 1 e 2) e negativa (nºs 3 e 4). Tem sido reafirmado por este Tribunal, e constitui entendimento jurisprudencial e doutrinário consensual, que a competência material do tribunal se afere em função do modo como o Autor configura a acção e que a mesma se fixa no momento em que a acção é proposta. Como se afirmou no Acórdão deste Tribunal de 01.10.2015, Proc. nº 08/14, «A competência é questão que se resolve de acordo com os termos da pretensão do Autor, aí compreendidos os respectivos fundamentos e a identidade das partes, não importando averiguar quais deviam ser os termos dessa pretensão, considerando a realidade fáctica efectivamente existente ou o correcto entendimento do regime jurídico aplicável. O Tribunal dos Conflitos tem reafirmado constantemente que o que releva, para o efeito do estabelecimento da competência, é o modo como o Autor estrutura a causa e exprime a sua pretensão em juízo». Importa, portanto, determinar se a acção, tal como foi configurada pelo Autor se deve incluir na competência da jurisdição administrativa e fiscal ou se estamos perante um litígio para cujo conhecimento sejam competentes os tribunais judiciais. No caso, com fundamento em responsabilidade civil e invocando a existência de um contrato de seguro com a Ré, para a qual a entidade que reputa responsável pelo seu acidente – o Município de Celorico de Basto – transferira a responsabilidade, veio o Autor propor a acção unicamente contra a companhia de seguros, entidade de direito privado, tendo em vista a sua condenação em indemnização pelos danos que sofreu. Sendo a Ré uma pessoa colectiva privada e não lhe podendo ser imputadas acções ou omissões no “exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”, como estipula o nº 5 do art. 1º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, não se pode enquadrar a situação dos autos no nº 1 do art. 4º do ETAF, de modo a atribuir competência aos tribunais da jurisdição administrativa para apreciar a acção. Como já se disse, a competência do tribunal fixa-se “no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente” – cfr. art. 5º, nº 1 do ETAF e igualmente o artigo 38º da LOSJ. A acção não vem inicialmente proposta contra o Município de Celorico de Basto e, ainda que venha a ser admitida a sua intervenção principal provocada, tal intervenção ocorrerá posteriormente à propositura da acção, através de uma modificação de facto legalmente irrelevante para a fixação da competência, nos termos dos supracitados normativos. Assim, no momento da propositura da acção, face aos termos em que o Autor configurou na petição inicial a causa de pedir, o pedido e o Réu que demandou, não há dúvida de que se está perante um litígio de natureza tipicamente civilística, e não perante uma relação jurídica administrativa ou litígio enquadrável no art. 4º do ETAF (em sentido semelhante se pronunciou já este Tribunal dos Conflitos, v.g., nos acórdãos de 23.03.2022, Proc. 040/21, de 07.02.2024, Proc. 02/23-CP, de 18.04.2024, Proc. 01772/23.0BEBRG e de 27.11.2024, Proc. 05/24.6BEPRT). Pelo exposto, e nos termos do disposto no art. 17º da Lei nº 91/2019, de 4 de Setembro, acordam em emitir pronúncia no sentido de que cabe aos Tribunais Judiciais conhecer da presente acção. Lisboa, 30 de Abril de 2025. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – Nuno António Gonçalves. |