Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
| Processo: | 02837/22.0T8STB.E1-A.S1 |
| Data do Acordão: | 06/19/2024 |
| Tribunal: | CONFLITOS |
| Relator: | NUNO GONÇALVES |
| Sumário: | É da competência material dos tribunais administrativos e fiscais conhecer de ação em que o autor pretende ser indemnizado nos termos gerais de direito pelos danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente causados pelo réu, um centro hospitalar EPE, uma entidade publica integrada na administração indireta do Estado com a prática discriminatória, no âmbito do vínculo jurídico de natureza pública (contrato administrativo de provimento) existente entre ambos, que não lhe permitiu ascender na carreira que o perseguiu disciplinarmente e não quis contribuir para que não fosse acusado e julgado em processo criminal, do qual foi absolvido. |
| Nº Convencional: | JSTA000P32418 |
| Nº do Documento: | SAC2024061902837 |
| Recorrente: | AA |
| Recorrido 1: | CENTRO HOSPITALAR … |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Área Temática 1: | * |
| Aditamento: | |
| Texto Integral: | *
recurso Acórdão: O Tribunal dos Conflitos acorda: ---------------------- ** a. Relatório: AA intentou em 2/05/2022, no Tribunal Judicial da comarca de Setúbal, ação condenatória de indemnização por responsabilidade civil contra: -Centro Hospitalar ..., representado pelo Conselho de Administração composto por BB, CC, DD, EE e FF, pedindo a condenação solidária dos réus no pagamento de uma indemnização no valor de € 80.000, acrescido do valor a apurar pelos danos morais. Processo que foi ali distribuído ao Juízo Central Cível – juiz .... Citado, o réu Centro Hospitalar ... contestou, excecionando a incompetência material do Juízo Cível para a causa. Para o efeito e em suma, sustentou que emergindo as questões objeto dos autos de uma relação jurídica administrativa, enquadrada no direito público, a competência material para a sua resolução judicial cabe à jurisdição administrativa. O Juiz naquele Juízo, por despacho de 23/06/2022, convidou a autora a, além do mais, esclarecer qual é a causa de pedir na ação: “se o facto de o julgamento do processo crime ter sido adiado com o prejuízo da descoberta da verdade, se o do estatuto não ter sido respeitado”. O autor, em 19/04/2023, apresentou articulado inicial aperfeiçoado, peticionando, a final, a condenação do réu no pagamento de uma indemnização no valor de € 80.000 (oitenta mil euros), acrescida de € 20.000 (vinte mil euros) a título de danos morais. Notificado, o réu Centro Hospitalar ..., EPE contestou, reiterando e mantendo a contestação anteriormente apresentada. O Juízo Central Cível de ... – Juiz ..., por despacho saneador de 11/10/2023, julgou verificada a exceção da incompetência material daquele Tribunal para a apreciação do litígio, atribuindo essa competência aos tribunais administrativos, nos termos do art. 1.º e 4.º, n.º 4, al. b), in fine, do ETAF. O autor, inconformado com o assim decidido, interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora. O Centro Hospitalar ..., EPE contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. O Tribunal da Relação de Évora, - 2.ª Secção Cível -, por acórdão de 18/12/2023, julgou a apelação improcedente, confirmando a decisão da primeira instância, mantendo a atribuição da competência material para a apreciação da causa aos tribunais administrativos, nos termos do art. 1.º e 4.º, n.º 4, al. b), in fine, do ETAF. O autor, não se conformando, interpôs recurso para o Tribunal dos Conflitos, nos termos dos artigos 101.º, n.º 2 e 629.º, al. a), do CPC, com vista à determinação do Tribunal competente em razão da matéria para o conhecimento da vertente causa. O réu contra-alegou, invocando a intempestividade do recurso e pronunciando-se, subsidiariamente, pela atribuição da competência material para a apreciação do litígio aos tribunais administrativos. A Exma. Desembargadora relatora por despacho de 5/02/2024, não admitiu o recurso. O autor, irresignado com a não admissão do recurso, apresentou reclamação para o Presidente do Tribunal dos Conflitos. Recebidos os autos neste Tribunal, Excelentíssimo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por decisão de 5/04/2024, admitiu o recurso. b. parecer do Ministério Público: O Digno Procurador-geral Adjunto, na vista a que alude o art. 11.º, n.º 4, da Lei n.º 91/2019, de 4 de setembro, emitindo parecer, pronuncia-se no sentido de ser atribuída competência material para conhecer da presente ação à jurisdição administrativa e fiscal. c. exame preliminar: O recurso é o próprio - art. 101.º n.º 2 do CPC. Está admitido. Este Tribunal dos Conflitos é o competente para julgar o recurso no que respeita à questionada incompetência material do tribunal cível para conhecer da causa – art. 3.º alínea c) da Lei n.º 91/2019 de 4 de setembro. Não existem questões processuais que devam conhecer-se previamente à apreciação do mérito e que pudessem impedir o prosseguimento do recurso para julgamento. d. objeto do recurso: Consiste em definir se a competência em razão da matéria para conhecer da do presente litígio que o autor intentou contra os réus pedindo que sejam condenados a indemnizá-lo por alegada violação dos direitos funcionais que invoca e por assédio moral no trabalho, compete aos tribunais da jurisdição comum, concretamente aos juízos cíveis ou se cabe aos tribunais da jurisdição administrativa. e. fundamentação: 1. o direito: i. da competência material das jurisdições: Da arquitetura constitucional e do quadro legal orgânico, estatutário e adjetivo que a desenvolve, resulta que aos tribunais judiciais comuns está atribuída a denominada competência residual. Que, na expressão do legislador, se traduz no poder-dever de conhecer das “causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”. Resulta ainda que na ordem dos tribunais judiciais comuns, aos juízos cíveis compete conhecer das causas que não estejam atribuídas a tribunais ou juízos “dotados de competência especializada”. Assim, não cabendo uma causa na competência material, legalmente atribuída a outro tribunal, será a mesma da competência residual do tribunal comum. E nesta jurisdição se não estiver especificadamente atribuída a outra área, competirá aos tribunais cíveis. Estabelece a Constituição da República - art. 212.º, n.º 3 – e regulamenta a Lei de Organização do Setor Judiciário/LOSJ – art. 144.º, n.º 1 que aos tribunais administrativos e fiscais compete “o julgamento das ações e recursos contenciosos” “emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”, nos termos concretizados pelo ETAF, tendo nessas matérias «reserva de jurisdição» “excepto nos casos em que, pontualmente, a lei atribua competência a outra jurisdição”. Competência em razão da matéria que o artigo 4.º enuncia, dispondo (no que para aqui releva): ---------------- “1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais; (…) e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes; f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, (…); g) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso; Por sua vez, a alínea b) do n.º 4 daquele artigo 4.º, excluiu do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, “A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público”. O legislador, na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 93/VIII que esteve na base do ETAF aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, - que com várias alterações (16) está a vigorar -, expressando o seu pensamento, afirmou que com o (então) novo o estatuto optou “por ampliar o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos em domínios em que, tradicionalmente, se colocavam maiores dificuldades no traçar da fronteira com o âmbito da jurisdição dos tribunais comuns. A jurisdição administrativa passa, assim, a ser competente para a apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado. Já em relação às pessoas colectivas de direito privado, ainda que detidas pelo Estado ou por outras entidades públicas, como a sua actividade se rege fundamentalmente pelo direito privado, entendeu-se dever manter a dicotomia tradicional e apenas submeter à jurisdição administrativa os litígios aos quais, de acordo com a lei substantiva, seja aplicável o regime da responsabilidade das pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função administrativa. A jurisdição administrativa passa, também, a ser competente para a apreciação de todas as questões relativas a contratos celebrados por pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais contratos se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado; também neste domínio se optou, em relação às pessoas colectivas de direito privado, ainda que detidas pelo Estado ou por outras entidades públicas, por apenas submeter à jurisdição administrativa os litígios respeitantes a contratos administrativos ou a contratos cujo procedimento de formação se encontre submetido, nos termos da lei, a um regime específico de direito público. A competência dos tribunais administrativos estende-se, nestes casos, à apreciação da validade dos próprios actos jurídicos de preparação e adjudicação do contrato («actos précontratuais»), praticados por estas entidades.” Impõe-se salientar que está pacificamente firmado na jurisprudência, designadamente na deste Tribunal dos Conflitos – máxime: Acórdão de 08/11/2018, in processo n.º 20/18 -, que “a competência dos tribunais em razão da matéria afere-se em função da configuração da relação jurídica controvertida, isto é, em função dos termos em que é deduzida a pretensão do autor na petição inicial, incluindo os seus fundamentos (…). (…) é, assim, questão que se resolve em razão do modo como o autor estrutura a causa, e exprime a sua pretensão em juízo, não importando para o efeito averiguar quais deveriam ser os correctos termos dessa pretensão considerando a realidade fáctica efectivamente existente, nem o correcto entendimento sobre o regime jurídico aplicável”. Como também aí se adverte, «o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência…»].”1. 2. apreciação: i. a causa de pedir na ação: No caso dos autos (considerando a PI aperfeiçoada), o autor alega, em síntese, que: -------------------------------------- - É médico ..., tendo sido admitido em 1990 para exercer funções no Centro de Saúde ...; - Seguidamente foi integrado no então Hospital 1, transitando posteriormente para o Centro Hospital ... EPE (doravante CH...), detendo o escalão mais elevado da carreira médica – Assistente Graduado Sénior – categoria que já detinha em 2007/2008; - Aquando da ausência do Diretor de Departamento e do Diretor de serviço da especialidade de ..., o autor propôs ao Conselho da Administração do CH... a sua nomeação para Diretor de Departamento; - Tal proposta veio a ser negada, tendo sido nomeado para ambos os cargos – Diretor de Departamento e Diretor de Serviço - um médico posicionado em escalão inferior ao seu, que transitava de um hospital privado; - O CH... desconsiderou a vontade e a proposta do autor, que apresentava qualificações e tempo de serviço superiores ao Diretor então nomeado para aceder a tais cargos – cfr. Decreto-Lei n.º 177/2009, de 04 de agosto; - Detendo o escalão mais elevado da carreira médica – Assistente Graduado Sénior de ... (art. 8.º do Decreto-Lei n.º 177/2009, de 04 de agosto) assistia ao autor o direito ao respetivo conteúdo funcional, descrito no art. 13.º daquele diploma, competências que o réu desrespeitou com o seu comportamento; - Em 12/08/2015, o CH... promoveu a instauração de processo disciplinar interno ao autor, por falta de comparência às consultas externas; - Processo disciplinar que foi arquivado em 14/04/2016; - Pelos mesmos fundamentos participados á Ordem dos Médicos, o autor foi aí sujeito a processo disciplinar; - Processo disciplinar que, com conhecimento do CH..., veio a ser arquivado em 7/07/2016; - Em 2015 foi apresentada nos Serviços do Ministério Público ..., denúncia (por dois doentes) contra o autor por abandono de funções; - Denúncia que originou a abertura do DIAP de ... do inquérito com o n.º 3272/15.2...; - Na investigação, o Ministério Público solicitou ao CH... elementos documentais essenciais para a descoberta da verdade; - O CH..., respondendo, não informou o Ministério Público de que: (i) os referidos processos disciplinares haviam sido arquivados, (ii) nunca considerou injustificadas quaisquer faltas ao serviço por parte do autor, (iii) o vencimento do autor, no período indicado na acusação, sempre foi pago sem qualquer desconto, (iv) nem juntou outras informações sobre a prestação de trabalho do autor, que podiam permitir um arquivamento do inquérito, o que prejudicou a descoberta da verdade; - Nesse inquérito, em 10/01/2017, foi deduzida acusação contra o autor imputando-lhe a prática de um crime de abandono de funções; - acusação comunicada ao CH... em 18.09.2017, também comunicada á Ordem dos Médicos; - Por sentença de 11/04/2019, o autor foi absolvido, dando-se ali como provado que nunca se encontrou em situação de ausência às consultas externas de ambulatório e que nunca se recusou a assistir pacientes, bem pelo contrário; - Para a decisão de absolvição contribuiu a junção integral aos autos de ambos os processos disciplinares de que o CH... era detentor e que só vieram a ser juntos após notificação ocorrida em outubro de 2018, ordenada pelo Tribunal a pedido do autor; - Após proferida sentença no processo-crime, o CH... continuou a negar ao autor o exercício das funções inerentes à categoria na carreira médica e as consultas dos seus doentes continuaram a ser desmarcadas sem o seu consentimento ou conhecimento; - O autor deveria ter a categoria profissional de diretor de departamento e diretor de serviço com o respetivo conteúdo profissional remuneratório, o que nunca sucedeu; - Manteve sempre as funções de assistente hospitalar que não correspondem às do seu escalão na carreira médica; - Com a descrita conduta, o CH... prejudicou o autor no seu estatuto remuneratório, não lhe pagando a retribuição a que teria direito e no seu estatuto profissional molestando o seu direito à imagem, bom nome e dignidade. Com esta ação o autor pretende a condenação do Centro Hospitalar ... a pagar-lhe indemnização pelos danos patrimoniais e morais que alega, em síntese, por desrespeito do seu estatuto e respetivo conteúdo funcional, invocando, designadamente, a figura do assédio moral e a violação do regime da carreira especial médica e respetivos requisitos de habilitação, estabelecidos no Decreto-Lei n.º 177/2009 de 4 de agosto. Vejamos: ii. relação jurídica administrativa: O autor juntou aos autos o contrato escrito assinado, datado de 27/04/1990, através do qual celebrou com o Centro de Saúde ... “Contrato Administrativo de Provimento” ao abrigo do n.º 2 da al. a) do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 427/892, de 7 de setembro, que definia o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública. Nos termos do artigo 3.º daquele diploma, “A relação jurídica de emprego na Administração Pública constitui-se por nomeação e contrato de pessoal.” Estabelecendo o art. 14.º do mesmo DL que “O contrato de pessoal só pode revestir as modalidades de: a) Contrato administrativo de provimento; b) Contrato de trabalho a termo certo.”. Sendo que “O contrato administrativo de provimento confere ao particular outorgante a qualidade de agente administrativo” (cfr. n.º 2 do art. 14.º), por contraposição ao contrato de trabalho a termo certo, que “não confere a qualidade de agente administrativo e rege-se pela lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo, com as especialidades constantes do presente diploma.” (cfr. n.º 3 do art. 14.º). Por sua vez, o art. 15.º daquele diploma estatuía: ------- “1 - O contrato administrativo de provimento é o acordo bilateral pelo qual uma pessoa não integrada nos quadros assegura, a título transitório e com carácter de subordinação, o exercício de funções próprias do serviço público, com sujeição ao regime jurídico da função pública. 2 - O contrato administrativo de provimento é celebrado nos seguintes casos: a) Quando se trate de serviços em regime de instalação, salvo se o interessado já possuir nomeação definitiva; (…)”. O Centro Hospitalar ..., constituído de harmonia com o regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de dezembro, foi criado em 31 de dezembro de 2005 como entidade coletiva de natureza empresarial, de direito público, dotado de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, regendo-se pelo regime jurídico das entidades públicas empresariais e respetivos estatutos. Trata-se de um hospital EPE, do Serviço Nacional de Saúde, que integrou, por fusão que integra, por fusão, o Hospital 1., e o Hospital 2, ficando sob a superintendência e tutelada do Ministério da Saúde. Nos termos do mesmo diploma legal os seus trabalhadores “estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, nos termos do Código do Trabalho, bem como ao (…) regime legal de carreira de profissões da saúde, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e regulamentos internos.” De modo que “o pessoal com relação jurídica de emprego público que, à data” da sua criação estava “provido em lugares dos” respetivos quadros, “bem como o respetivo pessoal com contrato administrativo de provimento”, transitou para a E. P. E. com garantia da “manutenção integral do seu estatuto jurídico, sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei n.º 193/2002, de 25 de setembro” (regime de colocação e de afectação do pessoal integrado nos serviços e organismos que sejam objecto de extinção, fusão ou reestruturação). Assim, os trabalhadores com vínculo de emprego público que estavam providos em postos de trabalho dos mapas de pessoal do Réu, mantiveram integralmente o seu estatuto jurídico, podendo “optar a todo o tempo pelo regime do contrato de trabalho”. Em que “a opção definitiva pelo regime do contrato de trabalho é feita, individual e definitivamente, mediante acordo escrito com o conselho de administração”, tornando-se “efetiva a cessação do vínculo à função pública com a sua publicação no Diário da República, data em que o contrato de trabalho a celebrar com o hospital E. P. E. passa a produzir efeitos”. Aplicando este regime, no Acórdão de 17-11-2016, do Supremo Tribunal de Justiça (4.ª secção social), sustentou-se que “os trabalhadores com vínculo de natureza pública aos estabelecimentos hospitalares a que foi atribuído o estatuto de EPE, nos termos dos Decretos Lei n.º 326/2007, de 28 de setembro e n.º 233/2005, de 29 de dezembro, caso não tenham optado pelo contrato de trabalho de direito privado, mantêm o vínculo de natureza pública, com a conservação integral do respetivo estatuto, nos termos do artigo 15.º do último daqueles diplomas”3. Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 177/2009, de 4 de agosto, que contém o regime da carreira especial médica, bem como os respectivos requisitos de habilitação profissional, aplicando-se aos médicos integrados na carreira especial médica cuja relação jurídica de emprego público seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas (cfr. art. 2.º), estabelece no art. 16.º: ----------- “1 - O recrutamento para os postos de trabalho em funções públicas, no âmbito da carreira médica, incluindo mudança de categoria, efectua-se mediante procedimento concursal. 2 - Os requisitos de candidatura e a tramitação do procedimento concursal previstos no número anterior são regulados por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da Administração Pública e da saúde.” iii. conclusão: No caso, o autor, pretende ser indemnizado nos termos gerais de direito pelos danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente causados pela prática discriminatória do réu, que não lhe permitiu ascender na carreira e que o perseguiu disciplinarmente e não quis contribuir para que não fosse acusado e julgado em processo criminal. O autor, tal como define a sua pretensão de justiça na petição inicial corrigida, imputa ao réu Centro Hospital ... E. P. E., uma entidade publica que integrada na administração indireta do Estado, a prática de comportamentos ilícitos e culposos levados a cabo no âmbito de um vínculo jurídico de natureza pública (contrato administrativo de provimento) existente entre ambos. Assim e independentemente do regime de responsabilidade civil a operar no caso concreto - contratual ou extracontratual -, facilmente se conclui que a vertente ação vem intentada contra uma entidade pública por factos envolvidos numa relação jurídico-administrativa E, como vem assinalado no Acórdão recorrido o autor, “que se encontrava vinculado à ré por uma relação de emprego público, como resulta do preceito legal que o próprio invocou, mantém integralmente o respetivo estatuto jurídico uma vez vinculado ao novo hospital E.P.E., pois que, embora tivesse a possibilidade de optar pelo regime do contrato de trabalho de direito privado, tal se mostra irrelevante, uma vez que o Autor não invocou tal opção”. Assim, estando em causa um litígio emergente de um vínculo de emprego público, conclui-se que a competência material para do mesmo conhecer recai nos tribunais do foro administrativo. Competência material jurisdicional que não é afastada pelo citado art. 4.º, n.º 4, al. b), do ETAF que, conforme referido, exclui do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal “A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público”. f. Dispositivo: Pelo exposto, o Tribunal dos Conflitos acorda em julgar improcedente o recurso, confirmando-se o acórdão recorrido, decidindo-se que materialmente competente para a ação intentada nos autos é o tribunal administrativo e fiscal de Almada. * Sem custas por não serem devidas – art. 5.º n.º 2, da Lei n.º 91/2019, de 04 de setembro. Lisboa, 19 de junho de 2024. - Nuno António Gonçalves (relator) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.
1. http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/00026a026bf60a4e802583440035ed00 2. https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/decreto-lei/427-1989-550586 3. Processo 31/14.3T8PNF.P1.S1 |