Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:05441/20.4T8MTS.P1.S1
Data do Acordão:06/25/2025
Tribunal:CONFLITOS
Relator:NUNO GONÇALVES
Sumário:I - A reparação dos danos emergente de acidentes ocorridos durante e por causa das atividades de formação asseguradas pelo IEFP no âmbito de contrato de formação que articulava os objetivos específicos de uma ação de qualificação profissional (em canalizações) e objetivos educativos (curso EFA tipo B3), a que o formando possa ter direito, responsabilizam o IEFP, IP, que transferiu, a responsabilidade infortunística, como estava contratual (responsabilidade contratual) e legalmente obrigado (responsabilidade extracontratual), para as seguradoras rés.
II - Assim, considerando o regime jurídico aplicável, a natureza de Instituto Público do IEFP (que integra a administração indireta do Estado), e, ainda, o interesse público subjacente, a relação jurídica em causa nesta ação reveste natureza administrativa.
Nº Convencional:JSTA000P33981
Nº do Documento:SAC2025062505441
Recorrente:AA
Recorrido 1:INSTITUTO DE EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL
GENERALI SEGUROS, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: *

Recurso


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O Tribunal dos Conflitos acorda: ----------------------


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a. Relatório:


AA intentou em 05/02/2024, no Juízo do Trabalho de Matosinhos -Juiz ..., ação especial emergente de acidente de trabalho contra: ------


- Instituto de Emprego e Formação Profissional IP (IEFP, IP);


- Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A.; e


- Generali – Companhia de Seguros, S.A.,


peticionando a condenação do/as réu/és, “na medida das suas responsabilidades: ---

A) A Reconhecerem a incapacidade do Autor para o desempenho do trabalho habitual, que lhe vier a ser fixado em sede de junta médica que aqui se requer nos termos do artigo 138.º do C.P.T, para o que se juntam em anexo os respetivos quesitos;

B) A pagarem ao Autor:

a) Uma pensão anual e vitalícia com início na data que vier a ser fixada como data da alta

b) A quantia referente às ITP que vierem a ser fixadas


c) A quantia de €60,00 de despesas com transportes obrigatórios.


d) Juros de mora vencidos e vincendos pelas prestações pecuniárias em atraso.


e) A custas e acréscimos legais.

C) Subsidiariamente, devem os Réus ser condenados a pagar a quantia pecuniária de € 65.000,00 a título de indemnização pelos danos sofridos, acrescidos de juros desde a data do acidente até integral pagamento.”.

Para tanto alega, em suma, ter celebrado com o réu IEFP, pelo prazo de 14 meses, com início em 24/10/2011 e término em 11/01/2013, um contrato de formação profissional de canalizações, ministrado pelo Centro de Formação Profissional do Porto, no âmbito do qual auferia uma bolsa de formação mensal e um subsídio de transporte.


Acrescenta, em apertada síntese, que, no decurso e por causa da formação, o autor sofreu dois acidentes (um em 18/11/2011, outro em 12/06/2012) que lhe causaram sequelas permanentes e o incapacitam de trabalhar.


Que o réu IEFP, celebrou com as rés, seguradoras Allianz e Generali contratos de seguro de acidentes pessoais dos formandos, razão pela qual são corresponsáveis pela reparação das lesões e danos sofridos pelo autor.


O Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP contestou, excecionando a incompetência absoluta do tribunal do trabalho em razão da matéria, atribuindo a competência aos tribunais administrativos e fiscais, defendendo-se, ainda, por impugnação.


A Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A contestou, excecionando a sua ilegitimidade passiva e a prescrição do direito invocado pelo autor, defendendo-se, também, por impugnação.


A Generali Seguros, SA contestou, excecionando a inexistência de contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado com a Generali e impugnou os factos.


O autor respondeu às exceções deduzidas pelos réus, pugnando pela sua improcedência.


O Juízo do Trabalho de Matosinhos, por despacho saneador sentença de 11/06/2024, atribuindo a competência à jurisdição administrativa, declarou-se materialmente incompetente para conhecer da presente ação e absolveu os réus da instância.


O autor, não se conformando, apelou para a 2.ª instância.


O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 11/12/2024, julgou o recurso improcedente.


O autor, inconformado, interpôs recurso para Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela revogação do acórdão recorrido e a substituição por outro que julgue “o Tribunal de Trabalho competente para conhecer da presente ação” ou, se assim se não decidisse, logo requeu que o “recurso seja convolado em recurso para o Tribunal de Conflitos e para esse Digníssimo Tribunal remetido.”


O réu IEFP, IP, respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.


As rés não responderam.


O recurso foi admitido pelo relator no Tribunal da Relação do Porto que determinou a remessa dos autos ao Tribunal dos Conflitos.

b. parecer do Ministério Público:


O Digno Procurador-Geral Adjunto na vista a que alude o art. 11.º, n.º 4, da Lei n.º 91/2019, de 4 de setembro, sustentando que o contrato de formação celebrado entre o autor, recorrente e o réu recorrido IEFP, regendo-se pelo disposto no DL 242/88, de 07-07 e Portaria n.º 230/2008, de 7/3, - expressamente invocado no clausulado contratual, “não gera nem titula relações de trabalho subordinado (n.º 3 do art.º 4.º)” em que “o formando tem direito ao pagamento de um subsídio de formação e de um seguro contra acidentes pessoais, de acordo com as alíneas c) e d) do n.º 1 do mesmo artigo 4.º” e que “a natureza jurídica do regime aplicável e” a natureza de uma das partes – o Instituto Público integra a administração indireta do Estado -, entende que a relação jurídica assim constituído e as responsabilidades jurídicas que dela possam emergir “revestem natureza administrativa”, enquadrando-se na previsão do art.º 4.º, n.º 1, al. a) do ETAF, , pronuncia-se pela improcedência do recurso, decidindo-se “que a competência material para a ação é da jurisdição administrativa.


c. exame preliminar:


O recurso é o próprio - art. 101.º n.º 2 do CPC.


Está admitido.


Este Tribunal dos Conflitos é o competente para julgar o recurso no que respeita à questionada incompetência jurisdicional material do tribunal da jurisdição comum para conhecer da causa – art. 3.º alínea c) da Lei n.º 91/2019 de 4 de setembro.


Não existem questões processuais que devam conhecer-se previamente à apreciação do mérito e que pudessem impedir o prosseguimento do recurso para julgamento.

d. objeto do recurso:


Consiste em definir que jurisdição – comum ou administrativa – é compete, em razão da matéria, para conhecer da ação que o autor, ora recorrente intentou nestes autos contra o/as/réu/és peticionando a reparação de danos corporais e não patrimoniais alegadamente emergentes de dois acidentes ocorridos quando frequentava curso de formação de canalizações ministrado pelo IEFP.


e. Fundamentação:

1. da competência:

i. pressuposto:


A competência do tribunal é um pressuposto indispensável para que o juiz possa conhecer do mérito de uma causa.


Está pacificamente assente na doutrina e na jurisprudência1 que “a competência dos tribunais em razão da matéria afere-se em função da configuração da relação jurídica controvertida, isto é, em função dos termos em que é deduzida a pretensão do autor na petição inicial, incluindo os seus fundamentos (…)


A competência em razão da matéria é, assim, questão que se resolve em razão do modo como o autor estrutura a causa, e exprime a sua pretensão em juízo, não importando para o efeito averiguar quais deveriam ser os correctos termos dessa pretensão considerando a realidade fáctica efectivamente existente, nem o correcto entendimento sobre o regime jurídico aplicável …»].2.


E, em determinadas causas, afere-se ainda em função da natureza jurídica dos sujeitos processuais. Sendo questão “a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do autor (compreendidos aí os respetivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão3.


ii. fixação:


Nos termos da lei - art. 38.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013 -, “a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei”.


Norma que o ETAF praticamente reproduz (“A competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente”.) Acrescentando o n.º 2 que Existindo, no mesmo processo, decisões divergentes sobre questão de competência, prevalece a do tribunal de hierarquia superior.”.


iii. repartição:


Da arquitetura constitucional e do quadro orgânico, estatutário e adjetivo que a desenvolve, resulta que aos tribunais judiciais comuns está atribuída a denominada competência residual. Que, na expressão do legislador, se traduz no poder-dever de conhecer das “causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.


Resulta ainda que, na ordem dos tribunais judiciais comuns, aos juízos cíveis compete conhecer das causas que não estejam atribuídas a tribunais ou juízos “dotados de competência especializada”.


Assim, não cabendo uma causa na competência legal e especificamente atribuída a outro tribunal, será a mesma da competência residual do tribunal comum.


Mas, a LOSJ, fundando-se nas reconhecidas vantagens advenientes da especialização dos tribunais e juízes, reparte a competência ratione materiae dos tribunais da jurisdição comum atribuindo-a, segundo o critério da natureza substancial das causas, a juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada.


Atribuindo aos Juízos do trabalho a competência, em matéria cível, para conhecer das questões, ações, processos, execuções e recursos contraordenacionais catalogados no art.º 126.º daquela Lei.


No que para aqui poderia relevar, atribui-lhe competência para conhecer também “Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais”.


Aos tribunais da jurisdição administrativa compete conhecer e julgar as ações e recursos que tenham como causa “litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. Tendo «reserva de jurisdição nessa matéria, excepto nos casos em que, pontualmente, a lei atribua competência a outra jurisdição».


Os tribunais administrativos, “são os tribunais comuns em matéria administrativa, tendo «reserva de jurisdição nessa matéria, excepto nos casos em que, pontualmente, a lei atribua competência a outra jurisdição»4.


Na ordem dos tribunais administrativos e fiscais, a competência residual para “dirimir litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” recai nos tribunais administrativos.


A competência material dos Tribunais Administrativos e Fiscais encontra-se concretizada no art. 4.º do ETAF, essencialmente pela positiva, mas também com exclusões, designadamente as que constam do n.º 4 do mesmo artigo.


No que para aqui releva, estabelece n.º 1 alíneas a), f) e o) que lhes cabe, “a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:--------

a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;

(…)

f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, (…), sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo;

(…) e

o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores.

Acrescentando no n.º 2 que: -----


“Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade.


Estabelecendo no n.º 4, al. al.ª b), que: ------


4 - Estão igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal: ----

b) A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público; (…).”.

2. regime jurídico do contrato de formação:


O Decreto-Lei n.º 242/88, de 7 de julho, que visou “estabelecer o elenco mínimo dos direitos e deveres dos indivíduos não vinculados por relações de trabalho subordinado que frequentem acções de formação profissional de natureza extra-escolar financiadas, directa ou indirectamente, por fundos públicos”, catalogndo os direitos e deveres dos formandos em cursos de formação profissional apoiados por fundos públicos, regula a situação jurídica do formando que participe em ações de formação profissional não inserida no sistema educativo (art. 1.º, n.º 1).


Excluindo do seu âmbito de aplicação “os formandos vinculados à entidade formadora ou a terceiros por contrato de trabalho ou qualquer vínculo jurídico-laboral de direito público, salvo quanto ao direito ao certificado previsto na alínea c) do artigo 5.º” (art.º 1.º n.º 2).


Para os seus efeitos entende-se por “Acção de formação profissional: qualquer modalidade de formação organizada, a ser ministrada com o fim de proporcionar a aquisição de conhecimentos, capacidades práticas, atitudes e formas de comportamento requeridos para o exercício de uma profissão ou grupo de profissões”.


E por “Contrato de formação” o “acordo escrito celebrado entre uma entidade formadora e um formando, mediante o qual este se obriga a frequentar uma acção de formação profissional determinada, com vista à apreensão de um conjunto de conhecimentos e de técnicas de execução das tarefas inerentes a uma profissão ou grupo de profissões, e aquela se obriga a facultar, nas suas instalações ou nas de terceiros, os ensinamentos e meios necessários a tal fim.” (art. 2.º, al. d)”.


Estatuindo que o contrato de formação, obrigatoriamente escrito, “não gera nem titula relações de trabalho subordinado e caduca com a conclusão da acção de formação para que foi celebrado.


Entre outros, confere ao formando, o direito de “receber pontualmente os subsídios de formação previstos no respectivo contrato” e de “beneficiar de um seguro contra acidentes pessoais nas suas actividades de formação” - art. 5.º n.º 2 al.ªs b) e d) – acidentes ocorridos, durante e por causa da formação.


Onerando a entidade formadora, entre outros, com o dever de “celebrar um contrato de seguro de acidentes pessoais que proteja os formandos contra riscos e eventualidades que possam ocorrer durante e por causa das actividades de formação” -art. 7.º, n.º 1, al. e).


Regime jurídico que é desenvolvido pelo Regulamento do formando aprovado pelo Departamento de Formação profissional do IEFP.


À data, o regime jurídico dos cursos de educação e formação de adultos denominados (cursos EFA) era regulado pela Portaria n.º 230/2008 de 7 de março, que veio a ser revogada pela Portaria n.º 86/2022 de 4 de fevereiro que contém o regime vigente da regulamentação dos cursos de educação e formação de adultos, igualmente designados por «cursos EFA».


3. natureza jurídica do IEFP, IP:


É um instituto público de regime especial - art.º 48.º n.º al.ª b) da lei n.º 3/2004 , integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa, financeira e património próprio - art. 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 143/2012, de 11 de julho – tutelado pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social – “que tem por missão promover a criação e a qualidade do emprego e combater o desemprego, através da execução de políticas ativas de emprego, nomeadamente de formação profissional – art.º 3.º n.º 1.”


Nos termos da Lei n.º 3/2004 de 15 de janeiro (Lei quadro dos Institutos Públicos) trata-se de uma pessoa coletiva de direito público vinculada à observância dos princípios gerais da atividade administrativa, quando estiver em causa a gestão pública. Aplicando-se-lhe o regime da responsabilidade civil do Estado e as leis do contencioso administrativo, quando estejam em causa atos e contratos de natureza administrativa.


IEFP, IP que, além de outras, tem a missão de “promover a qualificação escolar e profissional da população adulta, através da oferta de formação profissional certificada, ajustada aos percursos individuais e relevante para a modernização da economia” – art.º 3.º n.º 2 al.ª d) - realizando, por si ou em colaboração com outras entidades, das ações de formação profissional adequadas às necessidades das pessoas e de modernização e desenvolvimento do tecido económico.


Constituindo despesas próprias “as que resultem de encargos decorrentes da prossecução das respetivas atribuições.” – art. 12.º.


f) apreciação:


No caso, o autor alega, em síntese, ter celebrado com o IEFP um contrato de formação profissional, mediante o qual o réu se comprometeu a proporcionar-lhe uma ação de formação profissional de canalizações.


Como o respetivo clausulado expressa, o referido contrato foi celebrado à luz do regime jurídico instituído pelo Decreto-Lei n.º 242/88, de 7 de julho que, como notado, contém os direitos e os deveres dos formandos em cursos de formação profissional apoiados por fundos públicos.


Ação de formação essa desenvolvida “na modalidade de CURSOS EFA TIPO B3”, então regulada pela Portaria n.º 530/2008, que veio a ser revogada pela Portaria n.º 86/2022 de 4 de fevereiro, contendo a vigente regulamentação dos cursos de educação e formação de adultos, designados por «cursos EFA».


Pela frequência da contratada ação de formação, auferia o autor uma bolsa de formação mensal e um subsídio de transporte, pagos pelo IEFP, IP.


Sustenta, ainda, o autor que no decurso e por causa dessa formação, sofreu dois acidentes que lhe causaram sequelas permanentes e o incapacitam de trabalhar.


Assim, de acordo com o estabelecido no citado Decreto-Lei n.º 242/88, refletido nas cláusulas do contrato, não está em causa um contrato de trabalho, mas um específico contrato de formação que, por determinação legal, não gera nem titula relações de trabalho subordinado.


Nessa decorrência e visto o art. 126.º da LOSJ, afastada fica a competência dos Tribunais do Trabalho.


O contrato de formação em causa articulava os objetivos específicos de uma ação de qualificação profissional (em canalizações) e objetivos educativos (curso EFA tipo B3). Em que o processo formativo, assegurado pelo IEFP, IP, decorria nas instalações deste ou noutras pelo mesmo indicadas.


A reparação dos danos emergente de acidentes ocorridos durante e por causa das atividades de formação a que o formando possa ter direito responsabilizam o IEFP, IP, que transferiu, como estava contratual (responsabilidade contratual) e legalmente obrigado (responsabilidade extracontratual), para as seguradoras rés.


Assim, considerando o regime jurídico aplicável, a natureza de Instituto Público do IEFP (que integra a administração indireta do Estado), e, ainda, o interesse público subjacente, a relação jurídica em causa nesta ação reveste natureza administrativa.


Os tribunais da jurisdição administrativa, incluindo o Supremo Tribunal Administrativo conheceram de causas em o autor peticionou a efetivação da responsabilidade do IEFP, IP pelo pagamento de indemnização em virtude da «omissão/incumprimento» do dever de celebrar um contrato de seguro que cobrisse [adequadamente] os danos resultantes do acidente sofrido pelo autor no âmbito da sua atividade de formação – Acórdão de 8/04/2021, processo 851/10.8BEBRG.


Também assim no Acórdão de 22/03/2011, processo 916/10, em que, entre outras, se colocavam as seguintes questões: “definição da natureza jurídica dos contratos de aprendizagem celebrados com o IEFP, e dos contratos de seguro cuja celebração é legalmente imposta a esta entidade; (ii) com a definição do tipo de responsabilidade civil, subjectiva ou objectiva, que impende sobre o IEFP relativamente aos prejuízos decorrentes de acidentes sofridos pelos aprendizes durante e por causa da aprendizagem”.


O Supremo Tribunal de Justiça, na fundamentação do Acórdão de 18/03/1998, tirado no processo 98S020 (proc. recurso 74/96) expendeu: “Em ambos estes tipos de contrato--formação e aprendizagem- -se estabelece que o IEFP terá de celebrar um contrato de seguro de acidentes pessoais, cujos beneficiários são os formandos ou aprendizes.


O que importa reter, para o caso dos autos, é que nenhum desses contratos pode ser considerado como de trabalho, afastando a lei, como se viu, essa hipótese.


Acrescentando que o “subsídio ou bolsa de formação, (…) não confundem com o conceito de retribuição,” conclui pela inexistência de um acidente de trabalho indemnizável como tal”, advertindo que tal “não deixará completamente desprotegida a Autora, pois está ela abrangida por um seguro de acidentes pessoais, podendo fazer valer os seus eventuais direitos em ação própria (…)”.


Neste conspecto e concordantemente, conclui-se, no caso, pela atribuição da competência material para a apreciação da causa à jurisdição administrativa, nos termos do art. 4.º, n.º 1, al. a), do ETAF.

g. Dispositivo:


Assim, o Tribunal dos Conflitos acorda em julgar improcedente o recurso, confirmando-se o acórdão recorrido, decidindo-se que materialmente competente para a ação intentada nos autos são, nos termos do no n.º 1 do artigo 1.º e al.ª o) do n.º 1 do artigo 4º do ETAF, os tribunais da jurisdição administrativa, concretamente o Tribunal administrativo do Porto.

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Sem custas por não serem devidas – art. 5.º n.º 2, da Lei n.º 91/2019, de 04 de setembro.


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Lisboa, 25 de junho de 2025. - Nuno António Gonçalves (relator) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.


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1. Acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 08/11/2018, processo n.º 020/18.

2. http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/00026a026bf60a4e802583440035ed00

3. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, pag. 91.

4. Ac. do Tribunal dos Conflitos, de 08/11/2018, processo n.º 020/18 (onde se referência os ver Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 508/94, de 14.07.94, e nº 347/97, de 29.04.97) http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/00026a026bf60a4e802583440035ed00