Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
Processo: | 022/20 |
Data do Acordão: | 12/15/2021 |
Tribunal: | CONFLITOS |
Relator: | TERESA DE SOUSA |
Descritores: | CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO |
Sumário: | Compete à jurisdição comum, em razão da matéria, apreciar uma acção na qual se discute uma relação laboral sujeita ao regime do Código do Trabalho. |
Nº Convencional: | JSTA000P28703 |
Nº do Documento: | SAC20211215022 |
Data de Entrada: | 09/17/2020 |
Recorrente: | CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA — JUÍZO DO TRABALHO DA FIGUEIRA DA FOZ E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE COIMBRA AUTOR: A………… RÉU: JUNTA DE FREGUESIA DA CARAPINHEIRA |
Recorrido 1: | * |
Votação: | UNANIMIDADE |
Área Temática 1: | * |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Conflito nº 22/20 Acordam no Tribunal dos Conflitos 1. Relatório A…………. instaurou no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Instância Central da Figueira da Foz, Secção do Trabalho, acção emergente de contrato de trabalho contra a Freguesia da Carapinheira pedindo que o Tribunal declare: “a) Que a relação laboral existente entre A e R, se desenvolvia através de um contrato de trabalho a termo que se converteu num contrato sem termo por invalidade da estipulação do termo contratual; b) Que tal contrato de trabalho se iniciou em 01 de Outubro de 2009 e terminou em 25 de Setembro de 2014 porquanto a R haver despedido a A; c) Que o despedimento da A efectuado pela R é ilícito; d) E consequentemente condenar a R a pagar à A: 1. Uma indemnização em substituição da reintegração no posto de trabalho, de montante não inferior a 2 425,00 € (dois mil quatrocentos e vinte e cinco euros cêntimos); 2. Uma indemnização por danos não patrimoniais de montante não inferior a 3000,00 € (três mil euros); 3. À compensação relativa a retribuições deixadas de auferir desde 25 de Setembro de 2014, data do despedimento da A, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir, descontando-se as legais deduções; 4. Tudo acrescido dos juros de mora vencidos, e dos vincendos, que se vierem a contar desde a data de citação até efectivo e integral pagamento; Para tanto, D. e A., digne-se V. Exa. mandar proceder à citação da R, e à notificação de A e R para a audiência de partes, a que alude o artigo 54º do CPT, declarando desde já a A, que em caso de frustração da citação via postal, deve esta ser efectuada por funcionário judicial, ao abrigo do disposto no artigo 239º n.º 9 do CPC, seguindo-se os demais termos até final.” Em síntese, a Autora alegou que celebrou com a Ré um contrato individual de trabalho a termo que foi objecto de sucessivas renovações, mantendo-se a A. ao serviço da R. para além do termo convencionado. Mais alegou que o contrato de trabalho celebrado era regulado pelo Código do Trabalho e que a cláusula de termo foi estipulada sem o devido fundamento sendo, por isso, nula. Por isso, entende a A., deve ser considerado o contrato celebrado sem termo e a comunicação escrita que lhe foi feita de cessação do contrato consubstanciar um despedimento ilícito e, consequentemente, ter direito a uma indemnização em substituição da reintegração no posto de trabalho, a uma indemnização por danos não patrimoniais e a uma compensação relativa às retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença. A Junta de Freguesia da Carapinheira contestou e, além do mais, arguiu a incompetência material do Tribunal. Em 04.11.2015, a Secção do Trabalho da Instância Central da Figueira da Foz do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra julgou-se incompetente em razão da matéria para apreciação da acção intentada [cfr. fls 40 a 49]. Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (TAF de Coimbra), também este, em 02.03.2016, decidiu julgar-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer do objecto dos autos [cfr. fls. 92 a 96] Desta decisão apelou a A. para o Tribunal Central Administrativo Norte (TCA Norte) que, por acórdão proferido em 15.05.2020, negou provimento ao recurso [cfr. fls. 116 a 119]. O Juízo do Trabalho da Figueira da Foz suscitou oficiosamente a resolução do conflito nos presentes autos. Neste Tribunal dos Conflitos, as partes notificadas para efeitos do disposto no nº 3 do art. 11º da Lei nº 91/2019 nada disseram. A Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da atribuição da competência ao Tribunal do Trabalho. 2. Os Factos Os factos relevantes para a decisão são os enunciados no Relatório. 3. O Direito O presente Conflito Negativo de Jurisdição vem suscitado entre Tribunal da Comarca de Coimbra, Instância Central da Figueira da Foz, Secção do Trabalho, e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra. Considerou a Secção do Trabalho da Instância Central da Figueira da Foz que «o contrato de trabalho em causa era, ab initio e apesar de tal não resultar expresso do mesmo, um contrato de trabalho em funções públicas, a que eram plenamente aplicáveis as normas constantes dos diplomas referidos (e não já do Código do Trabalho), pelo que se considera, salvo melhor opinião, que este Tribunal não é competente para a apreciação do litígio sub judicio». Por sua vez, o TCA Norte negou provimento ao recurso da A., mantendo a decisão do TAF de Coimbra que considerara «(…) na presente situação a Autora constrói toda a sua causa de pedir e alicerça os fundamentos dos seus pedidos, num quadro legal exclusivamente assente na normatividade própria do Código de Trabalho (indicando como tal a Lei n.º 7/2009 de 12.02.2009). Exemplos concretos desta construção são, desde logo e sobretudo quer os pedidos formulados, quer a causa de pedir que os sustenta, e quanto a esta última, veja-se, entre outros, os artigos 12.º, 17.º, 21.º, 25.º, 26.º, 27.º, 32.º e 38.º da p.i. Assim, a questão aqui a dirimir é a de saber se a sobredita configuração é o fator de conexão relevante para a determinação da competência material ou se antes, o que é relevante é o enquadramento da relação jurídica subjacente que é feita pelo próprio Tribunal» e concluiu, sustentando-se na jurisprudência do Tribunal de Conflitos (ac. de 01.10.2015, Proc. nº 08/14), «fazendo-se a devida subsunção da jurisprudência supra citada ao caso vertente, atento os pedidos e a causa de pedir tal como apresentados pela Autora na sua petição inicial, somos forçados a concluir que este Tribunal Administrativo de Círculo integrado no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra é incompetente rationae materiae para decidir a presente questão». Vejamos. Cabe aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas «que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional» [arts. 211º, nº1, da CRP, 64º do CPC e 40º, nº1, da Lei nº 62/2013, de 26/8 (LOSJ)], e aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar as causas «emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais» (artigos 212º, nº 3, da CRP e 1º, nº 1, do ETAF). A competência dos tribunais administrativos e fiscais é concretizada no art. 4º do ETAF (Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, na redacção da Lei nº 59/8, de 11 de Setembro, que atendendo à data da propositura da acção, é a que aqui releva), com delimitação do “âmbito da jurisdição” mediante uma enunciação positiva (nº 1) e negativa (nºs 2 e 3). Tem sido reafirmado por este Tribunal, e constitui entendimento jurisprudencial e doutrinário consensual, que a competência material do tribunal se afere em função do modo como o A. configura a acção e que a mesma se fixa no momento em que a acção é proposta. Como se afirmou no Acórdão deste Tribunal de 01.10.2015, Proc. n.º 08/14, «A competência é questão que se resolve de acordo com os termos da pretensão do Autor, aí compreendidos os respectivos fundamentos e a identidade das partes, não importando averiguar quais deviam ser os termos dessa pretensão, considerando a realidade fáctica efectivamente existente ou o correcto entendimento do regime jurídico aplicável. O Tribunal dos Conflitos tem reafirmado constantemente que o que releva, para o efeito do estabelecimento da competência, é o modo como o Autor estrutura a causa e exprime a sua pretensão em juízo». Ora, aquilo que a A. pediu ao tribunal é que seja declarado que a relação laboral existente entre si e a R. era um contrato de trabalho com clausulado expresso de sujeição ao regime do Código do Trabalho mas com violação das regras de contratação a termo e que a cessação desse contrato configura um despedimento ilícito. Assim, não podem subsistir dúvidas de que a A. caracteriza o vínculo jurídico entre si e a Junta de Freguesia como relação laboral de direito privado. Isto significa como se decidiu neste Tribunal dos Conflitos, Ac. de 01.10.2015, Proc. n.º 08/14 que: «perante a pretensão expressa do Autor de reconhecimento da existência de um contrato individual de trabalho e não de uma relação de trabalho em funções públicas, não pode resolver-se a questão da competência em razão da matéria caracterizando tal relação como de contrato de trabalho em funções públicas em função da interpretação da evolução do regime jurídico em sentido contrário ao pretendido pelo Autor (sendo alheia ao objecto da presente decisão, repete-se, qualquer apreciação do acerto dessa solução). É certo que o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência, pelo menos numa situação como a presente em que a causa de pedir e o pedido vão dirigidos ao reconhecimento dos efeitos resultantes de uma relação laboral de direito privado. Para a apreciação desta questão o que releva é a alegação do Autor de que está ligado à Ré através do regime contrato individual de trabalho e de que é esse contrato de direito privado o fundamento da pretensão de ver reconhecidos direitos que a lei estabelece para os trabalhadores vinculados por contratos desse tipo e que não seriam, porventura, suportados pelo regime do contrato de trabalho em funções públicas. Isto é, o Autor tem direito a que seja apreciado se tem ou não o direito que se arroga, emergente do contrato individual de direito privado que defende vinculá-lo à Ré.». E, em situação paralela, o Tribunal dos Conflitos reiterou que «Nesta medida, e contrariamente ao que decorre implicitamente da decisão que foi proferida no Tribunal do Trabalho, não interessa, para os estritos fins da determinação da competência, trazer à discussão a legislação subsequente (referimo-nos à Lei n° 12-A/2008, de 27 de fevereiro, entretanto revogada, e à Lei n° 35/2014, de 20 de junho) que, segundo uma possível interpretação, poderá ter convertido o alegado contrato de trabalho num contrato em funções públicas: Note-se que não se está a pôr em dúvida que para os dissídios decorrentes de um contrato deste tipo a jurisdição administrativa e fiscal seria a competente (alínea d) do n° 3 do art. 4º do ETAF e art. 12°da Lei n° 35/2014). O que se diz, simplesmente, é que não é isso que está aqui em causa. Na realidade, uma coisa é a competência do tribunal, outra coisa, muito diferente, é o direito material ou substantivo aplicável ao litígio, direito este que cabe ao tribunal competente determinar e aplicar independentemente da sua natureza privada ou pública» - cfr. Ac. de 04.02.2016, Proc. n.º 041/15. No mesmo sentido dos citados acórdãos se tem pronunciado, de forma reiterada, a jurisprudência deste Tribunal dos Conflitos (cfr., entre outros, os acórdãos de 25.01.2018, Proc. n° 047/17, de 11.04.2019, Proc. nº 045/18, e de 13/10/2021, Proc. nº 0713/19.3T8BJA.E1.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt). Deste modo, tem de concluir-se que, atendendo aos termos em que a A formulou a pretensão são os tribunais comuns, pelos tribunais do trabalho, os competentes para conhecer da acção. Pelo exposto, acordam em julgar competente para apreciar a acção o Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Instância Central da Figueira da Foz, 2ª Secção do Trabalho, J1. Sem custas. Lisboa, 15 de Dezembro de 2021. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) - Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza. |