Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
Processo: | 030/21 |
Data do Acordão: | 01/19/2022 |
Tribunal: | CONFLITOS |
Relator: | TERESA DE SOUSA |
Descritores: | CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO FUNDO DE RESOLUÇÃO TRIBUNAIS COMUNS |
Sumário: | Incumbe aos Tribunais Judiciais o julgamento de uma acção instaurada por depositante em banco intervencionado, contra, nomeadamente, aquele banco, o banco de transição e o Fundo de Resolução, sendo pedida a condenação solidária de todos estes réus, sendo imputados aos primeiros a violação dos deveres inerentes ao exercício da actividade bancária ou à mediação de títulos mobiliários, sendo o Fundo de Resolução demandado apenas na qualidade de titular do capital do banco de transição. |
Nº Convencional: | JSTA000P28829 |
Nº do Documento: | SAC20220119030 |
Data de Entrada: | 10/19/2021 |
Recorrente: | CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE BRAGA, JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA PÓVOA DE LANHOSO E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA UO 1 AUTOR: A............. RÉU: B............, SA (E OUTROS) |
Recorrido 1: | * |
Votação: | UNANIMIDADE |
Área Temática 1: | * |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Conflito nº: 30/21 Acordam no Tribunal dos Conflitos 1. Relatório A………., identificado nos autos, intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Competência Genérica da Póvoa de Lanhoso, acção declarativa comum contra B………, SA, o C…….., SA, e Fundo de Resolução pedindo a condenação solidária dos Réus a: a) reconhecer que a A. constituiu um depósito a prazo, comercialmente designado por Euro Aforro, na quantia de € 20.000,00, devendo, em consequência, ressarcir ao A. desta quantia acrescida de juros contratuais, juros de mora vencidos desde 24/10/2014, e vincendos até efetivo e integral pagamento; Caso assim não se entenda, no que se não concede, b) Ser declarados nulos todos os atos praticados pelo 1º R. na aplicação do dinheiro do A. para aquisição de ações preferenciais, bem como, nula a operação de intermediação financeira realizada, condenando-se, assim, os RR., solidariamente, a ressarcir, o A., da quantia de € 20.000,00, reconstituindo-se a situação de facto à data da aplicação daquela quantia e, devendo esta quantia ser depositada na conta de depósito à ordem da titularidade do A, em virtude do contrato de depósito irregular celebrado com o 1º R. e transmitido para o 2º R.; Caso assim não se entenda, no que se não concede, c) Considerando-se válida a aplicação da quantia de € 20.000,00, pelo A., em ações preferenciais denominadas Euro Aforro, deve o 1º R. ser condenado a indemnizar o A., por violação dos deveres atinentes à atividade de intermediação financeira, nos termos do art.º 483º e ss. do Código Civil e 304º-A e ss. do Código dos Valores Mobiliários; d) deverão ainda os RR. ser solidariamente condenados ao pagamento do valor de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais, Em sede de contestação, além do mais, os RR. deduziram várias excepções tendo o R. Fundo de Resolução excepcionado a incompetência, em razão da matéria, dos tribunais judiciais para conhecer da acção. O referido Juízo de Competência Genérica da Povoa de Lanhoso decidiu, em 31.05.2017, que a competência material para conhecer da acção cabia à jurisdição administrativa por força do disposto no artigo 4.º, n.º 1, al. f) e n.º 2 do ETAF, dado que o Fundo de Resolução é uma pessoa colectiva de direito público. No seguimento dessa decisão, o A. requereu a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (TAF de Braga) que, por decisão de 14.07.2021, entendeu o seguinte: “(…) analisada a forma como o Autor configurou a presente ação, a mesma não diz respeito diretamente a responsabilidade civil extracontratual, mas sim a responsabilidade civil contratual e pré-contratual, eventualmente emergente de deveres acessórios de conduta ou deveres de boa-fé e de informação. Na verdade, os contratos (que estiveram na génese de operações bancárias e financeiras) que o Autor alega ter celebrado, não revestem as características de administratividade consignadas na alínea e), n.º 1, do artigo 4.º do ETAF, pelo que, por esta via, está excluída a competência dos tribunais administrativos. Noutra perspetiva, admitindo-se que a matéria é complexa - e não inteiramente subsumível ao regime da responsabilidade civil contratual -, sendo necessário convocar o regime da responsabilidade civil extracontratual, ainda assim, não se encontra preenchida nenhuma das alíneas do n.º 1, do artigo 4.º do ETAF. Ademais, para que se tivessem por preenchidas as previsões normativas das alíneas f), g), e h), do n.º 1, do artigo 4.º do ETAF teria de decorrer da petição inicial que o facto concreto gerador de responsabilidade era imputado pelo Autor exclusivamente a pessoas coletivas, órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores ou demais servidores públicos, ou sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público - o que não é o caso dos autos. Importa referir, que o disposto no n.º 2, do artigo 4.º do ETAF não pode ser convocado para atribuir a competência aos tribunais administrativos para conhecer da presente ação pois esta norma limita-se a estender a competência aos casos em que a par do comportamento de entes públicos [ou entes privados sujeitos ao regime da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público] concorreram para a produção dos danos, entes privados” para concluir que a matéria dos autos se mostra excluída do conhecimento da jurisdição administrativa e julgar-se incompetente para conhecer da acção. Suscitada oficiosamente a resolução do conflito no TAF de Braga, foi o processo remetido ao Tribunal dos Conflitos. Neste Tribunal dos Conflitos, as partes, notificadas para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 11º da Lei nº 91/2019, nada disseram. A Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que a competência para conhecer do pedido deduzido pelo A. contra todos os demandados deverá ser atribuída aos tribunais judiciais. 2. Os Factos Os factos relevantes para a decisão do presente conflito são os constantes do Relatório. 3. O Direito A questão colocada a este Tribunal dos Conflitos reconduz-se apenas a definir se a competência em razão da matéria para a apreciação do litígio da presente acção caberá aos tribunais da jurisdição comum, ou aos tribunais da jurisdição administrativa. Questão que não é nova, existindo jurisprudência constante e recente deste Tribunal dos Conflitos em situações em tudo semelhantes à dos presentes autos [cfr. v.g., os acs. de 23.05.2019, Conflito n° 39/18, que na sua fundamentação remete para os acórdãos de 14.02.2019, proferidos nos Conflitos nºs 31/18 e 46/18 e ainda de 19.06.2019, Conflito nº 05/19, de 25.06.2020, Conflito n.º 59/19, de 02.03.2021, Conflito n.º 60/19 e de 08.07.2021, Conflito n.º 57/19]. Assim, e porque entendemos que a referida jurisprudência é de seguir na íntegra, remetemos para o que se escreveu no Conflito nº 46/18, que assumimos como nosso: «(…) Portanto, no caso em apreço, da análise do pedido formulado na acção e das respectivas causas de pedir resulta que o A acciona a responsabilidade civil contratual e extracontratual das 1ª a 3ª RR, pelo que o conhecimento do pedido contra estas dirigido, incidindo sobre relações inequivocamente privatísticas, compete à jurisdição comum, por não dever nem poder ser deduzido na jurisdição administrativa. Conclusão que se estendeu à 3ª R (C…….. SA) porque o A, embora sem a envolver na prática de qualquer dos factos ilícitos em que fundamenta a constituição da obrigação de indemnizar das duas primeiras RR, estrutura a respectiva responsabilidade na sua alegada qualidade de sucessora nos direitos e obrigações da 1ª R (B…… SA). Quanto aos demais RR, Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Fundo de Resolução, são todos pessoas colectivas de direito público, como resulta do art. 1° da Lei Orgânica do primeiro (Lei 5/98, de 31/1), do art. 1° dos Estatutos da segunda (DL 5/2015, de 8/1) e, quanto ao último, do art. 153º-B do RGICSF (DL 298/92, de 31/12, com a actualização da Lei 23-A/2015, de 26/03). (…) Especificamente quanto ao Fundo de Resolução, que vem demandado, apenas, com base na titularidade do capital do «C…….» - e, igualmente, sem que lhe seja imputado qualquer concreto facto ilícito -, não só essa titularidade tem origem na aludida medida de resolução bancária decretada pelo Banco de Portugal, como a sua responsabilidade apenas se poderia estribar na sua qualidade de instrumento (dependente) da entidade pública junto da qual funciona para lhe prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução pela mesma adotadas (cf. art. 153°-C do citado RGICSF), ou seja, no caso em apreço, para a execução das deliberações do Banco de Portugal concernentes à medida de resolução tomada em relação ao B.... no exercício de funções públicas e na prossecução de um interesse público. Todavia, no que concerne a este R, considerando o estritamente alegado quanto à fundamentação da sua demanda - ser ele o único detentor do capital do C - e o uniformemente decidido nos precedentes arestos deste Tribunal, deve concluir-se que também cabe aos tribunais judiciais a competência para conhecer a pretensão deduzida contra o mesmo. É certo que, como supra foi relatado, o A formulou um pedido de condenação solidária de todos os RR a pagarem-lhe determinada quantia em dinheiro e respectivos juros, bem como o valor dos danos não patrimoniais. Contudo, não enformou os fundamentos dessa sua pretensão com qualquer espécie de intervenção das entidades públicas nos factos ilícitos imputados às 1ªs RR, pelo que não ressuma da PI o fundamento previsto no citado nº 2 do art. 4° do ETAF para deverem ser demandados conjuntamente todos os RR, porquanto não se vê em que medida aqueles entes poderiam estar ligados por vínculos jurídicos de solidariedade com as demais RR (particulares), designadamente por terem concorrido em conjunto com estas para a produção dos mesmos danos (Mário Aroso de Almeida [Em "Manual de Processo Administrativo", Almedina, 3ª ed., pp. 253-254] refere que aquela regra procurou obviar a dificuldades que se vinham suscitando «quanto à competência dos tribunais administrativos para conhecer de ações de responsabilidade civil quando se verifique o chamamento ao processo de sujeitos privados que se encontrem envolvidos com a Administração ou com outros particulares numa relação jurídica administrativa ou no âmbito de uma relação conexa com a relação principal que constitui objeto do litígio».). Como uniformemente foi ponderado nos arestos deste Tribunal precedentemente referenciados, a solidariedade nas obrigações, tal como decorre do artigo 513° do CC, só existe quando resulta da lei ou da vontade das partes. Não basta, deste modo, pedir ao Tribunal que condene solidariamente, sendo necessário alegar os factos - para os poder vir a demonstrar - «de que deriva a obrigação de indemnizar e, em caso de pluralidade de responsáveis, que as obrigações tenham entre si uma relação de solidariedade, que, em caso de procedência, fundamente a condenação solidária» [cit. acórdão de 22-03-2018 (p. 56/17)].» Pelo exposto, acordam em atribuir a competência material aos tribunais judiciais - Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Competência Genérica da Póvoa de Lanhoso -, para conhecer do objecto da presente acção proposta contra o B………, SA, o C………, SA e o Fundo de Resolução. Sem custas. Lisboa, 19 de Janeiro de 2022. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza. |