Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:060/19
Data do Acordão:03/02/2021
Tribunal:CONFLITOS
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
FUNDO DE RESOLUÇÃO
TRIBUNAIS COMUNS
Sumário:Incumbe aos Tribunais Judiciais o julgamento de uma acção instaurada por depositante em banco intervencionado, contra, nomeadamente, aquele banco, o banco de transição e o Fundo de Resolução, sendo pedida a condenação solidária de todos estes réus, sendo imputados aos primeiros a violação dos deveres inerentes ao exercício da actividade bancária ou à mediação de títulos mobiliários, sendo o Fundo de Resolução demandado apenas na qualidade de titular do capital do banco de transição.
Nº Convencional:JSTA000P27292
Nº do Documento:SAC20210302060
Data de Entrada:12/03/2019
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VIANA DO CASTELO, JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE PONTE DE LIMA - JUIZ 1 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA UNIDADE ORGÂNICA 1
AUTOR: A……….
RÉU: FUNDO DE RESOLUÇÃO E OUTROS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: 1. Relatório
A………, identificado nos autos, intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo de Competência Genérica de Ponte de Lima – Juiz 1, acção declarativa comum contra Banco B……….., SA, Agência do C………, SA de Ponte de Lima e Fundo de Resolução pedindo a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhe a quantia de €34.000,00, investidos na Poupança Plus 5, acrescido dos juros contratuais bem como dos juros de mora vencidos e vincendos, bem como o valor de €6.000,00 a título de danos patrimoniais, com fundamento em responsabilidade contratual dos primeiros Réus e extracontratual do Fundo de Resolução.
Em sede de contestação, além do mais, o Réu C…….., SA excepcionou a sua legitimidade e o Fundo de Resolução excepcionou a incompetência, em razão da matéria, dos tribunais judiciais para conhecer da acção e, se assim se não entendesse, a incompetência territorial.
O Réu Banco B………., SA – Em Liquidação veio pedir a extinção da instância quanto a si, por inutilidade superveniente da lide, por ter sido revogada a autorização para o exercício da sua actividade bancária e sido requerida a sua liquidação.
Em 06.03.2017, no Juízo de Competência Genérica de Ponte Lima, foi proferida decisão (fls. 329/338) que declarou “extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto na al. e) do art.º 277.º do NCPC, no que respeita ao R. Banco B………, SA” e julgou aquele tribunal incompetente em razão da matéria para a apreciação da presente acção por considerar que “estamos no caso vertente perante uma acção em que a uma entidade pública e a entidade privada são imputáveis factos causadores de danos indemnizáveis, em que se lhes imputa uma obrigação conjunta, como co-devedoras, em paralelismo de posições jurídicas, relativamente ao direito de indemnização invocado pelo A.”. E acrescenta “o mero accionamento do R. Fundo de Resolução, com fundamento na responsabilidade extracontratual ou contratual, como vimos, implica que a competência para dirimir o litígio se inscreva, como já acima dissemos nos tribunais da ordem administrativa.”.
Notificado dessa decisão, o Autor requereu a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.
No TAF de Braga, o Juiz determinou que “atendendo à especificidade da matéria factual em discussão e à consequente particularidade da argumentação de direito a empreender” se notificasse o Autor para, querendo, “adequar a peça processual apresentada, configurando-a à responsabilidade extracontratual que pretende assacar aos Réus” (fls. 374). O Autor juntou nova petição em que, com fundamento em responsabilidade contratual e extracontratual, pede a nulidade do contrato de intermediação financeira e a condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia de €34.000,00, investidos na Poupança Plus 5, acrescido dos juros contratuais bem como dos juros de mora vencidos e vincendos, bem como o valor de €6.000,00 a título de danos patrimoniais.


Em contestação, o C…………, SA arguiu a excepção de incompetência em razão da matéria do TAF de Braga.
Por decisão de 02.10.2018, o TAF de Braga considerou que "tendo o Autor configurado a acção como dizendo respeito a relações contratuais não se mostrava preenchida a alínea e), do n.º 1 do art. 4.º do ETAF, (…) ainda que se entendesse (…) que a mesma respeita a responsabilidade civil extracontratual, não se encontram preenchidas as alíneas f), g), e h), do n.º 1, do art. 4.º do ETAF” e “também não se mostra preenchida a previsão normativa do art. 4.º, n.º 2, do ETAF, porquanto o Autor não imputa o facto gerador de responsabilidade a um ente público (…)” para concluir que a matéria dos autos se mostra excluída do conhecimento da jurisdição administrativa e julgar-se incompetente para conhecer da acção.
O Fundo de Resolução interpôs recurso para o TCA Norte que, por decisão sumária proferida em 28.10.2019, rejeitou o recurso por ilegitimidade do Recorrente (fls. 584/585).
Suscitado oficiosamente o conflito no TAF de Braga, por despacho de 27.11.2019, foi o processo remetido ao Tribunal dos Conflitos.
Neste Tribunal dos Conflitos as partes, notificadas para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 11.º. da Lei n.º 91/2019, nada disseram.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer (fls. 608 a 611) no sentido de que a competência para apreciar a acção proposta deverá ser atribuída aos tribunais da jurisdição comum, no caso, o Tribunal Judicial de Viana do Castelo, Juízo de Competência Genérica de Ponte de Lima, Juiz 1.

2. Os Factos
Os factos provados relevantes para a decisão são os constantes do relatório.

3. O Direito
A questão colocada a este Tribunal dos Conflitos reconduz-se a definir se a competência em razão da matéria para a apreciação do litígio da presente acção caberá aos tribunais da jurisdição comum, ou aos tribunais da jurisdição administrativa.
Questão que não é nova, existindo jurisprudência constante e recente deste Tribunal dos Conflitos em situações em tudo semelhantes à dos presentes autos [cfr. v.g., os acs. de 23.05.2019, Conflito n° 39/18, que na sua fundamentação remete para os acórdãos de 14.02.2019, proferidos nos Conflitos nºs 31/18 e 46/18 e ainda de 19.06.2019, Conflito nº 05/19 e de 25.06.2020, Conflito n.º 59/19].
Assim, e porque entendemos que a referida jurisprudência é de seguir na íntegra, remeteremos para o que se escreveu no Conflito nº 46/18, que assumimos como nosso:
«(…)
Portanto, no caso em apreço, da análise do pedido formulado na acção e das respectivas causas de pedir resulta que o A acciona a responsabilidade civil contratual e extracontratual das 1ª a 3ª RR, pelo que o conhecimento do pedido contra estas dirigido, incidindo sobre relações inequivocamente privatísticas, compete à jurisdição comum, por não dever nem poder ser deduzido na jurisdição administrativa. Conclusão que se estendeu à 3ª R (C……… SA) porque o A, embora sem a envolver na prática de qualquer dos factos ilícitos em que fundamenta a constituição da obrigação de indemnizar das duas primeiras RR, estrutura a respectiva responsabilidade na sua alegada qualidade de sucessora nos direitos e obrigações da 1ª R (B……, SA).
Quanto aos demais RR, Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Fundo de Resolução, são todos pessoas colectivas de direito público, como resulta do art. 1° da Lei Orgânica do primeiro (Lei 5/98, de 31/1), do art. 1° dos Estatutos da segunda (DL 5/2015, de 8/1) e, quanto ao último, do art. 153º-B do RGICSF (DL 298/92, de 31/12, com a actualização da Lei 23-A/2015, de 26/03).
(…)
Especificamente quanto ao Fundo de Resolução, que vem demandado, apenas, com base na titularidade do capital do «C………» - e, igualmente, sem que lhe seja imputado qualquer concreto facto ilícito -, não só essa titularidade tem origem na aludida medida de resolução bancária decretada pelo Banco de Portugal, como a sua responsabilidade apenas se poderia estribar na sua qualidade de instrumento (dependente) da entidade pública junto da qual funciona para lhe prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução pela mesma adotadas (cf. art. 153°-C do citado RGICSF), ou seja, no caso em apreço, para a execução das deliberações do Banco de Portugal concernentes à medida de resolução tomada em relação ao B………. no exercício de funções públicas e na prossecução de um interesse público.
Todavia, no que concerne a este R, considerando o estritamente alegado quanto à fundamentação da sua demanda - ser ele o único detentor do capital do C……… - e o uniformemente decidido nos precedentes arestos deste Tribunal, deve concluir-se que também cabe aos tribunais judiciais a competência para conhecer a pretensão deduzida contra o mesmo.
É certo que, como supra foi relatado, o A formulou um pedido de condenação solidária de todos os RR a pagarem-lhe determinada quantia em dinheiro e respectivos juros, bem como o valor dos danos não patrimoniais. Contudo, não enformou os fundamentos dessa sua pretensão com qualquer espécie de intervenção das entidades públicas nos factos ilícitos imputados às 1ªs RR, pelo que não ressuma da PI o fundamento previsto no citado nº 2 do art. 4° do ETAF para deverem ser demandados conjuntamente todos os RR, porquanto não se vê em que medida aqueles entes poderiam estar ligados por vínculos jurídicos de solidariedade com as demais RR (particulares), designadamente por terem concorrido em conjunto com estas para a produção dos mesmos danos (Mário Aroso de Almeida [Em “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 3ª ed., pp. 253-254] refere que aquela regra procurou obviar a dificuldades que se vinham suscitando «quanto à competência dos tribunais administrativos para conhecer de ações de responsabilidade civil quando se verifique o chamamento ao processo de sujeitos privados que se encontrem envolvidos com a Administração ou com outros particulares numa relação jurídica administrativa ou no âmbito de uma relação conexa com a relação principal que constitui objeto do litígio».).
Como uniformemente foi ponderado nos arestos deste Tribunal precedentemente referenciados, a solidariedade nas obrigações, tal como decorre do artigo 513° do CC, só existe quando resulta da lei ou da vontade das partes. Não basta, deste modo, pedir ao Tribunal que condene solidariamente, sendo necessário alegar os factos - para os poder vir a demonstrar - «de que deriva a obrigação de indemnizar e, em caso de pluralidade de responsáveis, que as obrigações tenham entre si uma relação de solidariedade, que, em caso de procedência, fundamente a condenação solidária» [cit. acórdão de 22-03-2018 (p. 56/17)].»
Pelo exposto, acordam em atribuir a competência material aos tribunais da jurisdição comum para conhecer do objecto da presente acção proposta contra o B……… e o Fundo de Resolução.
Sem custas.

Nos termos e para os efeitos do art. 15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13/3, a relatora atesta que a adjunta, Senhora Vice-Presidente do STJ, Conselheira Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza tem voto de conformidade.

Lisboa, 2 de Março de 2021
Teresa de Sousa