Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
| Processo: | 01049/24.3BEPRT |
| Data do Acordão: | 02/20/2025 |
| Tribunal: | CONFLITOS |
| Relator: | TERESA DE SOUSA |
| Descritores: | CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO CONTRA-ORDENAÇÃO LIGAÇÕES PREDIAIS AOS SISTEMAS PÚBLICOS DE ÁGUA |
| Sumário: | Compete aos Tribunais Judiciais conhecer de impugnação de decisão de autoridades administrativas que aplicam coimas por violação de normas legais e regulamentares sobre o abastecimento público de água às populações, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, por constituírem serviços públicos de carácter estrutural, essenciais ao bem-estar geral e à saúde pública. |
| Nº Convencional: | JSTA000P33340 |
| Nº do Documento: | SAC2025022001049 |
| Recorrente: | AA |
| Recorrido 1: | MUNICÍPIO DE MATOSINHOS E OUTROS |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Área Temática 1: | * |
| Aditamento: | |
| Texto Integral: | Conflito nº 1049/24.3BEPRT Acordam no Tribunal dos Conflitos 1. Relatório AA, identificado nos autos, deduziu recurso de impugnação judicial, nos termos do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, da decisão do Vereador da Câmara Municipal de Matosinhos que, no processo de contra-ordenação nº ...22, lhe aplicou uma coima no montante de 1.500,00 €, acrescida de custas no montante de 102,00 €, por violação do disposto no artigo 69º, nº 1, do DL nº 194/2009, de 20 de Agosto, infracção prevista e punida pelo artigo 72º, nº 2, alíneas a) e b) do mesmo diploma legal. Remetidos os autos ao Ministério Público da Comarca do Porto, Procuradoria do Juízo Local Criminal de Matosinhos, este fez os autos presentes a esse Tribunal, nos termos do artigo 62º, nº 1 do DL nº 433/82, de 27 de Outubro. Por decisão proferida em 02.04.2024 pelo Juízo Local Criminal de Matosinhos, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Porto [proc. nº 1510/23.7Y2MTS), foi declarada a incompetência desse Tribunal, em razão da matéria, para apreciação do recurso interposto pela arguida. Após trânsito, foi o processo remetido ao TAF do Porto. Por decisão de 29.05.2024, o TAF do Porto também se julgou incompetente em razão da matéria para conhecer do recurso de impugnação. Suscitada a resolução do conflito de jurisdição pelo TAF do Porto, foi o processo remetido ao Tribunal dos Conflitos. Neste Tribunal foi dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 11.º da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro. A Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de dever ser atribuída a competência material à jurisdição comum, concretamente ao Juízo Local Criminal de Matosinhos – Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca do Porto. 2. Os Factos Os factos relevantes para a decisão são os enunciados no Relatório. 3. O Direito O presente Conflito Negativo de Jurisdição vem suscitado entre o Tribunal Judicial da Comarca de Porto, Juízo Local Criminal de Matosinhos, Juiz 1, e o TAF do Porto. Entendeu o Juízo Local Criminal de Matosinhos: “Ora, em causa nestes autos, como já supra referido, está em causa a prática de uma contraordenação por falta de ligação do sistema predial de distribuição de água e de drenagem de águas residuais aos sistemas públicos existentes, pelo que estamos perante uma alegada violação de regras respeitantes à disciplina do direito administrativo de construção e de instrumentos de execução dos planos, como tal, de natureza urbanística. Face ao exposto, declaro a incompetência, ratione materiae, do presente Juízo Local Criminal para conhecer da impugnação apresentada nos presentes autos contra a decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa, por ser competente para o efeito a jurisdição administrativa e fiscal.”. Por sua vez o TAF do Porto, fundamentando-se no acórdão do Tribunal dos Conflitos de 21.03.2019, Proc. 037/18, concluiu que: “Em conformidade com o exposto, resulta evidente que a jurisdição administrativa não é materialmente competente para conhecer das acções de impugnação de actos praticados no âmbito de processos de contra-ordenação que não respeitem à violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, como sucede no caso dos autos, sendo, para tanto, competentes os tribunais da jurisdição comum.”. Vejamos. Dispõe o art. 4º, nº 1, alínea l) do ETAF, na redacção introduzida pelo DL nº 114 /2019, de 12 de Setembro, que: “1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: l) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo (…);” Nos termos deste normativo o legislador previu, pois, a competência dos tribunais administrativos para o conhecimento das impugnações judiciais, no âmbito de ilícitos de mera ordenação social, mas restringido à violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo. No caso dos autos está em causa a aplicação de uma coima pela prática de uma contra-ordenação por violação do disposto no artigo 69º, nº 1, do DL nº 194/2009, de 20 de Agosto e punida pelo artigo 72º, n.º 2, alíneas a) e b) do mesmo diploma. Dispõe o artigo 69º, n.º 1, do DL nº 194/2009, que “Todos os edifícios, existentes ou a construir, com acesso ao serviço de abastecimento público de água ou de saneamento de águas residuais devem dispor de sistemas prediais de distribuição de água e de drenagem de águas residuais devidamente licenciados, de acordo com as normas de concepção e dimensionamento em vigor, e estar ligados aos respectivos sistemas públicos.” Por sua vez o artigo 72º, nº 2 do mesmo DL estabelece que: “Constitui contraordenação, punível com coima de (euro) 1.500,00 a (euro) 3.740,00, no caso de pessoas singulares, e de (euro) 7.500,00 a (euro) 44.890,00, no caso de pessoas coletivas, a prática dos seguintes atos ou omissões por parte dos proprietários de edifícios abrangidos por sistemas públicos ou dos utilizadores dos serviços: a) O incumprimento da obrigação de ligação prevista no n.º 3 do artigo 4.º; b) O incumprimento da obrigação de ligação dos sistemas prediais aos sistemas públicos, quando tal resulte do disposto no artigo 69.º;”. A propósito da opção legislativa tomada na reforma de 2015 ao ETAF, quanto ao alargamento do âmbito da jurisdição administrativa na área do ilícito de mera ordenação social, escreveu-se no acórdão deste Tribunal dos Conflitos de 27.09.2018, Proc. 023/18: «Daí que a opção tenha passado, nos termos da alínea l) do n.º 1 do art. 04.º do ETAF, pela atribuição da competência aos tribunais administrativos apenas das impugnações contenciosas de decisões que hajam aplicado coimas fundadas na violação de normas de Direito Administrativo em matéria de urbanismo [aqui entendido num âmbito que não abarca as regras relativas à ocupação, uso e transformação do solo (planos/instrumentos de gestão territorial), nem as regras relativas ao direito e política de solos, mas que inclui, mormente, as regras respeitantes à disciplina do direito administrativo da construção e à dos instrumentos de execução dos planos (v.g., reparcelamento, licenciamento e autorização de operações de loteamento urbano e de obras de urbanização e edificação)], ficando excluídas, salvo expressa disposição em contrário, todas as impugnações contenciosas relativas aos demais domínios/matérias tipificados em sede de ilícito de mera ordenação social e, assim, por este abrangidos.» Em situação semelhante à dos autos, já se pronunciou o Tribunal dos Conflitos, nos acórdãos de 21.03.2019, Proc. 037/18, de 19.06.2024, Proc. 0172/23.6T8MLG.S1 e de 11.09.2024. Procs. 0395/23.8BECBR-A.C1.S1 e 0437/23.7BECBR-B.C1.S1, no sentido de que não está em causa uma contra-ordenação em matéria de urbanismo. Afirmou-se no acórdão de 21.03.2019, Proc. 037/18: “O diploma onde estas normas se inserem (DL 194/2009) constitui mais uma emanação da Lei de Bases do Ambiente (Lei 11/87, de 7 de Abril), que se assume como a lei-quadro definidora da política de ambiente, cujos princípios são integrados por um elenco de técnicas básicas de protecção, pelo estabelecimento de uma planificação directamente dirigida à defesa do meio e do ambiente (necessariamente em coordenação com outras espécies de planificação, como a urbanística (Só nesta relação de complementaridade se pode compreender a referência feita no acórdão acima citado (cfr. relatório) de que a infracção se insere no “amplo âmbito do direito do urbanismo”, salientando-se, por outro lado, que aí se teve em consideração a anterior redacção da norma da alínea l) do n.º 1, do artigo 4º do ETAF) e a económica) e por um conjunto de medidas informais de actuação. O objectivo último é a criação de um ambiente propício à saúde e bem-estar das pessoas e ao desenvolvimento social e cultural das comunidades, em sintonia com a fundamentalidade material e formal do direito ao ambiente e à qualidade de vida consagrado no artigo 66° da Constituição. O preâmbulo do DL 194/2009 reafirma esse objectivo, na área específica a que se dirige: “As actividades de abastecimento público de água às populações, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos constituem serviços públicos de carácter estrutural, essenciais ao bem-estar geral, à saúde pública e à segurança colectiva das populações, às actividades económicas e à protecção do ambiente.” A imposição da ligação dos sistemas prediais de distribuição de água e de drenagem de águas residuais aos respectivos sistemas públicos surge assim, ao mesmo tempo, como medida inibidora de poluição de componentes ambientais naturais (água e solo) e como fonte de melhor saúde pública, segurança e bem-estar das populações. Sendo uma norma de cariz eminentemente ambiental está excluída do âmbito de actuação da alínea l) do n.º 4 do ETAF, na medida em que esta atribui à jurisdição administrativa a apreciação de impugnações de decisões judiciais que apliquem coimas por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.”. Assim, tal como foi entendido nos citados acórdãos, também a contra-ordenação em causa nos autos não respeita a violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, pelo que a impugnação deste ilícito de mera ordenação social está excluída da competência dos tribunais administrativos, cabendo a sua apreciação aos tribunais comuns. Pelo exposto, acordam em julgar que a competência material para a referida impugnação judicial cabe aos tribunais da jurisdição comum, concretamente ao Tribunal Judicial da Comarca de Porto, Juízo Local Criminal de Matosinhos, Juiz 1. Sem custas. Lisboa, 20 de Fevereiro de 2025. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) - Nuno António Gonçalves. |