Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:0495/25.0BEPRT
Data do Acordão:07/10/2025
Tribunal:CONFLITOS
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
TRIBUNAIS JUDICIAIS
PROCESSO CONTRA-ORDENACIONAL
Sumário:Compete aos Tribunais Judiciais conhecer de contra-ordenação que não respeita a violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, pelo que a impugnação deste ilícito de mera ordenação social está excluída da competência dos tribunais administrativos, cabendo a sua apreciação aos tribunais comuns.
Nº Convencional:JSTA000P34108
Nº do Documento:SAC202507100495
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:CÂMARA MUNICIPAL DA MAIA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal dos Conflitos

1. Relatório
A..., Lda., identificada nos autos, deduziu recurso de impugnação judicial, nos termos do artigo 59.º do DL nº 433/82, de 27 de Outubro, da decisão do Vereador da Câmara Municipal da Maia que, nos ... nºs ..7/2022, ..6/2022, ..4/2022, ..0/2022, ..2/2022, ..7/2023 e ..0/2023, lhe aplicou, em cúmulo jurídico, uma coima no montante de €10.000,00, acrescida de custas no montante de €51,00, pela prática de contra-ordenações previstas no artigo 4º, nº 1 conjugado com o art. 2º, nº 2, no art. 8º, nº 1, em conjugação com o art. 12º, nº 1, e no art. 8º, nº 1, em conjugação com os arts. 1º, e 2º, nº 2, todos do Regulamento Municipal de Publicidade e Ocupação do Espaço Público para o Concelho da Maia.
Remetidos os autos ao Ministério Público da Comarca do Porto, Procuradoria do Juízo Local Criminal da Maia, este fez os autos presentes ao Tribunal, nos termos do art. 62º, nº 1 do DL nº 433/82, de 27 de Outubro.
Por decisão proferida em 3.02.2025 pelo Juízo Local Criminal da Maia, do Tribunal Judicial da Comarca de Porto [proc. nº 424/25.0T9MAI], foi declarada a incompetência desse Tribunal, em razão da matéria, para apreciação do recurso interposto pelo arguido.
Após trânsito, foi o processo remetido ao TAF do Porto.
Por decisão de 22.04.2025, o TAF do Porto também se julgou incompetente em razão da matéria para conhecer do recurso de impugnação.
Suscitada a resolução do conflito de jurisdição pelo TAF do Porto, foi o processo remetido ao Tribunal dos Conflitos.
Neste Tribunal foi dado cumprimento ao disposto no nº 3 do art. 11º da Lei nº 91/2019, de 4 de Setembro.
O Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de dever ser atribuída a competência material à jurisdição comum, concretamente ao Juízo Local Criminal da Maia, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto.

2. Os Factos
Os factos relevantes para a decisão são os enunciados no Relatório.

3. O Direito
O presente Conflito Negativo de Jurisdição vem suscitado entre o Tribunal Judicial da Comarca de Porto, Juízo Local Criminal da Maia, e o TAF do Porto.
O Juízo Local Criminal da Maia considerou-se materialmente incompetente por entender que as contra-ordenações em causa nos autos, por se tratarem de infrações ao licenciamento de publicidade e ocupação do espaço público, têm a natureza de ilícitos de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, pelo que a apreciação da sua impugnação judicial competiria aos tribunais administrativos, de acordo com o disposto na alínea l) do nº 1 do art. 4º do ETAF.
Por sua vez o TAF do Porto, fundamentando-se na jurisprudência do Tribunal dos Conflitos, considerou que a situação “não se subsume ao conceito de direito do urbanismo previsto na alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF”, entendendo que (…) em causa nos presentes autos não está a violação do regime jurídico da edificação e da urbanização [“RJUE”], nem, por consequência, a imputação à Recorrente de qualquer das contra-ordenações previstas no artigo 98.º do referido diploma. Ao invés, o que aqui está em causa é, em rigor, o sancionamento da Recorrente pelo incumprimento de várias regras impostas pelo Município da Maia no respectivo Regulamento no que tange à utilização e ocupação do domínio público municipal, nomeadamente, para efeitos de afixação e instalação de suportes publicitários”.
Vejamos.
Dispõe o artigo 4º, nº 1, alínea l) do ETAF, na redacção introduzida pelo DL nº 114 /2019, de 12 de Setembro, que:
1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:
l) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo (…);
Nos termos deste normativo o legislador previu, pois, a competência dos tribunais administrativos para o conhecimento das impugnações judiciais, no âmbito de ilícitos de mera ordenação social, mas restringido à violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.
No caso dos autos está em causa a aplicação de uma coima pela prática de contra-ordenações previstas no art. 4º, nº 1 conjugado com o art. 2º, nº 2 do Regulamento Municipal de Publicidade e Ocupação do Espaço Público para o Concelho da Maia [processo de contra-ordenação ..7/2022], no art. 8º, nº 1, em conjugação com o art. 12º, nº 1, do mesmo Regulamento Municipal [processos de contra-ordenação nºs ..6/2022 e ..0/2023] e no artigo 8º, nº 1, em conjugação com os arts. 1º, e 2º, nº 2, também do referido Regulamento Municipal [processos de contra-ordenação nºs ..4/2022, ..0/2022, ..2/2022 e ..7/2023], e punidas pelo art. 62º do referido Regulamento Municipal. Todas as infrações reportam-se à ocupação de espaço público com suportes de publicidade, sem o respectivo licenciamento, ou da sua manutenção após ordem de remoção.
O Regulamento Municipal de Publicidade e Ocupação do Espaço Público do Município da Maia, publicado no DR, 2ª série, parte H, de 17.01.2022, “estabelece o regime a que fica sujeita a afixação, inscrição e difusão das mensagens publicitárias de natureza comercial, visíveis e audíveis a partir do espaço público, e a utilização destas em suportes publicitários na área do município, bem como a ocupação e utilização privativa do espaço público ou afeto ao domínio público municipal” (art. 1º) e, segundo o disposto no art. 2º, nº 2, “considera-se ocupação do Espaço Público qualquer implantação, ocupação, difusão, instalação, afixação ou inscrição de equipamento urbano, mobiliário urbano, suportes publicitários ou outros meios de utilização do espaço público, designadamente no seu subsolo, solo e espaço aéreo ou que deste seja visível e/ou audível, ainda que ligado fisicamente a um espaço privado”.
Por sua vez o art. 4º, nº 1 estabelece que “Em caso algum é permitido qualquer tipo de publicidade ou outra utilização do espaço público constante deste Regulamento, sem prévio licenciamento ou comunicação à Câmara Municipal da Maia ou, consoante os casos de concessão, nos termos legalmente previstos”, sublinhando o nº 1 do art. 8º que: “A publicidade e a ocupação do espaço público serão sujeitas a licenciamento em todas as situações não abrangidas pelos artigos 6.º a 7.º.”.
A propósito da opção legislativa tomada na reforma de 2015 ao ETAF, quanto ao alargamento do âmbito da jurisdição administrativa na área do ilícito de mera ordenação social, escreveu-se no acórdão deste Tribunal dos Conflitos de 27.09.2018, Proc. 023/18:
«Daí que a opção tenha passado, nos termos da alínea l) do n.º 1 do art. 04.º do ETAF, pela atribuição da competência aos tribunais administrativos apenas das impugnações contenciosas de decisões que hajam aplicado coimas fundadas na violação de normas de Direito Administrativo em matéria de urbanismo [aqui entendido num âmbito que não abarca as regras relativas à ocupação, uso e transformação do solo (planos/instrumentos de gestão territorial), nem as regras relativas ao direito e política de solos, mas que inclui, mormente, as regras respeitantes à disciplina do direito administrativo da construção e à dos instrumentos de execução dos planos (v.g., reparcelamento, licenciamento e autorização de operações de loteamento urbano e de obras de urbanização e edificação)], ficando excluídas, salvo expressa disposição em contrário, todas as impugnações contenciosas relativas aos demais domínios/matérias tipificados em sede de ilícito de mera ordenação social e, assim, por este abrangidos.»
O Tribunal dos Conflitos já teve oportunidade de se pronunciar sobre a exclusão do âmbito da competência da jurisdição administrativa a apreciação de litígios decorrentes da aplicação de coimas por infracção ao regime de ocupação do domínio público.
Afirmou este Tribunal dos Conflitos no acórdão de 03.11.2020, Proc. 064/19 (disponível em www.dgsi.pt), que: “(…) a colocação de "alpendre" ou "sanefa" na fachada do estabelecimento sem a respectiva licença municipal, constitutiva da contraordenação por violação do art. 3°, n.º 1 e 10° do Regulamento, não se integra no conceito de matéria respeitante a urbanismo, antes integrando a regulação da utilização do espaço público do Município do Seixal.”.
E, no acórdão de 08.11.2022, Proc. 021/22 (disponível em, disse-se que: “(…) a previsão do referido art. 92°, nº 1, alínea f) do Regulamento de Ocupação do Espaço Público, Publicidade e Propaganda do Concelho de Faro, emergente da violação de normas que disciplinam a ocupação do espaço público municipal, não se integra no conceito de matéria respeitante a urbanismo, respeitando a matéria sobre a referida ocupação do espaço público.”.
E, em situação idêntica à presente, em que estava em causa uma infracção ao regime de ocupação do espaço público com suportes publicitários, este Tribunal dos Conflitos no acórdão de 07.10.2020, Proc. 01/20 (disponível em www.dgsi.pt) expendeu que: “(…) a ocupação de espaço público com suporte publicitário sem a comunicação prévia prevista no DL n.º 48/2011, de 1 de Abril, constitutiva da referida contraordenação, não se integra no conceito de matéria respeitante a urbanismo, antes integrando a regulação da utilização do espaço público. No caso concreto, o espaço público do Município do Seixal. E, não existindo expressa disposição em contrário, a impugnação contenciosa relativa a esta matéria tipificada em sede de ilícito de mera ordenação social está excluída da previsão do art. 4º, nº 1, al. l) do ETAF e, da competência dos tribunais administrativos (cfr., em situação paralela, o Ac. de 19.06.2019, Proc. 10/19).
Assim, tal como foi entendido nos citados acórdãos, também a contra-ordenação em causa nos autos não respeita a violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, antes respeitando à regulação da ocupação do espaço público, no caso, do Município da Maia. E, não existindo expressa disposição em contrário, a impugnação deste ilícito de mera ordenação social está excluída da competência dos tribunais administrativos, cabendo a sua apreciação aos tribunais comuns.
Pelo exposto, acordam em julgar que a competência para a referida impugnação judicial cabe aos tribunais da jurisdição comum, concretamente ao Tribunal Judicial da Comarca de Porto, Juízo Local Criminal da Maia.
Sem custas.

Lisboa, 10 de Julho de 2025. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – Nuno António Gonçalves.