Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
Processo: | 021/12 |
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Data do Acordão: | 05/23/2013 |
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Tribunal: | CONFLITOS |
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Relator: | POLÍBIO HENRIQUES |
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Descritores: | PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL CONTRATO DE EMPREITADA COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS |
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Sumário: | De acordo com o previsto no art. 4º, nº 1, alínea e) do ETAF, está atribuída aos tribunais da jurisdição administrativa a competência para conhecer de acção por incumprimento de contrato de empreitada celebrado entre privados, mas cuja celebração foi precedida de procedimento pré-contratual de direito público a que se encontrava sujeito por força do disposto nos arts. 2º, nº 5 e 3º, nº 1, alínea e) do DL nº 59/99, de 2 de Março. |
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Nº Convencional: | JSTA00068277 |
Nº do Documento: | SAC20130523021 |
Data de Entrada: | 10/08/2012 |
Recorrente: | A...., S.A. NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE AS VARAS DE COMPETÊNCIA MISTA DO FUNCHAL E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS |
Recorrido 1: | * |
Votação: | UNANIMIDADE |
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Meio Processual: | REC PRE CONFLITO |
Objecto: | AC TRIBUNAL RELAÇÃO LISBOA |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO |
Área Temática 1: | DIR ADM CONT - RECURSO PRE CONFLITO |
Legislação Nacional: | ETAF02 ART4 N1 E F. DL 59/99 DE 1999/02/03 ART2 N5 ART3 N1 E. |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC06/12 DE 2012/09/12.; AC STA PROC014/06 DE 2006/09/26.; AC STA PROC06/07 DE 2007/11/28. |
Referência a Doutrina: | MARIO AROSO DE ALMEIDA - MANUAL DE PROCESSO ADMINISTRATIVO 2010 PAG166. VIEIRA DE ANDRADE - A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA 2011 PAG101. SERVULO CORREIA - DIREITO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO VOLI PAG713. MARIO ESTEVES DE OLIVEIRA - CODIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS VOLI PAG 53. |
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Aditamento: | ![]() |
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Texto Integral: | Conflito nº 21/12 “A…………, S.A”, já devidamente identificada nos autos, recorre para o Tribunal de Conflitos, ao abrigo do disposto no art. 107º/2 do CPC, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido a fls. 2073- 2103, que julgou improcedente o recurso de apelação interposto da sentença proferida pela Vara de Competência Mista do Tribunal do Funchal, que declarou o Tribunal materialmente incompetente para conhecer da presente instância cautelar, por serem competentes os tribunais administrativos. 1.1. Apresenta alegações com as seguintes conclusões: A. O acórdão recorrido determinou que a competência para a apreciação de questões atinentes à execução das empreitadas dos autos será dos tribunais administrativos e, consequentemente, considerou a incompetência absoluta do tribunal civil, em razão da matéria, para a apreciação do presente litígio, absolvendo a Recorrida da instância, quando é certo que as normas aplicáveis deveriam ser interpretadas no sentido de que o tribunal civil é competente, em razão da matéria, para conhecer do litígio em presença. B. Por outro lado, o acórdão a quo padece de nulidade por omissão de pronúncia sobre questões que devia apreciar. C. Quer no corpo das alegações, quer nas alíneas D, G, I, O, P, R, S e T, das conclusões do recurso de apelação, a recorrente levantou as questões: i) do recorrido não ser entidade adjudicante, situando-se fora da esfera da Administração Pública (alínea D.); ii) nos invocados contratos de empreitada não constava “a menção do despacho que autorizou a celebração do contrato e, no caso de se prolongar por mais de um ano, a disposição legal que o tiver autorizado”, como se impõe no Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas para os contratos administrativos de empreitada, o que significa desde logo que os mesmos não são contratos públicos (alínea G); iii) como resultava da lei aplicável (Decreto-Lei nº 59/99), das directivas europeias sobre contratação pública e da lei actual (Código dos Contratos Públicos), o financiamento público não determinava mais do que a obrigação de cumprir as regras de formação de contratos públicos (alínea l); iv) No momento da celebração do contrato de empreitada o recorrente não tinha conhecimento de que as obras foram financiadas por fundos oriundos da Região Autónoma da Madeira, dado que nos anúncios dos concursos publicados em Diário da República, bem como no clausulado dos contratos de empreitada, vd. cláusula 2ª, tanto do contrato de 2003 como do contrato de 2005, a folhas 32 a 38 e 44 a 47, respectivamente consta que “O preço da empreitada é de (…) sendo o correspondente encargo suportado por Contrato-Programa a celebrar (e não tendo sido já celebrado à data da outorga dos contratos – destaque e conclusão do recorrente) entre o Instituto do Desporto da Região Autónoma da Madeira e o Club B…………” (alínea J); v) Esta extensão do âmbito de aplicação não “publiciza” ou “administrativiza” os contratos de empreitada por ela abrangidos (alínea O); vi) Consequentemente, as normas do Regime Jurídico da Empreitadas de Obras Públicas que conferem poderes de autoridade aos donos de obra não poderiam ter produzido quaisquer efeitos jurídicos nos contratos de empreitada em análise (alínea P), vii) Não se aplica a estas empreitadas a alínea f) do nº 1 do art. 4º do ETAF, porque não está em causa qualquer regime substantivo de direito público, tudo se passando em termos (fisiológicos, anatómicos e conceptuais) análogos aos casos de empreitadas particulares com remissão para aplicação do Regime de Empreitadas de Obras Públicas (cfr. PEDRO ROMANO MARTINEZ, LUIS MENEZES LEITÃO, RODRIGO E MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO GONÇALVES) (alínea R); viii) A associação, no artigo 4º, nº 1, alínea e) do ETAF entre a aplicação das regras de formação de contratos e a competência da jurisdição administrativa para apreciar acções sobre contratos aplica-se obviamente apenas a “contratos públicos”, celebrados por entidades adjudicantes (alínea S); ix) Àquelas disposições do ETAF tem de ser dada uma interpretação conforme com a Constituição da República Portuguesa (cfr. art. 212º, nº 3) afastando o risco de existência de desconformidade constitucional (cfr. JORGE MIRANDA) e de se colocar em crise a unidade sistemática do ordenamento jurídico (alínea T). D. Ora, não obstante essas concretas questões, serem completamente independentes e não serem susceptíveis de ficarem prejudicadas pela apreciação de todas as outras questões, o tribunal recorrido não se pronunciou sobre as mesmas, o que acarreta a nulidade do acórdão nos termos da alínea d) do nº 1 do art. 668º do Código de Processo Civil que lhe é aplicável por força do disposto no art. 716º do mesmo diploma legal. E. As empreitadas celebradas entre a A………… e o B……….. são empreitadas de direito privado, em que as partes são pessoas colectivas de direito privado, tendo como objecto a construção de uma obra que constitui propriedade privada do dono de obra. F. Nenhum dos outorgantes daquelas empreitadas agiu dotado de ius imperii ao abrigo de poderes concedidos por normas de direito público. G. O Club B…………. não é entidade adjudicante; situa-se fora da esfera da Administração Pública, quer em sentido institucional, quer em sentido funcional. H. A lei não quis que as entidades que recebem fundos para realizar projectos sejam concebidas como entidades adjudicantes; isto mesmo, note-se, apesar de se tratar da mesma lei (seja Decreto-Lei nº 59/99, o Código dos Contratos Públicos ou as directivas europeias) que impõe a aplicação das suas regras sobre a formação de contratos a essas mesmas entidades: I. Ora, isto mostra que o legislador quer o financiamento público de contratos seja fundamento para aplicação única e exclusivamente das regras relativas à formação de contratos públicos. J. Os contratos de empreitada e concepção/construção do complexo desportivo do Club B………… são puros contratos de direito privado: são celebrados por entidades privadas, para a realização de fins privados; nos termos da legislação não se trata pois de contratos públicos. K. Isto é, a remissão das partes para a aplicação de um regime de direito público, bem como a extensão do âmbito de aplicação do REOP a uma empreitada particular (como a que ocorre no presente caso por força do art. 2º, nº 5 do REOP) não torna administrativa, só por si, a relação contratual controvertida. Estas situações: (i) a remissão pelos contraentes n uma empreitada particular para a aplicação do REOP, e (ii) a extensão do âmbito de aplicação do REOP ditada por motivos relacionados com a comparticipação financeira pública; tratando-se de situações anatómica, fisiológica e conceptualmente análogas, devem merecer tratamento análogo, quer para efeitos de limitação da aplicação das normas de natureza administrativa constantes do REOP, a outorgantes privados, quer para efeitos de exclusão de sujeição à jurisdição administrativa. L. As partes, no momento da celebração do contrato, não tinham qualquer dúvida quanto à natureza jus privatística dos contratos de empreitada, tendo estipulado expressamente a competência dos tribunais judiciaiss, ditos comuns (Cláusula 10ª dos Contratos de Empreitada). M. Nos dois contratos de empreitada não constava “a menção do despacho que autorizou a celebração do contrato”, nem “ o encargo total resultante do contrato, a classificação orçamental da dotação por onde será satisfeito no ano económico da celebração do contrato e, no caso de se prolongar por mais de um ano, a disposição legal que o tiver autorizado”, como se impõe no Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas para os contratos administrativos de empreitada. N. Daqui resulta que os contratos foram celebrados como típicas empreitadas de direito privado e o carácter administrativo invocado é superveniente. O. Ora, os contratos de direito privado, validamente celebrados entre entidades privadas, não se transformam em contratos administrativos por factos supervenientes a que, pelo menos uma das partes é alheia. P. O facto de os mesmos contratos terem sido financiados pela Região Autónoma da Madeira não altera em nada o sentido da conclusão anterior;: o que sucede é que, por causa desse financiamento público o B…………. ficou obrigado a cumprir as regras sobre a formação dos contratos públicos. Q. Mas como resultava da lei aplicável (Decreto-Lei nº 59/99), das directivas europeias sobre a contratação pública e da lei actual (Código dos Contratos Públicos), o financiamento público não determinava mais do que a obrigação de cumprir as regras de formação de contratos públicos. R. O financiamento por parte da Região Autónoma da Madeira só veio a ser concedido e contratualizado em momento posterior à execução das empreitadas em análise, havendo retroactividade ao entender-se que um facto superveniente afecta a natureza do contrato de empreitada. S. Esta remissão do REOP, por força do tardio – diga-se posterior ao contrato” – financiamento da obra, não pode por si só conferir ao contrato de empreitada características de administratividade. T. Cumpre sublinhar a superveniência da contratação do financiamento público em relação à data da celebração dos contratos de empreitada, isto é, os contratos foram celebrados aos 2 de Julho de 2003 e 31 de Janeiro de 2005 e apenas aos 9 de Outubro de 2003 e 7 de Dezembro de 2005, respectivamente, foram aprovados os financiamentos por parte da Região Autónoma da Madeira. U. À data da celebração dos contratos de empreitada não se verificava o facto que é determinante para a incompetência do tribunal judicial, pois o financiamento por parte da Região Autónoma é posterior. V. Ora, a determinação do regime aplicável ao contrato é estabelecida no momento da sua celebração, pelo que a «administratividade» assente em facto superveniente representa uma solução retroativa, contrária aos princípios gerais da ordem jurídica. W. No momento da celebração do contrato de empreitada o empreiteiro não tinha conhecimento de que as obras iriam ser financiadas por fundos oriundos da Região Autónoma da Madeira. X. Os contratos de empreitada e concepção/construção do complexo desportivo do Clube B…………. não estão abrangidos por quaisquer normas de direito público que regulem o respectivo regime substantivo. Assim, não se preenche o pressuposto do artigo 4º, nº 1, alínea f) do ETAF, norma que se aplica a contratos administrativos (associados por inerência ao exercício da função administrativa). Y. A extensão de aplicação do Regime das Empreitadas de Obras Públicas às empreitadas objecto do litígio que opõe a A………… ao B…………, não as converte em “empreitadas de obras públicas” pois tal qualificação depende da existência de um “dono de obra pública” como tal definido pelos arts. 1º, 2º e 3º daquele regime. Z. Estão em causa empreitadas particulares a que se aplica, por extensão do âmbito de aplicação, o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas. AA. Os contratos de empreitada celebrados pelo Clube B………… parecem preencher o requisito de serem contratos “a respeito dos quais haja lei específica que os submeta (…) a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público” (como vimos, as normas constantes dos artigos 47º a 140º do diploma). Sem prejuízo de aparentar isso mesmo, a transcrita norma do ETAF não pode conduzir a um tal resultado. Com efeito, a referência que nela se faz a “contratos” não pode deixar de valer apenas para “contratos de entidades que integram a esfera institucional ou funcional da Administração Pública”. AB. Na verdade, ainda com um âmbito exageradamente extenso, pelo facto de remeter para a jurisdição administrativa a apreciação de contratos puramente privados, a legislação utilizou, por razões pragmáticas, a “técnica do bloco de competências”, determinando uma solução uniforme, consistente em confiar aos tribunais competentes para a apreciação de actos pré-contratuais também a competência para a apreciação de contratos. AC. Assim, a norma referida entrega à jurisdição administrativa competência para apreciar tanto contratos administrativos como de direito privado, tanto contratos de entidades públicas como de entidades privadas, mas pressupõe sempre tratar-se de contratos públicos, celebrados por entidades adjudicantes – veja-se, hoje, o art. 1º, nº 2 do Código dos Contratos Públicos, que entende por contratos públicos os contratos que “sejam celebrados pelas entidades adjudicantes referidas no presente Código”. AD. Pois é esse – não pode deixar de ser esse – o conceito de contrato a que se refere a alínea e) do nº 1 do artigo 4º do ETAF. Quer dizer, quando aí se alude aos contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público, o legislador quis indicar os “contratos públicos”, todos os contratos públicos, os de direito administrativo e os de direito privado, os de entidades públicas e os de entidades privadas. Mas, claro, apenas esses. AE. É que, repare-se, pode até aceitar-se que, em desvio do critério constitucional de determinação do âmbito da jurisdição administrativa (relação jurídica administrativa), a lei tenha confiado àquela jurisdição a apreciação de “contratos puramente privados” (que não dão origem a qualquer “relação jurídica administrativa”) só pelo facto de o respectivo procedimento pré-contratual ser regulado por normas de direito público. Mas, claro, isto pressupõe que se trata de “contratos públicos”, celebrados por entidades que num plano institucional ou, pelo menos, num plano funcional, integram a Administração Pública. AF. O que seria já contra a lógica e a coerência do sistema de justiça administrativa e já não caberia numa compreensão, mesmo generosa, das exigências constitucionais seria a consideração de que o artigo 4º, nº 1, alínea e) do ETAF remete para a jurisdição administrativa contratos puramente privados, que versam sobre objectos privados e que, precisamente por tudo isso, “não são contratos públicos”. AG. Esta extensão do âmbito de aplicação não “publiciza” ou “administrativiza” os contratos de empreitada por ela abrangidos. AH. De resto, o actual regime do Código dos Contratos Públicos vem confirmar esta tese, na medida em que se transpõe aquela disposição das directivas (que actualmente se encontra consagrada na alínea a) do art. 8º da Directiva 2004/18/CE, de 31 de Março de 2004) para o art. 275º do CCP, que dispõe nos seguintes termos: “As regras previstas no presente Código relativas à formação de contratos de empreitada de obras públicas são também aplicáveis no caso de formação de contratos de empreitada celebrados por entidades não referidas no art. 2º ou no nº 1 do art. 7º, desde que a) Sejam financiadas directamente em mais de 50% por qualquer das entidades do art. 2º; e…” AI. Assim, se o nº 5 do art. 2º do REOP não se aplica à execução do contrato (apesar da sua redacção excessivamente ampla) – nem poderia aplicar, pois implicaria transformar em entidade administrativa e com poderes para a prática de actos administrativos todas as entidades que executassem uma obra comparticipada em mais de 50% pelo Estado – logo, não estamos perante uma situação subsumível à alínea f) do nº 1, do art. 4º do ETAF, nos termos do qual competem à jurisdição administrativa os litígios respeitantes a “contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo” AJ. A título de conclusão, tudo se reconduziria - na fase de execução da empreitada - a um caso de aplicação do regime das empreitadas de obras públicas a uma empreitada particular, apesar de esta empreitada estar sujeita a um regime procedimental de direito público na fase da sua formação (como acontece actualmente no Código dos Contratos Públicos, em que o Código só se aplica à fase da formação das empreitadas comparticipadas com dinheiros do Estado em mais de 50%, como resulta expressamente do art. 275º do CCP). AK. Consequentemente, as normas do Regime Jurídico de Obras Públicas que conferem poderes de autoridade aos donos da obra não poderiam ter produzido quaisquer efeitos jurídicos nos contratos de empreitadas em análise. AL. Não se aplica a estas empreitadas a alínea e) do nº 1 do art. 4º do ETAF, porque não está em causa qualquer diferendo nascido na fase da formação do contrato. AM. Nestes termos, e partilhando do entendimento de JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, cremos que, para serem competentes os Tribunais Administrativos, no âmbito da alínea e), têm que estar em causa questões de interpretação, validade e execução do contrato associadas à adjudicação ou, em geral, ao procedimento pré-contratual, o que não é, definitivamente o caso no litígio que opõe a A…………. ao B…………. AN. A aplicação daquela alínea ao caso concreto só fará sentido, portanto, quando estão em causa questões de interpretação, validade e execução de contratos associadas à adjudicação ou, em geral, ao procedimento pré-contratual. AO. Pelo que, e não estando em causa nos autos que correram termos nas Varas de Competência Mista do Funchal, regras ou questões relativas à interpretação, validade e execução respeitantes à adjudicação ou ao procedimento pré-contratual, não será competente a jurisdição administrativa. AP. A causa de pedir nos presentes autos prende-se com o não pagamento de facturas vencidas relativas a trabalhos prestados no âmbito de dois contratos de empreitada celebrados ente o B………… e a A…………, e não com quaisquer questões associadas à adjudicação ou ao procedimento pré-contratual dos mesmos. AQ. Está em causa um diferendo respeitante à execução do contrato e não respeitante à sua formação. AR. Não se aplica a estas empreitadas a alínea f) do nº 1 do art. 4º do ETAF, porque não está em causa qualquer regime substantivo de direito público, tudo se passando em termos (fisiológicos, anatómicos e conceptuais) análogos aos casos de empreitadas particulares, com remissão para a aplicação do Regime de Empreitadas de Obras Públicas. AS. A associação, no artigo 4º, nº 1, alínea e) do ETAF entre a aplicação das regras de formação de contratos e a competência da jurisdição administrativa para apreciar ações sobre contratos aplica-se obviamente apenas a “contratos públicos”, celebrados por entidades adjudicantes. AT. Acresce ao exposto que, como observa PEDRO GONÇALVES, a remissão para a aplicação de um regime de direito público, mesmo no caso de uma IPSS, apenas “converte” uma empreitada particular numa “empreitada de obras públicas” quando o dono da obra seja um “organismo de direito público”, isto é, quando esteja em causa um organismo criado com o objectivo específico de satisfazer necessidades de carácter geral, sem carácter industrial ou comercial, cuja actividade e não apenas a obra em causa) seja financiada maioritariamente pelo Estado, por Autarquias Locais ou por outros organismos de direito público. AU. Por definição, não pode existir uma “empreitada de obras públicas” se não estamos perante um contrato de empreitada e que o dono da obra seja um “dono de obras públicas”. AV. Àquelas disposições do ETAF tem de ser dada uma interpretação conforme com a Constituição da República Portuguesa (cfr. art. 212º, nº 3), afastando o risco de existência de desconformidade constitucional e de se colocar em crise a unidade sistemática do ordenamento jurídico. AW. Por seu turno, “a pedra de toque” para efeitos de determinação da competência material dos Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante ETAF), viola claramente o art. 212º, nº 3, da Constituição, a interpretação que permita aos Tribunais Judiciais julgarem-se incompetentes para dirimir litígios emergentes de relações entre privados, respeitantes a execução de contratos de direito privado e em que nenhuma das partes é uma pessoa colectiva pública ou age ao abrigo de normas que lhe outorguem poderes públicos. AY. No mesmo sentido, o art. 1.º, n,º 1 do ETAF dispõe: “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o conhecimento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas”. AZ. Afastada que está, também, a aplicabilidade do art. 4.º , nº 1, alíneas e) e f) do ETAF, para atribuir competência ao tribunal administrativo, teremos de concluir que para apreciação de tal litígio, são competentes os tribunais comuns – art. 66º do CPC. BA. O acórdão violou, entre outras, as normas do artigo 211.º, nº 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP); do art. 66º do Código de Processo Civil; do art. 18. nº 1 da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro; no art. 1, nº 1 e do art. 4º, nº 1, alíneas e) e f) da Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro – Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais – ETAF; do art. 2º, nº 1 e nº 5, e do art. 253º, nº 2 do DL nº 59/99, de 2 de Março – RJEOP; na Directiva 93/37/CEE e no artigo 8º da Directiva 2004 BB. Devendo as citadas normas serem interpretadas no sentido de que o Tribunal competente para apreciar a questão vertida nos presentes autos, é o tribunal judicial, mais concretamente, o Tribunal das Varas de Competência Mista do Funchal. 1.2. O Clube B………… da Madeira contra-alegou defendendo a manutenção do acórdão recorrido. 1.3. O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, nos seguintes termos: “Vem o presente recurso interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou, embora como argumentação não inteiramente coincidente, a decisão da Vara de Competência Mista do Funchal que julgou verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, por caber aos tribunais administrativos e não aos judiciais, a competência para conhecer da causa. A recorrente imputa àquele acórdão nulidade, por omissão de pronúncia e violação dos arts. 211.º, nºs 1 e 3 da CRP; art. 66.º do CPC; art. 18.º, nº1 da Lei nº 3/99, de 13/1; artºs. 1º, nº 1 e 4º, nº 1, e) e f) do ETAF; art. 2º, nºs 1 e 5 e 253º, nº 2 do DL nº 59/99, de 2/3 da Directiva 93/37/CEE e art. 8º da Directiva 2004/18/CE. Do acórdão recorrido não cabia recurso ordinário, pelo que a sua nulidade deveria ter sido arguida perante o tribunal a quo, não cabendo a este Tribunal dela conhecer, atendendo ao disposto nos arts. 107º, nº 2; 668º, nº 4; 676º, nº 2 e 716º do CPC. Improcederá pois o recurso nesta parte. Em síntese, o acórdão considerou que, consignando os contratos de empreitada em questão que o encargo correspondente ao respectivo preço seria suportado por contrato-programa a celebrar entre o Instituto do Desporto da Região Autónoma da Madeira e o Clube B…………, ora recorrido, sendo portanto tais empreitadas totalmente financiadas pela Região Autónoma da Madeira, era-lhes aplicável o regime de empreitadas de obras públicas, instituído pelo DL nº 59/99, de 2/3 (RJEOP), nos termos dos respectivos arts. 2º, nº 5 e 3º, nº 1, e), pelo que, atendendo também à natureza pública desse regime, a competência para a apreciação das questões atinentes à execução das empreitadas seria dos tribunais administrativos. Constitui pacífico entendimento jurisprudencial e doutrinário que a competência em razão da matéria do tribunal se afere pela natureza da relação jurídica, tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido), independentemente do seu mérito, e os respectivos fundamentos (causa de pedir) – cfr. entre outros, os doutos acórdãos deste TC, de 23/9/2004, proc. nº 05/04; de 4/10/2006, procº. nº 03/06; de 17/5/2007, procº nº 5/07 e de 2/10/2008, proc. nº 012/08. É pacífico que a pretensão da recorrente se traduz num pedido de execução dos contratos de empreitada, face ao não cumprimento, em tempo, dos pagamentos devidos pelos trabalhos executados, por parte da recorrida. A recorrente sustenta serem competentes os tribunais comuns para apreciação do litígio, encontrando-se afastada a aplicabilidade do art. 4º, nº 1, e) e f) do ETAF, no sentido da atribuição da competência aos tribunas administrativos. Para tanto, invoca a natureza privada dos contratos de empreitada, a qualidade privada dos respectivos sujeitos, o seu objecto igualmente privado, e alega que o procedimento pré-contratual de direito público apenas releva, para efeito da primeira daquelas normas (alínea e) do nº 1 do art. 4º) no caso de contratos de entidades que integram a esfera institucional ou funcional da Administração Pública, sendo pressuposto da sua aplicação tratar-se de contratos públicos, celebrados por entidades adjudicantes. O douto acórdão recorrido entendeu estar-se em presença de empreitadas de direito privado celebradas entre pessoas colectivas de direito privado, revelando-se pacífica esta pronúncia. Quanto ao invocado pressuposto de aplicação da referida norma, não assistirá razão à recorrente, salvo o devido respeito por douta decisão contrária. Na verdade, o critério de delimitação de competência em matéria de actividade contratual é o da sujeição a normas de direito público, quer relativas à execução do contrato, quer ao procedimento pré-contratual, independentemente da natureza jurídica das entidades contratantes (Maria João Estorninho, A Reforma de 2002 e o Âmbito da Jurisdição Administrativa, Justiça Administrativa, nº 35, p. 6). O que releva, neste domínio, é a natureza jurídica do procedimento anterior à celebração do contrato, independentemente da qualidade das partes contratantes e da natureza e regime do contrato, ou seja, independentemente de nele intervirem uma ou duas pessoas colectivas ou apenas particulares e de se tratar de contratos administrativos ou de contratos de direito privado (Mário Esteves de Oliveira/Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Vol. I, Almedina, 2004, Coimbra, pp. 48 e 50). O critério é assim o critério do contrato submetido a regras de contratação pública, ou seja, o do contrato “submetido a regras procedimentais de formação de Direito Administrativo” (Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, 2010, p. 166). Verificado este critério, caberá à jurisdição administrativa a apreciação dos litígios emergentes de quaisquer contratos, “mesmo que puramente privados” (José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 5ª edição, Almedina, 2004, Coimbra, p. 122), “celebrados entre sujeitos de direito privado e com um regime substantivo de direito privado” (Sérvulo Correia, Direito do Contencioso Administrativo, Lex, Lisboa, 2005, p. 716). Este entendimento, em correspondência com um pretendido alargamento do âmbito da jurisdição administrativa em matéria contratual, sai reforçado pela norma do art. 100º, nº 3 do CPTA, que expressamente inclui no contencioso pré-contratual os actos de sujeitos privados inseridos num procedimento pré-contratual de direito público” (Mário Aroso de Almeida/Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, Coimbra, p. 507). Assim entendeu também este Tribunal dos Conflitos nos doutos acórdãos de 16/2/2012, Proc. 021/11 e de 11/3/2010, Proc. 028/09, tendo-se decidido que “a alínea e) do nº 1, do art. 4º do ETAF de 2002 abstrai da natureza das normas que materialmente regulam o contrato, colocando-o na órbita dos tribunais administrativos, desde que a lei preveja a possibilidade da sua submissão a um procedimento pré-contratual de direito público, sendo o acento tónico indiciador da natureza administrativa da relação jurídica as regras de procedimento pré-contratuais potencialmente aplicáveis e não o conteúdo do contrato ou a qualidade das partes”. Sustenta ainda a recorrente que a aplicação da norma da alínea e) do nº 1 do art. 4º do ETAF supõe que estejam em causa questões de interpretação, validade e execução do contrato associadas à adjudicação ou, em geral, ao procedimento pré-contratual. Afigura-se-nos, salvo douto entendimento em contrário, não ser de sufragar esta interpretação por não ter apoio na letra da lei e conduzir a resultados indesejáveis em termos de unidade do sistema jurídico, como o douto acórdão recorrido salientou e a recorrida ora defende nas suas contra-alegações, e bem assim não se revelar conforme a uma “aplicação simples e racional” da norma, que se revela contrária à repartição por tribunais distintos da apreciação de litígios diferentes relativos ao mesmo contrato” (Neste sentido, Sérvulo Correia, ob. cit, p. 713). Parece-nos pois ser de sufragar inteiramente a interpretação no sentido de que cabe à jurisdição administrativa a competência para conhecer de todas as questões relativas a contratos precedidos ou precedíveis, por força de lei específica, por um procedimento pré-contratual de direito público, quer atinentes à validade dos actos pré-contratuais, quer relativas à interpretação, validade e execução dos mesmos contratos (Maria João Estorninho, ob. cit., p. 7 e Mário Esteves de Oliveira/Rodrigo Esteves de Oliveira, ob. cit., pp. 49 e 53). No caso em apreço, é pacífico que os contratos de empreitada em causa foram precedidos de procedimento pré-contratual de direito público a que se encontravam sujeitos, por serem integralmente financiadas pela Região Autónoma da Madeira, nos termos dos arts. 2º, nº 5 e 3º, nº 1, e) do RJEOP, que assim dispôs por exigência comunitária. Independentemente de se tratar de contratos de empreitada de direito privado celebrados por pessoas colectivas privadas e do litígio em questão se reportar à respectiva execução, a competência para dele conhecer caberá aos tribunais da jurisdição administrativa, nos termos do art. 4º, nº 1, e) do ETAF. A tal não obsta a invocada superveniência – com referência à data da celebração dos contratos – do financiamento público das empreitadas contratadas e a alegada sujeição retroactiva a um procedimento pré-contratual de natureza pública, tendo em conta o clausulado constante dos mesmos contratos, como bem decidiu o acórdão recorrido, que não merecerá qualquer censura. Outrossim não procederá a alegada violação do art. 212º, nº 3 da CRP pela interpretação que se acolhe da norma constante do art. 4º, nº 1, e) do ETAF, porquanto o preceito constitucional não estabelece uma reserva material absoluta da jurisdição administrativa, antes pretende apenas consagrar os tribunais administrativos como os tribunais comuns da jurisdição administrativa, admitindo um alargamento da jurisdição relativamente à cláusula substancial” (José Carlos Vieira de Andrade, ob. cit., p. 115). Neste sentido se decidiu, com ampla remissão jurisprudencial e doutrinária, no recente acórdão deste TC, de 20/9/2012, Proc. 06/2012, onde se considerou que “o legislador ordinário, desde que não descaracterize o modelo típico, segundo o qual a regra é que o âmbito da jurisdição administrativa corresponde à justiça administrativa em sentido material, pode sem ofensa à lei constitucional, alargar o perímetro da jurisdição dos tribunais administrativos a algumas relações jurídicas não administrativas” (Na mesma linha, entre outros, também os acórdãos deste TC de 17/6/2010, Proc. 030/09; de 7/10/2009, Proc. 01/09; de 27/11/2008, Proc. 019/08; de 28/11/2007, Proc. 06/07 e de 26/09/2006, Proc. 014/06). Pelo exposto, improcedendo todas as conclusões da alegação da recorrente, deverá, em nosso parecer, ser negado provimento ao recurso e confirmado o douto acórdão recorrido, julgando-se competentes para conhecer da causa os tribunais da jurisdição administrativa, nos termos do art. 4º, nº 1, e) do ETAF.” Cumpre decidir. 2. 2.1. Remete-se, no termos da lei (art. 713º/6 do CPC) para a matéria de facto constante do acórdão recorrido. 2.2. Passando ao direito, diremos, antes de mais, citando o acórdão de 2006.03.02 – Conflito nº 020/05, que “sendo este um Tribunal dos Conflitos, compete-lhe unicamente fixar o Tribunal competente e não apreciar problemática suscitada a outro título”. No caso em apreço há que decidir a que ordem de tribunais – comuns ou administrativos – está atribuída a competência para conhecer do presente procedimento cautelar de arresto de bens, tendo presente que, em razão do disposto no art. 383º/1 do CPC, é jurisprudência deste Tribunal (Acórdão de 2009.07.07- Conflito nº 11/09) que o procedimento cautelar tem que ser proposto no tribunal que seja competente em razão da matéria para julgar a causa principal de que aquele é dependente. (Vide, no mesmo sentido, Ac. do S.T.J. de 1-3-2007, P. 4669/2006 in www.dgsi.pt, Ac. da Relação de Lisboa de 26-2-1985, C.J., 1, pág. 172, Ac. da Relação de Lisboa de 13-3-1986, C.J., 2, pág. 101, Ac. da Relação de Lisboa de 21-5-1992, C.J., 3, pág. 182) No caso dos autos, sendo o procedimento cautelar requerido antes de proposta a acção, importa, então, saber qual é a acção que a requerente pretende instaurar. Ora, na petição inicial, a Requerente invoca a existência de um direito de crédito sobre a Requerida tendo como fonte dois contratos de empreitada celebrados entre ambas, cujos trabalhos já estão integralmente executados, mas que ainda não foram pagos na totalidade, apesar de já o deverem ter sido, nos termos acordados. Neste quadro, tendo em conta que dada a função instrumental da tutela cautelar, não pode haver um total divórcio entre os objectos do procedimento cautelar e da acção definitiva e que “a identidade entre o direito acautelado e o que se pretende fazer valer no processo definitivo impõe, pelo menos, que o facto que serve de fundamento à providência integre a causa de pedir da acção principal” (António Abrantes Geraldes, in “ Temas da Reforma do Processo Civil”, III, 3ª ed., p. 146), transparece do requerimento, mormente dos fundamentos relativos ao fumus boni iuris, que a medida pretendida constitui, sem dúvida, a preparação de uma acção para efectivação de responsabilidade civil por incumprimento dos mencionados contratos de empreitada. 2.3. Posto isto, importa saber qual é a jurisdição a que está atribuída a competência para conhecer da acção principal, tal como, nos termos supra expostos, se antevê que a mesma virá a ser configurada. O acórdão recorrido decidiu que a competência está conferida aos tribunais da jurisdição administrativa, desde logo, por força do disposto nº art. 4º/1/e) do ETAF. A Requente discorda alegando, no essencial, nos termos supra transcritos, que os contratos de empreitada que estão em causa não se enquadram no conceito de contrato a que se refere a alínea e) do nº1 do art. 4º do ETAF, porque, em síntese, (i) a norma da alínea e) do nº 1 do art. 4º do ETAF, quando alude aos contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público refere-se aos contratos públicos e só a esses; (ii) os contratos celebrados entre a Requerente e a entidade Requerida são de direito privado e de entidades privadas que não integram a esfera institucional ou funcional da Administração Pública; (iii) o financiamento público determina a obrigação de cumprir as regras de formação de contratos públicos, mas não os torna em “contratos públicos”, uma vez que isto pressupõe que os mesmos tenham sido celebrados por entidades que num plano institucional ou, pelo menos, num plano funcional, integrem a Administração Pública; (iv) de todo o modo, a admitir-se a competência dos tribunais administrativos, deveria a mesma confinar-se às questões de interpretação, validade e execução do contrato associadas à adjudicação ou, em geral, ao procedimento pré-contratual, o que não é o caso no presente litígio; (v) não caberia numa compreensão, mesmo generosa, da exigências constitucionais do âmbito da jurisdição administrativa (relações jurídicas administrativas), a consideração de que o art. 4º, nº1, alínea e) do ETAF remete para a jurisdição administrativa contratos puramente privados, que versam sobre objectos privados e que, precisamente por tudo isso, “não são contratos públicos”. Vejamos, pois. Os contratos indicados como fonte dos créditos reclamados pela Requerente na acção principal são dois, denominados, respectivamente, “Contrato de Empreitada de Concepção/Construção do Complexo Desportivo do Clube B……….. – 1ª Fase” e “ Contrato de Empreitada de Concepção/Construção do Complexo Desportivo do Clube B…………. – Pavilhão e Estruturas de Apoio”. E o acórdão recorrido deu como provado, além do mais, que: - “ambos os contratos foram adjudicados na sequência de dois concursos públicos; - “tais concursos públicos foram abertos/lançados por intermédio de anúncios publicados em Diário da República”; - “estas empreitadas foram integralmente financiadas pelo “IDRAM – Instituto do Desporto da Região Autónoma da Madeira”, com o aval da Região Autónoma da Madeira, no âmbito de dois Contratos Programa (nº 155/2003 e nº 100/2005) de desenvolvimento desportivo”. Ao tempo, era vigente o DL nº 59/99, de 2 de Março. Este diploma, que efectuou a transposição da Directiva 93/37/CE, estabelecia o regime do contrato administrativo de empreitada de obras públicas (art.2º/1) e considerava que, para os efeitos nele previstos, eram considerados donos de obras públicas, entre outros, os institutos públicos [art. 3º/1/b)] e a Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira [art. 3º/1/e)]. E, por força da Directiva, determinava, passando a transcrever, que “o regime do presente diploma aplica-se ainda às empreitadas que sejam financiadas directamente em mais de 50%, por qualquer das entidades referidas no artigo seguinte.” Na verdade, aquela Directiva estabelecia no artigo 2º, nº 1 o seguinte: “Os Estados-membros tomarão as medidas necessárias para que as entidades adjudicantes observem ou assegurem a observância do disposto na presente directiva sempre que subsidiem em mais de 50% um contrato de empreitada de obras por uma entidade exterior a elas próprias”. Deste modo, por impulso da directiva europeia, o legislador nacional submeteu ao procedimento pré-contratual de direito público regulado no DL nº 59/99, não só a adjudicação dos contratos de empreitada celebrados pelas entidades consideradas “donos de obras públicas”, mas também a dos contratos celebrados por entidades privadas, exteriores àquelas, desde que maioritariamente financiados por aquelas entidades adjudicantes. Por isso que, no caso dos autos, os contratos celebrados foram precedidos de concursos públicos regulados pelo regime de direito público do DL nº 59/99, de 2 de Março. Ora o art. 4º/1/e) do ETAF dispõe que compete aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação dos litígios que tenham por objecto “questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público”. Depreende-se deste texto que compete à jurisdição administrativa dirimir todos os litígios relativos a todos os contratos que, independentemente da sua natureza e da qualidade dos contraentes, foram, por imposição legal precedidos de um procedimento pré - contratual regulado por normas de direito público. Na verdade: (i) a letra não distingue entre contratos públicos e contratos privados, nem entre contraentes públicos e contraentes privados; (ii) inclui na previsão da norma não só as questões relativas à formação do contrato, mas também as da interpretação, validade e execução dos contratos; (iii) e quanto a estas, não as restringe às que estejam associadas à adjudicação ou, em geral, ao procedimento pré-contratual. (Cfr., no mesmo sentido, quanto a este ponto, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in “Manual de Processo Administrativo”, 2010, p. 166, nota (98) ; em sentido contrário, VIEIRA DE ANDRADE, in “ A Justiça Administrativa”, 2011, p. 101, nota (180).) E não se conhecem subsídios de interpretação que justifiquem o afastamento deste sentido que imediatamente emerge do elemento literal. Ao contrário, resulta da Exposição de Motivos que acompanharam as propostas de Lei que o Governo apresentou à Assembleia da República, em Julho de 2001 que, em matéria de contratos, o legislador, optou “por ampliar o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos em domínios nos quais, tradicionalmente, se colocavam maiores dificuldades no traçar da fronteira com o âmbito da jurisdição dos tribunais comuns” (Vide “Reforma do Contencioso Administrativo”, III, - Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça - pp . 14/15) e, acrescentou “o critério da natureza do procedimento pré-contratual subjacente, abrangendo-se, assim, contratos celebrados entre pessoas colectivas de direito público, entre estas e pessoas colectivas de direito privado, ou ainda, entre diversas pessoas colectiva de direito privado” (Citação do texto a páginas 12 de “Reforma do Contencioso Administrativo”, in Colectânea de Legislação, 2003, editada pelo Ministério da Justiça.). A concretização do alargamento do âmbito da jurisdição administrativa foi feita através do “emprego da técnica do bloco de competências, para evitar a sobreposição de jurisdições a respeito de relações complexas, envolvendo situações de direito público e de direito privado” (Palavras de SÉRVULO CORREIA, in “ Direito do Contencioso Administrativo”, I, p. 713), sendo que a solução abrangente de atribuir à jurisdição administrativa não apenas o contencioso das questões administrativas dos contratos privados (relativas ao procedimento pré-contratual ou a ele associadas), mas também do contencioso das respectivas questões privadas, tem a evidente vantagem de dispensar os interessados de duplicarem “as suas acções, os seus processos, quando quisessem ver judicialmente reconhecidas pretensões dessas duas diferentes naturezas, mesmo se emergentes do mesmo contrato.” (MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E RORIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, in “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, I, p. 53) Posto isto, de regresso ao caso sujeito, (i) tendo em conta que os contratos de empreitada em causa foram precedidos de procedimento pré-contratual de direito público a que se encontravam sujeitos, nos termos dos artigos 2º, nº 5 e 3º, nº 1, e) do DL nº 59/99, de 2 de Março, por serem integralmente financiados com dinheiros públicos da Região Autónoma da Madeira, financiamento esse, aliás, nunca esteve em dúvida e que ambas as partes contraentes bem conheciam, uma vez que, conforme se escreveu no acórdão impugnado, consignaram no clausulado de cada um dos contratos que o encargo correspondente ao preço da empreitada seria suportado por “contrato-programa a celebrar ente o Instituto do Desporto da Região Autónoma da Madeira e o Club B………….”, (ii) sufragamos o entendimento do acórdão recorrido no sentido que a situação é enquadrável na previsão do art. 4º, nº 1, al. e) do ETAF e que, por consequência a competência para conhecer da acção está cometida à jurisdição administrativa. 2.4. Diremos, por fim, na linha da jurisprudência deste Tribunal de Conflitos, (Vide acórdão de 2012.09.20- Procº nº 06/2012 e a doutrina e jurisprudência aí citadas e, na mesma linha, os acórdão de 2006.09.26 – Proc. nº 014/06; de 2007.11.28- Proc. nº 06/07; de 2008.11.27 – Proc. nº 019/08; de 2009.10.07 – Proc. nº 01/09; de 2010.06.17 – Proc. nº 030/09) para a qual remetemos, que o art. 212º/3 da Constituição da República Portuguesa não impõe uma outra leitura, mais restritiva, da norma do art. 4º, nº1, al. e) do ETAF, uma vez que o preceito constitucional não estabelece uma reserva material absoluta de jurisdição, mas pretende apenas consagrar os tribunais administrativos como os tribunais comuns da jurisdição administrativa e, por via disso, o legislador ordinário, desde que não descaracterize o modelo típico, segundo o qual a regra é que o âmbito da jurisdição administrativa corresponde à justiça administrativa em sentido material, pode sem ofensa à lei constitucional, alargar o perímetro da jurisdição dos tribunais administrativos a algumas relações jurídicas não administrativas. 3. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso. Sem custas. Lisboa, 23 de Maio de 2013. – António Políbio Ferreira Henriques (relator) – Raul Eduardo do Vale Raposo Borges – Jorge Artur Madeira dos Santos – José Fernando de Salazar Casanova Abrantes – António Bento São Pedro - Orlando Viegas Martins Afonso. |