Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
Processo: | 049/15 |
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Data do Acordão: | 05/12/2016 |
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Tribunal: | CONFLITOS |
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Relator: | ANTÓNIO DA SILVA GONÇALVES |
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Descritores: | CONFLITO NEGATIVO JURISDIÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL. |
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Sumário: | Compete aos tribunais administrativos o julgamento de ação para efetivação de responsabilidade civil extracontratual da REFER, E.P.E., pessoa coletiva de direito público, por efeito de aplicação do art. 4.°, n.° 1, al. g), do ETAF, na redação de 2002, que se deve entender como lei geral revogatória da norma especial do art. 32.º dos respetivos Estatutos, constantes do anexo I ao DL n.º 104/97, de 29-04, alterado pelo DL n.º 141/2008, de 22-07.(*) |
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Nº Convencional: | JSTA00069705 |
Nº do Documento: | SAC20160512049 |
Data de Entrada: | 12/22/2015 |
Recorrente: | CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DE SANTO TIRSO - 2 JUÍZO CÍVEL E TAF DE PENAFIEL - UNIDADE ORGÂNICA 1 |
Recorrido 1: | * |
Votação: | UNANIMIDADE |
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Meio Processual: | CONFLITO. |
Objecto: | NEGATIVO JURISDIÇÃO TJ SANTO TIRSO - TAF PENAFIEL. |
Decisão: | DECL COMPETENTE TAF PENAFIEL. |
Área Temática 1: | DIR ADM - CONFLITO JURISDIÇÃO. |
Área Temática 2: | DIR JUDIC - ORG COMP TRIB. |
Legislação Nacional: | CONST05 ART209 ART211 N1 ART212 N3. ETAF02 ART1 ART4 N1 G. ETAF84 ART51 N1 H. CPC13 ART64 ART109. CCIV66 ART7 N3. LOFTJ - L 52/08 DE 2008/02/28 ART26 N1. L 67/07 DE 2007/12/31 ART1 N5. DL 140/08 DE 2008/07/22. DL 104/97 DE 1997/04/29. |
Jurisprudência Nacional: | AC TCF PROC09/10 DE 2011/03/02.; AC TCF PROC030/09 DE 2010/06/17.; AC TCF PROC017/07 DE 2008/11/23.; AC TCF PROC018/06 DE 2006/10/16.; AC TCF PROC028/05 DE 2006/07/06.; AC TC PROC211/07 DE 2007/03/21.; AC STJ PROC334/09.9YFLSB DE 2009/07/02.; AC STJ PROC07A4710 DE 2008/02/28.; AC RP PROC0656180 DE 2007/02/12.; AC RC PROC69/09.2TBOLR.C1 DE 2011/05/17.; AC RC PROC163/05.9TBFCR.C1 DE 2008/10/21. |
Referência a Doutrina: | ANA FERNANDES NEVES - ÂMBITO DE JURISDIÇÃO E OUTRAS ALTERAÇÕES AO ETAF E-PÚBLICA - REVISTA ELECTRÓNICA DE DIREITO PÚBLICO N2 2014 PAG6. |
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Aditamento: | ![]() |
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Texto Integral: | Conflito n.° 49/15-70. Acordam no Tribunal dos Conflitos A……………, S.A. propôs, no Tribunal Judicial da Comarca de Santo Tirso, a presente ação declarativa constitutiva e de condenação, com processo comum ordinário contra Rede Ferroviária Nacional Refer - EPE, pedindo que, na procedência da ação, seja declarado que a autora é dona e legítima proprietária do prédio identificado na petição inicial, especificamente do muro aqui referido e que a ré seja condenada a pagar à autora a quantia de € 12 600, acrescida de IVA, para a reconstrução do muro ou, em alternativa, seja a ré condenada a proceder à reconstrução do muro derrubado. Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que é proprietária do prédio que identifica no art. 1.° da petição inicial (destinado a estabelecimento comercial e habitação), o qual está delimitado, pelo lado norte, por um muro em pedra, que ruiu em consequência de obras executadas pela ré na linha férrea. A ré contestou, defendendo-se por exceção de incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria e por impugnação da quase totalidade dos factos alegados na petição inicial (aceitou os vertidos nos arts. 1.° a 4.° e 6.° a 9.°). Em sede de audiência prévia lavrou-se despacho saneador-sentença a julgar verificada a exceção dilatória de incompetência material, declarando-se o tribunal comum incompetente em razão da matéria para a apreciação da ação, com a consequente absolvição da ré da instância (cfr. fls. 77 a 81). Remetido o processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, neste foi proferido despacho saneador-sentença a declarar-se, igualmente, incompetente em razão da matéria para conhecer do mérito da causa, e, consequentemente, a absolver a ré da instância (cfr. fls. 102 a 105). Aberto o conflito de jurisdição, foram os autos remetidos a este Tribunal de Conflitos para resolução do conflito (cfr. folhas 133 e segs). O Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de se atribuir a competência material aos tribunais comuns e, em concreto, ao Tribunal Judicial de Santo Tirso (cfr. folhas 143). Cumpre decidir. A questão posta é a de saber qual a jurisdição competente - se a administrativa, se a comum - para julgar uma ação para efetivação de responsabilidade civil extracontratual, contra uma entidade pública, no caso a REFER, E.P.E., proposta em 19-09-2013. Escudando-se no disposto no art. 4.º, n.° 1, al. g), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, no art. 1.º, n.° 5, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, publicado em anexo à Lei n.° 67/2007, de 31/12, no DL n.° 104/97, de 29-04, alterado pelo DL n.° 141/08, de 22-07, que criou a REFER, E.P.E., pessoa coletiva de direito público e, ainda, seguindo a jurisprudência vertida no Acórdão do Tribunal dos Conflitos n.° 30/09, de 17-06-2010, decidiu o tribunal comum - onde inicialmente a ação foi proposta - que é a jurisdição comum incompetente, em razão da matéria, para conhecer do litígio, competência essa que cabe aos tribunais administrativos. Diversamente, o tribunal administrativo atentou no texto disposto no art.° 32.° do Dec. Lei n.° 141/2008, de 22-07, para concluir que, sendo a presente uma ação para efetivação de responsabilidade civil extracontratual da REFER, E.P.E., o conhecimento do litígio compete aos tribunais comuns. O poder jurisdicional, no ordenamento jurídico português, encontra-se repartido por diversas categorias de tribunais, segundo a natureza das matérias das causas suscitadas perante eles - arts. 209.° e segs. da Constituição da República Portuguesa -, podendo, como tal, gerar-se conflitos de jurisdição. Há conflito negativo de jurisdição quando duas ou mais autoridades, pertencentes a diversas atividades do Estado, ou dois ou mais tribunais, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, declinam, em decisões transitadas em julgado, o poder de conhecer da mesma questão - cfr. art° 109.° do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26-06. Os conflitos de jurisdição são resolvidos pelo Supremo Tribunal de Justiça ou pelo Tribunal dos Conflitos, conforme as situações, sendo o processo a seguir, no caso de a resolução caber ao último, regulado pela respectiva legislação. A circunscrição de as jurisdições, correspondentes aos tribunais judiciais, por um lado, e aos tribunais administrativos e fiscais, por outro lado, implica a apreciação das concernentes áreas de competência, constituindo um pressuposto processual que deve ser apreciado antes da questão (ou questões) de mérito, aferindo-se pela forma como o autor configura a ação, e definindo-se pelo pedido, pela causa de pedir e pela natureza das partes. Para esse fim, atender-se-á aos termos em que foi proposta a ação, seja quanto aos seus elementos objetivos - natureza da providência solicitada ou do direito para a qual se pretende a tutela judiciária, facto ou ato de onde teria resultado esse direito, etc. - seja quanto aos seus elementos subjetivos - identidade das partes. Por isso, a determinação da competência material do tribunal, tal como na decisão das exceções dilatórias de natureza processual, faz-se perante a petição ou requerimento inicial, considerando a pretensão formulada ou a medida jurisdicional requerida, assim como a relação jurídica ou situação factual descrita nessa peça processual. Da análise respetiva resulta claramente que se trata de uma ação de responsabilidade civil extracontratual: a autora, alegando que a ré ofendeu o seu direito de propriedade sobre o prédio/muro identificado nos autos, ao proceder a obras numa linha férrea, com remoção de materiais da via que estava há muito desativada, com levantamento do pavimento e eliminação da condução das águas pluviais, que se passaram a acumular junto ao referido muro, causou-lhe o prejuízo que descreve e pretende uma indemnização, quer sob a forma de reconstituição natural (reposição do muro na situação em que se encontrava antes das obras), quer através do pagamento de uma quantia em dinheiro para a reconstrução do muro. A natureza pública da ré REFER, E.P.E. não suscita qualquer dúvida. Foi criada pelo DL n.° 104/97, de 29 de Abril, sendo-lhe aí conferida a natureza de pessoa coletiva de direito público (art. 2°, n.° 1) - transformada em entidade pública empresarial (Dec Lei n.° 141/2008, de 22 de Julho (Diploma que procede à adequação do DL 104/97, de 29 de Abril, bem como dos Estatutos da REFER, E.P., na sequência da revisão profunda do regime jurídico do sector empresarial do Estado, com o DL n.º 558/99, de 17 de Dezembro alterado pelo DL n.º 300/2007, de 23 de Agosto, entretanto revogado pelo DL n.º 133/2013, de 03 de Outubro, que aprova o novo regime jurídico do sector público empresarial.)) - e definido como seu objeto principal a prestação do serviço público de gestão da infra-estrutura integrante da rede ferroviária nacional (art. 2°, n.° 2). Explicita-se na al. b) do art. 4.° que se entende por «gestão da infra-estrutura» a gestão da capacidade, conservação e manutenção da infra-estrutura, bem como gestão dos respetivos sistemas de regulação e segurança. A responsabilidade civil que vem imputada à atuação da ré REFER, não se prendendo diretamente à gestão da infra-estrutura (a linha férrea), na vertente do dever de conservação e manutenção da mesma, incumbência essa que lhe adviria da função administrativa que lhe foi confiada em vista da satisfação dos interesses públicos, decorre, antes, da execução de operações materiais, juridicamente neutras ou ambivalentes, que, atenta a relação de vizinhança do local das obras, justificam a pretensão restaurativa da autora. Por conseguinte, o litígio dos autos deve ser interpretado como respeitante a responsabilidade civil extracontratual de uma pessoa coletiva de direito público emergente de uma relação jurídica pautada pelo princípio da gestão privada. Estabelece o art. 212°, n.° 3, da CRP, que: “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. É pacífico que a introdução, pela revisão constitucional de 1989, na Lei Fundamental, da definição do âmbito material da jurisdição administrativa, “não visou estabelecer uma reserva absoluta, quer no sentido de exclusiva, quer no sentido de excludente, de atribuição a tal jurisdição da competência para o julgamento dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. (...) Em termos práticos, (...) perante norma legal a definir concretamente qual a jurisdição competente, há que indagar qual a natureza da relação jurídica de que emerge o litígio e, se se concluir que possui natureza administrativa, se impõe averiguar se a solução descaracteriza a jurisdição administrativa, enquanto jurisdição própria ou principal nesta matéria” (AC. do TC n.° 211/2007, de 21 de Março de 2007, in www.dgsi.pt). Assumida, desde a referida revisão constitucional, como jurisdição constitucionalmente obrigatória, a jurisdição administrativa e fiscal está consolidada, definindo-se o seu âmbito com base num critério substantivo, centrado no conceito de «relações jurídicas administrativas e fiscais» (Exposição de motivos da Proposta de lei n.º 93/VIII, que aprova o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (revoga o Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril (in Reforma do Contencioso Administrativo, vol. III, Ministério da Justiça).), reservando-se-lhe a “apreciação dos litígios respeitantes ao núcleo essencial da função administrativa”(A Exposição de motivos, já citada.). No art. 211°, n.° 1, da CRP, estabelece-se que: “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”. Nesta última parte, consagra-se o princípio da competência genérica ou residual dos tribunais comuns, refletido nos arts. 64.° do CPC, aprovado pela Lei n.° 41/2013, e 26.°, n.° 1, da LOFTJ — Lei n° 52/2008, de 28-08. No presente caso - e porque a ação foi instaurada em 19-09-2013 - há que ter em atenção o regime do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF -, aprovado pela Lei n.° 13/2002, de 19-02, com as alterações introduzidas pelas Declarações de Retificação n.°s 14/2002, de 20-03 e 18/2002, de 12-04, pelas n.° s 4-A/2003, de 19-02, 107-D/2003, de 31-12, 1/2008, de 14-01, 2/2008, de 14-01, 26/2008, de 27-06, 52/2008, de 28-08, 59/2008, de 11-09, pelo DL n.° 166/2009, de 31-07, pela Lei n.° 55-A/2010, de 31-12 e pela Lei n.° 20/2012, de 14-05 (O DL n.º 214-G/2015, de 02 de Outubro, que revê, entre outros, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - que não se aplica ao presente processo - entrou em vigor no dia 03 de Outubro de 2015, com exceção do art. 4.º, n.º 1, al. l), que deverá entrar em vigor no dia 1 de Setembro de 2016.) (vide o art. 5.º do ETAF). Estabelece o art. 1.º n.º 1, do ETAF, na redação aplicável, que: “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.(A questão que se assinalou anteriormente, isto é, que a competência dos tribunais administrativos se reconduz à questão de saber o que deve entender-se por litígios emergentes de relações jurídicas administrativas está, de certa forma, atualmente ultrapassada com a redação dada ao art. 1.º pelo já referido DL n.º 214-G/2015, quando nele se substituiu a expressão “nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”, por uma outra “nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto”.) Prevê o art. 4°, no segmento que nos interessa e na redação aplicável, que “Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: (...) g) Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa;”(A atual redação - a introduzida pelo DL n.º 214-G/2015 - é a seguinte: “f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4;”.). Esta atribuição de competência à jurisdição administrativa, de questões respeitantes a pessoas coletivas de direito público, teve, na sua génese, uma inequívoca intenção do legislador: “(…) dando resposta a reivindicações antigas, optou-se por ampliar o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos em domínios em que, tradicionalmente, se colocavam maiores dificuldades no traçar da fronteira com o âmbito da jurisdição dos tribunais comuns. A jurisdição passa, assim, a ser competente para a apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado” (sublinhado nosso) (Exposição de motivos da Proposta de lei n.º 93/VIII.) Esta intenção foi “relembrada”, mais tarde, no âmbito da primeira alteração ao ETAF (Introduzida pela Lei n.º 4-A/2003, de 29-02.) afirmando o legislador ser “aconselhável aproveitar o ensejo para rever em três aspectos muito pontuais o regime do artigo 4.° do ETAF, no que respeita à delimitação do âmbito da jurisdição.” (Exposição de motivos da Proposta de lei n.º 102/IX, que altera o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro (in Reforma do Contencioso Administrativo, vol. III, Ministério da Justiça).) Entre os quais “(...) o propósito de esclarecer que o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos se estende à apreciação de todos os litígios respeitantes à questão da responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público” (Exposição de motivos da Proposta de lei n.º 102/IX.). É a afirmação do princípio da unidade do foro para as pessoas coletivas de direito público (Certo que a apreciação da responsabilidade das pessoas coletivas privadas detidas pelo Estado deverá ser analisada casuisticamente, nos termos do art. 1.º, n.º 5, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, onde se afirma o “princípio da coerência das formas”.), havendo, na doutrina, quem se refira a uma “intenção conformadora do legislador “no sentido de prevalecer sobre normas especiais anteriores” (Ana Fernanda Neves, Âmbito de jurisdição e outras alterações ao ETAF”, E-Pública, Revista Eletrónica de Direito Público, Número 2, 2014, pág.6.) nomeadamente disposições legais avulsas que subtraem, atualmente, à jurisdição administrativa litígios relativos a relações jurídicas administrativas (Como é exemplo o art. 62.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal, que subtrai à jurisdição administrativa litígios em matéria de responsabilidade civil do mesmo, conforme questiona Maria Fernanda Maçãs, “O controlo jurisdicional das autoridades reguladoras independentes”, in CJA, n.º 58, julho/agosto, 2006, p.32.). Ou que, como no caso que nos ocupa, subtraem à jurisdição administrativa, deferindo-a à comum, a competência para apreciar e julgar ações de responsabilidade civil extracontratual em que seja parte a REFER., E.P.E. O art.º 32.º dos Estatutos da REFER, E.P.E., constantes do anexo I ao Dec. Lei n.° 104/97, de 29-04, alterado pelo Dec. Lei n.° 141/2008, de 22-07, sob a epígrafe, “Tribunais competentes”, estabelece o seguinte: “1 - Sem prejuízo decorrente do disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 3.°, compete aos tribunais judiciais o julgamento de todos os litígios em que seja parte a REFER, E.P.E., incluindo as acções para efectivação da responsabilidade civil dos titulares dos seus órgãos para com a respectiva empresa. 2 - São da competência dos tribunais administrativos os julgamentos dos recursos dos actos dos órgãos da REFER, E.P.E., que se encontrem sujeitos a um regime de direito público, bem como o julgamento das acções sobre validade, interpretação ou execução dos contratos administrativos celebrados pela empresa.” O Tribunal Constitucional já se pronunciou pela não inconstitucionalidade desta norma, o que fez no acórdão n.° 211/2007, de 21 de Março (anteriormente citado), sendo que acompanhamos o entendimento vertido no Ac. do Tribunal dos Conflitos n.° 28/05, de 06-07-2006 (in www.dgsi.pt) quando afirma a sua plena vigência e não derrogação, nem pela norma geral contida no art. 18.° do DL n.° 558/99, de 17 de Dezembro (atualmente art. 23.° do DL n.° 133/2013, de 03 de Outubro) - que veio regular quais os tribunais competentes para julgar os litígios em que intervenham empresas públicas -, nem pela previsão genérica do art. 51°, n.° 1, al. h), do anterior ETAF, de 1984. É que, quer no referido aresto, quer no posterior acórdão do STJ, de 28-02-2008, Processo 07A4710 (in www.dgsi.pt), partiu-se de um pressuposto diferente do que está em causa nos presentes autos e que se prende, justamente, com a data de propositura da ação, elemento decisivo para a definição da redação aplicável do ETAF (vide o seu art. 5°), que se concluiu ser, nos primeiros, o ETAF de 1984, certo que se conclui ser - como já supra referido -, no presente, o ETAF de 2002. No pressuposto de ser aplicável a redação do ETAF de 2002, deverá, pois, decidir-se (No Ac. do STJ de 02-07-2009, Proc. 334/09.9YFLSB (www.dgsi.pt), afirmou-se, porém, a existência de um duplo critério para a atribuição do foro aos tribunais administrativos: tratar-se de uma situação de responsabilidade civil extracontratual de uma pessoa coletiva de direito público e ser o litígio conexo com uma relação jurídica administrativa referente à prestação de um serviço público.) pela afirmação do princípio da unidade do foro para as pessoas coletivas de direito público, no respeito de uma intenção manifestada inequivocamente pelo legislador, que se encontra nas já citadas Exposições de motivos e que servem de fundamento ao entendimento segundo o qual se deve considerar revogada a norma especial do art. 32.º dos Estatutos da REFER, E.P.E., em conformidade com o disposto no art. 7.º, n.° 3, do Código Civil. A título de exemplo e na linha do que ora acabámos de expor, citamos o Ac. do Tribunal dos Conflitos 17/07, de 23-01-2008 e o Ac. do Tribunal dos Conflitos 30/09, de 17-06-2010, quanto à concreta questão da REFER, E.P.E, mas também outros, que decidiram de modo idêntico quanto a outras pessoas coletivas de direito público, como o Ac. do Tribunal dos Conflitos 18/06, de 16-10-2006, o Ac. da Relação do Porto de 12-02-2007, Proc. 0656180, o Ac. da Relação de Coimbra de 21-10-2008, Proc. 163/05.9TBFCR.C1, o Ac. do Tribunal dos Conflitos 09/10, de 02-03-2011, o Ac. da Relação de Coimbra de 17-05-2011, Proc. 69/09.2TBOLR.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Por conseguinte, se a autora pretende ser ressarcida da quantia de € 12 600, acrescida de IVA, para a reconstrução do muro ou, em alternativa, que a ré seja condenada a proceder à reconstrução do muro derrubado, em efetivação de responsabilidade civil extracontratual, forçoso é concluir que serão os tribunais administrativos os competentes para conhecer da causa (art. 4.º, n.º 1, al. g), do ETAF 2002). Conclui-se, assim, que o litígio em debate é subsumível ao art.º 4.º, n.º 1, al. g), do ETAF 2002, incumbindo ao foro administrativo a resolução da contenda, deferindo-se a competência material aos tribunais administrativos. Concluindo: - Compete aos tribunais administrativos o julgamento de ação para efetivação de responsabilidade civil extracontratual da REFER, E.P.E., pessoa coletiva de direito público, por efeito de aplicação do art. 4.°, n.° 1, al. g), do ETAF, na redação de 2002, que se deve entender como lei geral revogatória da norma especial do art. 32.º dos respetivos Estatutos, constantes do anexo I ao DL n.º 104/97, de 29-04, alterado pelo DL n.º 141/2008, de 22-07. Nesta conformidade, por todo o exposto, acordam os Juízes no Tribunal dos Conflitos em resolver o conflito negativo de jurisdição, considerando que a mesma cabe aos tribunais administrativos e atribuindo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, a competência material para os ulteriores termos da acção. Sem custas (ex vi do art. 96.° do Decreto n.° 19243, de 16-01-1931). Lisboa, 12 de maio de 2016. – António da Silva Gonçalves (relator) – António Bento São Pedro – António dos Santos Abrantes Geraldes – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – José Tavares de Paiva – Jorge Artur Madeira dos Santos. |