Sentença de Julgado de Paz
Processo: 518/2015–JPFNC
Relator: CELINA ALVENO
Descritores: RECONHECIMENTO DO DIREITO DE PROPRIEDADE E RESTITUIÇÃO DA POSSE DE PARCELA DE TERRENO
Data da sentença: 11/19/2024
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Processo n.º 518/2015 – JPFNC

I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante e Demandantes habilitados: [PES-1], NIF [NIF-1], residente em [...] Km 4 vereda 2 casa 2 Estado [...] 1073, [...], [PES-2], NIF 227 542 319 e [PES-3], NIF [NIF-2], ambos residentes na [...], [...] a [...], Edifício [...] piso 6, Apartamento 32, 1010 [...], [...]; e, [PES-4], NIF [NIF-3], residente na [...], n.º 108, [...], [Cód. Postal-1] [...], [...].
Demandados e Demandados habilitados: [PES-5], NIF [NIF-4], residente no [...], freguesia da [...], 9300 [...], também com domicílio conhecido na [...], n.º 20, [...], 9300 [...], [PES-6], NIF [NIF-6], residente na [...], n.º 64-B, 3.º A, [Cód. Postal-2] Funchal, [PES-7], NIF [NIF-7], residente em 58 [...], WN8 8HH, [...], também com domicílio conhecido na [...], 9270 [...], [PES-8], NIF [NIF-8], residente no sítio das [...], 9300 [...], [PES-9], residente no [...], 9300 [...], também com domicílio conhecido no caminho do [...], n.º 23, [...], 9300 [...], [PES-10], NIF [ NIF-10 ], residente na [...] 262, [...], [Cód. Postal-3] [...], [PES-11], NIF [NIF-11], residente na [...], n.º 7, [Cód. Postal-4] [...], [PES-12], NIF [NIF-12] e [PES-13], NIF [NIF-11], ambos residentes na [...], n.º 171, [...], [Cód. Postal-5] [...].
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Os Demandantes estão representados pela Ilustre Mandatária Dra. [PES-14].
A Demandada [PES-6] está representada pela sua Ilustre Patrona Oficiosa Dra. [PES-15] e o Demandado [PES-8] está representado pela sua Ilustre Patrona Oficiosa Dra. [PES-16].
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II - RELATÓRIO
Os Demandantes instauraram contra os Demandados a presente ação declarativa de reivindicação enquadrada na alínea e) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001 de 13 de julho, na sua atual redação (LJP), pedindo em suma, a condenação dos Demandados a reconhecer que os Demandantes são titulares do direito de propriedade relativo ao prédio rústico sito ao [...], freguesia da [...], concelho de [...], descrito na Conservatória do Registo Predial de [...], sob o número [Nº Identificador-4] e a restituírem aos Demandantes a parte do imóvel que ilicitamente ocupam, entregando-lhes livre de pessoas e coisas, demolindo o muro em blocos de cimento e a escada em cimento. Juntaram: documentos e procuração forense.
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Os Demandados foram citados e contestaram de fls. 56 a fls. 89 e de fls. 184 a fls. 187, por impugnação, alegando a posse e requerendo que a ação seja julgada improcedente e os Demandados absolvidos dos pedidos. Juntaram: documentos e procuração forense.
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As partes requereram prova pericial que foi deferida por despacho de 03/11/2017, tendo a presente ação sido remetida para o Juízo Local Cível do Funchal do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira (Processo n.º 5728/17.3T8FNC).
Foi nomeado perito [PES-17] que elaborou um relatório pericial (cfr. fls. 335 a fls. 341) que foi objeto de reclamações tendo o perito procedido aos esclarecimentos peticionados (cfr. fls. 346 a fls. 422).
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor. O processo é próprio e não enferma de nulidades que o invalidem. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há exceções, nulidades ou quaisquer questões prévias que cumpra conhecer.
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III- VALOR DA AÇÃO
Fixa-se em € 15.000,00 (quinze mil euros), o valor da presente causa (artigos 296.º, 297.º n.º 2, 299.º, 300.º e 306.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 63.º da LJP).
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IV- OBJETO DO LITÍGIO
Reconhecimento do direito de propriedade e restituição da posse de parcela de terreno
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V- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Assim e com relevância para a decisão da causa, e de acordo com a prova documental e a prova pericial carreada para os autos, resultaram os seguintes: FACTOS PROVADOS:
1. Os Demandantes são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio rústico localizado no [...], freguesia da [...], concelho de [...], com a área total de 201,15 m2, que confronta a norte com a vereda, a sul com [PES-18], a leste com [PES-19] e oeste com [PES-20], descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos, sob o número [Nº Identificador-1].
2. Os Demandados são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio urbano, sito no [...], caminho do [...], n.º 25, freguesia da [...], concelho de [...], com a área total de 407,63 m2, sendo de SC 54 m2, inscrito na matriz sob o artigo 496, descrito na Conservatória do Registo Predial de [...], sob o número 57.
3. O prédio dos Demandantes confronta a oeste com o prédio dos Demandados.
4. Existe um muro de pedra que delimita a propriedade pertencente aos Demandados da propriedade pertencente aos Demandantes.
5. Os Demandados construíram um muro em blocos de cimento sobre o muro de pedra antigo e construíram uma escada junto ao muro de cimento.
6. A escada encontra-se edificada dentro do prédio urbano.
7. Os Demandados ocupam 8,15 m2 do supra referenciado prédio dos Demandantes.
8. Neste momento o prédio dos Demandantes tem uma área de 193 m2, uma vez que 8,15 m2 estão ocupados pelos Demandados.
9. O prédio urbano dos Demandados tem a área de 407,63 m2. Consideram-se reproduzidos os documentos de fls. 9 a fls. 20, de fls. 68 a fls. 86, 335 a fls. 341, de fls. 346 a 422, de fls. 553 a fls. 554, de fls. 557, de fls. 633 a fls. 648, de fls. 747, de fls. 766 a fls. 767, de fls. 782 a fls. 789 e de fls. 801 a fls. 802.
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Motivação da matéria fática:
O Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência, os elementos documentais juntos pelas partes, conjugados com a prova pericial.
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A prova pericial de fls. 335 a fls. 341 e de fls. 346 a 422 foi determinante para formar convicção sobre os factos com os números 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 mais concretamente a fls. 336, para prova dos factos com os números 1, 3, 4, 5 e 7; a fls. 337, para prova dos factos com o número 8; a fls. 394, para prova dos factos com os números 2 e 9; e a fls. 412, para prova dos factos com os números 5 e 6.
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Considerou o Tribunal o teor dos documentos juntos pelas partes como documentos n.º 1 e 2, quer no Requerimento Inicial, quer na contestação, para prova dos factos com os números 1 e 2.
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Em suma, a fixação da matéria dada como provada resultou do teor dos documentos juntos aos autos de fls. 9 a fls. 20, de fls. 68 a fls. 86, de fls. 553 a fls. 554, de fls. 557, de fls. 633 a fls. 648, de fls. 747, de fls. 766 a fls. 767, de fls. 782 a fls. 789 e de fls. 801 a fls. 802 e da prova pericial de fls. 335 a fls. 341 e de fls. 346 a 422, o que devidamente conjugado com regras de experiência comum e critérios de razoabilidade, alicerçou a convicção do Tribunal. A demais factualidade não provada resultou da ausência de prova credível ou suficiente e da prova de factos contrários ou aptos a tornar duvidosos aqueles outros.
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FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou a insuficiência de prova nesse sentido. Os factos não provados resultam, portanto da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos. Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito.
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VI – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O caso em apreço é revelador do espírito de litigância que ainda impera nas relações sociais, avessas à conciliação como modo de resolução consensual dos conflitos. No caso era essa a via indicada para que a justiça fosse feita. Contudo, uma vez que as partes não perfilharam esse caminho há que apreciar a questão que nos é colocada sob o prisma da legalidade. Estamos perante uma ação reivindicatória, prevista no artigo 1311.º, n.º 1, do Código Civil (CC), nos termos do qual o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence. Mais preceitua o n.º 2 do mesmo artigo que havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei. Não obstante os Demandantes efetuarem pedido de restituição da posse da parcela de terreno que consideram estar a ser indevidamente ocupada, podendo tal pedido ser configurado como um pedido próprio da ação de restituição da posse prevista nos artigos 1277.º e 1278.º, n.º 1, do CC, a verdade é que os Demandantes invocam, como fundamento jurídico da sua pretensão, o direito de propriedade que alegam deter sobre a parcela de terreno sub judicio e que alegam ter sido violado com a conduta dos Demandados. E tendo invocado tal direito como fundamento da ação, a ação é de reivindicação e não possessória. Com efeito, e como ensina a nossa Doutrina, especificamente JOSÉ ALBERTO VIEIRA In “Direitos Reais”, Almedina, 2017, Reimpressão, pág. 433., “A acção de reivindicação é a acção de defesa do direito real de gozo contra aquele que tem a coisa em seu poder, como possuidor ou detentor, e não a entrega ao titular do direito. Conquanto seja uma acção destinada a obter a posse da coisa para o titular do direito real, não é a única acção real que tem esse efeito. Também a acção possessória de restituição tem por escopo a devolução da coisa ao autor. Simplesmente, enquanto na acção de reivindicação o autor invoca um direito real de gozo definitivo (a propriedade, o usufruto, o uso e habitação, o direito de habitação periódica, a servidão predial), na acção de restituição o autor invoca apenas a sua posse, não o direito real a que ela se refere. Se invoca este, a acção é de reivindicação, não de restituição.” Portanto, como fundamento para a presente ação, os Demandantes invocam o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno que alegam fazer parte do prédio que identificam no artigo 1.º do Requerimento Inicial e que terá sido indevidamente ocupada pelos Demandados. Como pedido, os Demandantes pretendem a condenação dos Demandados a reconhecer que os Demandantes são titulares do direito de propriedade relativo ao prédio rústico sito ao [...], freguesia da [...], concelho de [...], descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos, sob o número [Nº Identificador-2] e a restituírem aos Demandantes a parte do imóvel que ilicitamente ocupam, entregando-lhes livre de pessoas e coisas. Temos, assim, que a procedência de uma ação de reivindicação pressupõe, desde logo, que aquele que invoca o direito – portanto, os Demandantes – aleguem e provem – cfr. artigo 5.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 63.º da LJP e artigo 342.º, n.º 1, do CC – serem os titulares do direito real de gozo que invocam e que aqueles contra quem propõem a ação têm a coisa em seu poder, como possuidores ou detentores. Ora, o diferendo em apreço nos autos prende-se com a delimitação física de uma parcela de terreno que ambas as partes se arrogam proprietárias. Ou seja, o objeto dos presentes autos incide sobre a propriedade de uma faixa de terreno, cuja titularidade Demandantes e Demandados contraditoriamente se arrogam, sustentando que tal parcela física se integra no prédio de que se arrogam titulares. Ora, foi feita prova, nos presentes autos, dos elementos identificativos da parcela de terreno em apreço, tendo em conta o relatório pericial elaborado por um técnico da lista oficial da secção Topógrafo do Tribunal Judicial, de modo a que a parcela (portanto, a coisa efetivamente em litígio nos autos) ocupada pelos Demandados, com cerca de 8,15 m2. Assim sendo, a caraterização da parcela de terreno sub judicio, logrou-se, por via da prova feita nos autos, efetuada de modo cabal a ponto de se poder efetuar um juízo seguro sobre a sua identificação fundamental, de forma a torná-la distinta de todas as demais coisas, uma vez que os Demandantes provaram a extensão e delimitação concretas da parcela que invocam como fazendo parte do prédio sua propriedade.
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Em face do exposto, declara-se que os Demandantes são donos e legítimos proprietários do prédio rústico localizado no [...], freguesia da [...], concelho de [...], com a área total de 201,15 m2, que confronta a norte com a vereda, a sul com [PES-18], a leste com [PES-19] e oeste com [PES-20], descrito na Conservatória do Registo Predial de [ORG-1], sob o número [Nº Identificador-3]; sendo os Demandados condenados a reconhecer que os Demandantes são proprietários do imóvel em causa; e a restituírem aos Demandantes a parte do imóvel que ilicitamente ocupam com 8,15 m2 (conforme planta anexa ao relatório pericial, de fls. 414 – e que faz parte integrante desta sentença), entregando-lhes livre de pessoas e coisas.

VII - DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada, e, consequentemente declaro que os Demandantes são donos e legítimos proprietários do prédio rústico localizado no [...], freguesia da [...], concelho de [...], com a área total de 201,15 m2, que confronta a norte com a vereda, a sul com [PES-18], a leste com [PES-19] e oeste com [PES-20], descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos, sob o número[Nº Identificador-5]; sendo os Demandados condenados a reconhecer que os Demandantes são proprietários do imóvel em causa; e a restituírem aos Demandantes a parte do imóvel que ilicitamente ocupam com 8,15 m2 (conforme planta anexa ao relatório pericial, de fls. 414), entregando-lhes livre de pessoas e coisas, absolvendo os Demandados do demais peticionado.

VIII – RESPONSABILIDADE POR CUSTAS
As custas serão suportadas pelos Demandantes e pelos Demandados, em partes iguais (Artigos 527.º, 607.º, n.º 6 do Código de Processo Civil - aplicáveis ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001, de 13 de julho, na sua atual redação - e artigo 2.º da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro).
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Considerando que em 2015 as taxas eram pagas € 35,00 pelo Demandante com o Requerimento Inicial e € 35,00 pelo Demandado com a contestação, as custas encontram-se pagas.
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Registe e notifique e após trânsito em julgado, arquive. Funchal, 19 de novembro de 2024.
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A Juíza de Paz
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Celina Alveno