Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 148/2023-JPSTB |
Relator: | HELENA ALÃO SOARES |
Descritores: | INCUMPRIMENTO CONTRATUAL |
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Data da sentença: | 01/25/2024 |
Julgado de Paz de : | SETÚBAL |
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Decisão Texto Integral: | SENTENÇA (artigo 26.º, n.º 1 da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31-07 (LJP)). Processo n.º 148/2023-JPSTB Matéria: Incumprimento contratual (alínea i), do n.º 1, do art.º 9º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31-07 (LJP)) Objecto do litígio: Pagamento de prestação de serviços Demandante: [ORG-1], Lda., NIPC [NIPC-1], com sede na [...], n.º 11, 1.º A, [Cód. Postal-1] [...] Representante legal: [PES-1], C.C. [Id. Civil-1], NIF [NIF-1], com domicílio profissional na [...], n.º 11, 1.º A, [Cód. Postal-1] [...], gerente Mandatário: Dr. [ORG-2], Advogado com escritório na [...], n.º 114, 5.º, [Cód. Postal-2] [...] Demandado: [PES-2], C.C. (.....), NIF [NIF-2], residente na [...], n. º3, [...], [Cód. Postal-3] [...] Mandatário: Dr.ª [PES-3], Advogada com escritório na [...], Lote 310 C, 2925 [...] *** I. RelatórioA Demandante [ORG-1], Lda., em 27/03/2023, intentou a presente acção declarativa de condenação, enquadrável na alínea i) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31-07 (LJP), pedindo a condenação do Demandado [PES-2], no pagamento da quantia de € 8.300,40 (oito mil e trezentos euros e quarenta cêntimos), nos termos do seu requerimento inicial de fls. 4 a 11, que aqui se dá por integralmente reproduzido. Alegou para tanto, e em suma, que no âmbito da sua actividade celebrou com o Demandado um contrato para a realização de tratamentos capilares, tendo, em virtude da não realização do seu pagamento integral, outorgado uma confissão de dívida e acordo de pagamento, mediante a qual o Demandado se confessou devedor da Demandante na quantia de € 2.985,00, comprometendo-se a liquidar essa quantia em quinze prestações mensais de € 199,00, tendo o Demandado pago apenas a primeira prestação. Mais alegou que tendo o Demandado incumprido o estipulado no acordo de pagamento, venceram-se as restantes prestações e o valor da dívida passou a ser de € 4.140,00 acrescida da cláusula penal, em valor igual àquele, nos termos da “Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento” celebrado, peticionando nos presentes autos o seu pagamento, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento. Juntou ao seu requerimento inicial os documentos e procuração forense de fls. 12 a 20. Regularmente citado a 10/04/2023 (cf. fls. 24), o Demandado defendeu-se nos termos da sua contestação de fls. 29 a 41, que aqui se dá por integralmente reproduzida, por excepção, invocando a caducidade da acção em consequência da resolução operada pelo Demandado e a falta de regularidade da autenticação do documento de confissão de dívida, e por impugnação, alegando que em início de Novembro de 2021 se encontrava a padecer de uma colossal irritação generalizada do couro cabeludo, que lhe causava uma comichão insuportável acompanhada de queda de cabelo acentuada, motivo pelo qual procurou os serviços da Demandante, tendo agendado uma consulta para o dia 04/11/2021, na qual foi informado, por uma colaboradora da Demandante, do plano de tratamentos e pediu para ser observado por um médico, que o pudesse avaliar, tendo sido informado que naquele momento não tinham na clínica um médico e que em resultado da pressão exercida pela colaboradora subscreveu um plano de tratamento que teria resultados extraordinários segundo aquela, sem que lhe tivesse sido lido ou explicado o teor dos documentos que lhe foram dados a assinar e as condições aí impostas, tendo-lhe sido transmitido que os aqueles seriam assinados pela gerência e após esse procedimento ser-lhe-iam remetido via e-mail, dentro de dois ou três dias. Mais alegou que apenas lhe foi remetido um único documento denominado “Proposta de Tratamento”, por e-mail datado de 10/11/2021, tendo solicitado a restante documentação que assinou no dia 04/11/2021, que não lhe foi remetida ou entregue. Alegou também que por não ter sido visto por um médico, após sair da clínica da Demandante teve de recorrer ao hospital para ser observado e medicado e que na clínica da Demandante apenas foi submetido a um tratamento de 20 minutos de ozonoterapia e outro de laser, e foi submetido a uma recolha de fluídos nasais para a análise de DNA, sendo que por motivos de atraso nos resultados e desmarcação da sessão do tratamento sem que tivesse sido contactado até dia 26/11/2021, o Demandado enviou uma carta a resolver o contrato celebrado, não tendo obtido qualquer resposta ou contacto da Demandante. O Demandado veio peticionar no seu articulado a condenação da Demandante por litigância de má fé numa indemnização ao Demandado no valor de € 1.500,00, nas custas do processo e procuradoria, terminando o seu articulado pugnando pela improcedência da acção e procedência das excepções invocadas. Juntou à sua contestação a procuração forense e os documentos de fls. 42 a 58. A Demandante respondeu às excepções invocadas e ao pedido de condenação em litigância de má fé nos termos do seu requerimento de fls. 99 a 113, que aqui se dá por integralmente reproduzido. Atento o facto de o demandante ter prescindido de mediação (cf. fls. 89), foi desmarcada a sessão de pré-mediação agendada e designada data para a realização da audiência de julgamento, a qual se realizou nos termos da acta de fls. 149 a 151. Cumpre apreciar e decidir. II. Questão prévia Em sede de contestação, o Demandado no fim do seu articulado, na alínea d) requereu a condenação da Demandante “(…) no pagamento da devolução dos pagamentos efectuados pelo Demandado; (…)” Do escrito, não se encontrando expressamente identificado e separado na contestação e sem terem sido expostos os seus fundamentos (artigos 583.º do CPC e 48.º da LJP), entendemos não configurar o requerido um pedido reconvencional admissível à luz do artigo 48.º da LJP, mas sim o efeito pretendido pelo Demandante, com a revogação do contrato, pelo que não se conhece da admissibilidade da reconvenção, sendo tal pedido apreciado à luz da factualidade provada e seus efeitos jurídicos. III. Valor Nos termos do disposto nos artigos 297.º, n.ºs 1 e 2, 299.º, n.º 1 e 306.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 63.º da LJP, fixo à presente acção o valor de € 8.300,40 (oito mil e trezentos euros e quarenta cêntimos). * O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor.As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e são legítimas. Não ocorrem excepções, nulidades, ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa. IV. Fundamentação Nos termos da al. c), do n.º 1, do artigo 60.º da LJP, da sentença proferida nos Julgados de Paz consta uma sucinta fundamentação, o que se cumpre como segue: A) De Facto Factos Provados Consideram-se provados, relevantes para o exame e decisão da causa, os seguintes factos: 1 – A Demandante é uma sociedade comercial dedicada, entre outros, à prestação de serviços médicos e de saúde, designadamente na área de tratamento e transplante capilar; 2 – No início de novembro de 2021, o Demandado padecia de uma irritação generalizada do couro cabeludo, que lhe causava comichão e mau estar, 3 – Tendo procurado os serviços da Demandante, através do Website desta e agendando para o efeito uma consulta de avaliação gratuita, 4 – A qual se realizou no dia 04/11/2021, nas instalações da Demandante, sitas na [...], número 31-C, em [Cód. Postal-4] [...]; 5 – O Demandado pretendia obter uma avaliação por um médico e um tratamento para o problema que apresentava no couro cabeludo; 6 – Nessa consulta, o Demandado pediu à colaboradora da Demandante que o atendeu para ser observado por um médico que pudesse avaliar o seu problema capilar; 7 – A colaboradora informou o Demandado de que não tinham médico na clínica que o pudesse avaliar e por isso naquele dia nada podia ser feito e, 8 – Apresentou ao Demandado os planos de tratamento para a queda de cabelo e insistiu para que este adquirisse um desses planos, 9 – Transmitindo-lhe que qualquer plano de tratamento poderia a todo o tempo ser interrompido ou cancelado se houvesse algum desconforto ou descontentamento durante o tratamento e que os pagamentos das sessões de tratamentos poderiam ser realizadas de três formas possíveis, isto é, de uma só vez, no imediato para a totalidade dos tratamentos previstos, através de débito directo mensalmente de acordo com o plano ou ainda fazendo o pagamento aquando da realização de cada sessão de tratamento; 10 – O Demandado, face ao mau estar e desconforto que estava a sentir, acabou por anuir em “experimentar” os tratamentos apresentados, tendo agendado e pago o primeiro tratamento, a realizar no dia 10/11/2021, no valor de € 199,00 (cento e noventa e nove euros), optando pelo pagamento dos tratamentos de forma faseada; 11 – O Demandado assinou os documentos que lhe foram apresentados sem que lhe fosse lido e explicado pela colaboradora da Demandante o teor dos mesmos e as condições aí impostas; 12 – Em 04/11/2021, o Demandado assinou o “Consentimento Informado” de fls. 15, a “Proposta de Tratamento” [ORG-3]” de fls. 16, e a “Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento” de fls. 18, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. 13 – Pela colaboradora da Demandante foi transmitido ao Demandado que os documentos seriam igualmente assinados pela gerência e após este procedimento ser-lhe-iam enviados via email, dentro de dois ou três dias; 14 – Em 04/11/2021 não foram entregues ao Demandado cópias dos aludidos documentos; 15 – O preço global do plano de tratamentos era de €2.985,00 (dois mil novecentos e oitenta e cinco euros); 16 – Do documento “Confissão De Dívida e Acordo de Pagamento”, assinado em 04/11/2021 pelo Demandado consta, na cláusula segunda, i) n.º 1, que o Demandado “ (…) expressamente reconhece estar em dívida para com a Primeira Outorgante na quantia de 2.985,00€ (dois mil novecentos e oitenta e cinco euros – valor com desconto comercial), e que se compromete a efetuar o pagamento da quantia em dívida em 15 prestações mensais e sucessivas, no montante de 199,00€ (cento e noventa e nove euros) cada, até ao dia 8 de cada mês, com início na data 4/11/2021 e termo na data de 08/9/2023, pagamento esse efetuado mediante débito directo, através da conta bancária, identificada por IBAN PT50 ________________ .”; ii) no n.º 2, que “O Segundo Outorgante deverá entregar o comprovativo de IBAN para o email [...] no prazo máximo de 8 dias.”; iii) no n.º 3, que “ No caso de o Segundo Outorgante recusar-se na entrega do comprovativo de IBAN, desativar o débito direto e/ou não cumprir com a sua obrigação, o valor mencionado no n.º 1 da Cláusula Segunda passa a ser de 4.140,00€ (quatro mil, cento e quarenta euros), correspondente ao preço da venda ao público sem desconto comercial, a liquidar em prestações mensais e sucessivas de € 199,00 (cento e noventa e nove euros), com acerto na última.”; 17 – Do referido documento consta também que o atraso na liquidação das prestações em mais de trinta dias implicava o vencimento imediato de todas as restantes prestações obrigando ao “(…) pagamento da totalidade (preço de venda ao público sem desconto comercial) encontrando-se ainda o Devedor adstrito ao pagamento de cláusula penal, fixada em montante igual ao valor da dívida.” 18 – Nesse mesmo dia, o Demandado dirigiu-se ao Hospital CUF, onde foi observado e medicado relativamente à irritação no couro cabeludo.; 19 – Em 10/11/2021 o Demandado submeteu-se a um tratamento de 20 minutos de “ozonoterapia” e outro de igual período de 20 minutos de “laser”, 20 – E foi-lhe feita uma recolha de fluídos nasais, para recolha de ADN para a avaliação genética; 21 – Após a realização da recolha, foi-lhe comunicado que os resultados estariam concluídos aquando da segunda sessão, agendada para o dia 16/11/2023. 22 – Dos documentos referidos em 12., foi enviado ao Demandado, por email, em 10/11/2021, o documento “Proposta de Tratamento” (a fls. 16); 23 – Por emails de 12/11/2021 e 16/11/2021, o Demandado solicitou à Demandante que lhe fossem enviadas cópias de todos os documentos que assinou; 24 – Os referidos documentos não foram entregues nem enviados ao Demandado; 25 – O Demandado foi contactado por uma funcionária da Demandante, via WhatsApp, comunicando-lhe que a análise DNA não estava concluída, o que deveria ocorrer após o decurso de 3 semanas, pelo que ficava sem efeito o próximo agendamento, devendo o Demandado aguardar por novo contacto para marcação; 26 – No dia 16/11/2021 não foi realizado qualquer tratamento; 27 – Até ao dia 26/11/2021, o Demandado não foi contactado pela Demandante; 28 – Em 26/11/2021, através da sua advogada, o Demandado remeteu a carta registada com aviso de recepção, de fls. 51 a 56, recebida pela Demandante em 29/11/2021, a comunicar a “resolução contratual por justa causa” e a solicitar a devolução do montante pago em 04/11/2021; 29 – A Demandante não respondeu à carta remetida pelo Demandado. Factos Não Provados Não resultaram provados os seguintes factos: i) Durante a consulta de avaliação foram identificadas as áreas de intervenção do tratamento, tendo o(s) colaborador(es) da Demandante dotado o Demandado de todas as informações necessárias para que ficasse devidamente esclarecido; ii) A Demandante contactou o Demandado para que este realizasse o pagamento; iii) Foi com base nessa informação e nas garantias dadas pela colaboradora da Demandante que o Demandado aceitou dar início aos ditos tratamentos; Motivação da matéria de facto: A convicção probatória do tribunal ficou a dever-se às declarações do legal representante da Demandante e do Demandado, dos documentos constantes dos autos, de fls. 12 a 19, 43 a 58 e 146 e do depoimento testemunhal prestado em sede de audiência de julgamento, pela colaboradora da Demandante [PES-4]. Não podemos deixar de referir que a testemunha apresentada pela Demandante prestou um depoimento pouco isento e pouco imparcial, tendo denotado a existência de um vínculo forte com a Demandante que influenciou as suas declarações, baseadas na prática que referiu como normal nestes casos, embora, como afirmou, não tenha participado na consulta ou tenha estabelecido contacto directo com o Demandado. Da análise crítica dos diversos elementos de prova resultaram provados os factos supra elencados. Os factos não provados assim foram considerados em virtude da sua oposição com os factos provados e/ou total ausência de prova. B) De Direito O objecto da presente acção, delimitado pela causa de pedir e pelo pedido, reporta-se a incumprimento contratual da obrigação de pagamento do preço decorrente de contrato de prestação de serviços, enquadrável na competência, em razão da matéria deste tribunal, prevista na al. i), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei dos Julgados de paz (LJP). O Demandado invocou no seu articulado a caducidade da acção, fundada na revogação do contrato. A caducidade da acção (ou do direito) pode genericamente definir-se como a extinção ou perda de uma ação (ou de um direito) pelo decurso do tempo, ou ainda, pela verificação de uma circunstância que faz desencadear a extinção do direito, cuja verificação implica a absolvição do pedido. Entendemos que a alegada resolução do contrato não implica per si a extinção do direito do Demandante, que não reconheceu tal resolução face à acção proposta, fazendo também parte da apreciação da presente acção a regularidade e qualificação da cessação do contrato alegada, pelo que, não procede tal excepção. Invocou ainda o Demandado, a título de excepção, a falta de regularidade da autenticação do documento de confissão de dívida. Ora, a confissão celebrada, extrajudicial, consta de documento escrito, que assume a natureza particular. A sua autenticação, ou reconhecimento presencial das assinaturas, afigura-se relevante no que toca à força probatória da confissão, mas não implica a sua nulidade. Não exigindo a lei forma especial para tal declaração (artigos 352.º e ss do CC)., não procede também tal excepção. Com a presente acção pretende a Demandante obter a condenação do Demandado no pagamento da quantia global de € 8.300,40, respeitante alegadamente ao preço dos serviços contratados e cláusula penal, e nos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, até efectivo e integral pagamento. Vejamos. Da factualidade provada resulta que entre a Demandante e o Demandado foi celebrado um contrato de prestação de serviços. O contrato de prestação de serviços, nos termos do artigo 1154.º do Código Civil, «(…) é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra, certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.» Às modalidades de contrato de prestação de serviços que a lei não regule especialmente, aplicam-se as disposições sobre o mandato, nos termos do artigo 1156.º do Código Civil, bem como as normas gerais relativas ao cumprimento e incumprimento das obrigações que não se revelem incompatíveis com aquele regime, pelo que o contrato deve ser pontualmente cumprido, de harmonia com o princípio da boa-fé (artigos 406.º, n.º 1, e 762.º, n.º 2, do CC), cumprindo o devedor a sua obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (art. 798.º do CC). Acresce que, atenta a qualidade das partes, a prestação de serviços em análise constitui uma relação jurídica de consumo e como tal, é-lhe aplicável a legislação de proteção e defesa do consumidor (artigos 2.º, 3.º, al. a), 4.º e 12.º da Lei da Defesa do Consumidor (LDC)). Para o caso em análise assume particular importância o disposto no artigo 1170.º do CC, aplicável por força do artigo 1156.º aos contratos de prestação de serviços, nos termos do qual “O mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação.”, só assim não sendo quando o mandato tenha sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, caso em que não pode ser revogado sem o acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa ( artigo 1170.º, n.º 2 do CC). A parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer. (i) se assim tiver sido convencionado, (ii) se tiver sido estipulada a irrevogabilidade ou tiver havido renúncia ao direito de revogação, (iii) se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente, ou (iv) se a revogação proceder do mandatário e não tiver sido realizada com a antecedência conveniente (artigo 1172.º do CC). Note-se que “(…) Ao credor incumbe alegar e provar os factos integrantes do incumprimento da obrigação por parte do devedor, e a este os factos reveladores de que tal não depende de culpa sua (art. 799.º, n.º 1, do CC).” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/10/2008 (Revista n.º 2978/08 - 7.ª Secção), in www.dgsi.pt. No caso sub judice, em virtude do contrato celebrado entre as partes, a Demandante, sociedade comercial, obrigou-se a prestar o resultado da sua atividade profissional, de realização de tratamento capilar ao Demandado, mediante a obrigação, assumida por este, de pagamento integral e pontual do preço estipulado do plano de tratamento contratualizado, tendo inclusivamente o Demandado firmado uma confissão de dívida e acordo de pagamento (cf. facto provado 15.). Da factualidade provada resultou também que o Demandado, em 26/11/2021, decorridos 17 dias após a consulta de avaliação gratuita realizada, através de carta remetida pela sua mandatária, veio pôr termo ao contrato de prestação de serviços celebrado e solicitar a devolução do valor de € 199,00 pago no dia 04/11/2023 (cf. facto provado 28.), carta esta que foi rececionada, pela Demandada, em 29/11/2021. Cumpre apreciar, face ao exposto, se o pedido de pagamento do preço do plano de pagamentos (sem desconto promocional (€ 4.140,00)), cláusula penal (€ 4.140,00) e juros peticionados tem fundamento, para o que importa aferir da revogação do contrato de prestação de serviços por parte do Demandado. Beneficiando os tratamentos capilares, objecto do contrato de serviço celebrado entre as partes, apenas o Demandado e não a Demandante (interessando apenas àquele o tratamento capilar), nos termos e para os efeitos do artigo 1170.º, n.º 2 do CC, o Demandado podia, como fez, revogar livremente o contrato de serviços celebrado. Face ao exposto, é válida a revogação do contrato operada pelo Demandado, sem prejuízo do direito de indemnização da Demandante pelos prejuízos sofridos (artigo 1172.º, n.º 2 do CC), que não são objecto da presente acção. Note-se que a revogação, unilateral, do contrato de prestação de serviços não pode ser equiparada à sua resolução; não tendo a revogação eficácia retroativa, não recai sobre a Demandante a obrigação de devolver ao Demandado as quantias recebidas ao abrigo desse contrato. Tal validade da revogação obsta ao reconhecimento do direito da Demandante nos termos formulados nos presentes autos, porquanto não existiu incumprimento contratual por parte do Demandado. Resta apreciar o documento intitulado “confissão de dívida e acordo de pagamento”, assinado pelo Demandado. Ora, o direito de revogação do contrato que assiste ao Demandado não se coaduna com a “confissão de dívida e acordo de pagamento” também celebrada, na qual o Demandado se reconheceu devedor do preço total do plano de tratamento, sem fazer depender o valor a pagar dos tratamentos realizados. Nos termos do artigo 280.º, n.º 1 do CC, “É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja (…) contrário à lei.” Acompanhamos o entendimento da sentença, de 14/11/2023, no Proc. 5749/2023.7T8STB do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – J2, de que “(…) as confissões de dívida em causa são nulas, dado que defraudam o princípio da revogabilidade do contrato de prestação de serviços, previsto no art.º 1170, n.º 1 do Código Civil. Com efeito, após celebrar as confissões de dívida o Demandado teria sempre de proceder ao pagamento do preço dos tratamentos capilares, independentemente de vir a usufruir deles ou não, o que esvazia de sentido o direito de revogar o contrato de prestação de serviços, pois o Demandado teria sempre de efetuar a sua prestação de pagamento do preço, mesmo que não recebesse os tratamentos. As confissões de dívida não podem servir para contornar o regime jurídico previsto no artigo 1170.º, n.º 1 do Código Civil. (…)”. Acresce que, nos termos do artigo 9.º, n.º 2, alínea b), da Lei de Defesa do Consumidor, o prestador de serviços está obrigado à não inclusão de cláusulas em contratos singulares que originem significativo desequilíbrio em detrimento do consumidor, sendo as cláusulas inseridas em violação de tal normativo legal, nulas nos termos do artigo 294.º do CC. Assim, face a todo o explanado, a confissão de dívida celebrada, a fls. 18 dos autos, quer por contrária à lei em virtude de usurpar o principio da revogabilidade dos contratos de prestação de serviços (artigo 1170.º, n.1 do CC), quer por importar um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor (artigo 9.º, n.º 2, alínea b), da LDC), é nula, nos termos dos artigos 280.º, n.º 1 e 294.º do CC. É por este motivo que a confissão de dívida em análise é nula (não por ser inválida a sua forma, conforme supra referenciado). Atenta a nulidade da confissão da dívida celebrada, e a inexistência da obrigação de pagamento aí fixada, encontra-se prejudicada a aplicação da cláusula penal, de cuja análise, por esse motivo se isenta a signatária, assim como dos juros peticionados. Importa ainda frisar que, estando no âmbito de uma relação jurídica de consumo, o direito à informação do consumidor encontra-se consagrado no artigo 60.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). No dever de informação que recai sobre a Demandante encontra-se inserida a obrigação de informar o utente das condições em que os serviços são fornecidos e prestar os esclarecimentos necessários que se justifiquem de acordo com as circunstâncias de cada caso, implicando a violação deste dever a responsabilidade do prestador de serviços pelos danos que causar ao consumidor (artigo 8.º, n.º 5 da LDC). À Demandante era-lhe exigido mais do que apresentar os documentos para o Demandado assinar, pois conforme resultou provado - facto 11. - a sua colaboradora não explicou o teor dos mesmos nem as condições impostas na documentação que, após o Demandado a ter assinado, reteve na sua posse, sem lhe entregar ou enviar por e-mail cópia (facto provado 24.). Decorre assim do exposto que, em virtude da revogação do contrato de prestação de serviços pelo Demandado, e da nulidade da confissão de dívida, o pedido de condenação do Demandado no pagamento do plano de tratamentos contratado, da cláusula penal e dos juros não procede, não sendo devido o seu pagamento à Demandante. O Demandado deduziu um pedido de condenação da Demandante, numa indemnização a pagar ao Demandado no valor € 1.500,00, por litigância de má-fé. O Demandado fundamenta, em suma, na circunstância de a Demandante alterar a verdade e omitir factos, nomeadamente a revogação do contrato, com o propósito de induzir a falsas conclusões. Entendemos não assistir razão à parte. Dispõe o artigo 542.º do CPC, aplicável por força do art.º 63.º da LJP, que “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. (…)” Pela factualidade dada como provada verifica-se que a Demandante considerou ter havido incumprimento do contrato por parte do Demandado, sendo certo que este assinou o documento com base no qual fundamentou a sua pretensão, a fls. 18 dos autos. O facto de não ter referido a recepção da carta remetida pela advogada do Demandado não se afigura bastante para depreender que a Demandante atuou como litigante de má-fé, uma vez que justificou essa omissão; a Demandante agiu convencida da justiça das suas pretensões. Assim não se verificando da conduta da Demandante qualquer violação da boa fé, improcede o pedido da sua condenação por litigância de má fé. Relativamente à condenação nas custas e procuradoria, releva esclarecer que nos Julgados de Paz, relativamente às custas, rege a Portaria n.º 342/2019, de 01/10, não havendo lugar a pagamento de custas de parte, que visam o reembolso à parte do que ela teve de despender com o impulso do processo em juízo que se demonstre serem indispensáveis para a implementação e decurso do mesmo, nem ao pagamento de despesas com honorários de mandatários, reclamados naquelas, atentos os princípios orientadores destes tribunais não judiciais, e ao facto de as partes não terem de estar acompanhadas por advogado (art. 37.º e 38.º, nº1 da L.J.P.). Inferimos inclusivamente que, a não ser assim, estaríamos a desvirtuar toda a filosofia subjacente aos Julgados de Paz e aos seus princípios orientadores, que privilegiam a participação das partes e almejam uma solução conciliatória e pacificadora. A condenação das partes nas custas do processo, que se reporta à responsabilidade das partes pela taxa de justiça devida, é fixada em função do decaimento das partes. IV. Decisão Em face do exposto, a) Julgo integralmente improcedente a acção, por não provada, absolvendo o Demandado de todo o peticionado, e b) Absolvo a Demandante do pedido de condenação por litigância de má-fé formulado pelo Demandado. Custas As custas, no valor de € 70,00, serão suportadas pela Demandante, que declaro parte vencida para o efeito, nos termos do artigo 533.º do C.P.C. aplicável ex vi artigo 63.º da Lei dos Julgados de Paz e artigo 2.º, n.º 1 da Portaria 342/2019, de 01/10. Assim, a Demandante [ORG-1], Lda., deverá pagar a taxa de justiça da sua responsabilidade, no valor de € 70,00 (setenta euros) no prazo de três dias úteis, a contar da data de notificação desta sentença, mediante liquidação do respetivo Documento Único de Cobrança (DUC), a emitir pela secretaria do Julgado de Paz, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso até ao limite de €140,00 (artigo 2.º, n.º 1, alínea b), n.º2 e artigo 3.º, n.º 4 da Portaria 342/2019, de 01/10). * Extraia o DUC, atinente à responsabilidade tributária do processo, e notifique o mesmo à Demandante juntamente com cópia da presente decisão, para liquidação das custas.Na notificação advirta-se a responsável pelo pagamento das custas, nos termos da Deliberação n.º 33/2020, do Conselho dos Julgados de Paz, salientando desde já que, o prazo legal para proceder ao seu pagamento é o mencionado na presente sentença, pelo que, o prazo que vai indicado no Documento Único de Cobrança (DUC) é um prazo de validade desse documento, que apenas serve para acautelar eventuais atrasos nos serviços de distribuição postal. O facto de o pagamento ser efetuado com atraso, durante o prazo de validade do DUC, não isenta a responsável do pagamento da sobretaxa, nos termos aplicáveis. * Verificando-se a falta de pagamento das custas, mesmo após o acréscimo da referida sobretaxa legal, conclua para emissão de certidão para efeitos de execução fiscal, a instaurar junto dos competentes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), pelo valor das custas em dívida acrescidas da respetiva sobretaxa, com o limite previsto no art.º 3.º, n.º 4, da citada Portaria (€140,00). * Registe e notifique.*** Setúbal, em 25/01/2024 A Juiz de Paz _________________ Helena Alão Soares |