| Decisão Texto Integral: | SENTENÇA
IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A
Demandada: B
OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante propôs contra a Demandada a presente acção declarativa de condenação enquadrável na alínea h) do nº 1 da citada Lei, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 450,30, acrescida de juros moratórios correspondentes, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.
Alegou para tanto e em síntese que por estranhar a demora no envio do subsídio do funeral por morte do marido, reclamou junto da Segurança Social a qual lhe respondeu que o vale tinha sido levantado em 08-11-2006 no B. Como nada tinha recebido pela via do correio, procurou saber no B se, nesse dia 08 de Novembro o vale no montante de €432,50, tinha sido levantado e por quem, tendo para enorme espanto seu, obtido como resposta que foi por si levantado. Nessa sequência, fez uma participação às autoridades policiais. Contudo, após a reclamação da Demandante perante o B, os responsáveis por este permitiram que o vale fosse destruído e não estivesse em arquivo aquando da investigação criminal, não tendo sido possível sem o documento original fazer o exame pericial à escrita. Conclui que, só por má-fé ocorreu a destruição do original do vale, pelo que quem paga mal, paga 2 vezes.
A Demandada devidamente citada, contestou nos termos plasmados a fls. 34 a 51, impugnando parcialmente a matéria de facto alegada pela Demandante.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo como da respectiva acta se alcança.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam quaisquer excepções ou nulidades, nem quaisquer questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa.
FACTOS PROVADOS
A. A Demandante reclamou junto da Segurança Social o envio de um vale no montante de € 432,50.
B. A Segurança Social respondeu que o vale tinha sido levantado em 08-11-2006, no B.
C. Como a Demandante nada recebeu pela via do correio, procurou saber no B se, nesse dia 8 de Novembro de facto foi ou não levantado o vale no montante de €432,50 e quem o levantou, tendo para grande espanto seu obtido como resposta que foi por si levantado.
D. Como tal não aconteceu, a Demandante participou o facto às autoridades policiais.
E. Concluído o inquérito, que foi arquivado, soube a Demandante que a funcionária dos B que liquidou o vale não se recorda a quem entregou o dinheiro, mas tinha certeza que para o ter feito o mesmo estava assinado e foram apresentados os respectivos bilhetes de Identidade para conferir.
F. Não foi possível fazer o exame pericial à escrita, porquanto o documento original (vale postal assinado) já não se encontrava em arquivo, tendo sido destruído pelos B.
G. A Demandada estava avisada da reclamação apresentada pela Demandante de que havia problema quanto ao levantamento do vale.
H. Na Norma 5 complementar ao Regulamento do Serviço Público do B - no seu ponto primeiro prevê que: “a identificação dos utilizadores dos serviços postais, nos actos em que seja de exigir, deve ser efectuada mediante a apresentação de um dos seguintes documentos válidos...”, contemplando a respectiva alínea a), a exibição de Bilhete de Identidade Civil.
I. No vale figurava como titular C, falecido marido da Demandante.
J. Nos termos previstos na regulamentação interna dos B obriga a que os documentos constantes do denominado Modelo A, no qual os vales nacionais emitidos se incluem, se encontrem disponíveis em arquivo por um período de dezoito meses.
K. A Demandada informou o Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto, aquando da notificação para o efeito, por carta datada, de que o vale nº x já não se encontrava em arquivo, motivo pelo qual não podiam satisfazer o pedido.
FACTOS NÃO PROVADOS: Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.
FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos e depoimento testemunhal prestado em sede de audiência final, sendo que os factos constantes de C, D e E, consideram-se admitidos por acordo – artº 490º nº2 do C.P.C..
Teve-se assim em consideração os depoimentos das testemunhas D, filha da Demandante e E, funcionária da Demandada, tendo esta última apenas esclarecido os procedimentos habituais no pagamento dos vales postais, pois não teve participação directa neste caso.
O DIREITO
Pretende a Demandante com a presente acção, ser reembolsada pela Demandada da quantia de € 450,30 (432,98+17,32 de juros de mora vencidos), acrescida dos juros de mora correspondentes à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento, porquanto entende ser da sua responsabilidade a destruição do original do vale postal cujo pagamento ocorreu em 08-11-2006, no montante de € 432,98, tendo com tal procedimento impedido o exame de perícia à assinatura constante dos mesmos, na sequência da participação feita pela Demandada às autoridades policiais que desencadeou a abertura de um inquérito.
Os vales postais consubstanciam uma ordem de pagamento de fundos, sendo considerados títulos de crédito impróprios, cuja função não é propriamente a de servirem para a sua circulação comercial, mas probatória ou seja, para legitimar e identificar o seu titular como beneficiário.
In casu, a Demandada obrigou-se perante a Segurança Social a prestar um serviço com a qual contratou, nomeadamente a pagar a quantia mencionada no vale postal, ao seu beneficiário ou a quem se apresente como seu portador.
Assim sendo, no que concerne à relação existente entre a Demandante e a Demandada, está-se no campo da responsabilidade extra-contratual ou aquiliana, a qual resulta da violação de direitos absolutos, tal como definida no art.º483.º do Código Civil: “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
São pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos que condicionam a obrigação de indemnizar, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano – é o que resulta do citado artigo.
Para que se conclua pela existência de responsabilidade civil por factos ilícitos é, então, necessário um comportamento humano dominável pela vontade; ilicitude, ou seja, a violação de direitos subjectivos absolutos, ou normas que visem tutelar interesses privados; um nexo causal que una o facto ao lesante – a culpa (o juízo de censura ou reprovação que o direito faz ao lesante por este ter agido ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma) e outro que ligue o facto ao dano, de acordo com as regras normais de causalidade. Pode revestir duas formas: o dolo e a negligência ou mera culpa.
Não se pode deixar de considerar algo estranha a alegação da Demandante de identificar o vale no seu requerimento inicial como sendo do subsídio de funeral do seu falecido marido, quando se veio a apurar por informação prestada pelos Serviços da Segurança Social que se tratava da pensão de velhice de C, relativa ao mês de Novembro de 2006, uma vez que o mesmo tinha falecido no dia 1 desse mês, tendo assim ainda direito à respectiva pensão mensal (fls. 77).
Vejamos então se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos por parte da Demandada.
Resulta da matéria assente que a Demandante reclamou junto da Segurança Social o envio de um vale no montante de € 432,50, tendo esta respondido que o vale tinha sido levantado em 08-11-2006, no B, que por sua vez, informou a Demandante que o mesmo foi por si levantado. Como tal não aconteceu, a Demandante participou o facto às autoridades policiais, cujo inquérito veio a ser arquivado por não terem sido colhidos elementos probatórios bastantes para ser imputado aos arguidos a prática de um ilícito de natureza criminal. Não foi possível fazer o exame pericial à escrita, porquanto o documento original (vale postal assinado) já não se encontrava em arquivo, tendo sido destruído pelos B. Mais se provou que a Demandada estava avisada da reclamação apresentada pela Demandante de que havia problema quanto ao levantamento do vale.
Analisemos então se a conduta da Demandada ao destruir o original do vale de correio em questão é susceptível de gerar a obrigação de indemnizar.
A destruição do vale ocorreu por facto a si imputável. Terá sido um facto ilícito?
Nos termos do n.º 2 do art. 1.° da Portaria nº 562/77, de 8 de Setembro, encontra-se a Demandada legitimada a disciplinar por Regulamento Interno a duração mínima de conservação dos documentos, sendo que essa regulamentação interna dos B obriga a que os documentos constantes do denominado Modelo A, no qual os vales nacionais emitidos se incluem, se encontrem disponíveis em arquivo por um período de dezoito meses.
Resultou ainda provado que a Demandada informou o Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto, aquando da notificação para o efeito, por carta datada de 25.09.2008, de que o vale nº x já não se encontrava em arquivo, motivo pelo qual não podiam satisfazer o pedido.
Nesta data, já tinha decorrido o prazo de arquivamento nos termos regulamentares dos documentos do Modelo A, uma vez que o vale foi pago em 08.11.2006.
Assim sendo, não se verifica desde logo o pressuposto da ilicitude exigível pelo já referido artgº 483º do C.Civil: “ ...violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios...”. Diferente seria se tivesse sido alegado e provado que, por exemplo, a destruição do vale teria ocorrido antes do decurso do prazo previsto no Regulamento Interno dos B. Aí sim, teria sido praticado um acto ilícito.
Sendo os requisitos previstos no artº 483º cumulativos e não se verificando a prática de qualquer acto ilícito, prejudicada fica a apreciação dos demais requisitos.
Daí que a conduta da Demandada, não seja geradora da obrigação de indemnizar por responsabilidade civil extra - contratual, nos termos legais previstos.
DECISÃO:
Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de direito invocados, julgo a acção improcedente e, em consequência, absolve-se a Demandada do peticionado.
Declaro parte vencida a Demandante correndo as custas por sua conta em conformidade com os Artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro.
Registe e notifique.
Porto, 30 de Janeiro de 2010
A Juíza de Paz
(Cristina Barbosa)
Processado por computador Art.º 138º/5 do C.P.C. VERSO EM BRANCO
Julgado de Paz do Porto |