Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 143/2022-JPCBR |
Relator: | CRISTINA EUSÉBIO |
Descritores: | PAGAMENRO DE INDEMNIZAÇÃO-CABO QUE ATRAVESSA PROPRIEDADE |
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Data da sentença: | 09/26/2024 |
Julgado de Paz de : | COIMBRA |
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Decisão Texto Integral: | Proc. N.º 143/2022-JPCBR SENTENÇA RELATÓRIO: [PES-1], melhor identificado a fls. 1 dos autos, propôs a presente ação declarativa de condenação contra [ORG-1] S.A. melhor identificada a fls. 1, pedindo que esta seja condenada um cabo que atravessa a sua propriedade e a pagar a quantia de 1500,00€ a título de danos patrimoniais e não patrimoniais. Para tanto, alegou os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 1 a 3 que se dá por reproduzido. Juntou 14 documentos (fls. 4 a 19) que se dão por reproduzidos. Regularmente citada, a demandada apresentou a sua contestação de fls. 24 na qual se defendo por exceção e impugnação. Quanto á matéria de exceção, a mesma encontra-se decidida por despacho de fl. 113 Quanto à impugnação dos factos alegados pelo demandante, entende a demandada que o traçado das telecomunicações se encontra definido há muitos anos e que o cabo em causa nos autos, em fibra ótica, foi colocado em substituição de cabo pré-existente em cobre. Mais refere que não existe alternativa técnica para alterar o referido traçado, na medida em que é inviável a colocação de postes na rua, por ser muito estreita. Nega que o atravessamento do cabo cause qualquer prejuízo ao demandante, pugnando pela improcedência da ação. Juntou 8 documentos de fls. 32 a 48 que aqui se dão por reproduzidos. O demandante respondeu à contestação por requerimento de fls. 83 a 92, articulado que por não ser processualmente admissível, se teve por não escrito., na medida em que extravasou o exercício do contraditório quanto á exceção alegada pela demandada cfr. despacho de fls. 113. O demandante foi convidado a aperfeiçoar o seu requerimento inicial, por forma a concretizar os danos que alegou ter sofrido com a situação descrita nos autos. O demandante apresentou o aperfeiçoamento de fls. 117 a 119, tendo a demandada exercido o contraditório a fls. 127 a 128. Agendada a audiência de julgamento, uma vez que, a parte demandada não aderiu à fase de mediação, esta realizou-se com cumprimento das formalidades legais, conforme da respetiva ata melhor se alcança. ** Cabe a este tribunal decidir se a Demandada deve ser condenado nos pedidos formulados pelo Demandante, por se encontrar a ocupar ilicitamente um espaço aéreo da sua propriedade.Fixa-se o valor da causa em 1.500,00€ (mil e quinhentos euros). Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir: FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO Com interesse para a decisão ficaram provados os seguintes factos: 1. O demandante é dono e legitimo possuidor de uma casa de habitação com dois pisos sita na [...] na localidade de [...], freguesia de [...], concelho de Coimbra, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o n.º 508. 2. O prédio referido em 1 encontra-se em ruínas e consequentemente desabitado, contempla apenas um barracão com cobertura que serve de eira, um alambique coberto e uma “casa do forno”. 3. O demandante não pretende, no imediato, proceder a obras no referido prédio, tendo intenção de o vender. 4. A demandada foi, até 18 de outubro de 2013, concessionaria do serviço publico de telecomunicações. 5. Por força da referida atividade, possui infraestruturas instaladas no lugar do [...], em [...], nomeadamente postes e fios de telecomunicações que gere e mantém. 6. Em janeiro de 2022, a demandada procedeu à colocação de cabos de fibra ótica na freguesia de [...], nomeadamente no prédio do demandante sem seu conhecimento. 7. A demandada não obteve, por qualquer forma, o consentimento do demandante para a colocação do cabo de fibra ótica. 8. A demandada colocou cabo de fibra ótica que atravessa o prédio do demandado por via aérea, desde a caixa de derivação ( PDO) instalado na parede do prédio contiguo até ao poste . 9. Em 1 de fevereiro de 2022, o demandante remeteu à demandada por carta, solicitação de retirada no cabo colocado sem seu conhecimento ou autorização, que esta recebeu em 4 de fevereiro de 2022. 10. Não tendo obtido resposta à carta referida em 8, o demandante reiterou a reclamação por carta datada de 3 de março de 2022, rececionada pela demandada em 8 de março de 2022. 11. Em data não concretamente apurada a demandada fez deslocar técnico ao local, que contactou o demandante. 12. O funcionário da demandada constatou a existência de fios de cobre obsoletos que retirou, mas não procedeu à alteração do cabo de fibra ótica como solicitado pelo demandante. 13. No dia 20 de abril de 2022, o demandante dirigiu email à demandada reiterando o pedido de remoção do cabo de fibra ótica, que lhe respondeu em 25 de abril de 2022 solicitando o preenchimento de formulário. 14. O demandante preencheu e entregou o formulário Modelo C/1000524 solicitado na loja da demandada em 5 de maio de 2022, pedindo o desvio do traçado. 15. Até 16 de agosto de 2022, o demandante não obteve qualquer resposta da demandada. 16. O demandante sofreu alteração no seu comportamento mostrando-se muito nervoso, ansioso e desrespeitado pela invasão da sua propriedade e falta de resposta da demandada aos contactos que encetou com vista à resolução da situação. Factos não provados A – O traçado em causa nos presente autos foi instalado ainda no tempo dos CTT E.P., cujo direito se transferiu para a demandada. B – A demandada manteve o traçado antigo em cobre, limitando-se a substitui-lo por fibra ótica, com os mesmos apoios. C- A demandada não encontrou outra solução tecnicamente viável que permitisse colocar os cabos noutro local. D) O cabo dista cerca de 1 metro do telhado, medido do topo mais alto do imóvel. E) O montante de desvalorização do imóvel pelo atravessamento do cabo. Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão. MOTIVAÇÃO A convicção probatória do tribunal, ficou a dever-se à prova documental junta pelo demandante conjugada com as declarações prestadas pelas testemunhas [PES-2] e [PES-3], arroladas pelo demandante e demandada respetivamente. A testemunha do demandante, com conhecimento direto dos factos, descreveu a propriedade existente referindo que o demandante, de momento não pretende reconstruir o prédio, tendo antes a intenção de o vender. Refere que nunca conheceu a existência de qualquer fio ou cabo pelo sítio onde agora se encontra o cabo de fibra ótica e que caso se pretenda reconstruir a casa de habitação, este impede a subida do piso. A testemunha da demandada, o funcionário [PES-3], referiu que faz este tipo de instalações há cerca de 40 anos e conhece bem o local. Quando recebeu o pedido de retirada, contactou o demandante e deslocou-se ao local , verificando a existência de fios de cobre, no poste que se encontravam obsoletos e os retirou, mas não retirou o cabo de fibra ótica porque “ não estava a estorvar” e que “ se houvesse alguma obra licenciada pela câmara, retira o cabo” e tem de arranjar maneira. Refere que não lhe foi apresentada qualquer licença de obras e que a alteração do traçado tem custos muito elevados, atentas as limitações do local. Confirmou ao tribunal que o cabo de fibra não se encontra no mesmo sitio ou traçado do anterior fio de cobre, pois este saia do poste e ligava a uma casa existente do outro lado, passando mais alto e obliquo enquanto o cabo de fibra passa do poste à caixa de derivação que foi colocada recentemente na parede da casa contigua ao prédio do demandante. A matéria considerada não provada sob os itens A a C encontra-se em dissonância com a restante prova e com as declarações sumariamente descritas das testemunhas, cujos depoimentos mereceram crédito, na medida em que depuseram com clareza e demonstraram conhecimento do local em causa. ** FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITONos presentes autos está em causa o direito de propriedade do demandante e a eventual lesão de tal direito por efeito do atravessamento aéreo de um cabo de fibra ótica colocado pela demandada. Com efeito, “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas” (cfr. artigo 1305º do Código Civil). Por outro lado, a privação definitiva ou temporária do direito de propriedade, nomeadamente por expropriação ou requisição, obriga a indemnização do proprietário (cfr. artigos 1308º a 1310º do Código Civil). E o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence (cfr. artigo 1311º do Código Civil). No presente caso, a demandada defende que a servidão administrativa se encontra há muito constituída, tendo-se, no entanto, provado que o cabo de fibra ótica em causa nos presentes autos não se encontra no mesmo trajeto ou traçado dos pretéritos cabos de cobre. Assim, no que ao traçado atual diz respeito, haveremos de considerar que inexiste a referida servidão devidamente constituída, pelo que a demandada teria de obter a concordância do proprietário do prédio, aqui demandante e indemniza-lo em consonância. Na verdade, para a prestação do serviço telefónico ou de comunicações eletrónicas ao público, as empresas fornecedoras têm o direito de requerer a constituição de servidões administrativas, nos termos da lei. Trata-se de um procedimento administrativo a que não pode faltar o direito de audiência prévia do particular, o que no presente caso não se verificou. Não existindo servidão constituída, consideramos que o atravessamento do cabo, ora em crise, não se contra legitimado, pelo que fácil é de concluir que o demandante tem direito a que este seja retirado, como peticiona, independentemente do uso que faça do prédio em questão. A invasão não legitimada do espaço aéreo de um prédio, é uma violação do direito de propriedade que determina atribuição de uma indemnização que se pretende ser justa e reparadora dos danos sofridos. Para determinação do quantum indemnizatório seria necessário que o demandante alegasse e provasse os concretos danos que sofreu por força do atravessamento aéreo do seu terreno. Da factualidade provada resulta que, o prédio do demandante se encontra desabitado e em ruínas e sem utilização especifica, pelo que apenas poderíamos considerar a desvalorização do imóvel com base no facto ilícito. No entanto, nenhuma prova se produziu nos autos, quanto à referida desvalorização. Na medida em que o demandante pretende a retirada do cabo, também não se poderá determinar o valor da constituição da servidão administrativa, porquanto ambos os pedidos se encontram em contradição. Assim, o pedido a título de danos patrimoniais improcederá por falta de alegação e prova dos requisitos da responsabilidade civil que fazem emergir o direito a indemnização, - quer por aplicação do regime previsto no Código Civil quer por aplicação do artigo 16º da Lei nº 67/2007 de 31-12-2007 - , pois teria de se evidenciar que a atuação da demandada conduziu, na esfera jurídica do demandante, a um prejuízo patrimonial concreto e determinável Quanto aos danos não patrimoniais, dispõe o artº496º do Código Civil que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Como vimos, existiu por parte da demandada a violação do direito de propriedade do demandante o que lhe causou stress e alterações do comportamento, mostrando-se ansioso e nervoso e desrespeitado. Mais foi relatado, pelo próprio e testemunha que apresentou, que a falta de resposta da demandada agudizou a situação, conduzindo ao seu desgaste emocional pelas inúmeras diligências a que foi obrigado a recorrer, inclusivamente o presente pleito. Assim, entendemos que a conduta da demandada foi causadora de lesão na esfera jurídica do demandante, entendendo por adequado fixar-se o montante de 350,00€ para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos, com recurso à equidade. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente ação procedente, decido condenar a demandada a retirar o cabo de fibra ótica que atravessa o prédio do demandado, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão. Mais se condena a demandada ao pagamento da quantia de 350,00€ a título de danos não patrimoniais. Custas: Na proporção do respetivo decaimento, cabendo 20% à demandada (14€) e 80% (56€) ao demandante nos termos e para os efeitos do art. 3º da Portaria n.º 342/2019 de 1 de Outubro devendo ser pagas, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença –ainda que o prazo de validade do DUC seja mais alargado, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação. A falta de pagamento das custas acarreta a sua cobrança por processo de execução fiscal. Registe. Coimbra, de 26 de setembro de 2024 (Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 138.º/5 do C.P.C.) _______________________________ (Cristina Eusébio) |