Sentença de Julgado de Paz
Processo: 351/2011-JP
Relator: DIONISIO CAMPOS
Descritores:
PARQUEAMENTO – PRIVAÇÃO DO USO
Data da sentença: 08/27/2012
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

1. - Identificação das partes
Demandante: A.
Demandada: B.

2. - OBJECTO DO lITIGIO
O Demandante intentou a presente ação com base em responsabilidade civil, pedindo que a Demandada seja condenada: a) a ressarcir o Demandante na quantia de € 304,24, resultante do prejuízo com o parqueamento e diagnóstico da viatura; b) a ressarcir o Demandante na quantia de € 700,00 a título de privação do uso do veículo; c) quantias acrescidas de juros de mora vencidos, e vincendos até efetivo e integral pagamento; d) a facultar ao Demandante as gravações telefónicas referentes à presente situação.
A Demandada contestou, impugnando os factos alegados pelo Demandante, invocando, em breve síntese, que o retardamento na realização do diagnóstico da avaria, cuja informação era condição do repatriamento ao abrigo das garantias da apólice, apenas se deveu à falta de autorização do Demandante para o efeito, que não queria pagar esse serviço à oficina, retardamento que motivou também o débito de parqueamento.

Valor: € 1.004,24 (mil e quatro euros e vinte e quatro cêntimos)

3. – FUNDAMENTAÇÃO
3.1 – Os Factos
3.1.1 – Os Factos Provados
Consideram-se provados e relevantes para o exame e decisão da causa os seguintes factos:
1) O Demandante é proprietário do veículo ligeiro de passageiros de marca Ford, modelo Mondeo, com a matrícula 00-00-00.
2) A Demandada assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do referido veículo, através do contrato de seguro obrigatório celebrado com o Demandante, titulado pela apólice n.º 0000057.
3) Tal contrato prevê a Assistência em Viagem decorrente de avaria do veículo seguro.
4) Em 26/03/2011, na localidade de P, Espanha, durante a viagem de regresso de férias, o veículo do Demandante avariou.
5) Nesse mesmo dia, o Demandante de imediato contactou e acionou o serviço de Assistência em Viagem.
6) A Demandada enviou de pronto ao local o serviço de reboque da “M”.
7) O mecânico do reboque não conseguiu reparar nem identificar no local a avaria em causa.
8) No mesmo dia, a Demandada informou por telefone o Demandante dessa situação e da necessidade de o veículo ser rebocado para a oficina de um concessionário da marca para que, na máquina adequada, a avaria pudesse ser identificada, e que teria de enviar autorização de diagnóstico para a mesma.
9) Dispõe a cláusula 6ª 1.3. a) da apólice: quando em consequência de avaria (não tendo ainda sido feito uso da alínea a) dessa cláusula), a reparação do veículo seguro não seja possível efetuar dentro dos 3 dias seguintes à sua imobilização, e careça de tempo superior a 8 horas para a sua efetivação, a seguradora suportará as despesas de transporte ou repatriamento do veículo seguro até à residência, oficina escolhida ou instalações da pessoa segura. E, conforme a al. e) dessa cláusula: “Estão excluídas da presente garantia os danos e prejuízos resultantes de atrasos no repatriamento do veículo, por dificuldade ou impedimentos alheios à vontade da B (...)”.
10) O diagnóstico da avaria é determinante para se apurar a avaria do veículo e consequente tempo de reparação, dependendo desse apuramento as garantias acionáveis pelo Demandante no âmbito da apólice do seguro, designadamente o repatriamento do veículo.
11) Por 26/03/2001 ser sábado, e a oficina mais próxima do concessionário da marca (em L) se encontrar encerrada, a Demandada rebocou o veículo RJ para a oficina do rebocador “M”.
12) Nesse dia, a Demandada enviou um táxi ao local, que transportou todos os ocupantes do veículo RJ até C.
13) Já em C, a Demandada disponibilizou ao Demandante um veículo de aluguer para regresso a Portugal dos ocupantes e bagagem do veículo RJ.
14) Na segunda-feira 28/03/2011, o veículo RJ foi rebocado para a oficina mais próxima da concessionária da marca, “I”, em L, para realização de diagnóstico da avaria.
15) Por e-mail não datado automaticamente no lugar próprio mas que o Demandante indicou como sendo de 03/10/2011, este admite que inicialmente não deu consentimento para a mudança da viatura da M, onde ficara em 26/03/2011, para a I em 28/03/2006).
16) Em 30/03/2011, na sequência de telefonema do Demandante, a Demandada deu conta àquele que, como não tinha dele ainda obtido o consentimento para a realização do diagnóstico da avaria, teria de ser ele a dá-lo diretamente à oficina para a elaboração do diagnóstico e, sem esse diagnóstico, não dispunha de informação da avaria e do tempo necessário à reparação, pelo que não podia confirmar se o veículo seria ou não repatriado nos termos das garantias da apólice.
17) Por carta de 29/03/2011 da “Aide assistência” para o Demandante, aquela confirmou a necessidade de este, na qualidade de proprietário da viatura, confirmar ao concessionário a respetiva ordem de diagnóstico.
18) O Demandante não concordou em suportar as despesas do serviço de diagnóstico, daí ter retardado a sua autorização para a realização do mesmo.
19) O serviço de diagnóstico cobrado pela oficina não está coberto pelas Garantias da Apólice de Assistência em Viagem em causa.
20) O Demandante deu só consentimento direto à oficina para esta realizar o diagnóstico em 04/04/2011.
21) Em 06/04/2011, a Demandada admitiu que o veículo era repatriável.
22) O veículo RJ foi imediatamente repatriado.
23) Em 06-04-2011, a Demandada indicou ao Demandante a necessidade de este lhe fazer uma transferência bancária de € 403,56, sendo € 186,44 para pagamento das despesas de diagnóstico, e € 217,12 por oito dias de parqueamento do veículo, a € 27,14/dia, por considerar que a despesa de parqueamento foi devida à demora na ordem dada para o diagnóstico.
24) Em 07/04/2011, o Demandante transferiu para a Demandada a quantia de € 403,56.
25) Em 03/05-2011, a Demandada deu conta ao Demandante que as despesas debitadas pela “I” eram de € 157,54 pelo diagnóstico, e € 135,70 por 5 dias de recolhas (de 31/03 a 04/04/2011) perfazendo um total de € 293,24 o que, por ser superior aos € 403,56 inicialmente pagos pelo Demandante, lhe creditou a diferença de € 110,32.
26) A demora de 10 dias, de 28/03/2011 a 06/04/2011, no repatriamento da viatura, foi causada por retardamento imputável ao Demandante em dar consentimento para a realização do diagnóstico da avaria.

3.1.2– Factos Não Provados
Não se consideraram provados os factos não consignados.
27) O veículo de aluguer que a Demandada disponibilizou ao Demandante em C era insuficiente para o transporte das bagagens trazidas pelo veículo RJ avariado.
28) Devido a essa insuficiência, o Demandante solicitou a alteração desse veículo por outro com uma bagageira mais espaçosa, com o que despendeu a quantia de € 11,00.
29) A apólice do seguro em causa prevê que as despesas com o diagnóstico da avaria e/ou parqueamento são encargo da seguradora.

3.1.3 – Motivação
A convicção do tribunal formou-se com base nos autos, nas declarações não confessórias das partes que se tiveram em atenção ao abrigo do princípio da aquisição processual, nos documentos de fls. 6 a 48, 60 a 90 / 98 a 128, e 145 a 147, e no depoimento da testemunha apresentada pelo Demandante, que com este viajava, e que mereceu credibilidade na medida do adequado.
Alguns documentos (e-mail) apresentados pelo Demandante como prova documental não se encontram com a sua configuração original, apresentando supressão de datas, acrescentadas apocrifamente à mão, pelo que mereceram a credibilidade na medida do adequado.

3.2 – O Direito
Na presente ação vem o Demandante pedir que a Demandada seja condenada a indemnizá-lo: 1) na quantia de € 304,24, resultante do prejuízo com o parqueamento e diagnóstico da viatura; 2) na quantia de € 700,00 a título de privação do uso do veículo, por 10 dias à razão de € 70,00 /dia; c) quantias acrescidas de juros de mora vencidos, e vincendos até efetivo e integral pagamento; d) a facultar ao Demandante as gravações telefónicas referentes à presente situação.
Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado (art. 342.º, n.º 1 do CC).
Provou-se que a informação resultante do diagnóstico da avaria, que permitia apurar da viabilidade ou não da sua reparação dentro dos 3 dias seguintes à imobilização do veículo, tal como da necessidade de um tempo superior ou não a 8 horas de duração dessa reparação, são condições da apólice do seguro em causa para que o Demandante pudesse efetivar o seu direito de repatriamento do veículo RJ, no âmbito das garantias da apólice, a expensas da Demandada. Cabia assim ao Demandante demonstrar à Demandada o seu direito ao repatriamento do veículo, como será normal, e não o inverso, a menos que a apólice dispusesse diversamente, o que não se provou. O serviço de diagnóstico da avaria realizado pela oficina implica o pagamento a esta desse serviço, e não se provou que tais despesas estivessem a coberto das garantias da apólice de seguro em causa.
Cabendo ao Demandante fazer a demonstração do seu direito ao repatriamento, cabe também necessariamente a ele autorizar os serviços inerentes a tal demonstração e assumir a inerente despesa.
Ora, a autorização por parte do segurado para a realização do diagnóstico pela oficina tem precisamente por finalidades não só consentir que “mexam na mecânica” do seu veículo como assumir o custo desse serviço. O atraso de 10 dias por parte do Demandante na comunicação expressa dessa autorização, por não concordar com o pagamento do diagnóstico, teve como consequência o débito que lhe foi feito a título de parqueamento. Acresce que o Demandante poderia ter evitado a delonga de que dá conta a correspondência junta, se tivesse consultado diretamente o exemplar da apólice com que ficou aquando da celebração do seguro.
Por outro lado, o Demandante não provou a insuficiência da bagageira do veículo colocado à sua disposição em C para regresso a Portugal, e a necessidade da despesa de € 11,00.
Para que se conclua pela existência de uma obrigação de indemnizar (art. 562.º do CC), devem encontrar-se cumulativamente preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil (art. 483.º, n.º 1, 562.º e 563.º do CC) que, no caso, por não provados, não se dão por preenchidos, desde logo o dano; e não se provando a existência de dano não há, liminarmente, lugar a responsabilidade civil.
Não pode, pois, proceder o pedido indemnizatório de € 304,24.
Quanto à peticionada indemnização pela privação do uso do veículo RJ, provou-se que este esteve imobilizado por 10 dias, mas o Demandante não logrou provar que a privação do uso durante esse período seja culposamente imputável à Demandada. Pelo contrário, o que se provou foi que tal atraso se deveu ao retardamento do Demandante na concessão de autorização à oficina para realizar o diagnóstico (só a deu em 04-04-2011).
Pelo exposto, a privação do uso por 10 dias, conforme peticionado, não constitui um dano imputável à Demandada, pelo não há responsabilidade desta nessa delonga, não podendo assim proceder a peticionada indemnização por privação do uso.
Acessoriamente, pediu também o Demandante que a Demandada seja condenada no pagamento de juros vencidos e vincendos sobre as peticionadas indemnizações.
Ora, não se provando a obrigação principal, cujo não cumprimento possa eventualmente constituir o devedor em mora, fundamento da obrigação acessória de juros, não há lugar a esta.
Em resultado, esta parte do pedido não pode também proceder. Por último, no pedido o Demandante pretende que a Demandada seja condenada a facultar a ele (pelos vistos, não ao tribunal no âmbito da ação) as gravações telefónicas referentes à presente situação. No processo próprio dos julgados de paz, os meios de prova podem ser apresentados pelas partes até ao dia da audiência de julgamento (art. 59.º, n.º 1 da LJP). O Demandante não requereu em tempo a apresentação de documentos/registos telefónicos em poder da parte contrária nos termos do art. 528.º do CPC, para deles fazer uso como prova dos factos invocados.
Não o tendo feito, não se descortina como o meio de prova possa constituir autonomamente objeto do pedido. Não pode pois proceder também esta parte do pedido.

4. – Decisão
Face ao que antecede, e de acordo com as disposições legais aplicáveis, julgo a presente ação não procedente por não provada e, em consequência, absolvo a Demandada do pedido contra ela formulado.

Custas: pelo Demandante, que declaro parte vencida (n.º 8 da Port. n.º 1456/2001, de 28-12).
As custas devem ser pagas no Julgado de Paz no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação (n.º 10 da Port. 1456/2001, de 28-12, alterado pela Port. 209/2005, de 24-02).
Notifique o Demandante para o pagamento das custas. Em relação à Demandada, cumpra o n.º 9 da Port. n.º 1456/2001, de 28-12.
Na parte final da audiência de julgamento, a Exma. Mandatária da Demandada, invocando razões de distância geográfica e de agenda profissional declarou não poder deslocar-se a Coimbra para a leitura da sentença, solicitando a notificação via postal.
Registe. Notifique.
Coimbra, 27 de Agosto de 2012.
O Juiz de Paz,
(Dionísio Campos)