Sentença de Julgado de Paz
Processo: 109/2022-JPCSC
Relator: CARLOS FERREIRA
Descritores: COMODATO - RESTITUIÇÃO DE MÁQUINA DE AFAGAR REPARADA
Data da sentença: 03/21/2024
Julgado de Paz de : CASCAIS
Decisão Texto Integral: Processo n.º 109/2022-JP
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Sentença
Parte Demandante: ---
PESSOA 1 , contribuinte fiscal número xxxxxxxxx, residente na Rua LOCALIZAÇÃO 1 , 2785-490 São Domingos de Rana. ---
Mandatário: Dr. PESSOA 2, Advogado, Largo LOCALIZAÇÃO 2, 2785-614 São Domingos de Rana. ---
Parte Demandada: ----
PESSOA 3 contribuinte fiscal número xxxxxxxxx, residente na RuaLOCALIZAÇÃO 3 , 2765-045 Estoril. ---
Mandatária: Dr.ª PESSOA 4, Advogada, com escritório na Rua LOCALIZAÇÂO 4, 2775-594 Carcavelos. ---
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Matéria: Ações que se destinem a efetivar o cumprimento de obrigações, com exceção das que tenham por objeto o cumprimento de obrigação pecuniária e digam respeito a um contrato de adesão, al. a), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, doravante designada por Lei dos Julgados de Paz. ---
Objeto do litígio: comodato - restituição de máquina de afagar reparada
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Relatório: ---
O Demandante instaurou a presente ação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 1 a 3, que aqui se declara integralmente reproduzido, peticionando a condenação do Demandado a devolver a máquina que lhe foi emprestada nas precisas condições em que lhe foi entregue, ou caso o Demandado não faça a entrega da máquina em boas condições de funcionamento, deve o mesmo ser condenado a pagar ao Demandante a quantia de €2.920,00.—
E, em qualquer dos casos, deve o Demandado ser condenado a pagar a quantia de €270,00, correspondente ao custo que o Demandante teve de suportar para realizar um trabalho, por se encontrar privado do uso da máquina. ---
Juntou documentos e procuração forense. ----
Regularmente citado, o Demandado não contestou, mas juntou procuração forense. ---
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Foi realizada sessão de Mediação sem acordo, cf. fls. 23. ---
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Aberta a audiência e estando todos presentes, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho (Lei dos Julgados de Paz). ----
Foi feito o esforço necessário e na medida em que se mostrou adequado, para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no art.º 2.º, e n.º 1, do art.º 26.º, ambos da Lei dos Julgados de Paz, o que foi parcialmente conseguido, com a entrega da máquina de afagar chão ao Demandante, no estado de avariada. ----
A audiência prosseguiu para julgamento da restante matéria da causa, com a observância das normas de processo, como resulta documentado na respetiva ata. ----
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As questões a decidir pelo tribunal são as seguintes: ---
- Se o Demandado deve restituir a máquina que o Demandante lhe emprestou, devidamente reparada. ---
- Se o Demandado está obrigado a indemnizar o Demandante nas quantias peticionadas. ---
- A responsabilidade pelas custas da ação. ---
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Nos termos do art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei dos Julgados de Paz, a sentença inclui uma sucinta fundamentação. ---
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Fundamentação – Matéria de Facto: ---
Incumbe ao Demandante o ónus de provar os factos que constituem o direito invocado na presente ação (cf., n.º 1, do art.º 342.º, do Código Civil). ---
Por outro lado, cabe ao Demandado fazer prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo Demandante (cf., nº2, do artigo 342º, do Código Civil). ---
Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que: ---
1. O Demandante exerce atividade de carpinteiro profissional; ---
2. No ano de 2010, o Demandante adquiriu uma máquina de afagar, conhecida por “bico de pato profissional”; ---
3. A referida máquina custou a quantia de €2.920,00;
4. O Demandado exerce a atividade de afagamento de tacos; ---
5. Em data não concretamente apurada do segundo semestre de 2019, o Demandante acedeu a um pedido do Demandado, e emprestou-lhe a referida máquina para a execução de um trabalho;
6. Desde o mencionado momento, o Demandado passou a usar a máquina do Demandante, nos diversos trabalhos que realizou; ---
7. A máquina era normalmente utilizada por um funcionário do Demandado; ---
8. O Demandante deixou de poder utilizar a máquina; ---
9. O cabo de alimentação foi cortado durante a utilização pelo pessoal ao serviço do Demandado; ---
10. O cabo de alimentação da máquina tem de ser substituído, para ficar com o tamanho original; ---
11. A máquina avariou durante a utilização por pessoal ao serviço do Demandado; ---
12. O motor da máquina tem que ser rebobinado; ---
13. Em 09-02-2021, o Demandado solicitou um orçamento de reparação da máquina, que foi estimado em €355,25, cf. fls. 65; ---
14. No final de 2021, o Demandante pediu ao Demandado que lhe devolvesse a máquina;
15. O Demandado informou o Demandante que a máquina estava avariada; ---
16. O Demandado recusou assumir os custos da reparação da máquina; ---
17. Em 01-02-2024, no decurso da audiência de julgamento, o Demandado devolveu a máquina ao Demandante, sem estar reparada. ---
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Factos não provados: ---
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, que: ---
- O Demandante suportou o custo de trabalhos de afagamento realizados por outros profissionais, no montante de €270,00. ---
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Motivação da Matéria de Facto: ---
Os factos provados resultaram da conjugação da audição de partes, dos documentos constantes dos autos, tendo os vários elementos de prova sido apreciados de forma a compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, tendo em conta os dados da experiência de senso comum e as características próprias a relação controvertida vivenciada pelas partes. ---
Consigno que não foi considerado o documento de fls. 66 a 68, respeitante a uma fatura datada de 09-10-2022, dado que, por pesquisa efetuada na internet foi apurado que o componente indicado no descritivo do referido documento consiste numa lamina. ---
Todavia, consta da matéria provada que a máquina em causa nos autos estava avariada, pelo menos, desde 09-02-2021, pelo que, nada justifica que o Demandado tenha efetuada a despesa correspondente ao referido componente de corte, que pressupõe que a máquina esteja a funcionar. ---
O orçamento junto aos autos pelo Demandante a fls. 56 também não foi considerado, porque para além de ter sido impugnado em sede de contraditório, o mesmo apresenta ostensiva ineptidão para o fim probatório tido em vista. ---
Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor do requerimento inicial com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito. –
O facto não provado resulta da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre o mesmo, nomeadamente, porque tratando-se de trabalhos onerosos realizados no âmbito de relações entre profissionais, impunha-se a respetiva prova por fatura comercial. ---
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Fundamentação – Matéria de Direito: ---
O objeto da ação remete-nos para o conteúdo do contrato de comodato. ---
Após ter ficado parcialmente prejudicado o pedido principal, por via do acordo alcançado em sede de conciliação, e que consistia na entrega da máquina devidamente reparada, extrai-se do petitório, que o Demandante pretende obter o pedido alternativo, de condenação do Demandado no pagamento da quantia global de €2.997,00, quantia essa que, por ser correspondente à eventual perda total, inclui no mesmo pedido o valor respeitante à reparação da avaria, tendo havido a devolução da maquina por reparar.—
Assim, mesmo que se entenda que existiu alteração do pedido, face ao acordo alcançado em sede de conciliação, e constante em ata, o pedido da quantia necessária para a reparação da máquina decorre do pedido primitivo, sendo admissível, nos termos do disposto no art.265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.---
Vejamos se lhe assiste razão, perspetivando dar resposta às questões acima enunciadas: ---
A noção do comodato encontra-se na letra do art.º 1129.º, do Código Civil, como “(…) o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir.”
Deste modo, o contrato de comodato é temporário e gratuito. ---
No caso dos autos estamos perante um comodato sem prazo certo – indeterminado no tempo – que concede ao comodante a possibilidade de resolver o contrato e exigir a sua restituição a qualquer momento. ---
O comodatário está obrigado a cumprir as obrigações previstas no art.º 1135.º, do Código Civil, designadamente, e no que tem interesse para o caso dos autos, “a) Guardar e conservar a coisa emprestada;” “d) Não fazer dela uma utilização imprudente;” “f) Não proporcionar a terceiro o uso da coisa, exceto se o comodante o autorizar;” e “g) Avisar imediatamente o comodante, sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa ou saiba que a ameaça algum perigo ou que terceiro se arroga direitos em relação a ela, desde que o facto seja ignorado do comodante;” ---
Por outro lado, dispõe o art.º 1043.º, n.º 1, aplicável por remissão do art.º 1137.º, n.º 3, ambos do Código Civil, que na falta de estipulação das partes em contrário, o comodatário está “obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.”---
Considera-se que o Demandante tolerou o uso da máquina por pessoal ao serviço do Demandado, visto que sabia do facto e não se opôs ao mesmo. ---
Aliás, visto que a máquina tem por destinação normal ser empregue no contexto das obras de construção civil, é de presumir que o referido equipamento estava a ser utilizado por terceiro ao serviço do Demandado, habilitado ao respetivo uso. ---
No caso dos autos, o acordo foi verbal, e as partes nada convencionaram relativamente à manutenção e restituição da máquina, pelo que, o Demandado estava obrigado a restitui-la findo o trabalho para o qual tinha sido emprestada, ou logo que a mesma lhe fosse exigida pelo Demandante, no estado em que lhe tinha sido entregue, ou seja, em perfeitas condições de trabalho, (cf. art.º 1137.º, em conjugação com o 1043.º, n.º 1, ambos do Código Civil).---
No entanto, resulta da matéria provada que a máquina objeto do contrato celebrado pelas partes avariou enquanto estava a ser utilizada pelo comodatário, ora Demandado, ou por pessoal ao serviço do mesmo, o que o coloca como responsável nos termos do comitente. ---
Com efeito, o Demandado não poderá ficar desonerado de restituir a máquina em bom estado de funcionamento, ou pagar o valor de reparação da avaria, sob pena de subversão do equilíbrio das prestações. ---
Assim, o Demandado está obrigado a assumir os custos de reparação da máquina. ---
Tendo em conta que tanto o Demandado como o Demandante apresentaram orçamentos de reparação, conclui-se que a avaria pode ser resolvida, o que prejudica a pretensão do Demandante relativamente ao valor de perda total do bem. ---
Todavia, apesar de ter sido dada oportunidade para o efeito, não foi possível obter um orçamento atual e credível do custo de reparação do equipamento em causa nos autos. ---
Com efeito, o orçamento junto pelo Demandado está datado de 09-02-2021, sendo facto notório que, desde essa data até ao momento presente, todos os bens e serviços sofreram um agravamento acentuado nos preços. —
Por outro lado, o orçamento junto aos autos pelo Demandante não oferece credibilidade. ---
Ora, ao abrigo do disposto no art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil, na falta de apuramento do valor exato da reparação, o valor de indemnização a atribuir ao Demandante pelo dano sofrido deve ser fixado por juízos de equidade, tendo em consideração o que ficou provado. ---
Assim, considero adequada a quantia de €450,00, como valor de indemnização pela avaria da máquina. ---
Sobre a quantia de €270,00: ---
Ficou provado que o Demandante deixou de poder bem em seu proveito, mas não foi feita prova de o mesmo ter suportado prejuízo pelo facto, designadamente com custos de trabalhos efetuados pro outros profissionais, por estar privado de usar a sua própria máquina de afagar. ---
Deste modo a ação deve ser considerada improcedente nesta parte do pedido. ---
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Decisão: ---
Atribuo à causa o valor de €2.997,00 (dois mil novecentos e noventa e sete euros), que corresponde ao montante indicado no requerimento inicial, cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 1; e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz. ---
Julgo a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada, e consequentemente, condeno o Demandado a pagar ao Demandante a quantia global de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros). ---
Mais decido absolver o Demandado do restante peticionado na presente ação.

Custas: ---
Taxa de justiça no montante de €70,00 (setenta euros) a cargo do Demandado, que declaro vencido, por ter sido quem deu causa à ação, nos termos da primeira parte, da al. b), do n.º 1, do art.º 2.º, da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro. ---
O pagamento deverá ser feito no prazo de três dias úteis, mediante liquidação da respetiva guia de pagamento (DUC), emitido pela secretaria do Julgado de Paz. ---
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Extraia e notifique a guia de pagamento (DUC), ao responsável pelo pagamento das custas juntamente com cópia da presente decisão. ---
Após os três dias úteis do prazo legal para o pagamento, aplica-se uma sobretaxa no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação, até ao máximo de €140,00 (cento e quarenta euros). ---
O valor da sobretaxa aplicável acresce ao montante da taxa de justiça em dívida. ---
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Após trânsito, verificando-se a falta de pagamento das custas, mesmo após o acréscimo da referida sobretaxa legal, conclua para emissão de certidão para efeitos de execução fiscal, a instaurar junto dos competentes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), pelo valor das custas em dívida acrescidas da respetiva sobretaxa. ----
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Registe. ---
Notifique pessoalmente em sede de audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto no artigo 60.º, n.ºs 1 e 2, da Lei dos Julgados de Paz. ---
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Julgado de Paz de Cascais, 21 de março de 2024
O Juiz de Paz

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Carlos Ferreira
(Em auxílio)