Sentença de Julgado de Paz
Processo: 224/2007-JP
Relator: PAULA PORTUGAL
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
Data da sentença: 12/26/2007
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE GAIA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

I – IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A
Demandado: B
II – OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante veio propor contra o Demandado, a presente acção declarativa enquadrada na alínea h) do nº 1 do Art.º 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 3.063,20 (três mil e sessenta e três euros e vinte cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, custas e condigna procuradoria.
Alegou, para tanto e em síntese, que exerce devidamente autorizada a indústria de seguros em diversos ramos, tendo, no exercício da sua actividade, celebrado com o Demandado um contrato de seguro do ramo “Acidentes de Trabalho para Trabalhadores Independentes”, titulado pela apólice n.º x, assumindo nos termos contratuais a responsabilidade infortunística laboral do Demandado; que no dia 15.07.2004, cerca das 17 horas, ocorreu um acidente de trabalho no interior de uma oficina de carpintaria da propriedade do Demandado, sita no concelho de Vila Nova de Gaia, tendo a Demandante tomado conhecimento da ocorrência do acidente mediante a recepção da Participação de Acidente que lhe foi enviada pelo Demandado; que, dos elementos que a Demandante apurou após ter sido finda a instrução do processo de sinistro, o acidente ocorreu da seguinte forma: o Demandado encontrava-se a desfiar uma tábua de madeira, utilizando para tal uma máquina da marca “Limincilile SCM SI-15” com uma serra em disco apoiada numa mesa fixa; o trabalho efectuado pelo Demandado/sinistrado consistia em empurrar manualmente a peça de madeira contra a serra; pelo facto de uma das tábuas ter apresentado uma superfície laminada, assim que o Demandado a empurrou contra a lâmina da serra, a sua mão esquerda escorregou e foi na direcção da serra, que se encontrava desprovida de qualquer dispositivo de protecção, tendo, acto contínuo, sofrido um corte no dedo polegar da mão esquerda; que a Demandante reparou junto do Demandado as consequências do acidente; que, após o acidente, o Demandado foi transportado para o Hospital Santos Silva em Vila Nova de Gaia; no dia seguinte foi assistido no Hospital de Santa Maria no Porto onde foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao dedo; frequentou consultas de fisioterapia no “Centro Clínico de Gaia” até à data de 26.10.04; que por força do contrato de seguro, a Demandante pagou: ao Hospital de Santa Maria, em 18.11.2004, a quantia de € 1.477,55 pela assistência prestada ao Demandado; ao “Centro Clínico de Gaia” a quantia total de € 340,00, nas datas de 24.09.2004 e 19.10.2004, por conta das consultas de fisioterapia efectuadas pelo Demandado; a quantia de € 32,50 ao “Laboratório Médico Pessanha” em 24.08.2004; a título de indemnizações salariais, na data de 4.08.2004, a quantia de € 227,26; em 23.09.2004, a quantia de € 290,39; na data de 4.08.2004, ainda a título de indemnizações salariais, a quantia de € 24,00; em 31.08.2004, a quantia de € 366,15; na data de 23.09.2004, ainda a título de indemnizações salariais, a quantia de € 28,80; em 20.01.2005, a quantia de € 62,35 ao “Centro de Cirurgia Plástica, Lda.” e em despesas com a averiguação do sinistro despendeu a quantia de € 214,20; que, após a recolha de todos os elementos para a instrução do seu processo de sinistro, a Demandante tomou conhecimento de que o acidente dos autos apenas ocorreu pelo facto de a máquina utilizada pelo Demandado não se encontrar provida de um dispositivo de segurança pois não possuia qualquer dispositivo de protecção que impedisse o contacto entre a serra e as mãos do Demandado, sendo que, à data dos factos, o uso de tal dispositivo era obrigatório por imposição legal; que, caso a máquina possuísse um resguardo de protecção, o acidente dos autos certamente não teria ocorrido, pois aquele dispositivo impediria o contacto directo da mão do sinistrado com a serra de disco; que o Demandado tinha conhecimento da falta de um dispositivo de segurança da máquina em questão, assim como tinha conhecimento da sua obrigatoriedade; que nos termos do disposto na Apólice Uniforme de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores Independentes, assiste à seguradora o direito de reaver tudo o que houver pago a título de indemnizações ou outras despesas quando circunstâncias supervenientemente reconhecidas o justificarem; que, apesar de devidamente interpelado para o efeito, o Demandado não efectuou qualquer pagamento à Demandante, pelo que não restou outra alternativa a não ser o recurso aos meios judiciais.
Juntou documentos.
O Demandado, regularmente citado, apresentou Contestação onde pugna pela improcedência da presente acção, alegando, em síntese, que o pedido que contra si é formulado resulta de factos falsos pois o acidente, como a Demandante bem sabe, ocorreu apesar de estarem reunidos todos os requisitos exigidos por lei para que a máquina laborasse, aliás, se assim não fosse, se a referida máquina não reunisse todos os elementos de segurança, a Demandante nunca teria pago aquilo que agora reclama; que não sabe a que título a Demandante obteve o documento (fotografia) que juntou sob n.º 3, uma vez que não deu autorização para a sua obtenção, não foi obtida na data do acidente e distorce a realidade, impugnando-o assim nos termos legais; que a máquina no momento do acidente reunia todos os elementos de segurança, tendo o dispositivo ficado danificado com o acidente porque a tábua que o Demandado desfiava virou e como consequência foi necessário mandar reparar o dispositivo de segurança, tendo, aliás, o acidente só ocorrido porque na ranhura da máquina e junto ao disco onde passa a tábua, também cabe um dedo, pelo que, quando a mão esquerda do Demandado escorregou, foi de todo impossível em momento algum o Demandado evitar que o dedo contactasse com a lâmina da máquina.
Questões a decidir:
As questões essenciais decidendas consistem em saber se efectivamente a máquina na qual teve origem o sinistro do Demandado, do qual decorreram danos indemnizados pela Demandante no âmbito do contrato de seguro celebrado entre as partes, não dispunha, à data dos factos, de dispositivo de segurança, legitimando assim um pedido de reembolso pela Demandante das despesas suportadas.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor.
O processo não enferma nulidades que o invalidem totalmente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Procedeu-se ao Julgamento com observância das legalidades formais como da acta se infere.
III – FUNDAMENTAÇÃO
Da prova carreada para os autos, resultaram provados os seguintes factos:
A) A Demandante exerce devidamente autorizada a indústria de seguros em diversos ramos;
B) No exercício da sua actividade, a Demandante celebrou com o Demandado um contrato de seguro do ramo “Acidentes de Trabalho para Trabalhadores Independentes”, titulado pela apólice n.º x, assumindo nos termos contratuais a responsabilidade infortunística laboral do Demandado;
C) No dia 15.07.2004, cerca das 17 horas, ocorreu um acidente de trabalho no interior de uma oficina de carpintaria da propriedade do Demandado, sita no concelho de Vila Nova de Gaia, tendo a Demandante tomado conhecimento da ocorrência do acidente mediante a recepção da Participação de Acidente que lhe foi enviada pelo Demandado;
D) O acidente ocorreu da seguinte forma: o Demandado encontrava-se a desfiar uma tábua de madeira, utilizando para tal uma máquina da marca “Limincilile SCM SI-15” com uma serra em disco apoiada numa mesa fixa;
E) O trabalho efectuado pelo Demandado/sinistrado consistia em empurrar manualmente a peça de madeira contra a serra;
F) Pelo facto de uma das tábuas ter apresentado uma superfície laminada, assim que o Demandado a empurrou contra a lâmina da serra, a sua mão esquerda escorregou e foi na direcção da serra;
G) Acto contínuo, o Demandante sofreu um corte no dedo polegar da mão esquerda;
H) A Demandante reparou junto do Demandado as consequências do acidente, a saber:
I) Após o acidente o mesmo foi transportado para o Hospital Santos Silva em Vila Nova de Gaia;
J) No dia seguinte foi assistido no Hospital de Santa Maria no Porto onde foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao dedo;
K) O Demandado frequentou consultas de fisioterapia no “Centro Clínico de Gaia” até à data de 26.10.04;
L) A título de indemnizações salariais a Demandante pagou ao Demandado, na data de 4.08.2004, a quantia de € 227,26;
M) Em 23.09.2004, mais liquidou a Demandante a quantia de € 290,39;
N) Na data de 4.08.2004, ainda a título de indemnizações salariais, a Demandante liquidou ao Demandado a quantia de € 24,00;
O) Em 31.08.2004, a Demandante despendeu a quantia de € 366,15;
P) Na data de 23.09.2004, a Demandante liquidou ainda a título de indemnizações salariais a quantia de € 28,80;
Q) Nos termos do disposto no art.º 17º, n.º 2, da Apólice Uniforme de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores Independentes, assiste à seguradora o direito de reaver tudo o que houver pago a título de indemnizações ou outras despesas quando circunstâncias supervenientemente reconhecidas o justificarem;
R) Na ranhura da máquina e junto ao disco onde passa a tábua, também cabe um dedo.
Motivação dos factos provados:
Os factos A) a P) foram expressamente aceites pelo Demandado na sua Contestação. Relevou ainda para estes, bem como para o facto descrito sob Q), os documentos de fls.
8 a 10, 17 a 20 e 55 a 63.
Para o facto R) considerou-se o depoimento das testemunhas arroladas pelo Demandado como infra se descreve.
Não foi provado que:
I. A serra, à data da ocorrência, encontrava-se desprovida de qualquer dispositivo de protecção;
II. Por força do contrato de seguro, a Demandante pagou ao Hospital de Santa Maria, em 18.11.2004, a quantia de € 1.477,55 pela assistência prestada ao Demandado;
III. Ao “Centro Clínico de Gaia”, a Demandante liquidou a quantia total de € 340,00 nas datas de 24.09.2004 e 19.10.2004, por conta das consultas de fisioterapia efectuadas pelo Demandado;
IV. A Demandante liquidou ainda a quantia de € 32,50 ao “Laboratório Médico Pessanha” em 24.08.2004;
V. Em 20.01.2005, a Demandante liquidou a quantia de € 62,35 ao “Centro de Cirurgia Plástica, Lda.”;
VI. Em despesas com a averiguação do sinistro, a Demandante despendeu a quantia de € 214,20;
VII. O acidente dos autos apenas ocorreu pelo facto da máquina utilizada pelo Demandado não se encontrar provida de um dispositivo de segurança pois não possuía qualquer dispositivo de protecção que impedisse o contacto entre a serra e as mãos do Demandado;
VIII. Caso a máquina possuísse um resguardo de protecção o acidente dos autos certamente não teria ocorrido, pois aquele dispositivo impediria o contacto directo da mão do sinistrado com a serra de disco;
IX. O Demandado tinha conhecimento da falta de um dispositivo de segurança da máquina em questão;
X. O dispositivo ficou danificado com o acidente porque a tábua que o Demandado desfiava virou e como consequência foi preciso reparar o dispositivo de segurança.
XI. Quando a mão esquerda do Demandado escorregou, foi de todo impossível em momento algum, o Demandado evitar que o dedo contactasse com a lâmina da máquina.
Motivação dos factos não provados:
Resultou da ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao Tribunal aferir da veracidade dos factos, após a análise dos documentos juntos e inquirição das testemunhas arroladas, sendo certo que na formação da convicção do Juiz não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também elementos intraduzíveis e subtis, que vão agitando o espírito de quem julga.
Refira-se que o depoimento da testemunha arrolada pelo Demandante, C, tendo presente a matriz da livre apreciação da prova, não logrou convencer o Tribunal. Desde logo declarou esta testemunha ter trabalhado num gabinete que faz averiguação de sinistros tendo sido quem fez a averiguação do sinistro em causa, sendo certo que o seu nome não aparece em qualquer dos documentos juntos pela Demandante, designadamente, os de fls. 11 e 64, supostamente relacionados com a sua averiguação. Ademais, o relatório de averiguação só terá sido elaborado três meses após a ocorrência pelo que o facto de a máquina não dispor àquela data de dispositivo, não significa necessariamente que não o tivesse à data da ocorrência, além de que, no registo do depoimento de D, empregado do Demandado na altura, em sede de averiguações levadas a cabo pela Demandante - fls. 64 – nada consta acerca da falta do dito dispositivo.
Por outro lado, não obstante o depoimento das testemunhas arroladas pelo Demandado, atenta a sua especial relação com as mesmas - duas delas, seus empregados e uma outra seu cunhado – poder ser de credibilidade duvidosa, a verdade é que declararam unanimemente que a máquina em apreço estava dotada de dispositivo de protecção de cor vermelha, o qual empenou e terá sido retirado para reparação; mais declararam as testemunhas D e E que, mesmo com resguardo, ao desfiar a tábua o dedo passa na mesma. Pelo que, tal depoimento, adensou ainda mais as dúvidas deste Tribunal quanto à não existência do dispositivo de segurança à data da ocorrência.
IV - DO DIREITO
Ao abrigo do princípio da liberdade contratual - cfr. art.º 405º do C. Civil - as partes celebraram um contrato de seguro do ramo “Acidentes de Trabalho Independente”, titulado pela apólice n.º x.
Tal contrato rege-se pelas condições gerais, especiais e particulares da apólice, de harmonia com as declarações constantes da proposta que lhe serviu de base e da qual faz parte integrante.
Nos termos das Condições Gerais - art.º 17º, n.º 2 , sob a epígrafe “Reconhecimento da Responsabilidade pela Seguradora” – o pagamento de indemnizações ou outras despesas não impedirá a Seguradora de, posteriormente, vir a recusar a responsabilidade relativa ao acidente quando circunstâncias supervenientemente reconhecidas o justificarem. Assistirá ainda à Seguradora, neste caso, o direito de reaver tudo o que houver pago.
Com base nesta disposição contratual, vem a Demandante reclamar do Demandado o reembolso de todas as despesas que teve de suportar por força do contrato de seguro referentes a danos sofridos pelo Demandado decorrentes de acidente de trabalho verificado aquando da utilização de uma máquina com uma serra em disco, na qual se encontrava a desfiar uma tábua de madeira, empurrando para isso, manualmente, a peça de madeira contra a serra, sendo que, pelo facto de uma das tábuas ter apresentado uma superfície laminada, assim que o Demandado a empurrou contra a lâmina da serra, a sua mão esquerda escorregou e foi na direcção da serra, sofrendo o Demandado, subsequentemente, um corte no dedo polegar da mão esquerda.
Invoca para tal o facto de, após a recolha de todos os elementos para a instrução do seu processo de sinistro, ter tomado conhecimento de que o acidente em apreço apenas se deu pelo facto de a máquina utilizada pelo Demandado não se encontrar provida de um dispositivo de segurança, uma protecção que impedisse o contacto entre a serra e as mãos do Demandado, sendo certo que tal dispositivo era imposto por lei.
Ora,
a verdade é que a Demandante, de acordo com o já exposto em sede de fundamentação da matéria de facto tida por não provada, não logrou provar – sendo certo que nos termos do disposto no art.º 342º do Código Civil, lhe cabia esse ónus – que à data da ocorrência dos factos, a dita máquina não dispunha do referido dispositivo de segurança.
Ademais, também não foi demonstrado que, se existisse o dispositivo de protecção em causa, o acidente não teria ocorrido.
Vai, por conseguinte, improcedente o pedido.
V – DECISÃO
Face a quanto antecede, julgo improcedente a presente acção, e, por consequência, absolvo o Demandado B do pedido.
Custas pela Demandante. Cumpra-se o disposto nos artigos 8ª e 9ª da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro.
Registe. Notifique.
Vila Nova de Gaia, 26 de Dezembro de 2007
A Juiz de Paz
(Paula Portugal)
Processado por computador Art.º 138º/5 do C.P.C.
Revisto pelo Signatário. VERSO EM BRANCO
Julgado de Paz de Vila Nova de Gaia