Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 196/2023-JPSTB |
Relator: | CARLOS FERREIRA |
Descritores: | PAGAMENTO DE RENDAS E DANOS NO IMÓVEL LOCADO |
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Data da sentença: | 06/17/2024 |
Julgado de Paz de : | SETÚBAL |
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 196/2023-JPSTB Sentença Parte Demandante: --- [PES-1], contribuinte fiscal número [NIF-1], residente na [...], n.º 15, 2.º Dt. º, [Cód. Postal-1] [...]. --- Mandatário: Dr. [PES-6], Advogado com escritório na [...], 2-A, 1.º Dt. º, [Cód. Postal-2] [...]. Parte Demandada: ---- [PES-2], contribuinte fiscal número [NIF-2], residente na [...], n.º 7, 1.º, [Cód. Postal-3] [...]. --- Mandatário: Dr. [PES-3], Advogado com escritório na [...], [...] 1886 A, [Cód. Postal-4] [...]. --- * Matéria: Arrendamento urbano, exceto ações de despejo, al. g), do n.º 1, do art.º 9.º, Lei dos Julgados de Paz (versão atualizada da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho). ---Objeto do litígio: Pagamento de rendas e danos no imóvel locado. --- * Relatório: ---A Demandante instaurou a presente ação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 3 a 6, que aqui se declara integralmente reproduzido, peticionando a condenação do Demandado a pagar-lhe a quantia global de €6.935,00, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. --- Para tanto, alegou em síntese que, as partes celebraram um contrato de arrendamento, no qual o Demandado era fiador da inquilina, que não pagou as rendas vencidas até à entrega do locado devoluto. --- Mais, alegou danos na fração que tiveram de ser reparados, o que resultou em prejuízo para a Demandante. --- Concluiu pela procedência da ação, juntou documentos e procuração forense. ---- Regularmente citado, o Demandado apresentou contestação de fls. 33 a 35, que aqui se declara integralmente reproduzida. - O Demandado defendeu-se alegando a nulidade do contrato, por ter sido convencionado um fim diverso da licença de utilização do imóvel. --- Alegou, ainda, a nulidade da fiança por falta de forma legal, e a ilegitimidade passiva do Demandado, por o mesmo não ser parte no contrato. --- Por outro lado, o Demandado não aceita os valores peticionados porque o locado tinha problemas de construção, e não dispunha de certificado energético. --- Mais, alegou que, sendo o contrato bilateral, tendo em conta o incumprimento da Demandante, a inquilina pode recusar a sua prestação. --- O Demandado alegou, ainda, que sendo nulo o contrato de arrendamento, e por essa via, nula a fiança, o mesmo é parte ilegítima. -- Concluiu pela procedência das exceções e pela improcedência da ação, juntou procuração forense. * A parte demandante manifestou-se no sentido de rejeitar a mediação, fls. 28. --- * Aberta a audiência e estando todos presentes, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho (Lei dos Julgados de Paz). ----Foi feito o esforço necessário e na medida em que se mostrou adequado, para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no art.º 2.º, e n.º 1, do art.º 26.º, ambos da Lei dos Julgados de Paz, o que não logrou conseguir-se. -- Frustrada a tentativa de conciliação, prosseguiu a realização da audiência de julgamento com a observância das normas de processo, como resulta documentado na respetiva ata. ---- * Tendo em conta que em processo de Julgado de Paz não há lugar a despacho saneador, previamente à decisão sobre o mérito da ação importa apreciar, desde já, a questão da legitimidade passiva suscitada em sede de contestação, cf. art.º 608.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. ---A ilegitimidade é uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição da instância, nos termos das disposições conjugadas do art.º 576.º, n. º1 e nº 2; art.º 577.º, alínea e); art.º 578.º; e art.º n.º 278.º, alínea d); todos do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz. Conforme determina o artigo 30.º, nº 1, do Código de Processo Civil, a legitimidade processual é um pressuposto de cuja verificação depende o conhecimento do mérito da causa, e afere-se pelo interesse direto do Demandante em demandar e pelo interesse direto do Demandado em contradizer. Estabelece o n.º 3, do referido artigo 30.º, do Código de Processo Civil que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade, os sujeitos da relação controvertida, tal como a mesma é configurada pelo Demandante. --- Decorre do citado normativo que, a legitimidade é concretizada pelo posicionamento das partes relativamente à substância do pedido formulado, e à factualidade que serve de base à causa de pedir, ou seja, a relação existente entre o sujeito e o objeto do processo. --- Assim, as partes legítimas na ação correspondem aos sujeitos da relação jurídica em crise, tendo esta a latitude que o Demandante lhe imprime no seu requerimento inicial. Ora, tendo em conta a configuração da causa dada à ação pela Demandante, nos termos em que responsabiliza o Demandado pelo pagamento das quantias peticionadas na qualidade de fiador, o mesmo deve ser considerado parte legítima. Com efeito, pelo teor do contrato junto aos autos, a Demandante alega que o Demandado outorgou o contrato como fiador, no qual prestou uma inequívoca declaração de vontade em garantir o cumprimento das prestações pecuniárias da inquilina, tendo inclusivamente renunciado ao benefício da excussão. --- Assim, o Demandado tem interesse direto em contradizer os factos articulados no requerimento inicial, como aliás é evidente na sua contestação. --- Deste modo deve improceder, por não verificada, a ilegitimidade passiva. --- Salvo o devido respeito por opinião contrária, verificando-se a nulidade da fiança, tal nulidade não se traduz na ilegitimidade do Demandado, mas impacta na procedência da ação. --- ---*--- Nos termos do art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei dos Julgados de Paz, a sentença inclui uma sucinta fundamentação. ---* Fundamentação – Matéria de Facto: ---Incumbe ao Demandante o ónus de provar os factos que constituem o direito invocado na presente ação (cf., n.º 1, do art.º 342.º, do Código Civil). --- Por outro lado, cabe ao Demandado fazer prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo Demandante (cf., nº2, do artigo 342º, do Código Civil). --- Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que: --- 1. Ambas as partes outorgaram o contrato escrito de arrendamento junto de fls. 11 a 15; --- 2. No referido contrato a Demandante interveio na qualidade de senhoria, e o Demandado na qualidade de fiador da inquilina, cf., fls. 11 a 15; --- 3. O locado corresponde ao R/C, do edifício sito na [...] nº 28, tornejando para a [...], n.º 31, 33, 35, em [...], fls. 7 e 8; - 4. O locado tem entrada pelo n.º 31, da [...], em [...]; --- 5. O Demandado declarou expressamente no referido contrato que prestava fiança assumindo “solidariamente com a arrendatária, o cumprimento de todas as obrigações emergentes do presente contrato, até final do seu prazo, seus aditamentos e suas renovações, até efetiva restituição do arrendado, livre de pessoas e bens, designadamente, o pagamento das rendas, e suas alterações, e de todas as despesas judiciais e extrajudiciais, renunciando desde logo ao benefício da excussão prévia que possa limitar ou anular esta sua obrigação”, fls. 13;--- 6. O referido contrato foi celebrado para habitação da inquilina, idem; --- 7. A inquilina habitou o imóvel entre 0102-2022, até 08-05-2023; --- 8. A fração, objeto do referido contrato de arrendamento tem utilização afetada a “Armazéns e atividade industrial”, fls. 7; - 9. O referido contrato iniciou efeitos em 01-02-2022; --- 10. Foi estipulado pelas partes que o arrendamento era celebrado por um ano, não renovável; -- 11. Foi convencionada a renda mensal de €550,00; --- 12. Com a celebração do contrato a inquilina pagou o montante global de €1.100,00 respeitante à renda fevereiro de 2022, e caução; --- 13. A inquilina não pagou as rendas respeitantes aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2022; --- 14. A Demandante notificou o Demandado da situação de incumprimento da inquilina, fls. 17 a 18; --- 15. No dia 08-05-2023 a inquilina entregou o imóvel devoluto de pessoas e bens; --- 16. Após a entrega do imóvel a Demandante verificou que as paredes tinham sido perfuradas, foi retirado o chuveiro da casa de banho e a tampa da sanita, e a canalização sanitária estava entupida, fls. 20 a 25; --- 17. Os trabalhos de reparação necessários para repor o estado de conservação do imóvel foram orçamentados no montante de €885,60, fls. 26; --- 18. A testemunha [PES-4] desentupiu a canalização da sanita; --- * Factos não provados: ---Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, que: --- - A Demandante despendeu a quantia de €885,00 na reparação dos danos na fração. -- ---*--- Motivação da Matéria de Facto: ---Os factos provados resultaram da conjugação da audição de partes, dos documentos constantes dos autos, e do depoimento testemunhal prestado em sede de audiência de julgamento, tendo os vários elementos de prova sido apreciados de forma a compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, tendo em conta os dados da experiência de senso comum e as características próprias a relação controvertida vivenciada pelas partes. --- Consideram-se provados por declarações de ambas as pates em audiência de julgamento, o facto respeitante ao número 4. - Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, Código de Processo Civil, aplicável ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz, consideram-se admitidos por acordo os factos constantes nos números 1 e 3. ---. Pela prova documental consideram-se provados os factos suportados pelo teor dos documentos indicados de forma especificada, na enumeração do probatório supra. --- A única testemunha apresentada para depor em audiência de julgamento limitou-se a aderir à versão dos factos alegados pela Demandante, com um discurso conclusivo e não isento. --- Ainda assim, o depoimento ajudou a formar convicção sobre a matéria vertida nos números 7. 16 e 18. --- Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados, da audição das partes ou das testemunhas com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito. O facto não provado resulta da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre o mesmo. Aliás, foi junto um orçamento, mas não o comprovativo da despesa efetuada, sendo certo que a testemunha apresentada pela Demandante afirmou que desentupiu o sanitário pelos seus meios, sem ter mencionado que cobrou qualquer quantia, ou que prestou o serviço a título profissional. --- ---*--- Fundamentação – Matéria de Direito: ---O objeto da ação está delimitado pela causa de pedir, pelo pedido e pelas eventuais exceções suscetíveis de impedir, modificar ou extinguir o direito que a Demandante pretende exercer. --- A causa de pedir na presente ação respeita à responsabilidade do fiador em contrato de arrendamento pelo pagamento de quantias pecuniárias, nomeadamente rendas e danos, por alegado incumprimento do inquilino. --- As questões a decidir pelo tribunal são as seguintes, se: --- - Há rendas em atraso; --- - A inquilina incorreu em mora na entrega do locado, livre de pessoas e bens; --- - A Demandante sofreu danos devido a mau uso do arrendado por parte da inquilina; - - O Demandado é responsável por indemnizar a Demandante nas quantias peticionadas; -- - Ou, se pelo contrário, ocorre alguma circunstância que exclui a responsabilidade do Demandado; - A responsabilidade pelas custas da ação. --- Esta matéria remete-nos para o conteúdo do contrato de arrendamento. --- Do pedido deduzido pela Demandante extrai-se, entre outras, a pretensão de obter a condenação do Demandado no pagamento da quantia global de €6.935.00. --- Vejamos se lhe assiste razão: --- Resulta da matéria provada que o Demandado declarou expressamente prestar fiança, garantindo solidariamente o cumprimento das obrigações financeiras do contrato. --- A posição contratual do Demandado consiste em garantir à Demandante a satisfação de prestações pecuniárias que sejam da responsabilidade do inquilino em caso de incumprimento do contrato. --- Deste modo, em princípio, o Demandado deveria responder perante o Demandante, na qualidade de devedor solidário, podendo ser demandado isoladamente em juízo. --- Todavia, verifica-se que a fração objeto do contrato de arrendamento está destinada à utilização como armazém e atividades industriais. — Deste modo, o imóvel não está licenciado para habitação. --- Ora, tendo o contrato sido celebrado para habitação da inquilina, verifica-se uma situação em que o fim do arrendamento diverge da licença de utilização do imóvel. --- A factualidade da causa enquadra-se na previsão do n.º 8, do art.º 5.º, do Decreto-Lei n.º 160/2006, que determina expressa e categoricamente a nulidade do contrato, nos seguintes termos “O arrendamento para fim diverso do licenciado é nulo (…)”. --- A nulidade do contrato importa a restituição de tudo o que foi prestado, cf., art.º 289.º, n.º 1, do Código Civil. --- Dado que o uso da fração pela inquilina não pode ser devolvido, em regra, a nulidade do contrato de arrendamento envolve o reconhecimento ao suposto senhorio de uma indemnização em singelo, pelo tempo em que o locado não foi restituído pela suposta inquilina. --- No entanto, o Demandado figurou no contrato e no plano negocial das partes como mero fiador, e não obteve o gozo da coisa locada. --- Ora, a relação de dependência da fiança relativamente à validade do contrato de arrendamento terá de ser relevada, dado que, havendo nulidade do contrato de arrendamento como é o caso dos autos, já não estamos no incumprimento do dever de pagar a renda, mas antes no domínio da compensação do titular do direito de propriedade do imóvel, face ao efetivo gozo da coisa até à respetiva restituição pela contraente que figura como inquilina.--- Ou seja, a validade da fiança depende da validade do contrato, sendo o contrato nulo, a fiança é igualmente nula, cf., art.º 632.º, do Código Civil. -- Deste modo, o Demandado deve ser considerado desonerado das obrigações de garante que assumiu o âmbito do contrato, enquanto fiador. --- Aliás, caso a ação fosse total ou parcialmente procedente, à indemnização eventualmente atribuível, teria de ser descontado o valor de €550,00, que a Demandante recebeu no momento da celebração do contrato a título de caução. --- Nestes termos a ação deve improceder na totalidade. --- ---*--- Decisão: ---Atribuo à causa o valor de €6.935,00 (seis mil novecentos e trinta e cinco euros), por corresponder à quantia em dinheiro que o Demandante pretendia obter no momento da propositura da ação, cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 1; e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz. --- Pelo exposto e com os fundamentos acima invocados: --- Julgo improcedente a exceção de ilegitimidade passiva, por não provada. --- Julgo a presente ação improcedente por não provada, e consequentemente absolvo o Demandado de todos os pedidos contra si formulados. Custas: --- Taxa de justiça no montante de €70,00 (setenta euros), a cargo do Demandante (cf., al. b), do n.º 1, do art.º 2.º, da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro). --- O pagamento deverá ser feito no prazo de três dias úteis, mediante liquidação do respetiva guia de pagamento (DUC), emitida pela secretaria do Julgado de Paz. --- * Extraia e notifique a guia de pagamento (DUC), ao responsável pelo pagamento das custas, juntamente com a cópia da presente decisão. --- Após os três dias úteis do prazo legal, aplica-se uma sobretaxa no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação, até ao máximo de €140,00 (cento e quarenta euros). --- O valor da sobretaxa aplicável acresce ao montante da taxa de justiça em dívida. --- * Após trânsito, verificando-se a falta de pagamento das custas, mesmo após o acréscimo da referida sobretaxa legal, conclua para emissão de certidão para efeitos de execução fiscal, a instaurar junto dos competentes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), pelo valor das custas em dívida acrescidas da respetiva sobretaxa.* Registe. ---Notifique pessoalmente em sede de audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto no artigo 60.º, n.ºs 1 e 2, da Lei dos Julgados de Paz. --- Envie cópia da presente decisão aos intervenientes processuais que faltaram à sessão, cf., artigo 46.º, n.º 3, da Lei dos Julgados de Paz. --- ---*--- Julgado de Paz de Setúbal, 17 de junho de 2024O Juiz de Paz _________________________ Carlos Ferreira |