Sentença de Julgado de Paz
Processo: 116/2023-JPVNG
Relator: PAULA PORTUGAL
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
Data da sentença: 01/05/2025
Julgado de Paz de : VILA NOVA GAIA
Decisão Texto Integral:
Proc. n. º 116/2023-JPVNG

SENTENÇA

I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandantes: [PES-1] e [PES-2], representados por [PES-3] - [ORG-1], Lda.”, com sede na [...], n. º 247, [Cód. Postal-1] [...].
Demandados: [PES-4] e [PES-5], residentes na [...], n. º 4, [Cód. Postal-2] [...], [...]; e [PES-6], com residência na [...], n. º 948, [Cód. Postal-3] [...], [...].

II – OBJECTO DO LITÍGIO
Os Demandantes vieram propor contra os Demandados a presente acção declarativa, enquadrada na alínea g) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, pedindo que fosse declarado resolvido o contrato de arrendamento de duração limitada para fim habitacional celebrado entre as partes em 12 de Julho de 2018; e ainda serem os Demandados condenados, solidariamente, a: entregar aos Demandantes o locado livre e desocupado de pessoas e bens nas condições em que o mesmo lhes foi entregue; pagarem aos Demandantes o valor das rendas vencidas referentes aos meses de Agosto de 2022 a Abril de 2023, num valor total de €1.400,00 (mil e quatrocentos euros), e as rendas vincendas desde Abril de 2023 até efectiva entrega do locado, num valor equivalente à renda mensal, tudo acrescido de juros de mora desde a data de vencimento de cada uma das rendas à taxa legal em vigor em cada momento até efectivo e integral pagamento; pagarem o valor que se vier a apurar ser devido para reparar eventuais danos existentes no imóvel, que se venham a verificar existir na vistoria prévia à entrega do imóvel, valor esse a fixar em execução de sentença ou no decurso dos presentes autos desde que ocorra a referida vistoria e eventual apuramento de danos; pagarem as custas judiciais e custas de parte e demais encargos a que derem azo.
Alegaram, para tanto e em síntese, que Demandantes e Demandados celebraram contrato de arrendamento para fins habitacionais, com prazo certo de um ano, com renovações anuais pelo mesmo período, a 12 de Julho de 2018, com início em 01 de Agosto de 2018 e término em 31 de Julho de 2019, referente à fracção autónoma designada pela letra "A" sita na [...], nº 4, correspondente à habitação situada no [...], inscrita na matriz predial urbana da freguesia de [...], concelho de [...], com o nº 208; os Demandados, por terem deixado de pagar as rendas, foram interpelados por diversas vezes para o efeito, sem sucesso; apesar de recebidas as interpelações de pagamento, nenhum dos Demandados no tempo devido fez cessar a mora, ignorando assim por completo o sentido e objectivo da interpelação; no entanto, como a irmã e a mãe do 1º Demandado tinham sido interpeladas no âmbito de outro contrato de arrendamento em que são locatária e fiadora, a mãe do 1º Demandado, sabendo que este recebeu a interpelação, alegou que os mesmos iriam regularizar a situação, o que com ,,,algum custo aconteceu, sendo que, no decorrer do ano de 2021, começaram novamente a atrasar- se, até que em Novembro verificou-se por completo o incumprimento definitivo; reincidentes no incumprimento, através de comunicação de resolução de contrato de arrendamento, efectuada nos termos do disposto no artigo 9.º, n.º 7, alínea b), da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (com redacção das alterações ulteriores), com fundamento na conjugação do n.º 3 do artigo 1.083.º com o n.º 2 do artigo 1.084.º, ambos do Código Civil, foi aos 1º e 2º Demandados comunicada a resolução do referido contrato, por débito de rendas, à data, no valor de €1.400,00, referente às rendas dos meses de Dezembro de 2022, Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2023, comunicação de resolução remetida para os domicílios convencionados; certo é que, os Demandados, não só não regularizaram as rendas, nem demonstraram intenção de o fazer, como já extrajudicialmente e pessoalmente por várias vezes interpelados para entrega do locado, negam a fazê-lo, arrogando-se ter direito de ocupar o mesmo sem pagar por dificuldades financeiras; sabem os Demandantes que, apesar de resolvido o contrato em apreço, nos termos da lei, os Demandados, no prazo máximo de 30 dias, após resolução, período em que e nos termos do disposto no artigo 1.084.º, n.º 3, do C.C., podem liquidar o valor devido, não o vão fazer, nem vão entregar o locado, continuando na posse do imóvel; e, entende-se, em concomitante má fé, considerando que celebraram um contrato de arrendamento, cumpriram o mesmo, entraram em mora, interpelados fizeram a curto/médio prazo cessar a mora, mas voltaram a reincidir; o 3º Demandado [PES-6], na qualidade de fiador, renunciou ao beneficio da excussão prévia, assumindo, solidariamente, com o 1º e 2º Demandados, a obrigação do cumprimento de todas as cláusulas do contrato de arrendamento (vide cláusula 13ª); acresce que, desde que os 1º e 2º Demandados tomaram posse do locado, os Demandantes desconhecem o estado do mesmo.
Juntaram documentos.

Os Demandados [PES-4] e [PES-5] apresentaram Contestação, onde invocam a incompetência do Julgado de Paz em razão da matéria no que toca à pretensão dos Demandantes de resolução do contrato de arrendamento e desocupação e entrega do locado, que equivale a uma acção de despejo, para a qual os Julgados de Paz não têm competência. Mais alegam que, no que toca à comunicação (Doc. 9), não se verifica que tenha sido enviada observando o formalismo necessário e obrigatório para o efeito pretendido; nesse contexto, terá de ser dado por não resolvido o contrato de arrendamento em causa; os Demandados pagaram as rendas durante o período invocado no Requerimento Inicial e até à presente data; para prova de tal, vêm juntar os comprovativos dos pagamentos das rendas no período de Outubro de 2022 a Setembro de 2023.

Realizou-se a Audiência de Julgamento com obediência às formalidades legais como da Acta se infere.
Os Demandantes desistiram do pedido relativamente à resolução do contrato de arrendamento e entrega do imóvel, tendo em conta que os Julgados de Paz não têm competência material para acções de despejo.

Fixo o valor da acção em €1.400,00 (mil e quatrocentos euros).
Cumpre apreciar e decidir.

III - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Da prova carreada para os autos, resultaram provados os seguintes factos:
A) Demandantes e Demandados celebraram contrato de arrendamento para fins habitacionais, com prazo certo de um ano, com renovações anuais pelo mesmo período, a 12 de Julho de 2018, com início em 01 de Agosto de 2018 e término em 31 de Julho de 2019, referente à fracção autónoma designada pela letra "A" sita na [...], nº 4, correspondente à habitação situada no [...], inscrita na matriz predial urbana da freguesia de [...], concelho de [...], com o nº 208 – cfr. Contrato de Arrendamento e respectivo Anexo a fls. 10 a 12 e Caderneta Predial Urbana a fls. 13;
B) Os Demandados, por terem deixado de pagar as rendas, foram interpelados por diversas vezes para o efeito – cfr. cartas interpelatórias datadas de 29.10.2020 e respectivos comprovativos de envio e de recepção a fls. 14 a 17, e carta interpelatória datada de 03.03.2023 e respectivo comprovativo de envio a fls. 18 e 19;
C) Em data não apurada, os Demandados regularizaram a situação mas no decorrer do ano de 2021 começaram novamente a atrasar- se;
D) O 3º Demandado [PES-6] outorgou o contrato em apreço na qualidade de fiador, com renúncia ao beneficio da excussão prévia;
E) Os Demandados têm em dívida, na presente data, as rendas vencidas nos meses de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2023 – cfr. comprovativos de pagamento apresentados pelos Demandados, a fls. 85 a 95 e 98 a 108, confrontados com as listagens anuais registadas pelos Demandantes, a fls. 119 a 124, onde consta, entre outros, as datas de vencimento das rendas mensais e as datas de efectivo pagamento (que correspondem às datas de emissão dos respectivos recibos), na certeza de que os Demandados não juntaram aos autos todos os comprovativos desde o início do contrato, sendo seu o ónus da prova do pagamento.

Motivação da matéria de facto provada:
Para além dos supra referidos documentos, relevaram as declarações das testemunhas, como segue:
- [PES-7], funcionária da empresa [PES-3], Lda.”, procuradora dos Demandantes, declarou que participou na elaboração do contrato em apreço; desde o início do contrato, houve sempre falhas no pagamento das rendas, principalmente desde 2021; fizeram interpelações para pagamento aos Demandados por carta e por telefone; é a testemunha que emite os recibos; os Demandados diziam que não deviam nada mas explicou-lhes sempre que havia débitos; foram emitidos recibos na data de pagamento por depósito em conta; a data do recibo é a data do pagamento; em Janeiro de 2021 estavam três meses em atraso: Dezembro de 2020, Janeiro e Fevereiro de 2021; o mês de Dezembro de 2020 foi pago a 08.02.2021; em Dezembro de 2020 pagou Novembro de 2020; muitas vezes o depósito era feito pela mãe do 1º Demandado; encontra-se actualmente em falta o pagamento dos meses de Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2023 mas não fez ainda a conferência do pagamento que dizem ter feito na data de hoje (08.11.2023).
- [PES-8], mãe do Demandado [PES-4], declarou que é ela que costuma fazer os pagamentos, transfere para a conta do Senhor Aníbal; houve alturas, no princípio, em que era por depósito, ultimamente tem sido por transferência; houve um mês em que fez dois pagamentos; não sabe se em Janeiro de 2021 havia pagamentos em atraso de 2020; fez na presente data o pagamento do mês de Dezembro de 2023, tem sempre um mês adiantado; quando faz os pagamentos entrega os comprovativos ao filho ou à nora; não assumiu os pagamentos desde o início, era a nora que pagava; não sabe se há meses atrasados para trás; no início do contrato emprestou dinheiro aos Demandados para pagarem um mês adiantado.

IV - O DIREITO
Perante os factos articulados e dados como assentes, é inequívoco que entre Demandantes e Demandados, se celebrou um típico contrato de arrendamento.
A primeira e mais elementar obrigação de todo o locatário, como tal enunciada na al. a) do art. º 1038º, do C. Civil, é a de pagar oportunamente a renda estipulada.
Essa obrigação provém da natureza onerosa e sinalagmática do contrato (art. º 1022º C. C.), e deve ser cumprida no tempo e lugar devidos (art. º 1039º C. C.), sob pena de constituir o locatário em mora (art. º 1041º C.C.).
Salvo convenção em contrário, se as rendas tiverem sido estipuladas em correspondência com os meses do calendário gregoriano, a primeira vencer-se-á no momento da celebração do contrato e cada uma das restantes no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito (art. º 1075º, n. º 2, C.C.).
No caso vertente, atendendo à matéria de facto provada, os Demandados/arrendatários do prédio urbano descrito nos autos têm na presente data em dívida aos Demandantes/senhorios as rendas vencidas nos meses de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2023, no total de €1.120,00, conforme resulta da conjugação dos documentos juntos: comprovativos de pagamento apresentados pelos Demandados e listagens dos pagamentos registadas pelos Demandantes, donde resulta a imputação que foi feita das verbas pagas em cada momento e que muitas das vezes iam cobrir valores em atraso. A título de exemplo, refira-se que o valor pago pelos Demandados a 08.11.2023 foi afectado à renda do mês de Agosto de 2023 que se encontrava por pagar.

O Demandado [PES-6], na qualidade de fiador, com renúncia ao benefício da excussão prévia, é, solidariamente, responsável pelo cumprimento das obrigações emergentes do contrato.

À quantia apurada acrescem os juros de mora, à taxa legal vigente, contabilizados desde a data de vencimento de cada uma das rendas em débito nesta data, ao dia 01 do mês a que respeitam, até efectivo e integral pagamento – cfr. art.ºs 804º e 805º, n.º 2, alínea a), do C. Civil.

V – DISPOSITIVO
Face a quanto antecede, julgo procedente a presente acção, e, por consequência, condeno, solidariamente, os Demandados [PES-4], [PES-5] e [PES-6], a pagarem aos Demandantes [PES-1] e [PES-2], a quantia de €1.120,00 (mil cento e vinte euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, contabilizados nos termos supra expostos.

Custas pelos Demandados, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhes foi concedido.
Registe e notifique.
Vila Nova de Gaia, 05 de Janeiro de 2024

Paula Portugal
(Juiz de Paz)