Sentença de Julgado de Paz
Processo: 30/2018 - JPPRS
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE VIAÇÃO - ÓNUS DA PROVA.
Data da sentença: 12/14/2018
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE POIARES
Decisão Texto Integral:
Proc.º n.º 30/2018
SENTENÇA

RELATÓRIO:

A, identificado a fls. 1 e 3 propôs em 18 de Outubro de 2018, contra B e C melhor identificadas, a fls. 3, 35 e 44, a presente ação declarativa de condenação, fundada em responsabilidade civil, pedindo a condenação destes a pagar-lhe a quantia de 2.121,73€ (Dois mil, cento e vinte e um euros e setenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora legais a contar da citação até integral pagamento. Para tanto alegou os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 3 a 10, que se dá por reproduzido, dizendo, em síntese, que: o veículo automóvel de matrícula TU conduzido pelo 1º demandado embateu e causou a queda do seu ciclomotor que se encontrava estacionado, provocando-lhe danos. O 1º demandado transferira para a 2ª demandada a responsabilidade civil por danos causados a terceiros no âmbito do contrato de seguro automóvel obrigatório. Quantifica os danos materiais do seu veículo em 931,73€ e peticiona a quantia de 1190,00€ a título de privação de uso do veículo. Juntou 7 documentos (fls. 11 a 20 e 100) que, igualmente, se dão por reproduzidos.

Regularmente citados os Demandados, para contestar, querendo, no prazo, estes apresentaram douta Contestação, conforme resulta de fls. 35 a 39 e 44 a 47, nas quais negam a intervenção do veículo automóvel no acidente descrito nos autos e impugnam os factos alegados por, face ao que antecede, os desconhecer nem ter obrigação de conhecer. Na sua douta contestação a 2ª demandada alega a excepção de ilegitimidade passiva, que se passará a analisar, em face da prova produzida, nos termos do despacho exarado em acta a fls. 111 e 112.

Juntaram os documentos de fls 48 a 77 que, igualmente se dão por reproduzidos


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Cumpre a este tribunal decidir se o veículo segurado na Demandada conduzido pelo 1º demandado, seu proprietário, teve intervenção no sinistro; na afirmativa, se foi culpado do mesmo; quais os danos causados ao veículo, propriedade do Demandante e a quantia indemnizatória.

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Tendo o Demandante afastado o recurso à Mediação para resolução do litígio, dia 5 de dezembro de 2018 para a realização da Audiência de Julgamento e não antes, por indisponibilidade de agenda, que decorreu com observância das formalidades legais conforme da respectiva acta melhor se alcança.

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Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir:

FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO

A convicção probatória do Tribunal, de acordo com a qual seleciona a matéria dada como provada ou não provada, ficou a dever-se ao conjunto da prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomadas em consideração as declarações de parte do demandante que não viu o acidente em causa; os documentos juntos pelas partes e os depoimentos das testemunhas apresentadas, com especial relevância D, que referiu ter avistado um carro cinzento a fazer marcha atrás e visto um senhor sair do carro e levantar a mota amarela do chão, sem que pudesse no entanto, com inequívoca certeza afirmar que foi o 1º demandado quem, nesse dia, assim procedeu.

Para além do mais, o seu depoimento afigurou-se de débil credibilidade, nomeadamente quanto a outros pormenores do que teria efectivamente visto, - marca do veículo, existência de outros carros no local, questões temporais, a relação de amizade com o demandante que “precisava de alguém que tivesse visto” cit. - criando dúvidas ao tribunal da sua veracidade.

Foi desconsiderado o depoimento da testemunha E, cujo discurso se afigurou confuso e pouco coerente.

Quantos aos danos que o motociclo apresenta e virtude do sinistro, relevou o documento de fls. 18 corroborado pela testemunha F e no que diz respeito ao uso do veículo atendeu-se ao depoimento de G que depôs de forma isenta e com conhecimento directo dos factos sobre os quais recaiu o seu depoimento.

Relevaram igualmente os restantes documentos juntos pelas partes e os que resultam de acordo por não impugnados como se identifica em cada item.


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Assim, com interesse para a decisão da causa ficaram provados os seguintes factos:

1 - No dia 8 de outubro de 2016, cerca das 12horas e 30 minutos, na Avenida Manuel de Carvalho Coelho, Concelho de Vila Nova de Poiares, ocorreu um acidente de viação. (cfr. Doc fls. 11).

2 - O 1º demandado fez transferir a respetiva responsabilidade civil por danos causados no exercício da condução do citado para a 2ª demandada, através da apólice nº 90.01719913. (cfr. Doc fls. 72 a 76)

3 – Na data e hora referidas em 1, o demandante deslocou-se ao estabelecimento comercial que gira comercialmente sob a designação de --- , sito no ---, na Av. Manuel de Carvalho Coelho, Vila Nova de Poiares. (por acordo nos termos do art. 574º CPC)

4 - Aí chegado, imobilizou a Vespa de forma transversal, com a frente virada para a --- e a traseira para a via de trânsito, estacionando. (por acordo nos termos do n.º 2 do art. 574º CPC)

5 – O veículo automóvel TU encontrava-se também estacionado nessa via, igualmente na zona destinada ao estacionamento de veículos, de forma paralela ao eixo da via; (por acordo nos termos do art. 574º CPC)

6 - A Av. Manuel Carvalho Coelho, no local do acidente, é composto por uma via reta que serve de acesso e estacionamento aos prédios ali existentes. (cfr. Doc.fls 64)

7 – O demandante participou a ocorrência à Guarda Nacional Republicana pelas 16 horas, tendo esta elaborado o correspectivo auto de participação de acidente de viação. (cfr. Doc. Fls 11 a 14)

8 – Ouvido o 1º demandando pela GNR, este negou que tivesse embatido no ciclomotor. (cfr. Doc. Fls 13)

9 – A 2ª demandada, à data com o nome ---, procedeu à averiguação do sinistro. (cfr. Doc. Fls 60 a 71)

10 - Em consequência do sinistro, resultaram os seguintes danos no ciclomotor:a) Jante da roda dianteira empenada; Guarda lamas da roda da frente empenado; Tampa do motor do lado direito riscada; Esquina direita do estrado partida; Avental amolgado; Proteção do avental riscado; Punho do lado direito riscado; Manete do travão partida. . (cfr. Doc. Fls 18)

11- Para repor a Vespa no estado que se encontrava antes do acidente, é necessário: Substituir a Jante; Desempenar o guarda lamas; Soldar o estrado; Desempenar o avental; Substituir o punho do lado direito; Substituir a manete do travão; Decapar e pintar a vespa.

12-A descrita intervenção ascende ao valor de €757,50 (setecentos e cinquenta e sete euros e cinquenta cêntimos), acrescido de IVA, do que resulta o montante total de €931,73 (novecentos e trinta e um euros e setenta e três cêntimos). (cfr. Doc. Fls 18)

13 -O demandante usava a vespa para se deslocar para o trabalho, ir ás compras, visitar familiares e amigos, passear ao fim de semana ou simplesmente, sair;

14 - Por oficio datado de 10 de novembro de 2016, a demandada seguradora declinou a responsabilidade do seu segurado, aqui primeiro demandado, na ocorrência do acidente. (cfr. Doc. Fls 19)

Factos não provados:

1 – O veículo do 1º demandado encontrava-se estacionado a dois metros do motociclo do demandante.

2 - Pretendendo o 1º demandado retomar a marcha do --- e ao fazer manobra de marcha – atrás para sair do local onde estava estacionado, embateu na vespa provocando a sua queda.

3 - O embate ocorreu entre o meio da traseira do --- e a manete de mudanças da Vespa;

4 - Na sequência caiu para o seu lado direito;

5 - Tendo o demandado feito avançar a roda traseira do lado direito do --- sobre a roda dianteira da Vespa.

6 - As extensões dos danos da Vespa impediam a sua circulação;

7 - Porque o demandante não tem disponibilidade financeira para tal, ainda não ordenou a reparação da Vespa.

Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão da causa.


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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O acidente que se discute nos presentes autos, corresponde a uma situação, infelizmente recorrente, com prejuízos para quem deixa o seu veículo estacionado e em segurança e o vê danificado por outro, cujo condutor não assume as suas responsabilidades cívicas e legais, abandonando o local.

O demandante intentou a presente ação, com base no instituto da responsabilidade civil, peticionando a condenação dos demandados no pagamento de indemnização pelos danos causados pelo embate no seu veículo, cuja responsabilidade atribui ao 1º demandado e à 2ª demandada por força do contrato de seguro celebrado.

Nos termos do disposto no 483º, nº 1 do Código Civil, que define o princípio geral em matéria de responsabilidade civil extracontratual, “aquele que, por dolo ou mera culpa, violar ilicitamente direito de outrem ou disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação culposa. “.

Os pressupostos da responsabilidade civil são: o facto, a ilicitude, a culpa e o

nexo de causalidade entre o facto e o dano.

A obrigação de indemnizar só existe quando, simultaneamente, se possa dar por verificada a prática de um acto ilícito; a imputação do acto ao agente em termos de culpa; a ocorrência de danos e um nexo de causalidade entre o facto e os danos.

Considerando o que dispõem os artigos 562º e seguintes do Código Civil, a obrigação de indemnizar, exige um nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e os danos, obrigando o lesante a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Dispõe por sua vez, o artigo 487º do mesmo código que incumbe ao lesado a prova da culpa do autor da lesão. O mesmo é dizer que, processualmente, o lesado deve alegar e provar os factos constitutivos do direito de que se arroga. No presente caso, o demandante não o fez, porquanto não apresentou prova suficiente da identidade do autor do facto lesivo da sua propriedade.

Tal prova teria de se afigurar inequívoca, ou seja, com um grau de certeza suficiente para que pudesse ser imputada a responsabilidade ao demandado. A única testemunha presencial refere ter apenas visto um carro cinzento a fazer marcha atrás e um senhor careca a levantar o motociclo. Tais declarações não são suficientes para determinar a identidade do lesante, pelo que na falta de outros elementos de prova a acção haverá de improceder como consequência da ilegitimidade material dos sujeitos passivos.
Por ultimo, refira-se que não se põe em causa a ocorrência do sinistro e os danos dele resultantes que foram devidamente provados, o que se duvida é do seu circunstancialismo, mormente e sem dúvida no que respeita ao seu autor.
Pelo exposto, não provando, o demandante, como lhe competia, os factos constitutivos do seu direito, há que julgar a presente ação improcedente.


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DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos invocados, decido declarar a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e em consequência, absolver os Demandados do pedido contra si formulado pelo Demandante.


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Custas a suportar pelo Demandante que se declara parte vencida (art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro). ---

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Registe.

Vila Nova de Poiares, 14 de Dezembro de 2018


(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 28º LJP e 138.º/5 do C.P.C.)

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(Cristina Eusébio)