Sentença de Julgado de Paz
Processo: 114/2023-JPCBR
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
Data da sentença: 02/26/2024
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 114/2023-JPCBR

SENTENÇA

RELATÓRIO:

MATÉRIA: Ação de responsabilidade contratual, enquadrada no n.º 1, al. H) do art.º 9 da L.J.P.

OBJETO: Contrato de seguro,

VALOR DA AÇÃO: € 1.411,57 (mil quatrocentos e onze euros e cinquenta e sete cêntimos, fixado nos termos do n.º 4 do art.º 305 do Cód. Proc. Civil).

A demandante, M. C. M. A., residente na rua [localização 1], no concelho de Coimbra.

Requerimento Inicial: Alega-se em suma que, a demandante é proprietária de uma fração que se destina a habitação, sita na rua rua [localização 1], em Coimbra, que neste momento serve de residência à sua filha e família. A demandante contratou, através do mediador da demandada, V. B. M. – Seguros, Lda., um seguro “Multirriscos Habitação Casa Mais”. A 1/12/2022, a filha da demandante quando fazia limpeza, detetou que a sanita de uma das casas de banho se encontrava com fissuras em vários locais, e que as mesmas provocavam o aparecimento de água no chão. A demandante comunicou o sinistro ao mediador da demandada, juntando para o efeito fotografias comprovativas do ocorrido. O mediador da demandada, fez a participação através do email [email 1]. A 17 de dezembro de 2022, a demandada comunica à demandante que “o sinistro participado não tem enquadramento na apólice contratada, não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização por não se ter verificado qualquer dano por impacto ou qualquer fratura decorrente de um ato isolado e acidental. Deste modo a ocorrência não configura um sinistro com carácter súbito e imprevisto, pelo que não faz acionar as garantias da apólice”. A demandante não concordando com a decisão da demandada, solicita, através do mediador, a reavaliação do processo. A 29/12/2022 o mediador transmitiu à demandante “que o sinistro não tinha enquadramento por se tratarem de fissuras nas instalações sanitárias”. A 27/01/2023, foi solicitado pela demandante, através do mediador, a realização de uma peritagem. Até à data não foi realizada a peritagem, e a demandada continua sem assumir a responsabilidade dos danos. A demandante, com a ação, pretende que a demandada seja condenada a proceder à substituição da sanita, por outra igual/compatível, ou em alternativa, a proceder ao pagamento do montante de € 1.411,57, correspondente ao valor da sanita e bidé, pelo facto de o modelo das loiças sanitárias colocadas na casa de banho encontrar descontinuado e serem estas as únicas compatíveis. Conclui pedindo que: deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, consequentemente, ser a demandada condenada a proceder à substituição da sanita objeto da presente ação por outra compatível, ou em alternativa ressarcir a demandante do valor de €1.411,57. Juntou 13 documentos.

A demandada, F., S.A., com sede na rua C., n.º 30, no concelho de Lisboa, com mandatária constituída, a fls. 26.

Contestou, de fls. 23 a 48. Em suma, alega que efetivamente foi celebrado o contrato de seguro multirriscos habitação casa, titulado pela apólice n.º Mxxxxxxx, o qual tem a cobertura de quebra de vidros, espelhos, pedras decorativas e louças sanitárias, bem como danos estéticos. O contrato à data dos factos estava em vigor. Todavia, a ocorrência denunciada não configura um sinistro, na medida em que não ocorreu nada súbito ou imprevisto, suscetível de acionar as coberturas da apólice. Assim, declinou a responsabilidade, não sendo responsável pelo pagamento das quantias peticionadas nos autos. Conclui terminando pela improcedência da ação, por não provada. Juntou 2 documentos.

TRAMITAÇÃO:
Não se realizou sessão de pré-mediação por recusa da demandada, a fls. 23.
O Tribunal é competente em razão da matéria, do valor e do território.

As partes são legítimas e dispõem de capacidade judiciária.

Não existem exceções ou nulidades processuais que deva conhecer oficiosamente.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:
Foi iniciada a audiência com tentativa de conciliação, que se frustrou. Seguidamente ocorreu a produção de prova com audição de testemunhas, encerrando-se a sessão, conforme ata junta de fls. 58 a 60.

-FUNDAMENTAÇÃO-
I- DOS FACTOS PROVADOS:
1) A demandante é proprietária de uma fração que se destina a habitação, sita na rua E. M., n.º 83 - 3.º F, em Coimbra, que neste momento serve de residência à sua filha e família.

2) A demandante contratou, através do mediador, V. B. M. – Seguros, Lda., um seguro “Multirriscos Habitação Casa Mais.

3) A filha da demandante quando fazia limpeza, detetou que a sanita de uma das casas de banho tem fissuras em vários locais, com o aparecimento de água no chão.

4) A demandante comunicou o sinistro ao mediador da demandada.

5) O mediador da demandada, fez a participação através do email [email 1] conforme documento 6, junto a fls. 12.

6) A 17/12/2022, a demandada comunica à demandante que “o sinistro participado não tem enquadramento na apólice contratada”, conforme documento 7, junto a fls. 13.

7) A demandante, solicita, através do mediador, a reavaliação do processo, conforme documento 8, junto a fls. 14.

8) A 29/12/2022 o mediador transmitiu à demandante “que o sinistro não tinha enquadramento por se tratar de fissuras nas instalações sanitárias, conforme documento 9, junto a fls. 15.

9) A 27/01/2023, foi solicitado pela demandante, através do mediador, a realização de uma peritagem.

10) Não foi realizada a peritagem.

11) O modelo da louça sanitária existente na casa de banho já não existe á venda no mercado (está descontinuado).

12) O contrato de seguro multirriscos habitação casa, titulado pela apólice n.º MR64264836, tem cobertura de quebra de vidros, espelhos, pedras decorativas e louças sanitárias, bem como danos estéticos, conforme documento junto de fls. 26 a 47.

13) O contrato à data dos factos estava em vigor.

MOTIVAÇÃO:
O Tribunal baseou a decisão na análise crítica de toda a documentação junta, o que foi conjugada com as declarações de parte da demandante, concatenada com a prova testemunhal, tendo em consideração as regras de repartição do ónus da prova e da experiência comum.
A demandante prestou declarações que foram registadas nos termos do n.º 1 do art.º 57 da L.J.P. Explicou que realizou o contrato de seguro há vários anos para a casa de habitação, através do mediador de seguros. Referiu, também, que por questão de saúde reside na habitação com a filha e respetiva família que a auxiliam. Acrescentou que, foi a filha que reparou nas fissuras e foi por isso que acionaram o seguro.

A testemunha, L. C. S. P., é funcionário da demandada. Explicou que após receber a participação do sinistro analisou tudo o que foi enviado, inclusive as fotografias. Acrescentou que concluíram que não era um sinistro, os danos que verificaram, fissuras, são o resultado de desgaste normal, por uso do equipamento, foi por esse motivo que declinaram pagar, pois não há enquadramento deste tipo de situação na apólice. Mais referiu que, em relação ao pedido de peritagem, não têm que fazer peritagens a todas as situações que lhes são reportadas, somente quando há dúvidas sobre a tomada de posição da seguradora face ao sinistro, o que no caso não existiu. O depoimento foi esclarecedor e coerente, auxiliando na prova dos factos com os n.ºs 8, 9, 10, 12 e 13.

Os factos não provados resultam essencialmente de prova realizada em sentido oposto, nomeadamente que os danos ocorridos na louça sanitária, tivessem causa em quebra ou um acidente. Na realidade, a demandante referiu diversas vezes que seria de desgaste por uso, pelo que sabia que não tinha ocorrido nada de especial (acidental ou imprevisto) que tivesse levado ao aparecimento das fissuras, e como tal enquadrável como sendo um risco.

-No que respeita ao bidé, não houve prova que, também, tivesse que ser substituído. Pese embora na apólice se preveja danos estéticos, e se entenda que a louça que foi aplicada na casa de banho já não se fabrique, pelo que tenha que adquirir algo semelhante e adequado ao local, não existe qualquer prova que este tenha que ser substituído, uma vez que não tem qualquer dano.

II- DO DIREITO:
O caso dos autos prende-se com a celebração de um contrato de seguro, situação regulada pelo DL n.º 72/2008, de 16/04, com as alterações introduzidas pelas posteriores modificações, de ora em diante designado por RJCS.

Questões: a situação tem enquadramento no contrato de seguro, indemnização.

Pelo contrato de seguro, o segurador obriga-se, mediante o pagamento do respetivo prémio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados (art.º 1 do RJCS.)

A apólice é o documento legal através do qual a seguradora formaliza a aceitação do seguro, definindo os valores e regulando as relações entre as partes, estabelecendo os recíprocos direitos e obrigações, condições acordadas e a vigência do seguro.

A apólice oficializa o contrato de seguro e especifica as coberturas disponíveis. Os direitos e deveres dos contratantes estão nas condições gerais, especiais e as particulares aplicáveis, como parte dela (art.ºs 32 e 37º do citado diploma).

Do conteúdo da apólice deve constar, no mínimo, a natureza do seguro; os riscos cobertos; o âmbito territorial e temporal do contrato; o capital seguro ou o modo da sua determinação; o prémio ou a fórmula do respetivo cálculo e o início de vigência do contrato.

No seguro de danos, o segurado deve ter um interesse digno de proteção legal relativamente ao risco coberto, sob pena de nulidade do contrato.

O interesse salvaguardado neste tipo de seguro respeita à conservação ou à integridade da coisa segura, o direito ou património seguros (n.ºs 1 e 2 do art.º 43 do RJCS).

Para efeito de seguros, considera-se existir um sinistro quando ocorre a verificação, total ou parcial do evento, que desencadeia o acionamento da cobertura do risco prevista no contrato (art.º 99 RJCS.).

A verificação do sinistro deve ser comunicada ao segurador pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo beneficiário, no prazo fixado no contrato ou, na falta deste, nos oito dias imediatos àquele em que tenha conhecimento.

Na participação devem ser explicitadas as circunstâncias da verificação do sinistro, as eventuais causas da sua ocorrência e as respetivas consequências.

O tomador do seguro, o segurado ou o beneficiário deve igualmente prestar ao segurador todas as informações relevantes que este solicite relativas ao sinistro e às suas consequências (art.º 100 do RJCS).

Em termos técnicos, o “risco” refere-se à incerteza sobre a ocorrência de um evento que dê origem a uma perda, podendo o mesmo evento vir ou não a verificar-se.

Conforme atesta o art.º 108 do RJCS, o risco constitui o objeto e é definido como elemento determinante do contrato de seguro, devendo ser aleatório, real e lícito.

O risco relevante para efeitos do contrato, dada a sua especificidade típica, deve ser configurado no respetivo contrato de seguro através da delimitação dos riscos cobertos, que tecnicamente é feita através de dois vetores: primeiramente por meio das cláusulas definidoras da “cobertura-base” e subsequentemente pela descrição das cláusulas de delimitação negativa da base, ou seja, de exclusão da cobertura.

Um sinistro é assim a ocorrência concreta do risco previsto, devendo reunir os elementos que são configurados na apólice.

Em suma, o risco é o evento cuja ocorrência implica a responsabilidade da seguradora, constituindo em regra um evento futuro, imprevisto e incerto, sendo a definição genérica do mesmo, e não uma caraterística especifica do contrato em crise.

Assim, incumbe ao segurado o ónus de provar as ocorrências concretas em conformidade com as situações descritas nas cláusulas de cobertura do risco, como factos constitutivos do seu direito de indemnização (nº 1 do art.º 342 do Cód. Civil). Note-se que esta prova é exigida por lei, e não por ser uma exigência da seguradora.

No que concerne ao contrato de seguro em causa, apenas foi referido que foi realizado pela demandante, aquando comprou o imóvel, há cerca de 12 anos.

O referido contrato de seguro foi realizado através do mediador de seguro, V. B., conforme consta da própria apólice que titula o contrato de seguro, com o n.º MR64264836.

Quanto à celebração do contrato nada mais foi referido, desconhecendo-se o que o mediador explicou ou se nada foi referido quanto ao contrato em causa.

Sendo certo que a prova que, as condições do contrato e os esclarecimentos exigíveis foram explicados à demandante competia fazer à demandada, o que decorre do art.º 18 do RJCS, sem prejuízo dos deveres específicos que impendem sobre o mediador de seguros, uma vez que o seguro foi por este celebrado.

Não obstante, apurou-se que a demandante percebeu quais as coberturas e as exclusões que o seguro contempla, uma vez que a mesma, quanto à origem/causa do dano mencionou, diversas vezes, que ocorreu a depreciação do bem, louça sanitária, por uso.

Assim, considera-se que não era necessário qualquer explicação especifica em relação à presente cobertura e respetiva exclusão, uma vez que se trata de conceitos comuns, que qualquer pessoa, na mesma posição da tomadora do seguro consegue perceber o que contempla e o que determina o respetivo afastamento.

Efetivamente o presente contrato prevê, no que respeita a coberturas: a quebra ou fratura isolada e acidental louças sanitárias, que se encontrem na fração segura, a qual tem como limite indemnizatório o valor de € 163.229,89, sem contemplar qualquer franquia.

Em termos gramaticais considera-se sinónimo de quebra: estar partido, espatifado, fragmentado, estilhaçado, esfacelado, despedaçado, espedaçado, dividido, fraturado e rompido.

Em termos práticos implica ter ocorrido uma ação de impacto ou com violência que implique que a coisa (o bem) se parta.

No caso concreto a coisa, sanita, não se encontra partida, estando com pequenas fissuras, especialmente no seu interior, como as fotografias juntas de fls. 9 a 11, bem o elucidam.

Para além disso, é a própria demandante que alega que, não sabe precisar nem como, nem quando tal ocorreu, embora o tenha detetado quando efetuaram a limpeza à casa de banho, pelo que realizou a participação.

Como é evidente se a coisa se depreciou com o uso, depreende-se que a coisa não é nova, pelo que se foi desgastando por ação do respetivo uso. De facto, esta conclusão vai encontro das explicações dadas pela testemunha, L. C. S. P., que referiu que o imóvel foi adquirido no estado de novo há mais de 12 anos, sem precisar efetivamente a data de aquisição.

Não há qualquer seguro que contemple o desgaste, o qual decorre de uma ação gradual, ou seja, é o impacto que o uso da coisa ao longo do tempo provoca no bem. O desgaste é algo inevitável e natural, mesmo quando estejam em causa bens, pois tudo é perecível.

Assim, entende-se que o desgaste da coisa não é um risco, pelo que se encontra excluído de qualquer contrato de seguro. Nesta medida, em relação às fissuras as mesmas são provocadas pelo desgaste e como tal a situação concreta não tem enquadramento na apólice em causa, motivo pelo qual improcede o pedido.

DECISÃO:
Nos termos expostos, julga-se a ação improcedente, por não provada, absolvendo-se a demandada do pedido.
São da responsabilidade da demandante na quantia de 70€ (setenta euros) a realizar no prazo de 3 dias úteis, sob pena da aplicação da sobretaxa no valor diário de 10€ (dez euros) e eventual execução pela A. T.

Extraia-se o DUC e notifique-se à demandante, referindo que o prazo legal para proceder ao pagamento é de 3 dias, pelo que o prazo indicado no DUC é um prazo de validade do documento, que permite realizar o pagamento fora do prazo, mas não a isenta de proceder ao pagamento da sobretaxa.

Proferida nos termos do n.º 2 do art.º 60 da L.J.P.


Coimbra, 26 de fevereiro de 2024

A Juíza de Paz

(redigido pela signatária, art.º 135 do C. Proc. Civil)


(Margarida Simplício)