Sentença de Julgado de Paz
Processo: 295/2015-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: RESPONSABILIADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Data da sentença: 12/03/2015
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:

SENTENÇA

Processo n.º 295/2015-J.P.

RELATÓRIO:
Os demandantes, A e B , intentaram a ação declarativa de condenação contra os demandados, C e D, E, S. A., e F Hotel, Lda., o que fazem ao abrigo do art.º 9, n.º1, alínea H) da L.J.P.
Para tanto, alegam em suma que, no dia 22/11/2014 estiveram no hotel demandado na festa de casamento de um familiar. Tendo estacionado a viatura da marca Opel, com a matrícula HU, no 2º lugar de estacionamento, no interior da Quinta G do lado esquerdo, mas junto ao imóvel e muro dos outros demandados. Cerca da 1 hora, deslocou-se ao veículo e verificou que os ramos de uma árvore tinham caído sobre o veículo, danificando-o. Deste incidente resultaram danos materiais, na parte superior e lado esquerdo do veículo, os quais são suscetíveis de reparação. O demandado hotel, que transferira a sua responsabilidade civil para a demandada E, garantiu que a seguradora iria cobrir os danos no veículo, por isso não seria necessário chamar a P.S.P. No dia 27/11/2014 enviou fotografias e orçamento para reparação ao demandado, que lhe respondeu que o seguro não cobria esses danos e as árvores não estão na propriedade dele. Posteriormente enviaram o mesmo para o outro proprietário, o qual tinha segurado o imóvel com a demandada. No dia 17/12/2014 foi efetuada peritagem á viatura, que concluiu que é resultante de tempestade, pelo que o sinistro não pode ser imputado ao dono das árvores, tendo por este facto a demandada declinado a responsabilidade alegando que não pode ser imputada responsabilidade ao seu segurado. Porém, não se conformaram com o resultado da peritagem, reclamando via e-mail, conforme documento 13, cujo teor dou por reproduzido, e dando prazo de 8 dias para se pronunciar. A demandada insistiu nas condições climatéricas adversas. A viatura cujos danos foram orçados em 2.036,63€, continua por reparar, devido á conduta negligente dos demandados, em relação às árvores. Existindo o dever do proprietário de as vigiar e cuidar, prevenindo os perigos que possam causar, nomeadamente com queda. Por sua vez o demandado hotel podia e devia ter zelado pelas pessoas e bens dos que se hospedam no hotel, devendo ter cortado os ramos das árvores que impedem sobre a respetiva propriedade, caso os donos das árvores não o façam voluntariamente. Toda a situação causou danos não patrimoniais, nomeadamente, transtornos, sustos, stress, sofrimento com noites mal dormidas causadas por esta situação, requerendo indemnização não inferior a 1.500€. Concluíram pedindo que: A) os demandados sejam condenados na reparação dos danos existentes no veículo, conforme resulta do orçamento datado de 25/11/2014 ou em alternativa efetuem o pagamento da quantia de danos materiais; B) no pagamento da quantia de por danos não patrimoniais
A demandada, Hotel F, Lda. Contestou. Excecionou, alegando a ilegitimidade do demandante pois consta do registo de propriedade a demandante como única titular do veículo, além disso não alega que houvesse proveito comum do casal. Quanto aos factos que lhe são imputados alega que participou de imediato o sucedido ao seguro, Companhia H. Alega que, de facto no dia em questão não era somente um dia chuvoso mas ocorreu efetivamente um temporal, com ventos fortes. Desconhecendo a proveniência dos ramos, pois não havia funcionários presentes no momento em que alegam ter sucedido o sinistro. Não obstante são os próprios demandantes que alegam que os ramos e galhos provem de outra propriedade, por isso não entendem como podem ser responsável por esse facto, além de que não atuaram de forma negligente neste caso. Quanto aos danos materiais estranham que o veiculo ainda não fosse reparado, quando apresentam um relatório de inspeção sem qualquer anomalia, nomeadamente o espelho retrovisor, algo que o centro de inspeções não deixaria de notar e assinalar. Assim impugnam os danos e os valores apresentados. Conclui pela improcedência da ação e procedência da exceção. Mais requer a intervenção acessória da sua companhia de seguros, pois se forem condenados a algo, será ela, como seguradora a responsável por eventuais prejuízos. Junta 2 documentos.
A demandada contestou. Deduziu exceção de ilegitimidade dos demandados C e mulher D, porquanto através do contrato de seguro multirriscos titulado pela apólice n.º xxx transferiram a responsabilidade civil para ela, o que implica todos os meios de defesa. Quanto ao sinistro alega ter recebido a participação do tomador do seguro, referia-se á queda de ramo de árvore em veículo, que estava estacionado em zona adjacente á propriedade segurada. Entretanto solicitou a realização de uma peritagem ao local. Tendo sido efetuado o relatório, que ora junta. Este apurou as condições em que se verificou o sinistro. O tomador do seguro teve conhecimento do sucedido através de um telefonema realizado pelo responsável do hotel, embora no dia não tivesse visto o veículo, embora estivesse em casa. A peritagem concluiu que a árvore em causa pertencia ao tomador do seguro. Mas, foi também apurado que no dia em que ocorreu o sinistro tinha havido temporal, com chuva e fortes ventos, tendo inclusive a proteção civil dado alerta amarelo. Por esta razão entendeu afastar a sua responsabilidade, já que a origem do sinistro teve como causa a tempestade. Entretanto, devido a reclamação do demandante efetuaram um aditamento ao relatório. Referindo-se ao apuramento do estado das árvores, pois embora o imóvel contenha varias de espécies diferentes a verdade é que estão em bom estado de conservação. O demandado tem jardineiro que efetua a manutenção e para aferir do estado de saúde efetuou inspeção fitossanitária. Mais se apurou que no dia em questão ocorreram varias situações semelhantes num raio inferior a 5 km. Assim, voltaram a considerar que não era responsável pelos danos, pois os factos sucederam devido a circunstâncias consideradas como de força maior, a qual exclui a responsabilidade pela ocorrência do sinistro. Quanto aos danos patrimoniais existe diferenças de valores entre o que apresentaram e o que resultou da peritagem efetuada ao veículo, embora seja na mesma oficina, pelo que impugna aquele documento. Quanto aos danos não patrimoniais não se enquadram nos que são suscetíveis de serem indemnizados, pois os simples transtornos ou incómodos não merecem a tutela do direito. Conclui pela procedência das exceções e improcedência da ação. Junta 5 documentos.

Os demandantes responderam às exceções deduzidas. Alegaram que são, entre si, casados e adquiriram o veículo na constância do matrimónio, sendo um bem comum do casal. Quanto a uma eventual intervenção de outra seguradora não se opõem desde que seja para se apurar o responsável pelos danos e serem ressarcidos. Como estavam numa festa, no interior do salão do hotel, não se aperceberam que houvesse ventos fortes. Na realidade nem sabiam quem era o proprietário das árvores que causaram os danos, tendo o hotel identificado e comunicou telefonicamente com o demandado C. E, de facto as árvores pertencem-lhes e se habitualmente cuidassem delas, em vez de uma vez por ano, não teria sucedido a queda dos ramos, o que só sucedeu por omissão do dever de conservação e vigilância. A responsabilidade da seguradora deriva do contrato de seguro multirriscos que realizou com o demandado C, transferindo assim a responsabilidade que aquele competia, sendo seu dever ressarcir os danos em vez de fugir às responsabilidades. Concluem pela improcedência das exceções e procedência da ação.

TRAMITAÇÃO:
Não se realizou sessão de pré-mediação por recusa expressa da demandada, seguradora.
O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
O processo está isento de nulidades que o invalidem na totalidade.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:
Foi iniciada dando cumprimento ao art.º 26, n.º1 da L.J.P, sem que as partes tenham chegado a consenso. Seguiu-se para produção de prova, com audição de testemunhas, terminando com alegações finais das partes, conforme ata e fls. 243 a 248.

- FUNDAMENTAÇÃO-
II- FACTOS PROVADOS:
1)Que o veículo ligeiro da marca x com a matrícula HU está registado em nome da demandante.
2)Que o veículo é objeto do contrato de seguro titulado pela apólice n.º xxxx da companhia de seguros I Portugal.
3)Que a demandante é a tomadora do seguro.
4)Que os demandados C e mulher D são os proprietários da Quinta G, sita na freguesia x, concelho do Funchal.
5)Que o demandado C contratou o seguro multirriscos/habitação, titulado pela apólice xxxx.
6)Que pelo contrato de seguro transferiu a responsabilidade para a demandada E.
7)Que nos dias 22 e 23/11/2014 os demandantes estavam no hotel F, sito na Quinta G.
8)Que estavam na festa de um casamento.
9)Que a viatura estava estacionada no segundo lugar de estacionamento.
10)E, junto a um muro.
11)Que o dia estava chuvoso.
12)Que cerca da 1 hora o demandante deslocou-se ao local onde o veículo se encontrava estacionado.
13)Que estavam ramos de árvore caídos em cima do veículo.
14)O que provocaram danos materiais no veículo.
15)Nomeadamente na parte superior e lateral esquerda.
16)Que o demandante reclamou o sucedido junto do hotel.
17)Que o demandante, a 27/11/2014, enviou e-mail ao demandado hotel, cujo teor dou por reproduzido.
18)Que a demandada respondeu.
19)Que a 9/12/2014 o demandante enviou e-mail ao demandado C, cujo teor dou por reproduzido.
20)A 17/12/2014 foi efetuada peritagem á viatura.
21)A seguradora declinou a responsabilidade, por carta cujo teor dou por integralmente reproduzido.
22)Que a 8/01/2015 o demandante reclamou via e-mail.
23)Que a demandada, Seguradora, respondeu.
24)Que o demandado C teve conhecimento do sinistro através de um telefonema.
25)Que lhe foi dirigido pelo gerente da quinta do G.
26)O demandado, C, participou a ocorrência á seguradora da sua propriedade.
27)Que anualmente, o demandado C, efetua intervenções nas árvores da sua propriedade.
28)O que é feito por pessoas especializadas.
29)Que procedem á limpeza, e poda das copas.
30)E, efetua inspeções á saúde das árvores, e se necessário procede ao respetivo abate.
31)Que nesse dia ocorreu um temporal.
32)Com ventos fortes e chuva intensa.
33)O que se sentiu um pouco por toda a ilha.
34)E, foi amplamente noticiado pela comunicação social.
35)Que o hotel participou a ocorrência á sua seguradora.
36)Que na inspeção técnica periódica efetuada á viatura, a mesma foi aprovada sem danos.
37)Que os ramos da árvore que causou os danos pertencem á quinta J.
38)Que a demandada, hotel, possui o seguro multirriscos comércio e serviços mercantile.
39)Que é titulado pela apólice xxxx, da H, Companhia de Seguros, S.A.
40)Que o demandado C participou á demandada o sinistro ocorrido a 22/11/2014.
41)Que a demandada remeteu a realização da peritagem para a sociedade L.
42)Que averiguou o sinistro, a causa e os danos.
43)Tendo produzido o relatório pericial, cujo teor considero reproduzido.
44)E, posteriormente efetuou um aditamento ao relatório, cujo teor dou por reproduzido.
45)Que os ramos pertencem a um castanheiro, árvore propriedade do demandado C.
46)Que o veículo estava estacionado no interior da quinta do G.
47)Ao lado do perímetro da moradia segura na demandada.
48)Que o imóvel seguro contem várias espécies de árvores.
49)Que as árvores apresentam bom estado de conservação.
50)Que a proteção civil alertou para o estado do tempo.
51)Que nesse dia ocorreram outras quedas de árvores.
52)Que o demandado, C, solicitou uma inspeção fitossanitária às árvores da sua propriedade.
53)Que a propriedade do demandado C encontrava-se em bom estado de conservação e manutenção, e arredores do mesmo.
54)Que apenas se partiu um ramo da árvore.
55)Que a árvore estava em bom estado vegetativo.
56)Que a escala Beaufort serve para classificar e medir a intensidade do vento e seus efeitos em terra e mar.

MOTIVAÇÃO:
O tribunal baseou a decisão na analise critica da documentação junta pelas partes, o que foi conjugado com a prova testemunhal produzida e com as regras da experiencia comum.
A testemunha, M, depôs de forma isenta, explicando o que se passara no dia 22 e 23/11/2014, e os danos que visualizou no veículo. A testemunha, N, teve um depoimento pouco relevante, limitando-se a referir ao local e ao motivos que levou os demandantes a estarem no dia 22 e 23/11/2014 na quinta do G.
As testemunhas, O e P, depuseram de forma isenta e clara. Referiram-se aos serviços que prestam na propriedade do demandado C e por conta do mesmo, no que se refere ao estado do jardim e árvores.
A testemunha Q embora fosse isento, limitou-se a explicar as diligências que fez, após receber o telefonema do demandado C para participar a ocorrência ao seguro, o que fez na qualidade de agente de seguros.
A testemunha, R, é vizinho do demandado C e do Hotel. Referiu-se ao procedimento que aquele faz para tratar do jardim e árvores, o que vê com alguma regularidade, pois a localização do seu estabelecimento permite-lhe ver, sobretudo quando usam a máquina com cesto, para cortarem os ramos e copa de árvores. Referiu-se, também, às condições atmosféricas vivenciadas no dia 22/11/2014, o que levou a que fechasse mais cedo o estabelecimento, por receio de não poder ir para casa, e no dia seguinte o estado do percurso que fez até chegar ao seu estabelecimento, no qual constatou a queda de vários ramos.
A testemunha, S, é gerente da empresa proprietária do hotel. Não estava no local no dia do acidente. Explicou como teve conhecimento do sucedido e referiu a conversa que teve com o demandante, sendo ele que telefonou ao proprietário da quinta da J, o que fez para ajudar o demandante. Explicou que o hotel não assumiu o acidente, porque a arvore não era da propriedade deles, embora tivessem seguro e tivessem participado a ocorrência á companhia.
A testemunha, T, é a responsável pelo hotel, embora não estivesse no local no dia do acidente, estava de folga. Soube do sucedido no 1º dia útil em que foi trabalhar, comunicou o sucedido ao gestor da empresa e participaram o facto á respetiva companhia de seguros, que declinou logo a responsabilidade, conforme transmitiram ao demandante.
A testemunha U foi a perita que efetuou o relatório de peritagem que se encontra junto aos autos. Explicou o contexto da realização, o que teve em consideração, nomeadamente as declarações das partes. Referiu que no dia em que fez já não havia sinais de tempestade mas tratou-se de um fenómeno atmosférico com alguma consideração. Esta testemunha explicou como chegou á conclusão a quem pertencia o ramo de árvore. Quanto ao estado de saúde da árvore considerou ser boa, pois ainda lá se encontra, apenas o ramo foi partido com a força do vento, assim como sucedeu a outros.
Os factos não provados derivam de não existir prova nesse sentido.
Quanto aos danos materiais, os demandantes não fizeram prova de qual serão custo da reparação do veículo, existindo 2 orçamentos diferentes, elaborados pela mesma entidade e sem explicação para a diferença.
Danos não patrimoniais, não se provou nenhum.
O facto complementar de prova com o n.º 38, resulta do documento junto a fls. 110 e sgs.

II- DO DIREITO:
O caso em análise prende-se com a ocorrência de um sinistro, envolvendo um veículo ligeiro e um ramo de árvore, situação regulada pelo art.º 483 e sgs do C.C.
Questões: Admissibilidade da intervenção provocada, ilegitimidade do demandante, ilegitimidade dos demandados C e mulher, responsabilidade civil, danos.
No caso dos autos, os demandantes intentaram a presente ação contra 3 pessoas distintas, os demandados C e mulher, enquanto proprietários da coisa que causou os danos, a seguradora for força do contrato de seguro, e por fim contra o hotel, enquanto titular do direito de propriedade.
Nos termos do art.º 39 da L.J.P. apenas é admissível a coligação de partes no momento inicial, salvo para colmatar situações de litisconsórcio necessário.
O caso em apreço, do ponto de vista abstrato, não configura qualquer situação de litisconsórcio necessário. No âmbito da responsabilidade civil extracontratual o que importa é averiguar a existência dos requisitos legais deste instituto, apurar os danos, e se for o caso ressarcir o lesado.
O eventual chamamento á ação de outra demandada, que no caso em apreço é outra seguradora, seria mais para acautelar a posição do demandado hotel. O qual, conforme alega, transferira por contrato de seguro, a sua responsabilidade para a seguradora.
Porém, com o chamamento, uma ação de procedimentos simplificados, e que se quer célere, acabaria por demorar mais do que o expetável (art.º 2, n.º2 da L.J.P.).
Para além disso, e como deriva do próprio r.i. os demandantes apontam a responsabilidade pelo sucedido ao demandado C e mulher e respetiva companhia de seguros, por força do contrato de seguro. Por sua vez, deriva do próprio relatório de peritagem efetuado por aquela que a árvore, de onde teria provindo o ramo, pertencia á propriedade daquele demandado. Assim, e do ponto de vista material, não se vislumbra a necessidade de chamar mais alguém a esta ação, uma vez que se encontrou o proprietário da coisa, que terá provocado os danos.
Quanto á ilegitimidade ativa do demandante marido, em primeiro lugar a ilegitimidade é, antes de mais, a posição das partes em relação aos factos, tal como foram configurados pelos demandantes (art.º 30, n.º1 e 3 do C.P.C.). Quer isto dizer que se trata de uma questão de índole processual, o que á partida afastaria a procedência da exceção deduzida, remetendo-se a mesma para a apreciação da matéria.
Contudo, e do ponto de vista material, nem seria relevante. Vejamos, de facto ambos admitem serem casados entre si, e depois duas das testemunhas (que os conhecem pessoalmente) afirmaram que eles são casados. E, embora, não fosse apresentada qualquer certidão de casamento, a verdade que para a matéria em discussão pouco importa que o veículo seja um bem comum do casal ou de apenas de um deles, até porque aqui a “vítima” é mesmo o veículo, e o que ambos pretendem é a mesma coisa: a reparação.
Por outro lado, não existe entre ambos qualquer conflito de interesses, pelo menos neste processo, quanto á propriedade do veiculo, e um eventual direito á indemnização, já que ambos se consideram lesados.
Efetivamente juntaram aos autos o certificado de matrícula, a fls. 10, e deste consta como titular a demandante, a qual surge na ação como parte ativa. Por outro lado, o registo destina-se essencialmente a fazer fé da propriedade junto de terceiros, mas tal como todos os registos, possui eficácia meramente declarativa, por isso não significa que não possa ter sido adquirido na constância do matrimónio e com dinheiros comuns. Face ao exposto declina-se a ilegitimidade do demandante marido.

Quanto á ilegitimidade dos demandados C e mulher, para além do já referido em relação á ilegitimidade do ponto de vista processual, existe e foi provado que o imóvel de onde provinha o ramo de árvore, é o objeto do contrato de seguro multirriscos/habitação que detém com a demandada, E, a qual também é parte nesta ação.
E, foi a existência deste contrato que permitiu, aos demandantes, deduzir o pedido, também, em relação a aquela.
Pelo contrato de seguro é transferida a responsabilidade (o risco) pela eventual ocorrência de danos, ocasionados pelo objeto do contrato, mediante o pagamento de um premio (pré determinado) á seguradora.
Uma vez que foi provado a existência do seguro, algo que os demandantes até já sabiam antes de intentar a ação, o que resulta das reclamações que o demandante marido fez para aquela companhia, e atendendo á quantia (valor) que apresentam, quanto aos danos sofridos, bastaria fazer intervir a seguradora na ação já que está no âmbito do capital assegurado, e se houver responsabilidade do tomador do seguro é ela que, em última instância, os vai assumir, pagando o valor ou suportando a reparação.
Perante isto, e do ponto de vista material os demandados C e mulher são considerados como parte ilegítima.

Constituem pressupostos do dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos: a existência de um facto voluntário do agente e não de um facto natural causador de danos; a ilicitude desse facto; a existência de um nexo de imputação do facto ao lesante; que da violação do direito subjectivo ou da lei resulte um dano; que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima de forma a poder concluir-se que este resulta daquela, in Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I Vol., 1986, 477/478.
Neste instituto, no que concerne á culpa, a regra, pertence ao lesado efetuar a prova (art.º 487, n.º1 do C.C.), salvo se existir presunção de culpa do lesante, o que implica a inversão do ónus probatório (art.º 350, n.1 do C.C.).
Uma dessas situações está consagrada no art.º 493, n.º1 do C.C., segundo a qual é responsável pelos danos aquele que tiver em seu poder coisa, móvel ou imóvel, assim como quem estiver encarregado de a vigiar, salvo se provar que nenhuma culpa de sua parte houve ou que os danos se teriam, igualmente, produzidos, ainda, que não houvesse culpa sua.
Para que ocorra esta presunção é necessário que a coisa esteja á guarda ou em poder de pessoa que tenha o dever de a vigiar, ou seja é necessário efetuar a prova da propriedade da coisa, ou se fosse o caso (o que não é) do dever de a vigiar, através de alguma relação negocial, que pudesse existir.
Ora o objeto que provocou os danos materiais no veículo é um ramo de árvore. Este está normalmente ligado estruturalmente á árvore, a qual não possui vida sem estar incorporada num imóvel. Assim, a árvore é considerada como coisa imóvel (art.º 204, alínea c do C.C.).

No caso em apreço está provado que o veículo encontrava-se estacionado, em zona apropriada, perto da zona de entrada de acesso ao hotel, e junto a um muro.
Da prova fotográfica, conjugada com a das testemunhas resulta que o hotel do G e a quinta J são propriedades vizinhas, e ambas possuem árvores.
Cerca da 1 hora do dia 23/11/2014, o demandante marido saiu do salão de festas do hotel, e deparou com um ramo de árvore em cima do veículo.
Desta situação resultaram danos materiais no veículo, nomeadamente a quebra do espelho retrovisor do lado esquerdo e danos na chapa, em especial na zona do tejadilho.
Pelas diligências efetuadas pelo hotel e, também, pela seguradora, demandada, foi possível concluir que o ramo de árvore provinha de um castanheiro, a qual pertencia á propriedade da quinta J, propriedade do demandado C e mulher. Tal conclusão está plasmada no relatório junto pela demandada, e admitido por ela na sua própria contestação.
O que significa que a coisa que atingiu o veículo pertence á propriedade dos demandados C e mulher.
Está, também, provado pelo proprietário do terreno e da árvore, que apenas o ramo caiu, pois o proprietário da quinta onde aquela árvore pertence, cuida habitualmente do jardim e das respetivas árvores.
Possuindo uma empresa contratada para, pelo menos duas vezes por ano, verificar o estado das árvores. Efetuando a poda de ramos, o corte das copas, e em caso de necessidade: risco de queda, galhos secos ou por motivo de “saúde” (estrutura ou doença), proceder ao abate de alguma árvore, o que é feito por ordem do próprio demandado.
Mais se provou que solicitou a inspeção fitossanitária às árvores de sua propriedade, o que significa que não pretende esquivar-se a uma eventual responsabilidade, derivada do resultado da inspeção.
Destes factos extrai-se a conclusão que o demandado é um proprietário diligente, que toma regularmente medidas adequadas para prevenir situações como aquela que sucedeu. Face á prova realizada nenhum juízo de censura lhe há a fazer.

Mas não menos importante, no dia em questão, 22/11/2014 a proteção civil lançou alerta laranja para o tempo que estava previsto.
De acordo com a escala de Beaufort os ventos previstos eram superiores a 90 km.
Efetivamente, os próprios demandantes admitem que estava, chuvoso, contudo, devido ao barulho da festa não se aperceberam do vento.
Nessa tarde, o estado do tempo agravou-se, o que foi comprovado por algumas das testemunhas, tendo a proteção civil alertado a população para o facto de modo a prevenirem-se.
Há relatos publicados em jornais locais e também na internet de varias ocorrências na ilha, inclusive na freguesia do monte, local onde estava o veículo estacionado.
No dia seguinte, no acesso aquela freguesia eram visíveis os vários ramos caídos naquela zona, conforme relatou a testemunha, R.
A árvore de onde saiu o ramo, não estava junto á viatura mas distava da mesma um espaço considerável, conclusão a que se chegou após o relato das testemunhas e da análise de algumas fotografias juntas aos atos, nomeadamente fls. 38, 45, 54, 55, 56.
No dia seguinte ao temporal verificou-se que a árvore mantinha-se no mesmo local, mas o ramo partiu e deslocou-se, com a força do vento, acabando por cair em cima da viatura.
E, analisando as fotografias referidas, em especial a fls. 55 e 56, o ramo em causa nem parece estar seco, dando a ideia de ter sofrido um corte.
De facto há vários motivos para que uma árvore ou parte dela acabe por cair. Há fatores intrínsecos que tem que ver com o seu estado de saúde, e fatores externos, que podem levar ao mesmo resultado.
Tal como foi concluído no relatório de peritagem, e não existindo outra explicação plausível, a queda do ramo teve origem na tempestade que se abateu na região, nomeadamente nos ventos fortes. Trata-se de um fator extrínseco de ordem natural.
Juridicamente e tendo em consideração o resultado, danos materiais, é designado pela doutrina como sendo uma causa de força maior, pois embora fosse previsível o seu aparecimento, o resultado não podia ser evitado.
A ocorrência de uma situação como a descrita afastaria sempre a ilicitude de qualquer facto, se bem que no caso concreto o demandado acabou por elidir a presunção legal prevista no art.º 493 do C.C., levando, por ai também ao afastamento da sua responsabilidade na ocorrência dos danos.

Por fim, em relação ao demandado hotel, há que dizer que a relação de vizinhança com os proprietários da quinta J, não o obrigavam a proceder ao corte de qualquer ramo de árvore que impendesse sobre a área da quinta do G.
No âmbito das relações de vizinhança permite-se que em caso de danos o proprietário do prédio vizinho possa cortar ramos de árvore que pertença ao proprietário limítrofe (art.º 1366, n.1 do C.C.). Esta disposição é uma faculdade que a lei confere, colocando os proprietários de prédios confinantes em termos de igualdade face ao direito (material) de propriedade, e se o fizer (cortar ou arrancar), a lei não considera ter existido qualquer acto ilícito mas tão só o exercício de um direito que lhe assiste de forma a evitar danos para si e sua propriedade, mas não o obriga a fazer, e muito menos para evitar danos a terceiros.
Quer isto dizer que, não havia da parte do hotel qualquer obrigação de proceder ao corte de ramos de árvores que não lhe pertenciam.
Por esta razão, não violou qualquer disposição legal que o obrigasse a proceder de alguma forma, e como tal também não está obrigado a reparar os danos materiais da viatura dos demandantes.

DECISÃO:
Nos termos expostos, julga-se a ação improcedente, por não provada, e em consequência os demandados são absolvidos do pedido.

CUSTAS:
São da responsabilidade dos demandantes, devendo proceder ao pagamento da quantia de 35€ (trinta e cinco euros) no prazo de 3 dias úteis, sob pena da aplicação da sobretaxa na quantia de 10€ (dez euros).

Em relação aos demandados proceda-se á respetiva devolução.

A sentença foi notificada pessoalmente às partes (art.º 60, n.º2 L.J.P.).


Funchal, 3 de Dezembro de 2015

A Juíza de Paz
(redigido pela signatária, art.º 131, n.º5 do C.P.C.)


(Margarida Simplício)