Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 120/2018-JPCBR |
Relator: | MARGARIDA SIMPLÍCIO |
Descritores: | RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL / INDEMNIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS E NÃO PATRIMONIAIS / RUTURA DE CANALIZAÇÃO / RELAÇÕES DE VIZINHANÇA |
Data da sentença: | 05/14/2019 |
Julgado de Paz de : | COIMBRA |
Decisão Texto Integral: | SENTENÇA Processo n.º 120/2018-J.P.CBR RELATÓRIO: O demandante, J, divorciado, residente na Rua …, garagem 2, no concelho de Coimbra, representado por mandatária constituída. Requerimento inicial: Os demandados são proprietários da fração autónoma, sita na rua … 1º esq., em Coimbra, proveniente da herança indivisa aberta por óbito de AC e MC, fracção essa denominada “M”, do prédio inscrito na matriz predial da União de freguesias da … sob o art.º 3.... No dia 18 de janeiro de 2017 a fracção indicada teve uma ruptura na canalização, a qual provocou uma inundação quer nesse apartamento, quer no rés-do-chão imediatamente abaixo, onde está instalado o cabeleireiro denominado “M. — Cabeleireiro”. Tal inundação causou inúmeros prejuízos ao estabelecimento referido, atingindo os móveis, aparelhos eléctricos, produtos de cabeleireiro com os químicos inerentes, estendendo-se pelo chão do mesmo e passando para o piso imediatamente inferior, onde se encontra situada uma garagem. Tal garagem, a fracção denominada “B” do mesmo prédio, é utilizada desde os fins dos anos 90 pelo demandante, com autorização e conhecimento da proprietária da mesma. Todos os bens que estão nessa garagem são propriedade do demandante ou estão à sua guarda, pelo que é fiel depositário dos bens que não lhe pertencem e que estão guardados naquela garagem. A referida garagem é desde, há largos anos, o domicílio fiscal do demandante, que utilizou, também, durante anos aquele local como local de trabalho, mantendo-o em perfeitas condições e sem nunca ter tido qualquer tipo de problema nos seus objetos profissionais, os quais eram a sua forma de sustento financeiro. No dia em causa, a PSP de Coimbra e os Bombeiros foram chamados a intervir na inundação, tal foi a sua dimensão. Mas estranhamente nenhuma das autoridades que intervieram nesta situação foram alertadas, quer por parte dos demandados, quer por parte das pessoas do cabeleireiro, para o facto de, imediatamente abaixo do cabeleireiro, existir uma garagem, que também poderia ter sofrido, como sofreu, danos. Por não se encontrar naquela altura na residência, o demandante só se apercebeu dos danos na garagem dois dias depois do ocorrido, quando nela entrou para ir tratar dos seus afazeres e se deparou com um cenário de destruição. Ao entrar na garagem, percebeu que além de água tinha entrado, também, e, juntamente com os esgotos, produtos químicos provenientes dos dois andares, dos demandados e do cabeleireiro, tendo destruído muitos dos seus objectos profissionais e pessoais. Assim, ficaram parcialmente danificados os seguintes bens: a) À parede lateral esquerda e o tecto da garagem, cuja reparação implica o pagamento de 200€, para isolamento e pintura, com remoção e reposição das prateleiras existentes; b) À pintura no capot, painel lateral esquerdo, tampa da mala e tejadilho do veículo de matricula AV, propriedade de outra pessoa e que se encontrava à guarda do demandante, cujo valor de reparação é de 526,55€; c) Painel publicitário de moda com fotografias italianas patenteadas, cuja produção feita de novo, pela qualidade e valor das mesmas enquanto trabalho artístico, terá o valor de 3.900€, acrescido de IVA. Ficaram irremediavelmente danificados os seguintes bens: alcatifa cinzenta antracite com 8,40m2 no valor de 369,60€; 1 cadeira Seldex verde, no valor de 100€; restauro de triângulo de suporte de prateleiras, no valor de 85€; 4 manequins de meio busto de homem, no valor de 260€; 1 manequim de homem de pé alto, no valor de 90€; 10 placas de esferovite 100x50x40, a 2,65€ cada, no valor total de 26,50€; 3 caixas de cartolina, para bandeiras de cor com cortantes próprios e timbrados, no valor de 1.410€ acrescido de IVA;2 quadros de corticite, no valor de 9,98€; um saco da marca IMCO para protecção de cobertor da marca no valor de 60€; resmas de papel variadas, no valor de 19€. Teve, também, gastos de impressão de fotografias e correio no valor aproximado de 8,24€. O demandante tentou, de forma insistente e com bom senso, chegar a um entendimento com os demandados, na pessoa do Dr. L, tendo sido trocada extensa correspondência e SMS entre ambos, mas sem lograrem um acordo quanto a valores e extensão dos danos. Pelos factos descritos, estamos perante um dano indemnizável, nos termos do art.º 483 do C. C. Para além dos danos referidos, que correspondem aos prejuízos causados pela ruptura na canalização na fração dos demandados e sofridos pelo demandante, também deixou de auferir rendimentos que aqueles objectos lhe traziam, pois era na sua venda que obtinha algum rendimento pessoal. Refira-se que, o demandante já não faz desta actividade a sua profissão, mas conseguia assim obter algum rendimento com tais objectos, que resultaram dos tempos áureos da sua profissão (costureiro renomado e conhecido). Pelo que, também, neste sentido está lesado, em quantias que não pode apurar, pois são eventuais e negociáveis estes valores. Ainda assim, sabe que sempre obteria um valor, de acordo com a sua experiência anterior, nunca inferior a 1.000€. Por outro lado, a obrigação de indemnização existe através da concretização de um nexo de causalidade entre o evento e os danos causados. Ora, dúvidas não restam quanto a este ponto, já que os demandados, através do 1º Demandando, admitiram o pagamento desses danos, através da concretização de uma proposta por carta, que não foi aceite pelo demandante. Destarte, os danos apresentados foram efectivamente causados pela inundação pelo que o nexo de causalidade se encontra preenchido, pois sem essa lesão o demandante não teria sofrido tais danos. Não obstante, tem direito a ser indemnizado nos termos gerais, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que teve, pois além dos danos materiais, perfeitamente contabilizados, teve também danos morais e psicológicos. O facto de ver o trabalho de uma vida parcialmente destruído deu origem a uma enorme angústia e desespero, por ser este o seu (ainda) meio de sustento, que ainda lhe permitia ir apresentando como showroom as peças que podia vender e os materiais que lhe podiam trazer rendimentos. Por outro lado, tem graves problemas de saúde, de coração e outros, que por conta desta situação se agravaram, pelo constante estado de nervos em que se encontra, quer pelas chatices que teve nas tentativas de resolução desta situação. Quem o conhece sabe que é pessoa reservada mas bem-disposto, brincalhão e sempre disponível para ajudar, com uma vida ativa e tentando, apesar das limitações de saúde, manter a sua vida ocupada, sendo também sensível e com um espírito cheio de luz. No entanto, desde que esta situação ocorreu, encontra-se em profunda tristeza, sem saber o que sucederá nesta situação, com a incerteza inerente e com um desgosto enorme por ver o seu trabalho inutilizado. Tem-se refugiado em casa, só saindo para os seus afazeres obrigatórios, isolando-se e não recebendo ninguém. Assim, pelos transtornos económicos, psicológicos e essencialmente pelo estado de tristeza, apatia e angústia pela situação causada pela ruptura e inundação de águas da fração dos demandados, crê ser adequado que paguem uma compensação indemnizatória no valor de 3.000€. Conclui pedindo que os demandados sejam condenados: A) no valor dos danos contabilizados nos objetos de sua propriedade, na fracção e veículo do qual é fiel depositário, causados pela ruptura e inundação de águas proveniente da fracção dos demandados, no valor de 7.064,87€; B) no pagamento do lucro cessante pela não realização de vendas em virtude dos objectos estarem danificados, em valor nunca inferior a 1.000€; C) no pagamento de indemnização por danos morais no valor de3.000€. Junta 6 documentos. MATÉRIA: Ação de responsabilidade extra contratual, enquadrada no art.º 9, n.º1 alínea H) da L.J.P. OBJETO: Indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de rutura de canalização. VALOR DA AÇÃO: 11.064,87€ (onze mil e sessenta e quatro euros e oitenta e sete cêntimos, fixada nos termos dos art.º 305, n.º4 e 306, n.º1, ambos do C.P.C.). Os demandados, LC, residente na …, 6º esq.,em Coimbra; MC, residente na Quinta … Coimbra; E, EC, com residência na Rua …, todos no concelho de Coimbra. CONTESTAÇÃO: O demandado é cabeça-de-casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de AC e MC, como tal co-proprietário de uma fracção autónoma, sita na Rua …, 1.º Esq., … Coimbra, do prédio inscrito na matriz predial da União de Freguesias de Sé Nova, São Bartolomeu e Almedina, com o art.º 3....Porém, Não é verdade, que, no dia 18 de Janeiro de 2017, se tenha verificado uma ruptura na canalização da referida fracção. Tanto assim é, que o apartamento do R. nunca esteve inundado, aliás, isso é descrito no relatório elaborado pela PSP, no qual consta a seguinte informação: «[...] no interior do apartamento do 1.º andar esquerdo, não há qualquer dano visível a registar». O que ocorreu foi uma ruptura nas instalações-gerais de água que alimentam aquele andar, como o confirmam a PSP e os Bombeiros. As instalações gerais de água constituem parte comum do edifício (art.º1421.º. n.º 1, al. d), CC). «A administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador» (art.º 1430, n.º 1, CC). Portanto, é ao condomínio, ou ao conjunto dos condóminos - e não exclusivamente ao R. - que incumbe reparar os danos produzidos numa fracção autónoma e provenientes de uma parte comum, por aplicação do regime do art.º 493.º, n.º 1, CC. Assim, de acordo com o disposto no art.º 577.º, al. e), CPC, constata-se uma excepção dilatória resultante de uma ilegitimidade passiva, devendo os demandados serem absolvidos da instância, nos termos do art.º 576.º, n.º 2, CPC. e art.º 278.º e 279º, CPC. Os considerandos alegados pelo A. não são exactos, pelo que se impugnam, os art.º 2 e 4.º ao 32.º do r.i. Vejamos: a localização da ruptura nas instalações-gerais de água, portanto, na estrutura interior do prédio, potenciou que a água vertida alcançasse o rés-do-chão, onde está instalado o cabeleireiro «M.». Aí causou, alguns danos, pese embora não coubesse ao R. — em exclusivo —, a reparação dos mesmos, na exacta medida em que a parcela da canalização que se deteriorou constitui parte comum do edifício, conforme se explanou supra. Certo é que imperou o bom senso e a boa-fé ante a premência de se restabelecer o normal funcionamento do cabeleireiro «M.». Tendo o R. suprido prontamente a situação. Contudo, que Transcorrido mais de um mês da ocorrência, já em 20 de Fevereiro de 2017, o A. surpreendeu o R. com uma carta a solicitar o pagamento do montante de € 1.821,38 (mil oitocentos e vinte e um euros e trinta e oito cêntimos), para ressarcimento dos prejuízos que nessa mesma carta descrimina. O A. alega ter, há largos anos, por domicílio fiscal uma garagem de que não é proprietário, a qual utiliza como seu local de trabalho e para aí guardar os seus objectos profissionais e também de terceiros. A garagem a que se refere, situa-se por baixo do cabeleireiro «M.», pelo que se revelou plausível a narrativa constante na dita carta. Por isso, mesmo sem obrigação legal, estavam dispostos a ressarcir o À., no sentido de manter boa relação de vizinhança. Contudo, em visita ao local, o A. manifestou alguma tensão e apenas propiciou ao R. e a quem o acompanhava como que um breve olhar, de relance, sobre aquilo que apontava como danos. Ainda assim, manifestou disponibilidade para os reparar, deslocando-se ao local acompanhado por um pintor de automóveis, que assinalou que o dano na pintura lateral do automóvel seria corrigido com um simples polimento, pelo que o valor avançado pelo A. de 1.045,50€ para a desmontagem e pintura da lateral esquerda do veículo, se reduziria a 200€,que preferia receber. Porém, recebeu o R. outra carta do À., datada de 10/03/2017, na qual procedeu, não só ao agravamento do valor dos prejuízos descritos, como acrescentou outros danos e os respectivos valores, assim descredibilizando a sua primeira versão. Perante o exposto, e que a verificação que o R. fez ao local lhe permitiu constatar, sem dúvida, que a referida garagem é um lugar umbro, pouco arejado, já por si naturalmente exposto à humidade de largos anos. Tomou-se, evidente, que muitos dos prejuízos ora elencados não foram resultado da fuga de água, ocorrida cerca de um mês antes, mas por descuido do próprio A., que negligenciou a higienização do espaço e a manutenção dos seus pertences e dos que diz ter à sua guarda perante o infortúnio da acção do clima ao longo dos anos. O R. observou que o topo da parede lateral poente / norte e o tecto na imediação desta foram, efectivamente, atingidos por escorrimento de água; todavia, bem longe de daí terem resultado as manchas negras, imundas de humidade, formadas ao longo de vários anos, as quais se revelam próprias da ambiência e insalubridade em que a garagem se insere, o que é apto a repercutir na generalidade dos danos apontados. As fotografias anexas ao r.i., ainda, que desfocadas, permitem observar o exposto. Admite-se que possam existir infiltrações de água no solo, sob o pavimento da garagem, em consequência das acessibilidades à mesma, ou seja, as rampas podem conduzir as águas pluviais para o interior. De todo o modo, endereçou uma carta, datada de 21/03/2017, propondo uma solução equilibrada e justa à reparação dos parcos vestígios directamente conexionados com a fuga de água em causa. O mesmo se arguindo quanto às cartas datadas de 11/05/2017 e 24/05/2017. Em resposta, a 2/06/2017, o A. mantém a pretensão de obter o valor de 1.800€, sendo 200€ para o polimento do veículo e os 1.600€ para os demais danos, aqui já acrescentados aos anteriores, de maneira a assegurar um montante aproximado ao inicialmente pedido. Retorquiu a 12/06/2017, solicitando informação do IBAN para o imediato depósito do quantitativo relativo ao polimento do veículo, os 200€, e fazendo menção de que iria ponderar acerca do outro valor (1.600€), tido por manifestamente excessivo. Não tendo obtido resposta com a informação do IBAN, redigiu, entretanto a 3/07/2017, nova carta, reforçando o pagamento dos 200€ para o polimento do veículo e propondo a compensação pelos demais danos, no valor de 800€, perfazendo o total de 1.000€. Note-se, que paralelamente à correspondência que foi sendo trocada, o A. foi enviando mensagens escritas do seu telemóvel ao R., no sentido de o pressionar ao pagamento do montante que pretendia, uma pretensão incisiva sobre quem apenas procurava um acordo justo e equitativo perante as narrativas do A., que se mostravam incongruentes e disparatadas em razão da factualidade patente na sua garagem. O R., também, padece de graves problemas de saúde e ressentiu-se gravosamente de toda aquela pressão. Os demandados não sendo os directos responsáveis pelo sucedido, procuraram minorar, de boa-fé, o problema do seu vizinho e concidadão, mas ficaram melindrados e angustiados pelo abuso e pela agressividade com que o A. se lhes dirigia, aproveitando-se da situação, revelando-se ganancioso e imbuído de uma ambição desmedida, que foi aumentando o valor dos prejuízos e a intensidade do pedido, conforme o demonstra a correspondência trocada. Por conseguinte, não podem ser responsáveis pelos danos apontados e pelo pagamento do montante exigido, dado a manifesta falta de fundamentação e pelo arbítrio sentido e valores contraditórios pedidos. Não reconhecem e impugnam-se expressamente as pretensões invocadas por serem falsas e não corresponderem a qualquer valor efectivo ou fiducial. Concluem pedindo que deve a excepção dilatória invocada ser julgada procedente e os demandados absolvidos da instância; caso assim não se entenda, deve a presente acção ser julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se os demandados do pedido e, em consequência, condenando-se o demandante em custas. Juntam 13 documentos. Contestação: A 1ª demandada é irmã do demandado e co-proprietária da fração, Lote …, 1º esq. A 1ª esteve no local no dia 18/01/2017, garagem, e constatou que não esteve inundada. No que concerne á restante defesa, adere á contestação já apresentada, pelo cabeça de casal. Contestação: A 2ª demandada é irmã do demandado e co-proprietária da fração, Lote …, 1º esq. No dia da ocorrência não esteve no local, mas posteriormente visitou a fração e constatou que não esteve inundada. Quanto á defesa adere, á já apresentada, pelo cabeça de casal. O demandante respondeu às exceções, de fls. 159 a 160 verso, alegando que impugna que os danos provenham de uma conduta geral de água, pois aquele até assumiu os danos do cabeleireiro tendo por isso duas posições distintas. Conclui pela improcedência da exceção. TRAMITAÇÃO: Realizou sessão de mediação sem consenso das partes. As partes são legítimas e dispõem de capacidade judiciária. O processo está isento de nulidades que o invalidem na totalidade. O Tribunal é competente em razão da matéria, valor e território. AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO: Foi iniciada dando cumprimento ao disposto no art.º 26, n.1 da L.J.P., sem lograr o consenso das partes. Seguiu-se para produção de prova com junção de documentos, inspecção judicial ao imóvel e requerimentos das partes. Na 2ª sessão as partes prestaram declarações nos termos do art.º 57, n.º1 da L.J.P., terminando com breves alegações finais, conforme consta das atas de fls. 99 a 103 e 104 a 106. -FUNDAMENTAÇÃO- I-DOS FACTOS ASSENTES (Por Acordo): A) Os demandados são proprietários da fração autónoma, sita na rua …, lote …, 1º esq., em Coimbra, proveniente da herança indivisa aberta por óbito de AC e MC, fração essa denominada “M”, do prédio inscrito na matriz predial da União de freguesias da .... sob o art.º 3.... II-DOS FACTOS PROVADOS: 1) No dia 18 de janeiro de 2017 a fração indicada teve uma ruptura na canalização. 2) A qual provocou uma inundação no rés-do-chão imediatamente abaixo. 3) Onde está instalado o cabeleireiro denominado “M. — Cabeleireiro. 4) A inundação causou alguns prejuízos ao cabeleireiro. 5)Estendendo-se pelo chão e passou para o piso inferior onde se situa a garagem. 6) A garagem é a fração B, a qual é utilizada pelo demandante. 7) Os bens que aí se encontram são propriedade do demandante ou estão á sua guarda. 8) No dia referido em 1) a P.S.P. e os bombeiros intervieram no local da inundação, conforme documentos juntos a fls. 11 a 13, e repetidos a fls. 81 a 83. 9) O demandante só se apercebeu dos danos 2 dias depois da ocorrência. 10)O que sucedeu quando entrou na garagem, deparando com o cenário. 11) A água entrou conjuntamente com produtos, o que provinha do andar dos demandados e do cabeleireiro. 12) O que destruiu alguns objetos do demandante. 13) Danificando a parede lateral e teto da garagem. 14) Na sua reparação implica gastar 100€. 15) Manchando lateralmente o veiculo com a matrícula AV que se encontra á guarda do demandante. 16) Cuja reparação implica o gasto de 250€. 17) Um triângulo de suporte de prateleiras. 18) Cuja reparação implica o gasto de 42,50€. 19) 2 manequins de meio busto. 20) Cujo custo é de 80€. 21) 2 quadros em corticite. 22) Cujo custo é de 9,98€. 23) 3 caixas de cartolina para bandeiras de cor com cortantes próprios, no valor de 400€. 24) 1 resma de papel no valor de 10€. 25) 5 placas de esferovite cujo valor é de 10€. 26) O demandante gastou em correio a quantia de 8,24€. 27) O demandante tentou, de forma insistente, a chegar a um entendimento com os demandados, na pessoa de L, tendo sido trocada extensa correspondência e SMS entre ambos, mas sem lograrem acordo quanto a valores e extensão dos danos. 28) O demandante sentiu-se triste e angustiado. 29)O apartamento dos demandados nunca esteve inundado. 30) Passado mais de um mês da ocorrência, a 20/02/2017, o demandante enviou carta a solicitar o pagamento de 1.821,38€ para ressarcir os prejuízos que descrimina, conforme documento junto a fls. 23 e 89. 31) A garagem situa-se por baixo do cabeleireiro “M.”. 32) O demandado visitou o local. 33)O demandante apenas propiciou ao demandado e a quem o acompanhava um breve relance sobre os danos. 34) O demandado manifestou disponibilidade para o reparar. 35) E, foi ao local acompanhado por um pintor de automóveis. 36) Que assinalou que o dano na pintura lateral seria corrigido com polimento. 37) O demandado recebeu outra carta, datada de 10/03/2017, conforme documento junto a fls. 93. 38) A garagem é um lugar umbro e pouco arejada. 39) A parede lateral poente/norte e o teto na imediação desta foram atingidos pelo escorrimento de água. 40) A acessibilidade á garagem faz-se por meio de rampas. 41) O demandado endereçou carta, datada de 21/03/2017, propondo solução á reparação dos danos diretamente conexionados com a fuga de água, conforme documento junto a fls. 95. 42)E, também a 11/05/2017 e 24/05/2017, conforme documentos juntos a fls. 96 e 98. 43)Em resposta o demandante, a 2/06/2017, mantém a mesma pretensão, conforme documento junto a fls. 99. 44)E, o demandado retorquiu a 12/06/2017, conforme documento junto a fls. 29 e 100. 45) Não tendo obtido resposta com a informação do IBAN, redigiu a 3/07/2017, nova carta, conforme documento junto a fls. 102 e 103. 46) O demandante enviou mensagens escritas do seu telemóvel ao demandado para pagar. 47)A 2ª demandada, MC, visitou a garagem do demandante. MOTIVAÇÃO: O Tribunal sustenta a decisão na análise critica de toda a prova produzida, a qual foi ponderada na sua globalidade, tendo em consideração as regras de repartição do ónus da prova e da experiência comum, e demais documentos juntos aos autos pelas partes, considerados em geral pertinentes e relevantes para a causa. A testemunha, JS, é amigo de longa data do demandante, conhecendo a garagem desde que o demandante se instalou á cerca de 15 anos, daí o seu conhecimento dos factos. Esclareceu que auxiliou o demandante na limpeza do espaço, de onde retiraram muitos materiais em cartão e papel pois não tinham aproveitamento. Esclareceu que o espaço estava devidamente organizado em prateleiras, e tinha uma alcatifa cinzenta, sendo atualmente mais um espaço onde guardava os materiais que ficaram da antiga atividade, referindo-se que tinha vários manequins de exposição de roupa, e também cabides com roupa, que ficaram molhados. O seu depoimento foi claro e esclarecedor, sendo relevante para prova dos factos n.º 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 28, 39 e 40. A testemunha, V, é comerciante e conhecido do demandante devido á profissão de ambos, tendo visitado varias vezes a garagem, daí o seu conhecimento, pois chegou a visitar o espaço/garagem para ver exposições de peças e materiais. Reconheceu que o demandante já não exerce a atividade, mas o espaço foi por ele mantido de forma organizada e bem tratado. Esclareceu que guardou bens dele na garagem mas que não foram afectados com a água. Auxiliou na prova dos factos n.º 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 28, 39 e 40. A testemunha, F, visitou uma vez a garagem do demandado, daí o seu conhecimento dos factos. Esclareceu, em que circunstâncias, foi ao local e o que pode verificar, ainda que de forma breve. O seu depoimento foi claro e esclarecedor, sendo relevante para prova dos factos n.º 32, 33, 34, 38, 39 e 40. A testemunha, T, é pintor auto, daí o seu conhecimento parcial dos factos. Esclareceu que foi á garagem do demandante para ver o problema do carro, referindo que viu a mancha sobretudo junto ao rodado posterior, posteriormente voltou á garagem e exemplificou na presença do demandado e demandante, o que era necessário fazer no veículo, polir, o que melhorou o problema, mas apenas fez numa ponta. O depoimento deste foi claro, isento e esclarecedor, sendo relevante para prova dos factos com os n.º 34, 35, 36 e 16. O demandante prestou declarações nos termos do art.º 57, n.º1 da L.J.P. Relatou a sua versão dos factos, esclarecendo que no dia em que ocorreu o problema estava no prédio mas não se deslocou á garagem, tendo cerca de 2 dias depois ido á mesma, e foi quando se deparou com vestígios de água numa parede, e foi aí que viu que a alcatifa estava cheia de água e existia mais danos. Esclareceu, ainda, que não viu de imediato todos os danos, pedindo auxilio ao amigo, a testemunha, JS, que o auxiliou a retirar o material (coisas) danificadas, nomeadamente coisas em papel e cartão, e um painel que tinha mandado fazer para a sua atividade, agora cessada, pois está reformado. Referiu, também, existirem manequins que ficaram estragados com a água, assim como roupa que guardava na garagem, que ficou ensopada. Acresce, ainda dizer, que o demandante referiu que no dia em que se deslocou á garagem, vendo o sucedido, ficou desolado, e voltou a fechar a garagem, e só aos poucos foi vendo as coisas, não tendo apurado todos os estragos. No final admitiu que nem a garagem, nem o veiculo era dele, e que lhe foram emprestados há alguns anos, sendo o local onde guarda as coisas com que ficou, referentes á atividade que deixou de exercer, mas como estavam em bom estado pretendia ainda fazer com elas algum dinheiro, vendendo as existências finais. Auxiliou na prova dos factos 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, Também os demandados prestaram declarações, nos termos do citado art.º 57, n.º1 da L.J.P., expondo a respetiva versão dos factos. Esclareceram que apenas a demandada, MC, esteve no local no dia da ocorrência. Posteriormente, as duas demandadas iam á respetiva fração quando foram abordadas pelo demandante, acabando por entrar na garagem a pedido dele (o que coincidiu com as declarações do demandante). Não constataram nenhum dano que lhes chamasse á atenção, pois apesar de ter luz, o espaço estava cheio de coisas, mas por cordialidade disseram-lhe para fazer o levantamento dos danos e lhes apresentasse valores. Foi aí que o 1º demandado acabou por ir á garagem ver o veículo, o que fez em 2 ocasiões distintas, sendo também acompanhado. Na sequência destas diligências, trocou correspondência com o demandante sobre os danos, chegando a pedir o IBAN para lhe depositarem o valor peticionado, mas como não obteve resposta, não o puderam fazer. Estes tiveram depoimentos coerentes, pelo que auxiliaram na prova dos factos 4, 29, 32, 33, 35, 36, 38, 39, 40 e 47. O documento junto a fls. 182, não pode ser considerado como prova de doença do demandante, e muito menos que devido á rutura de canalização, os problemas de saúde de que padece fossem exacerbados, pois não há qualquer nexo de causalidade entre ambas, prova que compete ao demandante fazer, pelo que é desvalorizado. O documento junto a fls. 180 a 181, da sua leitura resulta que foi um episódio esporádico que o demandante sofreu, o qual nada tem que ver com os presentes autos, e nem o nexo de causalidade foi sequer realizado. Quanto á declaração junta a fls. 108, não é um depoimento realizado nos termos do art.º 518 do C.P.C., pelo que não tem o devido valor, enquanto prova testemunhal, pois não obedece aos requisitos legais. Os factos n.º 1, 2, 3, 4, 5 e 6 resultam da conjugação dos documentos a fls. 11 a 13, e igualmente repetidos a 81 a 83, com as declarações das partes, prova testemunhal e a falta de prova da exceção de ilegitimidade. O facto 46) resulta da admissão do demandado conjuntamente com o demandante. Quanto aos factos não provados, no que respeita ao facto do demandante apenas ter sabido da ocorrência 2 dias depois do facto, resulta das suas próprias declarações, que se encontrava no prédio, ouviu tocar a campainha, viu que eram os bombeiros, mas como lhe disseram que já não precisavam que abrisse a porta não saiu de casa. Resulta que soube da ocorrência, mas não lhe ocorreu de perguntar o que era, nem que podia ser em algo que afetasse a sua propriedade. No que respeita aos lucros cessantes apenas fez prova que estava reformado, utilizava, esporadicamente, a garagem para fazer algumas exposições (showroom), e se pudesse vender, venderia os bens que, restaram da sua antiga profissão, os quais tinha na garagem, e venderia, se alguém assim o quisesse. Todavia, ninguém referiu valores, nem o próprio demandante. Também não provou que estivesse fazer algum negócio e ficasse sem algum bem.
III-DO DIREITO: Na presente acção movemo-nos num caso de conflito de direitos reais, decorrente de um litígio conexo com relações de vizinhança, por danos sofridos numa garagem de prédio urbano, derivados de rutura de canalização. Questões: responsabilidade dos demandados/ exceção, requisitos da responsabilidade civil, reparação/indemnização e valores. O princípio geral que rege a matéria da responsabilidade civil está consignado no art.º 483 do C.C. segundo o qual “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”, incumbindo ao lesado provar a culpa do autor da lesão, de acordo com o disposto no art.º 487, nº1, do C.C. São pressupostos do dever de reparação: a existência de um facto voluntário do agente; a ilicitude desse facto; a existência de um nexo de imputação do facto ao lesante; que da violação do direito subjectivo ou da lei resulte um dano; que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima de forma a poder concluir-se que este resulta daquela, in Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I Vol., 1986, 477/478. A trave mestra da reparação do dano ao nível civil rege-se pelo princípio da reposição ou reconstituição natural (art.º 562, do C.C.), o qual se traduz na obrigação de reconstituir a situação anterior à lesão, ou seja, o dever de repor as coisas na situação em que estariam caso o evento lesivo não se tivesse produzido. Tal princípio legitima o lesado a exigir a reparação dos danos, o que equivale á restauração natural. Todavia, a lei estabeleceu uma presunção legal no art.º 492, n.º1 do C.C. referente ao proprietário ou possuidor de edifício ou de obra, o qual responde pelos danos causados por vício de construção ou defeito de conservação, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos. Esta disposição legal inverteu assim o ónus da prova da culpa em relação ao proprietário ou possuidor, não obstante não prescinde da prova de que os danos/ruina se devem ao vício/defeito de construção/conservação. Efetivamente existe, na ordem jurídica nacional o dever genérico de não lesar interesses alheios, o que torna, em termos genéricos, o proprietário e/ou possuidor de imóvel, como garante da não ocorrência dos danos, devendo para o efeito tomar as providências adequadas para evitar a ocorrência de danos (art.º 492 do C.C.). Esta presunção foi objeto de alguma querela doutrinária, pois há autores que defendem que se trata apenas de uma presunção de culpa, como é o caso de Antunes Varela, que defende que, nestes casos o lesado embora não tenha de provar a culpa, tem de provar que há defeito de conservação da coisa. Porém, como este artigo contem uma verdadeira presunção legal, deve reger-se pelo princípio geral previsto no art.º 350 do C.C. Assim, e contrariando as regras gerais do art.º 342, n.º1 do C.C., não recai sobre o lesado a sua prova, já que goza de uma presunção legal, posição defendida por Luís Menezes Leitão, e seguida também por este Julgado de Paz. De facto, defende este autor que existindo uma presunção legal, seria demasiado injusto fazer recair sobre o lesado a forma como ocorreu o incumprimento. Por outro lado, é antes sobre o titular da coisa que recai o dever genérico de demonstrar que não foi por sua culpa que ocorreram os danos, por vício de conservação da coisa, ou que os danos continuariam a verificar-se, ainda que não houvesse culpa sua. Decorre da experiência comum, que as coisas, sobretudo os imóveis, com o passar dos anos vão-se degradando, pela exposição a que os elementos que o compõem ficam sujeitos, por isso é necessário periodicamente proceder á sua manutenção, e caso não seja realizada em termos adequados é passível de ocorrem danos. Carece pois de vigilância com a inerente carga preventiva, derivada da manutenção e conservação a cargo o proprietário ou possuidor, ou de quem assuma esse encargo. Alegam os demandados que não são responsáveis pelos danos, pois tal decorre das partes comuns, esta questão constitui uma exceção de direito material, cuja prova é da competência dos demandados (art.º 342, n.º 2 do C.C.). No caso concreto, provou-se que os demandados aceitaram e ressarciram o cabeleireiro, o qual está situado no rés-do-chão do prédio, precisamente, por cima da garagem onde o demandante alega ter sofrido danos. Efetivamente no dia 18/01/2017 ocorreu uma inundação no prédio onde os demandados são coproprietários da fração M. Devido a esta ocorrência, a PSP foi ao local, registando a ocorrência, conforme documento junto de fls. 11 e, também, a fls. 81. Do teor deste documento resulta que a rutura de água provinha do 1º andar esq., tendo, os proprietários, fechado o contador, e assim resolveram a situação, pese embora não existissem danos no interior desta fração, o que foi verificado pelo agente que elaborou o referido auto, como assim mencionou. Mais acrescentou, que a inundação derivava do rebentamento da conduta que alimenta o referido 1º andar esquerdo. Este último facto foi, igualmente, atestado pelos bombeiros, conforme documento junto a fls. 13 e, também, a fls. 83. De facto não é referido, nestes documentos, que se tratasse de uma conduta geral, mas sim de uma conduta de água. De facto num edifício há as infraestruturas, dos quais fazem parte os tubos de queda e as condutas gerais do mesmo, e destas derivam as águas residuais, que abastecem as frações, por andar, e a estas pertencem. Quer isto dizer que, num prédio as instalações gerais de água são efetivamente partes comuns do edifício (art.º 1421, n.º1, alínea d) do C.C.),e as que abastecem as frações já são privadas. Do teor dos documentos juntos, uma vez que esta questão resume-se aos mencionados documentos, não resulta que a conduta que alimenta o 1º andar esquerdo, compropriedade dos demandados, seja uma instalação geral. Mas se assim fosse, não se explica porque motivo os demandados assumiram a responsabilidade pelos danos ocorridos no interior do cabeleireiro, e excluem a sua responsabilidade em relação á garagem onde o demandante guarda os seus pertences. Note-se que segundo os mesmos documentos, bastou o demandado ter fechado o contador, para que a inundação cessasse, do que se depreende ser o contador de água da respetiva fração. Ora não me parece ser possível existir dois pesos e duas medidas para uma questão similar. Por outro lado, não basta invocar a disposição legal, para que automaticamente esteja preenchida a exceção, é preciso fazer a devida prova, e no caso concreto os demandados não fizeram prova do que a rutura da conduta pertencesse às partes comuns do prédio. Assim, como não se verifica a exceção, entendo que os demandados, enquanto comproprietários da fração autónoma M, não elidiram a presunção legal resultante do art.º 492 do C.C., nomeadamente, que a rutura ocorreu por deficiente conservação da coisa, que os obrigava a cuidar devidamente da respetiva propriedade, de forma a evitar danos na propriedade alheia e que negligenciaram a mesma, daí a ocorrência da rutura. No que diz respeito aos danos patrimoniais, temos provado, os ocorridos na viatura que, segundo foi apurado não é propriedade do demandado mas está á sua guarda, o que também resulta do documento junto, a fls. 15. De facto a dita viatura ficou manchada na zona lateral, junto á roda traseira do lado esquerdo e vidro, conforme o elucida a foto junto a fls. 15, e igualmente provado pelas testemunhas JS e FT, que contribuíram para apurar o dano e sua extensão. Quanto á forma de ressarcir este dano, temos 1 orçamento fornecido por uma empresa, junto de fls. 16 a 19, o qual foi impugnado por ser excessivo, e do qual não temos qualquer explicação para perceber o motivo de indicar também a pintura para o veiculo, o que era importante para perceber se efetivamente era necessária, note-se que se alguém se dirigir a uma entidade, em termos teóricos, solicitando orçamento dizendo para que efeito pretende, é-lhe feito um orçamento á medida, sem saber se efetivamente o bem carece ou não de tal reparação. Por outro lado, foi relevante o depoimento da testemunha FT, pessoa experiente no ramo, que viu o veículo, e na presença das partes demonstrou o que era necessário fazer para reparar o dano em condições, tendo-se deslocou á garagem por 2 vezes, a 1ª para ver, e na 2ª vez já munido de uma máquina de polir, e cera adequada. Acerca desta parte da questão, temos, também, as declarações das partes, nomeadamente do lesado, que referiu que não deixou polir tudo, embora visse que efetivamente retirou o calcário do veículo, tendo pedido o orçamento á testemunha, mas como não lhe foi apresentado resolveu pedir um á empresa concessionária da marca. Ao que acresce as declarações do demandado, L, referindo-se ao esforço que fez para colmatar o dano, e repor o estado do veículo, procurando um profissional adequado para o efeito. Não obstante, não posso deixar de ressalvar o facto de as partes, já mencionadas e as testemunhas, terem referido que o dano no veículo parecia ter sido causado por uma queimadura no verniz da tinta. Ora a água da canalização não queima e em regra não mancha a chapa dos veículos, o que decorre da experiência comum, pelo que a dita mancha só pode ser proveniente de água misturada com outro produto, que não se sabe o que é, mas que só pode ser algo corrosivo, de forma a causar danos- manchas- na chapa de um veiculo, a qual tem como função protege-lo. Por outro lado, não posso deixar de referir o que o demandante admitiu nas suas declarações, o que a citar “só pode ter sido causado por água misturada com produtos químicos provenientes do cabeleireiro, o qual está situado por cima da garagem”, o que significa que tinha a perfeita noção de que o dano não é da total responsabilidade dos demandados, embora possa derivar da inundação que ocorreu no dito cabeleireiro, havendo assim também alguma dose de responsabilidade do cabeleireiro, o qual não é parte nesta ação. Ora em caso de dano, o que a lei considera em 1º lugar é a restauração natural, sendo a indemnização em dinheiro atribuída só nos casos em que aquela não seja possível, ou seja demasiado onerosa (art.º 566 do C.C.). No caso em apreço, era possível a restauração natural da viatura, tal como foi explicado pela testemunha, o que mereceu o respetivo acolhimento, por ser coerente, ter demonstrado conhecimento dos factos e em especial da legis artis, o que para o caso é fundamental. A restauração natural visa precisamente repor o lesado na situação que teria senão tivesse ocorrido o facto que obriga á reparação (art.º 562 do C.C.) e efetivamente a responsabilidade civil não visa melhorar a coisa mas sim repor a coisa como estava. Tendo em consideração o que se apurou, o que foi supra explanado, a responsabilidade por este dano devia ter sido atribuída e partilhada pelos demandantes e pelo cabeleireiro, o qual usa na sua atividade regular produtos químicos, que se usam nos cabelos e unhas, facto que resulta do senso comum. Assim, não é possível imputar a totalidade do valor requerido aos demandantes mas somente a sua quota-parte, pelo que se considera justo e adequado atribuir a quantia de 250€, o que é feito com base no disposto no art.º 566, n.º 3 do C.C. No que diz respeito á alcatifa, foi provado que a garagem não é toda alcatifada mas apenas uma parte, a zona do armários/estantes, aquela que era usada para arrumação dos bens que o demandante tinha armazenado naquele espaço, nas estantes, sem conseguir apurar os metros que isso importa, o que foi explicado pela testemunha JS e pelo próprio demandante. Não obstante, o demandante juntou a fls. 20, um orçamento no valor peticionado de 369,60€, que carecia da devida explicação, uma vez que, também, foi impugnado. Foi, ainda, apurado que o teto da garagem é estucado, e que o excesso de água que entrou no cabeleireiro, acabou por se infiltrar e cair um pouco na garagem, como explicou JS, que viu o estado desta, referindo que estava suja e o próprio demandante, explicando que afectou, também, a alcatifa. Todavia, não se apurou se a alcatifa ficou somente molhada ou manchada, sendo que apenas esta última hipótese é apta a causar danos irreversíveis, o que resulta do senso comum. Tendo em consideração o que se referiu em relação ao dano anterior, do carro, a haver responsabilidade não pode ser toda atribuída aos demandados mas também ao cabeleireiro, uma vez que a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que em abstracto ou em geral, sejam causados por aquele facto concreto (art.º 563 do C.C.). Ora analisando as fotografias exemplificativas do dano, juntas a fls. 32 e 43, pode ver-se que o alegado dano é por baixo, e não por cima como seria o normal e lógico, já que o excesso de água teria escorrido do teto para o chão, conforme foi explicado.
Assim, o dano em questão não parece compatível com a sua alegada origem, pois surge por baixo, o que faz transparecer que deriva do contacto do material com as humidades do chão, uma vez que já estaria no local há cerca de 15 anos, altura em que o demandante retirou os seus pertences do armazém onde exercia atividade e os colocou na dita garagem, conforme a testemunha JS explicou, pois ajudou-o a fazê-lo e a alindar a garagem. Para além disso, foi, ainda, apurado que a dita garagem está situada em local onde não bate, geralmente, o sol, o que potencia a existência de humidades, como resulta do senso comum. Acresce, ainda, o facto das demandadas quando se dirigiam á respetiva fração, a pedido do demandante que se encontrava na garagem terem aí entrado, o que sucedeu cerca de 2 dias depois da ocorrência do facto, como as partes assim o admitiram, não obstante não verificaram existir estragos na alcatifa, o que a existirem seria visível. Face a tudo o que foi exposto, considero que não foi provado que este dano tivesse origem naquele facto, motivo pelo qual considero-o improcedente. Quanto aos danos nas caixas de cartolina e papel, resulta do depoimento da testemunha, JS, que auxiliou o demandante a retirar da garagem todo o material em cartão e papel que estava danificado, nomeadamente as caixas de arquivo e meia dúzia de caixas cartão destinadas á entrega de bens aos clientes, assim como as cartolinas de cor com cortantes, pois estavam a causar mau cheiro. Resulta do senso comum que o papel em contacto com água fica estragado, e até mesmo desfeito, no caso concreto não apenas simples papel mas também as caixas, um pouco mais resistentes, mas de material similar. Segundo foi apurado estariam nas prateleiras das estantes junto á parede, pelo que com a entrada de água que se acumulou no andar superior e desceu para a garagem é natural que se tenham danificado. Quanto ao valor das mesmas, o demandante pede o valor de 1.410€, acrescido do IVA, por 3 caixas de cartolina para bandeiras de cor com cortantes, e 19€ para as resmas de papel variadas (em quantidade que não foi apurada). Para prova do mesmo, remete para os documentos n.º 5, que não juntou aos autos, e o n.º 6 que são fotografias, de entre as quais se destaca as juntas a fls. 33, 47, 49, pois logicamente estão relacionadas com o facto, como resulta da sua análise. Para além disso, há a considerar a extensa correspondência trocada entre as partes, onde o demandante a respeito destes danos, e após a visita das demandadas á garagem, fez como foi solicitado por elas, o levantamento dos danos, onde peticiona a quantia de 10€ para as 3 resmas de papel de fotocópia Continente e para as 3 caixas de cartolina para bandeiras de cor com cortantes, ao que atribuiu o valor, como refere de “simbólico” de 150€, referindo que se as mandar fazer custarão 1.500€, veja-se o teor da carta junta de fls. 23 a 25, e confirmada pelo demandado a fls. 89 e seguintes. Todavia, em adenda aos danos, a fls. 93, remete nova carta onde aponta que ocorreu um lapso de escrita referindo que afinal o valor das caixas de cartolina era de 750€, conforme orçamento que refere juntar, porém não juntou, pois a fls. 94 não é um orçamento mas sim um pedido de aquisição que fez, sem grande rigor, pois apenas as cartolinas brancas possui os ditos cortantes, sendo certo que não se sabe quantas cartolinas foram estragadas, uma vez que sempre referiu “3 caixas de cartolina para bandeiras de cor com cortantes próprios e timbrados”. Para além disso, a fls. 173 verso, veio por fim juntar um orçamento, cujo valor perfaz a quantia de 3.831,45€, o qual refere outras quantidades de material e um valor muito acima do que pede no proprio r.i., o que resulta da sua simples análise. Ora a prova dos danos sofridos e respetivo valor, deve ser realizada pelo demandante, mas no caso concreto não realiza cabalmente, pois não prova as quantidades concretas que foram danificadas, nem o respetivo valor, pois apresenta valores díspares e sem explicação para os mesmos. Para além disso, não estamos face a uma situação em que o demandante não pudesse contabilizar os danos reais, e apurasse o valor dos mesmos (art.º 569 do C.C.), uma vez que tem total acesso á garagem, pelo que nada o impedia de verificar os mesmos. Não menos importante foi as declarações do demandante, que iniciou por fazer pedidos simbólicos, como o afirma em algumas cartas, pois pensava que as pessoas em causa não tinham disponibilidade económica, até que constatou quem eram as pessoas, sendo uma delas, médica e o outro advogado, tal como reafirmou nas declarações que prestou na audiência. Acresce a tudo isto, o facto de não haver forma de saber ao certo o número de caixas danificadas, pois conforme foi afirmado pela testemunha JS e pelo próprio demandante, foi tudo para o lixo, pois estava a causar mau cheiro. Assim, e como já se referiu, com este tipo de ação visa-se reconstituir a situação que o lesado teria na altura em que ocorreu o facto, pesando tudo o que se referiu acerca destes danos concretos, e destacando a boa-fé das partes que deve existir em qualquer situação, inclusive como esta, em concreto, com base no disposto no art.º 566, n.º 3 do C.C. entendo ser justo e adequado atribuir o valor de 400€, e 10€ para a resma de papel, pelos mesmos motivos. No que respeita aos manequins a testemunha, JS, apenas fez prova de 2 meios corpos que ficaram afectados com a água, pois são de tecido e material mole, que ensopa, como bem o exemplifica as fotografias a fls. 46 e 50. No r.i. o demandante peticionou o valor global de 260€, mas em audiência refere que custarão cerca de 25€ a 35€, cada, dando como referencia valores praticados no OLX, no entanto na correspondência que trocou e enviou aos demandados, a fls. 24, refere que terão um custo superior, cerca de 65€ cada. Como não há qualquer outra prova, e por referência ao valor médio de 40€, com base no disposto no art.º 566, n.º 3 do C.C. entendo ser justo e adequado atribuir o valor 80€. No que respeita ao painel publicitário, foi apurado que se encontrava no cimo das estantes, e que o mesmo fora usado na atividade profissional do demandante, a qual já tinha cessado, conforme o exemplifica as fotos a fls. 41, 45 e 178, e que atualmente servia para decorar o espaço. Quanto a este, não há qualquer referência na troca de correspondência que trocou com os demandados, nomeadamente na 1ª carta, de fls. 23 a 25, nem no aditamento a fls. 93, nem nas restantes. Por outro lado, as testemunhas, JS e V, embora referissem a existência do painel nunca referiram que estava danificado, e da análise das fotografias exemplificativas que supra identifiquei, também não resulta que esteja danificado, pois tal não se observa. Assim, como não há prova do dano não há forma de condenar os demandados pelo mesmo. Quanto á garagem, foi provado que escorreu água pela parede lateral esquerda e em parte do tecto da garagem, que é estucado, o qual ficou sujo e manchado, o que resultou da prova realizada pela testemunha JS. Acresce que a referida testemunha, confirmou que fora ele que inicialmente o ajudara a arranjar a garagem, devido á actividade que tinha, carpintaria, tendo á cerca de 5 anos, antes desta ocorrência, ajudado a pintar o espaço, o que sucedeu pela 2ª vez. Mais esclareceu que bastará novamente lavar e pintar com tinta adequada, antifungos, para repor o estado do mesmo, ora para o efeito o demandante peticiona o valor de 200€. Quanto a este não foi feita prova de qualquer valor, nem a referida testemunha mencionou valores concretos. Não obstante, é preciso não esquecer o que já se referiu, que o valor dos danos está a ser pedido na totalidade aos demandantes, quando até no r.i., refere que a água conjuntamente com produtos químicos, provem de 2 andares, dos demandados e do cabeleireiro, veja-se o constante no art.º 11 do r.i. Assim, pese embora a quantia peticiona não seja excessiva, a verdade é que deve ser repartida por todos os responsáveis, não devendo os demandados suportar tudo na íntegra, pelo que se considera ser a sua quota-parte no valor de 100€. Quanto ao saco é mencionado pelo demandante na carta onde fez o aditamento aos estragos, junto a fls. 93, mas sem qualquer referência ao seu valor. Do mesmo foi junto as fotografias a fls. 47 e 51, e da sua análise é possível visualizar-se umas manchas, sem se conseguir perceber o que na realidade são. Também nenhuma das testemunhas corrobora a existência deste dano, pelo que não há prova de que a haver dano, tenha sido provocado por esta ocorrência. Quanto ás placas de esferovite, a testemunha V, refere que viu que tinha estragos e humidade, embora não explicasse em que altura os viu, também na 1ª carta que dirigiu aos demandados, o demandante, mencionou logo este dano. De facto, é possível, em termos abstratos, que a esferovite possa estragar-se quando em contacto com a água. Contudo, não foi realizada prova de quantas placas se estragaram, nem o seu valor, o que lhe competia fazer. Não obstante, é preciso não esquecer que o demandante além de não ter logo visto os danos, demorou a fazer o seu levantamento, o que pode ter exacerbado o dano, uma vez que não foram apuradas datas. Assim, tendo em consideração o que se referiu, e recorrendo ao art.º 566, n.º3 do C.C. entendo atribuir o valor médio de 10€. Em relação ao triângulo de suporte das prateleiras, foi provado que o demandante tinha efetivamente estante com prateleiras onde colocava bens, facto constatado por todos os que aí entraram, nomeadamente os demandados. Contudo, não se sabe qual é o suporte a que se refere o pedido, nem de que material é efeito, pese embora se possa aceitar, em termos abstratos, que a água, conjuntamente com algum produto químico, seja apto a danificar algum suporte. Este dano é efetivamente referido logo na 1ª carta que enviou aos demandados, junta de fls. 23 a 25. Admite-se que o valor que sempre referiu possa nem ser desajustado, todavia, e por coerência com o que já se expôs, tendo em consideração que, também, alega ter sido queimado, não é possível imputar a totalidade do valor do dano aos demandados, pois a água não queima, quanto muito incha, caso o dito suporte fosse em madeira, o que se desconhece. Assim, entendo que a quota-parte destes, corresponderá á metade do valor peticionado, a quantia de 42,50€. No que diz respeito á cadeira, desconhece-se se foi ou não afetada, por falta de prova testemunhal, que o tenha corroborado. Para além disso, na fotografia exemplificativa, a fls. 48, vê-se o que parece ser uma mancha escura. Ora a água a manchar deixará uma auréola, por que tem a ver com humidade que se entranha, mas apenas no caso do fundo da cadeira ser em tecido, algo que não se sabe. Mas, no caso concreto a mancha que se vê é escura, o que não é coincidente com água. Por outro lado, o próprio demandante admitiu que não viu logo os danos, mas somente dois dias depois da ocorrência é que foi á garagem, o que significa que os bens danificados estiveram pelo menos 2 dias em contacto com a humidade, o que potencia e agrava o dano, facto que decorre da experiência comum. Quanto ao valor peticionado, na 1ª carta que enviou aos demandantes, pediu o valor de 65€, referindo, ainda, que se fosse nova o custo da mesma seria de 200€, e na presente ação requer o valor de 100€. Na verdade todos estes valores requerem explicação, e prova, algo que não logrou fazer, pelos motivos expostos entendo declinar. Por fim em relação aos quadros de corticite, resulta da experiência comum que efetivamente podem estragar-se com o contacto prolongado com água. Logo na 1ª carta que enviou aos demandados peticionou a quantia de 9,98€, valor que ainda mantém. Efetivamente tal dano foi atestado pela testemunha, JS, pelo que considero adequado e vão assim condenados no valor peticionado. No que respeita ao pedido de lucros cessantes, ou seja, os ganhos que deixou de auferir, ou, o não aumento do seu património, em consequência da lesão, são efetivamente indemnizáveis, conforme prescreve o art.º 564, n.º1 do C.C. No caso concreto foi apurado, por todos os que a visitaram, que a garagem estava cheia de coisas, embora a maioria não tenha sido concretizado, não obstante apurou-se que provinham, a sua maioria de um antigo armazém onde exerceu a profissão, de costureiro. Foi, ainda, apurado que o demandante já estava reformado, mas que por vezes ainda fazia algum negócio, sobretudo com o aluguer da garagem para exposições de roupa ou guarda de coisas de outras pessoas, como era o caso da testemunha, V, que chegou a guardar peças de roupa, mas que na altura desta ocorrência nada ficou danificado, conforme assim referiu. Porém, não foi provado que na altura, não pode a usar a garagem para exposições de roupa ou para outro qualquer fim, nem que devido a esta ocorrência deixasse de fazer algum negócio que tinha em vista e ficasse por este motivo frustrado. De facto, só se alguma destas situações fosse provada, é que o demandante teria direito a ser indemnizado por esta via. Efetivamente, não alegou que houvesse algum negócio, em concreto, que se tenha frustrado, e também não logrou provar a quantia peticionada. No que diz respeito ao pedido de danos não patrimoniais, decorre do disposto no art.º 496, n.º1 do C.C. que apenas são ressarcíveis os que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito. No caso concreto foi apurado que demandante que no dia em que se deslocou á garagem, vendo o sucedido, ficou desolado, e só aos poucos foi vendo as coisas que estavam danificadas, não tendo apurado todos os estragos, pois segundo declarou, não abriu todas as caixas. Mais se apurou que deu conta do sucedido ao seu amigo de longa data, JS, que o considerou ter ficado prostrado, no sentido de desanimado, triste. Ora este tipo de danos, embora sejam de natureza não patrimonial, mais propriamente de nível moral, não estão tutelados pelo direito, na medida em que não são suficientemente graves para serem indemnizáveis, por quanto é considerado que no dia a dia as pessoas sofrem danos aptos a ter influência no estado moral de cada um, e nem por isso são ressarcidas. DECISÃO: Nos termos expostos julga-se a ação parcialmente procedente, condenando-se os demandados no pagamento da quantia de 910,72€. CUSTAS: Perante o decaimento de parte do pedido, que se fixa em 70%, são da responsabilidade do demandante o pagamento da quantia de 14€ (catorze euros), mas como goza de beneficio de apoio judiciário, a fls. 55 a 58, está assim isento. Proceda-se ao reembolso dos demandados no montante de 14€. Proferida e notificada nos termos do art.º 60, n.º2 da L.J.P.
Coimbra, 14 de maio de 2019
A Juíza de Paz (redigido pela signatária, art.º 131, n.º5 da L.J.P.)
(Margarida Simplício) |