Sentença de Julgado de Paz | |
| Processo: | 427/2008-JP |
| Relator: | JOÃO CHUMBINHO |
| Descritores: | RRESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL |
| Data da sentença: | 12/22/2008 |
| Julgado de Paz de : | LISBOA |
| Decisão Texto Integral: | SENTENÇA I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES Demandante: A Demandada: B II - OBJECTO DO LITÍGIO A Demandante intentou contra a Demandada uma acção declarativa de condenação, enquadrada na alínea h), do n.º 1, do artigo 9º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, respeitante a responsabilidade civil contratual e extracontratual, pedindo a condenação da Demandada na quantia de €: 2478,10, a título de danos patrimoniais e morais. Alegou em síntese que no âmbito da sua actividade farmacêutica e enquanto proprietária da “C”, em Lisboa tinha como fornecedora a Demandada, com a qual estabeleceu relação comercial com mais de vinte anos e que emitiu um cheque no valor de €: 298,08 à ordem de “D”, entretanto incorporada na ora Demandada, para pagamento da factura n.º x. Este cheque foi enviado para a Demandada e foi cobrado na conta bancária da Demandante, no entanto, o mesmo cheque não foi recebido na Demandada, que não forneceu produtos após o não recebimento da factura a liquidar pelo cheque entretanto extraviado e pago a terceiros. Alegou ainda que a Demandada é devedora da quantia de €: 278,10 relativa a reembolsos de créditos. A Demandada, regularmente citada, contestou, alegando, em síntese, que, a Demandada não pagou a factura n.º 94050256, nem os serviços da Demandada chegaram a receber qualquer cheque e que o eventual procedimento criminal apenas dependeria da iniciativa do seu proprietário, a ora Demandante. Além disso, alegou ainda, que a Demandante apenas se encontra em dívida para com a Demandada na quantia de €: 179,98, em face da existência de notas de crédito devidamente compensadas. Além disso, a Demandada apresentou pedido reconvencional. Do Pedido Reconvencional A Demandada em sede de contestação vem invocar a excepção da compensação (artigo 38.º da Contestação), no entanto, em sede de reconvenção vem pedir os seus créditos, sem compensar quaisquer créditos o que é inadmissível pois, como bem alegou a Demandante, a Demandada, contraditoriamente ao que alegou em sede de contestação, por excepção, na reconvenção não fundamenta o seu pedido na compensação como exige a lei e, por isso, a mesma não é admissível, nos termos do artigo 48.º da lei n.º 78/2001, de 13 de Julho. III - FUNDAMENTAÇÃO Decorre da matéria provada quer pelos documentos apresentados de fls 7 a 29 e 52 a 70, 79 a 130, quer dos testemunhos prestados que a Demandante no âmbito da sua actividade farmacêutica e enquanto proprietária da “C”, em Lisboa, tinha como fornecedora habitual a Demandada, com quem estabelecia relação comercial com mais de vinte anos e que emitiu um cheque no valor de €:298,08 à ordem de “D" entretanto incorporada na ora Demandada, com vista a cobrar a factura n.º 94050256. Este cheque foi enviado para a Demandada e foi cobrado na conta bancária da Demandante, no entanto, o mesmo cheque não foi recebido na Demandada, que não forneceu produtos após o não recebimento da factura a liquidar pelo cheque extraviado e pago a terceiros. A primeira questão a analisar neste processo é a de saber se a factura n.º 94050256 foi liquidada. Não há dúvida que o cheque foi emitido, foi enviado, foi apresentado a pagamento e foi pago pelo Banco (como decorre com o doc. 3, junto com o requerimento Inicial). No entanto, não ficou provado que a Demandada recebeu aquela quantia, mas sim, terceiros. Consequentemente há que responder à questão de saber qual é a consequência do pagamento efectuado a terceiro que não o credor ou o seu representante (artigo 769.º do Código Civil). O Artigo 770.º do Código Civil, excepcionalmente, prevê seis situações em que o pagamento feito a terceiro, extingue a obrigação e, não ficou provado neste processo que tenha ocorrido qualquer uma dessas situações, pelo contrário, provou-se que foi um terceiro que dolosamente impediu que a Demandada recebesse o cheque. Portanto, se a factura não foi paga na data nela estipulada, a Demandante está numa situação de mora, nos termos do artigo 805.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil. Nas palavras de Antunes Varela “A prestação feita a terceiro não extingue, portanto, a obrigação, sendo ineficaz perante o credor; por isso de acordo com o brocardo segundo o qual quem paga mal paga duas vezes, o devedor terá de efectuar nova prestação (Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. II, Reimpressão da 7.ªa edição, 1997, página 31). Nestes termos, a Demandante deve à Demandada a factura n.º 94050256, ao contrário da posição por si tomada que entende a referida como liquidada, como decorreu do depoimento do E. Neste contexto, importa referir que, que à Demandante foram fornecidos produtos e de boa-fé procedeu ao envio de cheque para pagamento, enquanto a Demandada forneceu os produtos e não recebeu qualquer importância, o que revela relativamente à factura em questão que a Demandada quantitativamente parece ser a mais prejudicada, pois forneceu o bem à Demandante mas não recebeu o preço. A Demandante enviou o cheque para pagamento da factura e essa quantia foi-lhe debitada na sua conta bancária. A Demandada forneceu a Demandante e não recebeu o preço dos produtos fornecidos. Ficou provado que a Demandante é credora da Demandada, no valor de €: 121,93 como decorre das notas de crédito n.ºs 00901119119 (€:20), 0090119120 (€: 20), 0090118253 (€: 26,98), 0095011524 (€: 50) e desconto de pronto pagamento n.º 130101 (€:4,95), o que se prova de documentos a fls. 8 a 12 junto com o Requerimento Inicial e doc. 5 da contestação, o que resulta também do reconhecimento da dívida por parte da Demandada (artigo 39.º da contestação), confessando, assim a dívida. A Demandada, em sede de contestação alega a existência de um crédito, tendo ficado provado que a Demandante deve à Demandada a quantia de 289,04, pois a factura n.º 94050256 não foi liquidada e, portanto, em face da existência de dois créditos e das partes serem reciprocamente devedores e credores a excepção da compensação opera parcialmente nos termos do artigo 847.º do Código Civil, podendo a Demandada determinar a extinção da sua obrigação relativamente aos valores em dívida à Demandante. Em suma, a Demandante é devedora da Demandada na quantia de €: 167,11 (289,04 -121,93). Quanto ao alegado “corte comercial” ficou provado que após o não pagamento atempado da factura n.º 94050256 teve como consequência a não entrega imediata dos produtos anteriormente encomendados, como decorre do depoimento do E, tendo referido ainda e que a Demandante “ficou incrédula com a situação pois a sua postura nunca tinha sido posta em causa e sentiu-se ofendida com tal “ e que “a Demandante sempre teve uma postura muito recta no que concerne a compromissos comerciais e seus pagamentos e a situação deixa ofendida a sua dignidade.” A própria Demandada anteriormente à data de interposição deste processo teve conhecimento que a não liquidação da factura acima mencionada apenas se deveu a actos dolosos de terceiros, mas não anteriormente à decisão de suspensão de fornecimento, a qual apenas teve como base a situação de não pagamento da factura, como decorre do depoimento do F, tendo que referindo que presentemente não há relação comercial entre as partes “apenas porque não têm sido feitas encomendas”. Além disso, também ficou provado que a mesma situação de extravio de cheque e não pagamento de factura por parte da Demandante ocorreu com outra empresa (Medivaris) e que, apesar disso, houve um acordo entre as empresas, ao contrário do que aconteceu na situação objecto deste processo, como resulta do depoimento da G. Não ficou provado que houve uma suspensão ou interrupção ilícita de fornecimento de produtos. A Demandada não praticou qualquer facto ilícito, a Demandada apenas pretendia cobrar a factura em discussão em consequência dos produtos já fornecidos à Demandante, pois a quantia que lhe era destinada foi dolosamente desviada por terceiros. Quanto aos danos morais pedidos pela Demandante, em sede de Requerimento Inicial, além de não ter provado que a Demandada tenha praticado qualquer facto ilícito, não concretiza concretamente quais foram os danos que sofreu, nem prova quaisquer factos susceptíveis de colocarem a Demandada na obrigação de a indemnizar. Em suma, a existência de uma relação comercial com 20 anos marcada pela boa fé e pelo zeloso cumprimento de ambas as partes, apenas foi colocada em causa por terceiros, que praticaram factos que indiciam a prática de condutas violadoras da Lei Penal. A credibilidade, o bom nome, a honorabilidade, e a boa fé das partes exigiria, eventualmente, uma solução de consenso entre ambas, o que não foi alcançado, apesar de tentado por ambas e pelo próprio Tribunal em sede de Julgamento. IV- DECISÃO Considera-se procedente a excepção de compensação invocada pela Demandada e, em face da matéria provada, a Demandante apenas deve à Demandada a quantia de €: 167,11. A Demandada é absolvida do restante pedido. Custas a pagar em partes iguais e já liquidadas, nos termos dos artigos 8.º e 9.º, da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro. Registe e notifique. Julgado de Paz de Lisboa, 22 de Dezembro de 2008 O Juiz de Paz (João Chumbinho) |