Sentença de Julgado de Paz
Processo: 392/2022-JPVNG
Relator: PAULA PORTUGAL
Descritores: INDEMNIZAÇÃO PORE DANO E PRIVAÇÃO DE USO
Data da sentença: 05/29/2024
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE GAIA
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 392/2022-JPVNG

SENTENÇA

I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: [ORG-1], Lda.”, com sede na [...], n.º 20, 1º Direito, [Cód. Postal-1] [...].
Demandadas: [ORG-2], Lda.”, com sede na [...], n.º 80 – 6, [Cód. Postal-2] [...]; e [PES-1], residente na [...], n.º 65, R/C Direito Traseiras, [Cód. Postal-3] [...].

II - OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante veio propor contra as Demandadas a presente acção declarativa, enquadrada na al. h) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho (LJP), alterada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de Julho, pedindo a condenação destas a pagarem-lhe a quantia de €13.530,00 (treze mil quinhentos e trinta euros) para reparação dos danos causados; e ainda €1.450,00 (mil quatrocentos e cinquenta euros), a título de indemnização pela privação do uso da garagem; bem como a suportarem as custas do processo.

Alegou, para tanto e em síntese, que, no mês de Julho de 2022, iniciaram as escavações dos alicerces da obra licenciada pela [ORG-3]” com o alvará de licenciamento de construção n.º 413/20, titulado pela ora Demandada [PES-1], residente na [...], n.º 65, R/C Direito [...], em [...], prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de [...] sob o n.º[Nº Identificador-1]e inscrito na matriz sob o artigo n.º [Nº Identificador-2] da freguesia de [...]; a construção estava a cargo da ora Demandada [ORG-2], Lda.”, tendo sido edificada colada à propriedade da Demandante na [...], n.º 16, [Cód. Postal-4] [...], [...]; foram feitos quatro grandes buracos na linha de separação da propriedade da Demandante com bombas a bombear água para fora tal era a quantidade enorme de água naquele local, isto em pleno Verão com seca decretada pelo governo; as lamas dominavam toda a zona de escavações, saíam grandes quantidades de lama debaixo da propriedade da Demandante, que ficou com um vazio, não tendo sido feito qualquer tipo de escoramento, sendo que podiam abrir um alicerce de pilar de cada vez e encher de betão um de cada vez; numa das zonas, a falta de terras debaixo da propriedade da Demandante era de tal ordem que injetaram betão mas não preencheram toda a área, o que fez com que, com o tempo, se tenha vindo a abater a estrutura da propriedade da Demandante, provocando o deslocamento do piso de acesso à garagem com rachadelas na estrutura, impossibilitando a Demandante de passar com o carro para o interior da garagem e pondo em perigo pessoas e bens desde essa data; a Demandante contactou o construtor, mais precisamente o sócio [PES-2], bem como os proprietários do imóvel, que foram a sua casa, observaram o sucedido e invocaram que o piso já estava partido antes e que não assumiam qualquer responsabilidade; a Demandante tem provas de que a sua habitação, que já foi construída há mais de quinze anos, nunca apresentou quaisquer rachadelas, as quais só agora apareceram; no dia 24.08.2022, enviou email ao sócio [PES-3] a solicitar a reparação dos danos, e a 06.09.2022 outro email a pedir resposta, a qual não chegou até à data; a 16.09.2022, participou o sucedido à “[ORG-4]”; a 14.10.2022, reclamou da falta de resposta da “[ORG-4]”, empresa que até à data também não respondeu; nessa mesma data pediu consulta do processo para recolher os dados do seguro de responsabilidade civil; a 13.10.2022, participou ao seu seguro os danos causados na sua propriedade, tendo-lhe sido apresentado um relatório que responsabilizava a construção ao lado pela saída de terra que provocou o abatimento; a 19.10.2022, participou ao seguro do construtor que lhe respondeu que só avançaria a pedido do seu cliente; nessa mesma data, participou à Protecção Civil, invocando perigo para pessoas e bens, tendo-se deslocado a sua casa uma equipa, nesse mesmo dia, que disse que a casa ainda estava de pé e que se viesse a cair o realojariam.
Juntou documentos.

A Demandada [ORG-2], Lda.” apresentou Contestação, onde alega que é falso e contrário à verdade tudo quanto foi alegado no requerimento apresentado pela Demandante; a Demandada contestante foi contratada pela Demandada [PES-1] para executar os seguintes trabalhos: preparação do terreno para implantação da moradia conforme projeto de arquitectura aprovado, execução da estrutura de betão armado da moradia conforme projeto de especialidade aprovado, execução da rede exterior de saneamento, execução das alvenarias em bloco, impermeabilização da cobertura e execução de revestimento Etics pelo exterior (capoto); em Junho de 2021, a contestante diligenciou pela preparação do terreno, a qual consistiu na limpeza do mesmo para a implementação das fundações da moradia; nessa altura, foi feito um registo fotográfico, onde se verifica que no prédio da Demandante existiam àquela data fissuras no muro e no pavimento, ou seja, o prédio da Demandante tem as fissuras e o estado de conservação próprio de um prédio com 16 anos de vetustez; após ter sido dado início aos trabalhos, e como o terreno mostrou ser de fraca qualidade, foi submetida uma alteração ao projeto aprovado junto da Edilidade de [...], tendo, por esse motivo, a obra ficado parada durante um ano; a obra foi retomada em Junho de 2022, após parecer favorável emitido pela [ORG-5], em 03.05.2022; a 27.06.2022, foram iniciados os trabalhos, os quais passaram por execução das fundações da moradia conforme projeto aprovado com as alterações constantes da comunicação da [ORG-11]em 03.05.2022; no entanto, e antes de a Demandada executar as fundações, o responsável pela direcção da obra realizou um registo fotográfico do estado físico e de conservação do prédio da Demandante, o qual apresentava fissuras no pavimento e muro; a presente acção mais não é do que um procedimento de oportunismo e interesse por parte da Demandante, a qual bem sabe que o fissuramento e os demais problemas que vem alegar já são bastante anteriores à entrada da Demandada em obra; assim, imputar a responsabilidade à Demandada é uma actuação abusiva; é inequívoco que o proprietário de um imóvel tem direito a que os defeitos de que a sua casa ficou a padecer, em consequência das obras levadas a cabo no prédio vizinho, sejam reparados à custa do proprietário desse prédio; no entanto, tal como decorre da lei, os defeitos têm que advir de consequência direta da actuação e intervenção no prédio vizinho, o que não ocorreu; não foi a actuação da Demandada que originou o fissuramento e os danos que a Demandante descreve no Requerimento Inicial; as obras realizadas pela Demandada foram licenciadas (mais concretamente, com projeto apreciado pela entidade administrativa competente para o efeito) no processo n.º [Nº Identificador-3]– Canidelo, daí que as reclamações (infundadas) da Demandante não tenham tido provimento.
Juntou documentos.

Ambas as partes participaram na sessão de Pré-Mediação, seguida de Mediação, da qual não resultou acordo, pelo que se procedeu ao agendamento da Audiência de Julgamento, a qual se realizou com obediência às formalidades legais como da Acta se infere.

Fixo o valor da acção em €14.980,00 (catorze mil novecentos e oitenta euros).
Cumpre apreciar e decidir.

III - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Da matéria carreada para os autos, resultou provado que:
A) No mês de junho (e não Julho) de 2022, iniciaram as escavações/fundações dos alicerces da obra licenciada pela “[ORG-4]” com o alvará de licenciamento de construção n.º 413/20, titulado pela ora Demandada [PES-1], referente ao prédio sito na [...], em [...], [...];
B) A construção estava a cargo da ora demandada [ORG-2], Lda.”, tendo sido edificada colada à propriedade do Demandante na [...], n.º 16, [Cód. Postal-4] [...], [...] – cfr. Caderneta Predial Urbana a fls. 5 e 6;
C) A estrutura da propriedade da Demandante abateu, provocando o deslocamento do piso de acesso à garagem com rachadelas no pavimento – cfr. fotos a fls. 18 a 33;
D) O Demandante contactou o construtor, mais precisamente o sócio [PES-2], bem como os proprietários do imóvel, que foram a casa do Demandante e observaram o sucedido;
E) No dia 24.08.2022, a Demandante enviou email ao sócio da Demandada, [PES-2], a solicitar a reparação dos danos, e a 06.09.2022 outro email a pedir resposta – cfr. emails a fls. 14;
F) A 16.09.2022, participou o sucedido à “[ORG-4]” – cfr. requerimento a fls. 15;
G) A 14.10.2022, reclamou da falta de resposta da “[ORG-4]” – cfr. requerimento a fls. 16;
H) Nessa mesma data pediu consulta do processo para recolher os dados do seguro de responsabilidade civil – cfr. requerimento a fls. 17;
I) A Demandante participou ao seu seguro (“Ocidental”) os danos causados na sua propriedade, tendo a Seguradora lhe respondido por missiva datada de 13.10.2022, que: “Não é possível pagar-lhe porque os danos que nos reclamou não foram produzidos por um fenómeno geológico natural. O assentamento do pavimento do espaço exterior à casa apresenta desníveis em consequência de insuficiências materiais no processo de construção, que poderão ter sido provocados ou agravados pela realização da escavação do terreno adjacente para a construção da moradia aí implantada, e a tardia consolidação do solo de fundação por défice de compactação do mesmo. Este deficiente assentamento do pavimento desta zona é a causa dos danos que nos reclamou.” - cfr. missiva a fls. 8;
J) A 19.10.2022, a Demandante participou ao seguro do construtor (“Ageas”) que lhe respondeu que só avançaria a pedido do seu cliente – cfr. Apólice e emails trocados, a fls. 9 a 13;
K) A Demandada “[ORG-2]” foi contratada pela Demandada [PES-1] para, designadamente, executar os trabalhos de preparação do terreno para implantação da moradia na [...], em [...], [...], conforme projeto de arquitectura aprovado;
L) Em junho de 2021, a Demandada “[ORG-2]” diligenciou pela preparação do terreno (não se apurou que tenha consistido apenas na limpeza do mesmo) para a implementação das fundações da moradia;
M) Nessa altura foi feito um registo fotográfico, onde se verifica que no prédio da Demandante existiam àquela data fissuras na parte exterior do muro – cfr. fotos a fls. 49 a 51 (mas não se apurou que naquela mesma data existissem fissuras no pavimento/pátio exterior da moradia da Demandante, sendo que não foram juntas quaisquer fotos tiradas nesse espaço em 2021, mas apenas em Julho de 2022);
N) O prédio da Demandante tem cerca de 18 anos;
O) Após ter sido dado início aos trabalhos, e como o terreno mostrou ser de fraca qualidade, foi submetida uma alteração ao projeto aprovado junto da [ORG-8], tendo, por esse motivo, a obra ficado parada durante um ano - cfr. Aprovação de processo n.º [Nº Identificador-3], a fls. 55 a 82;
P) A obra foi retomada em junho de 2022, após parecer favorável emitido pela [ORG-5] em 03.05.2022 – cfr. comunicação da Câmara Municipal de [...] a fls. 84 e 85;
Q) A 27.06.2022, foram iniciados os trabalhos, os quais passaram por execução das fundações da moradia.

Motivação da matéria de facto provada:
Para além dos suprarreferidos documentos, considerou-se o teor do relatório da perícia judicial efectuada no âmbito dos presentes autos, a fls. 130 a 138, no qual o Senhor Perito conclui que a causa principal da deformação do muro e do abatimento do piso exterior da casa da Demandante foi a escavação efectuada no prédio confinante, dele constando, nomeadamente:
“O solo pelas características observadas é de fraca coerência e ao ser escavado abaixo da cota da fundação do muro, perdeu o confinamento lateral que permitia suster a fundação do muro estável e estabilizada. Acresce que os agentes climatéricos, mormente a acção das chuvas, agravam o descalçamento das fundações do muro e do pavimento, permitindo que a água que percola no solo arraste as partículas do solo fino, tendo sido estas as principais causas que provocaram as patologias identificadas.”
“… as fissuras no muro resultaram da escavação efectuada no prédio confinante do lado Poente, que descomprimiu o solo de fundação do muro e provocou assentamentos, quer na base do muro quer no pavimento.”
“… a causa principal resulta da execução da escavação efectuada junto da base do muro, sendo agravada pela acção dos agentes climatéricos, mormente pela acção das chuvas.”

Refira-se que, muito embora a obra apenas tenha avançado em Junho de 2022, após reformulação do projeto, já no ano anterior (2021) andaram máquinas no terreno confinante, não se tendo apurado o que fizeram em concreto, embora a Demandada “[ORG-2]” alegue que foi feita apenas a preparação do terreno e que essa preparação consistiu na limpeza do mesmo para a implementação das fundações da moradia, o certo é que, como alude o perito, nas imagens extraídas do Street View reportadas a Fevereiro de 2022, em comparação com a imagem extraída da mesma fonte reportada a Maio de 2009, é possível verificar que, em 2009, parte da fundação do muro da Demandante se encontra quase ao nível do solo do prédio confinante conde a Demandada executou a obra, sendo que, em Fevereiro de 2022, parte da fundação desse muro está descalçada, o que faz supor que alguma intervenção mais profunda ali foi feita, tanto é que, como declarou a testemunha [PES-2], engenheiro civil que acompanhou a obra desde o início, devido à qualidade do solo que foi encontrado, a obra não começou em 2021, tendo sido encomendado um estudo geotécnico do terreno.
Mais, nas fotos de fls. 49 e 50, que a Demandada [ORG-2] alega terem sido tiradas em 2021, é possível constatar já terem havido, nessa altura, movimentações de terra no terreno confinante,
e quanto às fissuras na parte exterior do muro da Demandante, visíveis na fotografia de fls. 51, desconhecemos qual a causa das mesmas, se surgiram na sequência das referidas movimentações de terra, se já existiam anteriormente, e ainda que assim seja, não se apurou que em 2021 já existissem fissuras no pavimento do pátio da moradia da Demandante e muito menos que as causas (das fissuras do muro exterior e das fissuras do pátio) fossem as mesmas.
Mais ainda, atente-se na foto a fls. 161, datada de 07.06.2022, onde é possível aferir da inexistência de uma fissura considerável junto à casa, a qual se viria a verificar na foto de 22.07.2022 a fls. 177.
Relevou ainda o depoimento das testemunhas arroladas, como segue:
- [PES-5], construtor civil, declarou que o Demandante é seu cliente; colocou capoto no imóvel do Demandante logo no início quando este o comprou e colocou a soleira e o lambrim à volta da casa em granito; o piso nunca teve fissuras; o Demandante ligou-lhe quando viu um rebaixamento entre o muro e o pátio; o chão aluiu com grande intensidade já quando ainda estavam a fazer a preparação para o solo da casa ao lado; podia ter caído o muro; agora que a casa ao lado já está construída, o muro já não cai; foi escavada terra toda mole; se o pátio não tiver sido devidamente cheio por baixo, ainda pode aluir mais; para reforçar o pavimento é necessário tirar a tijoleira toda; não viu o tipo de fundações no muro, não foi ao outro lado, apenas espreitou com a cabeça; não chegou a ver o muro da parte de fora; quando se está a fazer um muro ao lado de outro tem de se fazer um escoramento.
- [PES-2], engenheiro civil, funcionário da Demandada “[ORG-2], declarou que acompanhou a obra desde o início, é o diretor de obra, esteve lá sempre; devido à qualidade do solo que foi encontrado, a obra não começou em 2021; neste ano apenas fizeram a desmatação do terreno, foram familiares da Demandada [PES-7] que os alertaram que aquele local tinha sido um lameiro, que não era bom para construção; alertaram a Demandada [PES-7] que a obra não podia ser feita como estava no projeto e que teriam de fazer um ensaio ao solo; só conseguem ter cargas admissíveis a partir dos 3/4 metros, tiveram de fazer o projeto de estabilidade, procurar ir buscar um solo de qualidade, isso obrigou a alteração do projeto, ficou apenas R/C, inicialmente estava previsto R/C e mais um piso; só puderam recomeçar os trabalhos em meados de Junho de 2022; fizeram as marcações para depois começar a escavar; começaram a escavar em meados de Julho de 2022; logo no início das escavações, foram contactados pelo Demandante que os chamou para verem o estado do pavimento; foram ao local logo no início, no dia 22.07.2022, e tiraram fotos onde se viam fissuras, eram fissuras já com algum tempo, já tinham raízes, musgos, não são compatíveis com fissuras que se tivessem verificado há 15 dias; o muro da Demandante tinha uma fundação muito à superfície; quando tirou as fotos, estavam presentes, para além da testemunha, o representante legal da Demandante e o marido da Demandada [PES-7]; depois disso não mais falou com a Demandante; as escavações demoraram duas semanas; as fissuras iriam sempre aparecer porque um terreno com aquelas características não podia ter aquele tipo de fundações; disseram-lhe, mas nunca viu, que o Demandante colocava um tractor de 3 toneladas no pátio em cima da grelha, pode ser também uma das causas das fissuras e do abatimento.
- [PES-8], engenheiro civil, declarou que trabalha no laboratório onde foi feito o estudo geotécnico do terreno (fls. 166 a 175) ; fizeram o estudo que foi solicitado pela Demandada “[ORG-2]” porque suspeitavam que o subsolo podia ter problemas em alguns materiais; o relatório evidencia que foram encontrados materiais muito soltos, inadequados a fundações; é possível construir numa profundidade na ordem dos 3,60 metros, o material acima é inadequado como material de fundação; acompanhou apenas o início dos trabalhos; foi feito o relatório com base em três ensaios; o mesmo tipo de solo à partida seria idêntico no terreno confinante, há uma forte probabilidade de isso ocorrer; colocar um muro em cima daquele material é de esperar fissuração, é inevitável o surgimento de fendas; é possível melhorar o solo através de processos de compactação; não sabe se na propriedade da Demandante isso foi feito; não viu as fundações das sapatas.

Não foi provado que:
I. Foram feitos quatro grandes buracos na linha de separação da propriedade da Demandante com bombas a bombear água para fora tal era a quantidade enorme de água naquele local, isto em pleno Verão com seca decretada pelo governo;
II. As lamas dominavam toda a zona de escavações, saíam grandes quantidades de lama debaixo da propriedade da Demandante, que ficou com um vazio, não tendo sido feito qualquer tipo de escoramento, sendo que podiam abrir um alicerce de pilar de cada vez e encher de betão um de cada vez;
III. Numa das zonas, a falta de terras debaixo da propriedade da Demandante era de tal ordem que injetaram betão, mas não preencheram toda a área;
IV. Os danos verificados no pátio da casa da Demandante fizeram com que ficasse impossibilitada de passar com o carro para o interior da garagem, além de colocarem em perigo pessoas e bens desde essa data;
V. Para reparar o pátio da casa da Demandante é necessária a quantia de €13.530,00 (Iva incluído);
VI. Antes de a Demandada executar as fundações, o responsável pela direcção da obra realizou um registo fotográfico do estado físico e de conservação do prédio da Demandante, o qual apresentava fissuras no pavimento e muro.

Motivação da matéria de facto não provada:
Por ausência de mobilização probatória credível que atestasse a veracidade dos factos.
Refira-se que, relativamente ao facto V., a Demandante junta um orçamento (fls. 7), no qual não se encontra discriminado nem a quantidade nem o valor da mão de obra e do material, sendo certo que é diferente a taxa de Iva, e não identifica as características dos materiais, mormente da tijoleira, de forma a aferir da identidade com o pré-existente.
E quanto ao facto sob VI., o registo fotográfico do pavimento do pátio do prédio da Demandante, a fls. 52 e 53, apenas foi realizado em finais de Julho de 2022 (cfr. fotos a fls. 176 a 179), um mês depois de a obra ter sido retomada, sendo que, como se disse, já em 2021 terão havido movimentações de terra no terreno confinante, tendo a foto onde são visíveis as fissuras na parte exterior do muro tido sido tirada já após essas movimentações.

IV – O DIREITO
Resultou provado que as obras levadas a cabo no terreno propriedade da Demandada [PES-7], confinante à propriedade da Demandante, para construção de uma moradia, mormente aquando da realização das escavações/fundações para a edificação que tiveram início em Junho de 2022, terreno esse que já no ano anterior (2021) havia sido alvo de intervenção de máquinas para preparação do mesmo, provocaram deformações no pavimento do prédio da Demandante.
Ora, é o proprietário do prédio onde se realizam as obras que deram causa aos danos no prédio vizinho – sejam, ou não, executadas por um empreiteiro – quem responde por tais danos, nos termos do art.º 1348º, nº 2 do Cód. Civil.
Com efeito, o dono da obra, sendo o titular do direito de propriedade do prédio onde a obra foi levada a cabo, é quem beneficia da empreitada, logo é quem deve arcar com as consequências danosas para terceiros que essa actividade tenha originado.
O art.º 1348º/1 do Código Civil dispõe que “o proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio minas ou poços e fazer escavações, desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terra”.
E preceitua o nº 2 que “logo que venham a padecer danos com as obras feitas, os proprietários vizinhos serão indemnizados pelo autor delas, mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias”.
A faculdade de escavação é um corolário do conteúdo do direito de propriedade nas suas vertentes de uso, fruição e disposição limitadas.
Assim, o proprietário de imóvel, pelo simples facto de o ser, goza do poder de utilizar a coisa objecto do seu direito o mais amplamente possível (artigo 1305. ° C.C.). Este poder de utilização integra o poder de transformação da coisa, o qual, por seu turno, desemboca no poder de fazer escavações quando o objecto do direito de propriedade seja um terreno.
Ao fazer a escavação, o proprietário deve, porém, evitar colocar em perigo de ruína o prédio vizinho. O artigo 1348. ° do Cód. Civil refere, aliás, o desmoronamento e a deslocação de terras como possíveis consequências da escavação que devem ser evitadas. Fundamental é que ao escavar se não retire ao prédio vizinho o "apoio necessário". O que significa, por exemplo, que o proprietário poderá perfeitamente escavar até grande profundidade, junto à linha divisória, desde que vá escorando as terras conforme for escavando.
Assim, portanto, aquele que escava pode ficar vinculado tanto por um non facere como por um facere; tudo depende do que, em concreto, for exigível para preservar o prédio contíguo de eventuais danos.
De qualquer modo, ainda que se tomem todas as medidas exigidas pelo n.º 1 do artigo 1348. ° do C.C., deverá aquele que procede às escavações ou demolições reparar os danos eventualmente decorrentes das mesmas.
O citado art.º 1348º/2 CC consagra um regime especial face ao que se contem no art.º 483º do Código Civil, na medida em que estabelece responsabilidade extracontratual, nomeadamente por factos lícitos, independentemente de culpa do seu autor.
Ou seja, nas situações previstas no aludido art.º 1348º do CC, não se exige a culpa do responsável, configurando-se uma situação de acto lícito que obriga o agente a reparar os danos causados.
Deste modo, ocorrerá sempre responsabilidade civil, nos termos daquele art.º 1348º do Código Civil, pelos danos decorrentes da obra levada a cabo no prédio vizinho desde que tal tenha resultado de escavações efetuadas naquele prédio, ainda que as escavações tenham sido efetuadas por empreiteiro mediante contrato de empreitada celebrado com o dono da obra, como ocorreu na situação sub judice.
Por seu lado, dispõe o art.º 497º, n.º 1, C.C. que,
“Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.”
O que é dizer que, no caso de haver culpa por parte do empreiteiro (no caso a Demandada “[ORG-2]”), será o empreiteiro responsável solidário (com o dono da obra) pelo ressarcimento dos danos causados no prédio vizinho.
Vão assim as Demandadas condenadas, solidariamente, a pagarem à Demandante o valor necessário para reparação do pavimento exterior da sua moradia, a fixar em posterior liquidação nos termos do art.º 609º, nº. 2 do CPC, limitado ao valor peticionado a este título.
Quanto à indemnização pela privação do uso da garagem, nada foi provado, pelo que improcede nesta parte o pedido.

V – DISPOSITIVO
Face a quanto antecede, julgo parcialmente procedente a presente acção, e, por consequência, condeno, solidariamente, as Demandadas [ORG-2], Lda.” e [PES-1] a pagarem à Demandante [ORG-1], Lda.”, a quantia que se vier a liquidar em incidente de liquidação relativa ao valor necessário para reparação do pavimento exterior da sua moradia.

Custas na proporção de 90% pelas Demandadas e 10% pela Demandante, devendo esta pagar a quantia de €7,00 (sete euros) e aquelas a quantia de €63,00 (sessenta e três euros), no prazo de três dias úteis a contar da notificação da Sentença, sob pena de incorrerem numa penalização de €10,00 (dez euros) por cada dia de atraso, não podendo exceder a quantia de €140,00, nos termos do n.º 4 do art. 3º da Portaria 342/2019, de 01 de Outubro.
Registe e notifique.

Vila Nova de Gaia, 29 de maio de 2024
A Juiz de Paz
____________
(Paula Portugal)