Sentença de Julgado de Paz
Processo: 59/2014-JP
Relator: DANIELA COSTA
Descritores: INDEMNIZAÇÃO POR DANO
Data da sentença: 10/29/2014
Julgado de Paz de : TAROUCA
Decisão Texto Integral: ATA DE LEITURA DE SENTENÇA

Aos 29 de Outubro de 2014, pelas 12:00h, realizou-se no Julgado de Paz do Agrupamento de Concelhos de Tarouca, Armamar, Castro Daire, Lamego, Moimenta da Beira, Resende, a Audiência de Julgamento do Proc. n.º 59/2014 - JP em que são partes:
Demandante: A.
Demandados: B e C.
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Realizada a chamada, não se encontrava ninguém presente.
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Reaberta a Audiência, foi pela Meritíssima Juíza de Paz proferida a seguinte:
“SENTENÇA”
A Demandante veio propor contra os Demandados a presente ação declarativa, enquadrada na al. h) do n.º 1 do Art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, adiante LJP, pedindo que estes sejam solidariamente responsáveis pelo pagamento à requerente A, do valor 6,939.09 euros pelo prejuízo supra descrito, ao qual acrescerão juros de mora à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.

Regularmente citados, os Demandados apresentaram contestação, conforme plasmado a fls. 64 a 67, tendo impugnado os factos vertidos no requerimento inicial.

Valor da ação: € 6.9369,09

FACTOS PROVADOS:
A. A Demandante celebrou com os Demandados, no passado dia 22-01-2013, um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial;
B. De acordo com o referido contrato, os Demandados, na qualidade de donos e legítimos possuidores de um estabelecimento denominado “xxxx” instalado na fração autónoma designada pela letra “A” correspondente à cave e rés-do-chão, destinado a restauração e bebidas, denominado “xxxx”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal pela inscrição ap. xxxx, sito no lugar de Y, freguesia W, conselho de Z descrita na conservatória do registo predial de Lamego e sob o número xxxx, aí registado a seu favor pela ap. xxx, inscrita na matriz sob o Artigo.° xxx, cederam à Demandante a exploração do referido estabelecimento;
C. O referido contrato teve início no dia 1 de Fevereiro de 2013 pelo período de cinco anos;
D. No passado dia 12-02-2014, este estabelecimento comercial sofreu uma inundação na cave do referido prédio onde aquele funciona;
E. A fim de se inteirar das causas e proveniência da inundação, a Demandante chamou um Engenheiro civil para que este pudesse determinar a causa de tal inundação;
F. O Sr. Engenheiro deslocou-se ao local e verteu no seu relatório as causas que determinaram a dita inundação, cujo teor, a fls. 11 e 12, se dá por inteiramente reproduzido e provado;
G. Do relatório resulta que, devido à colocação da cave, abaixo da cota da soleira da rua, e dos terrenos envolventes, existem dificuldades, no local, de drenagem das águas pluviais;
H. Para evitar inundações, a cave possui uma caixa (fossa) para receber tais águas;
I. Essa água, retida na fossa, não tem saída, por falta de colocação de uma bomba que extrai a água até à rede pública;
J. Tendo sido a falta de uma bomba, que extraísse as águas pluviais depositadas na fossa, que provocou a inundação;
K. A Demandante, ainda, participou à sua companhia de seguros D, que veio a declinar a sua responsabilidade, em virtude de:” A ocorrência participada não é passível de ser enquadrada no âmbito das coberturas contratadas, visto que se deveu a um transbordamento do poço existente na cave, por alteração/aumento do nível freático, acrescido da inexistência de bomba submersível para encaminhar para o exterior as águas formadas no poço”;
L. Naquele local, cave do edifício, a água atingiu cerca de 5 cm de altura em toda a superfície danificando Televisão GRUNDIG S7 70-715 NID/TOC; uma Coluna de som HQ Mod VDS 615 600W; duas Colunas de som DINACORD DE -15-3, e duas arcas congeladoras, da Demandante;
M. Ascende, ainda, o pagamento pela Demandante aos Bombeiros Voluntários de Z para expansão da água no valor de € 294,59;
N. E pelo relatório de peritagem no montante de € 184,50.
O. O restaurante propriamente dito, ou seja, a sala para refeições, cozinha, quartos de banhos e dispensa funcionam no rés-do-chão;
P. A cave tem as paredes rebocadas e pintadas e o chão em cimento;
Q. Os Demandados também arrendaram o 1º andar daquele edifício para habitação da Demandante;
R. A cave nunca sofreu qualquer inundação enquanto o prédio esteve na posse dos Demandados;
S. No restaurante, realizam-se festas de Natal, de aniversário e sessões de Karaoke, sendo utilizadas as colunas de som identificadas no item L.

FACTOS NÃO PROVADOS:
A. A Demandante ainda tentou junto dos Demandados resolver a situação, comunicando-lhes os factos e pedindo-lhes para suportar os estragos,
B. A esta solicitação, os Demandados responderam com total indiferença, tendo inclusive, incitado a requerente a ir para tribunal porque não pagavam nada;
C. Os bens danificados são aqueles que se encontram mencionados no doc.4, que se junta e que se passam a identificar:
1 Computador (cpu) ATHENA (250€ unid) 250€
1 Computador CiTY DESK (350€ unid) 350€
4 Armaduras quadradas c/ 4 lâmpadas (90€ unid) 360€
1 RoboMOV1NGRAY Mod rnh-835/2 (250€ unid) 250€
6 Projetores Mob btl-1 (15€ unid) 90€
1 Robot DTS Mod T 450 (200€ unid) 200€
1 Amplificador MC GEE (400€ unid) 400€
1 Amplificador KOQL SOUND SX-800 (300€ unid) 300€
4 Candeeiros teto MASSIVE (150€ unid) 600€
1 Retroprojetor EPSON EB-S72 (350€ unid) 350€
1 Monitor Computador ADC (180€ unid) 180€
2 Caixas SMART PAPEL (20€ unid) 40€
2 Leitor CD PIONEER CDJ 100 (350€ unid) 700€
D. A cave encontra-se ainda inacabada;
E. Sendo um local húmido, por se encontrar completamente subterrado;
F. Sem qualquer ventilação;
G. Onde apenas se podem depositar objetos que não se danifiquem com a humidade do local, cujo odor é notório
H. A Demandante ali só encontrou guardadas grades de bebidas; garrafões; detergentes; bem como as mesas e cadeiras usadas na esplanada durante o verão;
I. Sendo ali também guardadas as batatas e as cebolas, mas por cima de paletes;
J. A inundação deveu-se a desleixo da Demandante que por alguma forma entupiu a fossa e a sua ligação ao coletor público de esgotos.

III - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos, a fls. 6 a 22, 24, 25, 159 e 160, e dos depoimentos testemunhais prestados em sede de audiência final.
Mais importa justificar que o item S dos Factos Provados é um facto instrumental que decorreu da instrução da causa, conforme permite o Art. 5º, n.º 2 al. a) do CPC.
Foi ouvido, em primeiro lugar, E, de 47 anos, indicado pela Demandante, que demonstrou ter ciência relevante sobre a factualidade em discussão na medida em que foi responsável por efetuar o levantamento fotográfico dos bens alegadamente destruídos com a inundação da cave, cujas fotografias constam nos autos a fls. 14 a 22.
Seguiu-se a audição de F, de 37 anos, indicado pela Demandante e seu namorado, que foi igualmente importante para a descoberta da verdade material porquanto auxiliou a Demandante na inundação ocorrida e assistiu à intervenção da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Z.
Quanto ao depoimento de G, de 38 anos, indicado pela Demandante, foi um dos bombeiros que interveio no local, tendo descrito com pormenor a origem e causas da inundação.
No que concerne às testemunhas indicadas pelos Demandados, foi ouvida H, de 33 anos, cujas declarações não mereceram acolhimento probatório visto que não assistiu ao sinistro, deixou de trabalhar no estabelecimento comercial desde 2012, e demonstrou falta de imparcialidade nas respostas que deu.
Por último, I, de 60 anos, prestou declarações que foram tidas em linha de conta na medida em que é frequentador assíduo do restaurante e respondeu de forma sincera e espontânea.

IV - O DIREITO

Nos presentes autos, está em causa a apreciação do pedido de indemnização formulado pela Demandante, contra os Demandados, com o fim de estes serem responsabilizados pelos danos patrimoniais advenientes de uma inundação ocorrida na cave de um estabelecimento comercial (restaurante), cuja exploração cederam à Demandante.
Ficou, assim, provado que entre as partes foi celebrado um contrato de cessão de exploração de estabelecimento, também designado de contrato de locação de estabelecimento, podendo definir-se como o contrato pelo qual uma pessoa transfere, temporária e onerosamente, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial, industrial ou de serviços nele instalado – Art. 1109º do Código Civil (adiante CC).
No que respeita a obras, estipula o n.º 1 do Art. 1111º do CC que a responsabilidade pela sua realização resulta da vontade das partes. Porém, se estas nada convencionarem, cabe ao senhorio executar as obras de conservação, considerando-se o arrendatário autorizado a realizar as obras exigidas por lei ou requeridas pelo fim do contrato.
Mais advém do disposto na al. b) do Art. 1031º do CC, relativo ao regime geral da locação, que são obrigações do locador assegurar o gozo da coisa locada para os fins a que a mesma se destina.
Esta obrigação pode implicar a necessidade de o locador fazer reparações e outras despesas necessárias à conservação da coisa (Art. 1036º do CC).
Tal é sinónimo de dizer que o locatário pode exigir do locador que as efetue, devendo este executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias.
Tais deveres abrangem o domínio dos contratos de locação de estabelecimento na medida em que deriva dos mesmos que o locador é obrigado a assegurar que os locatários beneficiem do gozo da coisa locada em função do fim a que a mesma foi destinada.
No caso em análise, os Demandados assumem o papel simultâneo de locadores do estabelecimento comercial e de proprietários do espaço onde o mesmo se encontra instalado, ao passo que a Demandante é a locatária.
Decorre do contrato entre eles celebrado, a fls. 6 a 9, que nenhuma cláusula foi convencionada em relação a obras.
Por conseguinte, conforme resulta do disposto no Art. 1111º, n.º 2 do CC, os Demandados, enquanto locadores, são obrigados a executar as obras de conservação.
Da matéria dada por provada, resultou que a inundação ocorrida na cave se deveu à inexistência de uma bomba que extraísse e encaminhasse as águas pluviais depositadas na fossa e que, por causa disso, levou ao transbordamento da água e à danificação dos objetos que a Demandante depositara na cave do estabelecimento comercial.
Constituía obrigação dos Demandados instalar a supra referida bomba de forma a evitar inundações, como aquela que ocorreu nos autos.
No domínio da responsabilidade contratual, estatui o Art. 798º do CC que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
Mais preceitua o Artigo 799º que incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, ou seja, presume-se a culpa do devedor, incumbindo a este provar o contrário.
Para haver lugar a este tipo de responsabilidade, fundada na violação de deveres contratuais, não bastará, porém, alegar e provar o incumprimento contratual, é igualmente necessário provar a existência de danos efetivos, um dos pressupostos da obrigação de indemnização.
É sobre o credor que recai o ónus da prova da efetiva ocorrência do dano, tal como resulta do Art. 342º, n.º 1 do CC.
No caso concreto, ficou demonstrada a violação de um dos deveres contratuais dos Demandados (a realização de obras por forma a assegurar o gozo da coisa locada ao fim a que se destina), a sua culpa, que se presume, não tendo estes logrado demonstrar a sua inocência, a verificação de certos prejuízos materiais na esfera jurídica da Demandante, e o nexo de causalidade entre o comportamento dos Demandados e os danos ocorridos. -No que concerne aos danos sofridos pela Demandante, provou-se, apenas, que assumiu as despesas referentes ao valor de € 294,59, pago aos Bombeiros Voluntários de Lamego, para expansão da água, ao montante de € 184,50, pelo relatório de peritagem, e que ficaram danificados uma Televisão analógica GRUNDIG; uma Coluna de som HQ; duas Colunas de som DINACORD, e duas arcas congeladoras, todos da sua titularidade.
Entendemos que os bens ora danificados inscrevem-se no destino a ser dado ao estabelecimento comercial (restauração e bebidas) na medida em que foram utilizados para a realização dos seus fins: por um lado, para conservação dos bens alimentares e líquidos, no caso das arcas congeladoras, e, por outro lado, para a animação do restaurante e dos clientes, no que respeita à televisão e às colunas de som.
Porém, a Demandante não comprovou os valores de mercado dos bens danificados com a inundação, nem mesmo o montante que a mesma terá despendido na respetiva aquisição.
Não obstante isso, a Demandante foi convidada a juntar aos autos documentos idóneos onde estivessem fixados os valores de mercado dos bens descritos no Art.º19 do seu requerimento inicial. No entanto, não veio a dar cumprimento ao respetivo despacho, constante a fls. 141, não sendo possível, por causa disso e em virtude de falta de prova testemunhal nesse sentido, averiguar o valor exato de tais bens.
Segundo o previsto no n.º 3 do Art. 566º, se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Recorrendo, desta forma, à equidade, verificamos que não há elementos no processo que permitam fixar um valor justo aos bens danificados, nomeadamente a sua antiguidade e o seu valor equivalente no mercado.
Assim, pese embora estejam provados os danos, o respetivo valor de mercado referente a tais bens, identificados no item L, carece de ser liquidado posteriormente, de acordo com a possibilidade prevista no Art. 565º do CC, conjugado com o n.º 2 do Art. 609º do CPC.
Por conseguinte, os Demandados devem pagar à Demandante uma indemnização referente às despesas documentalmente comprovadas e pagas, a fls. 24 e 25, junto dos Bombeiros Voluntários de Z e do Gabinete de engenharia civil, responsável pelo relatório de peritagem, que totaliza a quantia de € 434,09, à qual acrescem juros de mora, à taxa legal de 4%, sobre a indemnização, desde a data da citação, até integral pagamento (Portaria nº 291/2003, de 08.04) – cfr. Arts. 804º, 805º, n.º 3 e 559º, todos do CC.
Em relação aos demais bens, identificados no item L dos Factos provados, por não existirem elementos que permitam quantificar o respetivo valor de mercado, relega-se para liquidação de sentença a sua fixação.

V – DISPOSITIVO

Face a quanto antecede, julgo parcialmente procedente a presente ação e, por consequência, condeno os Demandados a pagarem à Demandante a quantia de 434,09 (quatrocentos e trinta e quatro Euros e nove cêntimos), referente aos danos patrimoniais efetivos, à qual acrescem juros de mora, à taxa legal de 4%, sobre a indemnização, desde a data da citação, a 05.05.2014, até integral pagamento. Mais condeno os Demandados a pagarem à Demandante, a título de indemnização, o valor, que vier a ser apurado em liquidação de sentença, quanto aos bens danificados e melhores identificados no item L dos Factos provados.
Custas na proporção do decaimento que se fixam em 50% para cada uma partes, em conformidade com os Artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro.
Registe e notifique.
Desta sentença foram todos os presentes notificados.
Para constar se lavrou esta Ata que vai ser devidamente assinada.
Tarouca, 29 de Outubro de 2014

(Carina Gonçalves)
Técnica de Apoio Administrativo
(Dr.ª Daniela dos Santos Costa)
Juíza de Paz