Sentença de Julgado de Paz
Processo: 494/2016-JP
Relator: PAULA PORTUGAL
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
Data da sentença: 03/13/2017
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE GAIA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandantes: A e B, residentes na Rua X, Vila Nova de Gaia.
Demandadas: “C”, com sede na X, Alcabideche, e “D”, com sede na Rua X, Vila Nova de Gaia.

II - OBJECTO DO LITÍGIO
Os Demandantes vieram propor contra as Demandadas a presente acção declarativa, enquadrada na al. i) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, pedindo a condenação destas a pagarem-lhes a quantia de € 849,00 (oitocentos e quarenta e nove euros), relativa ao preço da máquina de lavar e secar roupa (€ 599,00) e indemnização pela privação do uso da máquina, pelas várias deslocações à Loja e por todos os demais transtornos (€ 250,00); e ainda os juros vencidos e vincendos a partir da citação; bem como a suportar as custas e procuradoria condigna.
Alegaram, para tanto e em síntese, que, em 28 de Fevereiro de 2016, compraram à Demandada “C”, Loja de Gaia, uma máquina de lavar e secar roupa de marca “X”, pelo valor de € 599,00, conforme consta da factura 00; no início de Abril de 2016, a Demandante, após ter posto a máquina a lavar, verificou que no chão havia água; contactou então o canalizador que tinha efectuado a obra para a instalação da máquina (foi necessário reparar o cano de esgoto e a torneira da água) pois supôs que alguma coisa não estivesse bem; é que a máquina ainda não tinha sido utilizada em virtude de a habitação dos Demandantes estar em obras; o canalizador descartou qualquer responsabilidade pelo sucedido, pelo que decidiram experimentar, isto é, pôr a máquina a lavar, tendo concluído que efectivamente havia uma fuga de água e que o tambor da mesma não rodava bem; assim, contactaram telefonicamente a Demandada “C” para reportar a avaria, que os remeteu para o serviço pós-venda da marca “x” e mais os alertou para o que dizia no verso da factura: “Todos os produtos comercializados pela “C”, estão sujeitos às condições de garantia dos fabricantes. A assistência técnica, com excepção para os móveis e produtos de decoração, é assegurada pelas próprias marcas, podendo a “C” indicar ao Cliente o posto de assistência que lhe seja mais próximo”; foi então contactada, via telefone, a assistência técnica “X” que agendou data para testar o equipamento em casa do cliente; em 16 de Abril de 2016, os serviços de assistência técnica deslocaram-se a casa dos Demandantes e sem que tivessem feito qualquer pesquisa, procederam de imediato ao levantamento da máquina na presença de um vizinho, Sr. E, dado que os Demandantes a essa hora estavam a trabalhar; a máquina foi colocada numa carrinha sem que estivesse devidamente acondicionada, sendo praticamente atirada para dentro do transporte, não havendo por parte dos técnicos qualquer tipo de preocupação para evitar qualquer risco ou amolgadela, situação que foi presenciada pelo vizinho e reportada aos Demandantes; foi a partir dessa data que tudo se complicou; com efeito, os Demandantes foram contactados telefonicamente pela Demandada “D”, informando-os de que a máquina de lavar/secar não ia ser reparada, pois a cuba estava danificada e a marca não deu garantia, mais referindo que o dano na cuba teria sido causado por um objecto, concretamente uma barra de alumínio; não sabem os Demandantes como tal poderia ter acontecido, nem que objecto era esse, pois só utilizaram a máquina duas ou três vezes após a compra, fazendo um uso normal da mesma; não encontrando qualquer explicação ou justificação para que uma máquina com apenas um mês e que tenha sido utilizada apenas duas ou três vezes não fosse consertada ao abrigo da garantia, os Demandantes dirigiram-se à Demandada “C” em 28 de Abril de 2016 onde apresentaram reclamação escrita no Livro de Reclamações, com o nº 00000, reportando a situação descrita; o descontentamento era tanto que o Demandante apresentou nova reclamação com o nº 16705805; só em 16 de Maio de 2016 é que a Demandada “D” entregou a máquina aos Demandantes avariada, com um buraco na cuba do tamanho de uma mão, originado pela suposta retirada do objecto de metal, cuja origem se desconhece; a Demandada “D” não só não reparou a máquina como a entregou em piores condições, sem que para o efeito desse alguma explicação, nomeadamente como é que se encontrava entre a cuba e o tambor uma barra de alumínio; mantendo a mesma postura de silêncio, mesmo após a carta da mandatária dos Demandantes.
Juntou documentos.
A Demandada “C, S.A.”, regularmente citada, apresentou Contestação, onde, no essencial, alega que a máquina foi adquirida em 28 de Fevereiro de 2016, tendo a mesma sido transportada e montada pela própria Demandante ou por alguém por ela contratado; como não foi a Demandada contestante que procedeu à entrega e instalação da máquina adquirida pela Demandante, desconhece por completo como foi feito esse transporte e em que condições a máquina foi destravada, se é que foi destravada, e feita a ligação ao fornecimento de água; a instalação da máquina foi feita por conta e risco da Demandante; após verificar que a máquina não estava a funcionar correctamente, possivelmente porque a instalação não estava bem feita, optou por contratar directamente um canalizador, conforme alegado no n.º 3 do Requerimento Inicial, ao invés de accionar a garantia e requerer a assistência técnica especializada; a Demandante podia imediatamente ter contactado a Demandada “C” para reportar um eventual defeito, o que não fez; a Demandante optou por mandar arranjar a máquina a um canalizador por sua conta e risco; a Demandada “C” não recebeu qualquer denúncia de falta de conformidade da máquina adquirida, por parte da Demandante; se tivesse recebido essa denuncia teria seguido o procedimento habitual e seria aberto um dossier SAV (serviço após venda); a Demandada não tem qualquer dossier aberto em nome da Demandante; a Demandada teve conhecimento de toda a situação apenas com a presente acção, tendo de imediato solicitado informação à segunda Demandada sobre toda a factualidade descrita no Requerimento Inicial; foi efectuada por B uma reclamação no estabelecimento da primeira Demandada, fazendo menção a uma máquina de lavar comprada há um mês, sem qualquer referência ao número da factura, com uma morada diferente da que consta na factura; ora, a primeira Demandada não tem nenhuma factura no nome supra referido e a compra da máquina foi efectuada em 28 de Fevereiro, pelo que é evidente que, com a referida reclamação, a primeira Demandada não conseguiu identificar a compra em questão, não tendo sido aberto qualquer ficheiro de SAV; é apresentada uma segunda reclamação, com os mesmos dados da primeira que não permite novamente identificar o cliente em causa; a primeira Demandada limitou-se a responder com a carta minuta junta aos autos, sem fazer qualquer referência à reclamação em concreto porque desconhecia por completo a que venda esta dizia respeito e não tinha como fazer a correspondência à Demandante, uma vez que as reclamações foram apresentadas por pessoa diversa desta, sem qualquer menção a facturas ou ao nome da Demandante, pelo que a primeira Demandada apenas tomou conhecimento de toda a situação quando foi citada para a presente acção. Pugna pela sua absolvição do pedido.
Juntou documentos.
Por sua vez, a Demandada “D, Lda.”, regularmente citada, apresentou Contestação, onde, no essencial, alega que não é parte legitima na acção, pois o que os Demandantes pretendem é ver reparado um dano que alegam existir após a aquisição da máquina de lavar à Demandada “C” e antes da intervenção técnica levada a cabo pela segunda Demandada, a que esta é alheia; o que os Demandantes pretendem é exercer o seu direito de garantia referente ao aparelho electrodoméstico em causa nos autos; o que sucedeu foi que, uma vez tendo a marca “X”, que assegura no caso concreto a assistência técnica do produto adquirido pelos Demandantes, declinado assumir responsabilidade ao abrigo da referida garantia, procuraram estes dilatar o âmbito de potenciais Demandados, como forma de potenciar as hipóteses de procedência da presente demanda; a Demandada não integra a relação jurídica que dá azo à lide, relação dessa constituída antes pelos Demandantes e Demandada “C”, uma vez que os impetrantes procuram ser ressarcidos de um dano que alegadamente já existia à data da venda da máquina de lavar em causa e já não de qualquer dano concreta e expressamente individualizado e imputado à Demandada; mais impugna a matéria fáctica alegada pelos Demandantes, reconhecendo, porém, que não procedeu à reparação da máquina; que a marca reconheceu que a situação não estava a coberto pela garantia, o que foi transmitido aos Demandantes e à ASAE no decurso da reclamação apresentada em 06.05.2016 pelo Demandante no Livro de reclamações da empresa, bem como à própria marca em sede de relatório técnico; é falso que a Demandada contestante tenha entregado a máquina de lavar aos Demandantes em piores condições, sendo que a única alteração na máquina em causa, que não importa uma alteração in pejus do seu estado, uma vez que já se encontrava danificada, foi o alargamento do buraco existente na mesma para conseguir extrair o objecto metálico estranho à composição da mesma que se encontrava no respectivo interior, o que se reputou necessário dada a natureza vulcanizada da cuba, que, assim, impedia a abertura nesse local. Peticiona a sua absolvição da instância, por se verificar a sua ilegitimidade processual, e, se assim não se entender, a sua absolvição do pedido.
Juntou documentos. Requereu ainda a realização de prova pericial, o que foi indeferido por Despacho de fls. 60, porquanto:
“A Demandada “D, Lda.” veio requerer a realização de prova pericial, que ateste, em termos técnicos, que, no caso concreto, para verificar o dano existente na máquina de lavar e secar roupa adquirida pelos Demandantes e para se poder retirar o objecto metálico estranho à máquina que se encontrava no respectivo interior, era necessário proceder ao alargamento do buraco já existente naquele aparelho, dada a natureza vulcanizada da cuba, que assim impedia a abertura nesse local.
No exercício do contraditório, vieram os Demandantes pugnar pelo indeferimento da requerida diligência por impertinente, dilatória e irrelevante.
Cumpre decidir.
Como decorre do artigo 388º do Código Civil, a perícia justifica-se quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, sendo que a perícia pode reportar-se quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária (artigo 475º, nº 2 do CPC, ex vi art.º 63º da LJP).
Ora, para percepcionar o actual dano existente na máquina, não nos parece serem necessários conhecimentos especiais, podendo a peritagem ser substituída por outro meio de prova, nomeadamente documental e/ou testemunhal.
Por outro lado, também não se alcança a relevância e oportunidade de se apurar, por via da peritagem, se para se poder retirar um alegado objecto metálico era necessário alargar o alegado buraco já existente, dada a natureza vulcanizada da cuba. Com efeito, a Demandada requerente limita-se a referir na sua contestação a existência de um objecto metálico, sem sequer o definir ou caracterizar, sendo certo ainda que tal objecto, a ter existido, já não se encontra no interior da máquina.
Pelo que, a peritagem não teria qualquer efeito útil.
Indefere-se, assim, o requerido.”
Atento o facto de a Demandada “C” ter prescindido da fase da Mediação, procedeu-se ao agendamento da Audiência de Julgamento, a qual se realizou com obediência às formalidades legais como da Acta se infere.
Cumpre apreciar e decidir.

III - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Da matéria carreada para os autos, ficou provado que:
A) A Demandada “C” é uma sociedade comercial que se dedica, com intuitos lucrativos, entre outros, à venda de electrodomésticos;
B) Em 28.02.2016, os Demandantes compraram à Demandada “C”, na Loja de Gaia, uma máquina de lavar e secar roupa da marca “X”, pelo preço de €599,00 (quinhentos e noventa e nove euros), para seu uso doméstico;
C) Tendo sido emitida a factura nº 0000, em nome da Demandante, no verso da qual consta, para além do mais, os seguintes dizeres: “Serviço Após Venda: Todos os produtos comercializados pela C, estão sujeitos às condições de garantia dos Fabricantes. A assistência técnica, com excepção para os móveis e produtos de decoração, é assegurada pelas próprias marcas, podendo a C indicar ao Cliente o posto de assistência que lhe seja mais próximo”;
D) Em meados de Março de 2016, foram efectuadas obras na residência dos Demandantes, ao nível da rede de água e esgotos, por forma a permitir a instalação da máquina de lavar/secar roupa;
E) Após a realização dessas obras, os Demandantes procederam à instalação da máquina de lavar/secar roupa, que consistiu em ligar os tubos de mangueira que a mesma possui na parte de trás e em destravá-la;
F) A máquina em causa lavou roupa por 2/3 vezes, e em inícios de Abril de 2016 verificou-se que a mesma deitava água por baixo e que o tambor não rodava bem, o que impedia a sua utilização;
G) Logo após o mencionado na cláusula anterior, os Demandantes telefonaram à Demandada “C” a reportar a situação, que os encaminhou para o serviço pós-venda e assistência técnica da marca (x), assegurados pela Demandada “D”;
H) Em 16 de Abril de 2016, funcionários da Demandada “D” deslocaram-se à residência dos Demandantes e procederam à recolha da máquina para reparação, tendo-a transportado numa carrinha;
I) A Demandada “D” contactou telefonicamente os Demandantes e informou-os que a máquina em causa não seria reparada, alegando para tal que que a cuba tinha sido danificada por uma barra de alumínio que não pertencia à maquina e que se encontrava no seu interior, o que não estava coberto pela garantia da marca;
J) Em 28 de Abril de 2016, o Demandante redigiu reclamação escrita no Livro de Reclamações da Demandada “C”, à qual foi atribuído o nº 16705847, com o seguinte teor: “Comprei uma máquina de lavar X há um mês. Reclamei que a máquina estava com uma fuga de água. A C diz que tenho que reclamar com a marca, após a marca x ter visto a máquina foi dito que a máquina não tem garantia devido a um furo na cuba provocado por um bocado de metal. A máquina é super silenciosa não faz barulho, nunca ouvi um bocado de ferro andar solto no tambor. Estou sem a máquina há 2 semanas e a C não resolve o meu problema”.
K) Como não obteve resposta, no dia seguinte, o Demandante redigiu nova reclamação escrita no Livro de Reclamações da Demandada “C”, à qual foi atribuído o nº 0000, com o seguinte teor: ”Falo com o gerente sobre uma avaria e encaminha-me para a pós venda. Falo com as pós-venda sobre o paradeiro da minha máquina e eles dizem que não é com eles para resolver isso com a marca. Falo com a marca e a marca não sabe de nada. Fiquei sem a máquina já vai 2 semanas. Sem notícias”;
L) Em 06 de Maio de 2016, o Demandante redigiu reclamação escrita no Livro de Reclamações da Demandada “D”, à qual foi atribuído o n.º 00000;
M) Em 16 de Maio de 2016, a Demandada “D” entregou a máquina aos Demandantes, sem qualquer reparação e com um buraco do tamanho de uma mão na zona do tambor;
N) Em 16 de Maio de 2016, o serviço pós-venda da Demandada “C” enviou mail ao Demandante onde refere que lhe remete o relatório que a assistência lhes enviou;
O) Em 23 de Maio de 2016, a Demandada “C” enviou carta ao Demandante, comunicando-lhe que, tal como ele havia sido informado, a marca da máquina em causa entendeu que o defeito que a mesma apresentava não estava coberto pela garantia;
P) Em 08 de Junho de 2016, os Demandantes, através da sua mandatária, enviaram carta registada à Demandada “D” a solicitar o pagamento da quantia de €599,00 relativa ao preço da máquina sob apreço, à qual não obtiveram resposta;
Q) Os Demandantes efectuaram deslocações às Lojas das Demandadas com vista à resolução da situação.

Motivação dos factos provados:
Tiveram-se em conta os documentos de fls. 10 a 22 (factura nº 00 de 28.02.2016, fotografia da máquina de lavar/secar roupa, reclamações nºs 00 e 00 do Livro de Reclamações da Demandada “C”, relatório de intervenção da Demandada “D”; fotografias da cuba da máquina; cópia da carta registada enviada à Demandada “D” e print informático dos CTT; mails trocados entre o Demandante e a Demandada “C”; carta enviada pela Demandada “C” ao Demandante); 37 e 38 (relatório de intervenção emitido pela Demandada “D”; cópia do certificado de garantia da marca “X”) e 80 a 84 (reclamação nº 000000 do Livro de Reclamações da Demandada “D” e procedimentos subsequentes), conjugados com as declarações do Demandante, que reiterou o referido no Requerimento Inicial, acrescentando que instalaram a máquina duas semanas depois de a terem comprado à Demandada “C”, a qual começou a deitar água pelo que chamaram o canalizador para ver se o problema era das canalizações; que verificaram ser mesmo um problema da máquina; que a “C” lhes disse que “não era nada com eles mas com a marca “X”, mas que a assistência efectuada pela “D” disse que era com a marca “X”. Relevou ainda o facto de a Demandada “D” ter admitido na sua Contestação não ter reparado a máquina e ter alargado um buraco para conseguir extrair o objecto metálico que, alegadamente, se encontrava no interior da máquina, bem como o depoimento das testemunhas, como segue:
- E, canalizador e vizinho dos Demandantes, tendo referido, de forma clara e credível, que faz uns biscates ao fim-de-semana para os amigos; que os Demandantes compraram uma máquina de lavar e que lhe pediram para fazer uma “puxada” de água e um esgoto para essa máquina, o que fez em Março de 2016 na altura da Páscoa; que, passados uns dias, foi chamado porque a máquina estava a deitar água por baixo mas relativamente à canalização e instalação estava tudo bem. Mais esclareceu que, a pedido dos Demandantes, foi quem entregou a máquina à Demandada “Ds”, a qual foi transportada numa carrinha muito pequena, sem resguardo;
- F, pai da Demandante, por ser conhecedor da situação, o qual, num depoimento convincente, declarou que os Demandantes fizeram uma ligação à água e esgoto normal e nivelaram a máquina; a máquina trabalhava normalmente ao princípio mas ao fim de algumas lavagens começou a perder água por baixo e a não fazer o programa. Acrescentou ainda que, embora nunca os tivesse acompanhado nas deslocações à Loja da “C”, sabia que fizeram reclamação e que esta andou a “empurrar” os Demandantes de um lado para o outro; mais referindo que a máquina foi entregue para reparar e que a assistência não o fez por ter “um ferro lá dentro”; que esta situação criou transtornos, não puderam usar a máquina, tendo inclusivamente lavado a roupa em sua casa.
- G, por ser funcionário da Demandada “C” há cerca de doze anos na área dos electrodomésticos, tendo esclarecido que neste momento exerce funções na recepção de mercadorias, mas que na altura trabalhava no serviço pós-venda. Referiu que quando há uma reclamação é a “C” que encaminha o pedido de assistência à marca; que conhece os Demandantes uma vez que estes foram à Loja, ao serviço pós-venda, fazer uma reclamação; que a marca só dá garantia se “ninguém tiver mexido na máquina”, declarando desconhecer se a máquina em causa foi ou não mexida; confrontado com o mail referido na cláusula N) dos factos provados disse conhecer a funcionária H, que era a colega do serviço pós-venda e confirmou que este serviço conhecia a situação dos autos.

Não foi provado que:
I. Após verificar que a máquina não estava a funcionar correctamente, a Demandante optou por contratar directamente um canalizador ao invés de accionar a garantia e requerer assistência técnica especializada;
II. A Demandante optou por mandar arranjar a máquina a um canalizador por sua conta e risco;
III. A Demandada “C” só teve conhecimento de toda a situação quando foi citada para a presente acção;
IV. A máquina tinha no seu interior um objecto metálico (barra de alumínio).

Motivação da matéria de facto não provada:
Os factos descritos sob I, II e III, por estarem em contradição com os factos provados. Refira-se que, quanto aos dois primeiros, a testemunha E declarou, de forma credível, que tinha sido contratado para efectuar as obras ao nível da canalização para instalação da máquina e não para “arranjar” a máquina em causa.
Relativamente ao facto III, o Demandante referiu ter contactado a Demandada “C”, tendo sido esta que o encaminhou para a assistência técnica, o que se revela credível, pois, para além de a testemunha G ter confirmado tal procedimento, como consta do verso da factura mencionada na al. C) dos factos provados, a própria Demandada reserva-se o direito de encaminhar o “cliente” para o posto de assistência que lhe seja mais próximo. Por outro lado, atente-se no teor das reclamações redigidas pelo Demandante no Livro de Reclamações da Demandada “C”, a reportar o seu descontentamento com a situação e ainda ao teor do mail de 16.05.2016 e da carta datada de 23.05.2016, onde a Demandada “C” remeteu ao Demandante o relatório da marca, e o informou de que o defeito da máquina não estaria coberto pela garantia, respectivamente, demonstrando, assim, conhecer perfeitamente a situação, o que, aliás, foi confirmado pela testemunha G que trabalhava no serviço pós-venda.
Quanto ao ponto IV, resultou de ausência de prova que atestasse a sua veracidade, na certeza de que a Demandada “D” não apresentou testemunhas nem sequer exibiu a dita peça metálica que, alegadamente, terá tirado da máquina.

IV - O DIREITO
Da (i)legitimidade da Demandada “D”
Alega a Demandada “D” ser parte ilegítima na acção, por ser alheia ao contrato de compra e venda celebrado entre os Demandantes e a Demandada “C”, alegando que os Demandantes suportam a causa de pedir e pedido em defeito da máquina que existia antes da sua intervenção, peticionando a sua absolvição da instância.
Ora, a legitimidade das partes afere-se nos termos das normas do Código de Processo Civil, no que não for incompatível com a Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho (doravante LJP), alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, por força do artigo 63º daquele diploma.
A legitimidade processual, pressuposto de cuja verificação depende o conhecimento do mérito da causa (artigo 278º, nº 1, al. d), do C.P.C., aplicável ex vi artigo 63º, da LJP), afere-se pelo interesse directo do autor em demandar e pelo interesse directo do réu em contradizer (artigo 30º, nº 1, do C.P.C.).
Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (nº 3 do citado artigo 30º): há que atender à substância do pedido formulado e à concretização da causa de pedir, de tal maneira que partes legítimas na acção são os sujeitos da relação material definida através destes dois elementos. Assim, o Autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar, interesse este que se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção, e o Réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer, interesse este que se exprime pelo prejuízo que lhe pode advir da procedência da acção.
Assim a ilegitimidade de qualquer das Partes apenas ocorrerá quando, em juízo, se não encontrar o titular da alegada relação material controvertida ou quando, legalmente, não for permitida a titularidade daquela relação.
E se assim acontecer, nos termos conjugados do vertido na alínea e) do art.º 577º com a alínea d) do nº1 do art.º 278º, ambos do C.P.C., a ilegitimidade de alguma das Partes constitui uma excepção dilatória, devendo o Juiz, neste caso, abster-se de conhecer do pedido e absolver a parte da instância.
Voltando ao caso dos autos, os Demandantes peticionam o pagamento pela Demandada “D” do valor da máquina de lavar/secar roupa e de indemnização pelos danos sofridos pela privação do uso da máquina, deslocações e transtornos, sendo que suportam esse seu pedido no facto de terem sido encaminhados pela Demandada “C” para a assistência técnica da marca “X”, assegurada pela Demandada “D”, que procedeu ao levantamento da máquina, colocando-a numa carrinha sem que estivesse devidamente acondicionada, sendo praticamente atirada para dentro do transporte, e que, após lhes ter referido que a marca não assumia a garantia por mau uso dos Demandantes, já que no interior da máquina se encontrava uma peça metálica, entregaram a máquina em piores condições, apresentando um buraco do tamanho de uma mão na cuba.
Vemos, desde logo, que da procedência da acção podem advir prejuízos para a Demandada “D”, os quais produzirão efeitos na sua esfera jurídica.
Assim sendo, é de concluir que a Demandada “D” tem interesse em contradizer, sendo bastante tal circunstância para concluir pela sua legitimidade processual, pelo que se indefere a alegada excepção da ilegitimidade passiva.

Da excepção da caducidade do direito dos Demandantes

Dispõe o art.º 298º, nº 2 do Cód. Civil que “Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deve ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.”

Por sua vez, nos termos do art.º 331º, nº 1, do Cód. Civil, do mesmo diploma legal, a caducidade só é impedida pela prática do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo, dentro do prazo legal ou convencional. Mas, quando a lei fixa um prazo para o exercício de determinado direito, não quer tornar esse direito dependente da observância do prazo, mas, apenas fazê-lo extinguir, se o prazo não for observado.

O fundamento do instituto da caducidade é a exigência de que certos direitos sejam exercidos durante certo prazo, a fim de que a situação jurídica fique definida e inalterável. Na caducidade está em causa um verdadeiro prazo peremptório de exercício do direito. Este deve ser exercido dentro de certo prazo, senão o direito caducado perde a sua existência.
O prazo de caducidade, ao contrário da prescrição, não se suspende nem interrompe, apenas é impedido pela prática do acto, dentro do prazo legal ou convencional, a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.
In casu, os Demandantes adquiriram uma máquina de lavar/secar roupa à Demandada “C” em 28 de Fevereiro de 2016, que padece de defeitos.
Cumpre apreciar se esses defeitos foram atempadamente denunciados.
Vejamos,
Da factualidade assente resulta que, na presente acção, estamos perante um contrato de compra e venda, disciplinado quer no Código Civil, quer na Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor), alterada e complementada pelo DL n.º 67/2003, de 08.04, este sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e outros contratos, bem como das respectivas garantias e prazos (e que transpôs a Directiva 1999/44/CE), e alterado pelo DL n.º 84/2008, de 21.05.
Assim, e em conformidade com o disposto no art.º 1º-A, nº1, do DL nº 67/2003 de 8 de Abril, com as alterações constantes do decreto supra mencionado, titulado de “âmbito de aplicação”, refere a sua aplicação aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores, o que sucede nos presentes autos, pois os Demandantes são consumidores, e a Demandada “C” é comerciante, tal qual estão definidos no art.º 1º-B, alínea a).
O prazo de garantia, quer para os bens móveis, quer imóveis está previsto no art.º 5º, sendo, respectivamente, de dois e cinco anos.
O art.º 5º-A do DL nº 67/2003 de 08.04, refere, no seu nº 1 e n.º 2, o prazo para o consumidor denunciar a falta de conformidade e defeitos, evitando a sua caducidade, sendo no caso de bem móvel de dois meses.
Ora, os Demandantes adquiriram a máquina de lavar/secar roupa em 28 de Fevereiro de 2016.
Como necessitaram de efectuar obras que permitisse a ligação da máquina à rede de água e esgotos, só procederam à instalação da mesma em meados de Março de 2016. Após 2/3 lavagens, os Demandantes detectaram que a máquina deitava água pela parte inferior e que o tambor não rodava bem. De imediato, em inícios de Abril de 2016, os Demandantes contactaram a Demandada “C” a reportar a situação, que os encaminhou para o serviço pós-venda e de assistência técnica da marca, assegurado pela Demandada “D”, sendo que esta empresa procedeu à recolha da máquina em 16 de Abril de 2016 para reparação.
Assim e pelo exposto, os defeitos da máquina foram comunicados à Demandada “C” atempadamente.
Atenta a falta de prova em sentido contrário, produzida pela Demandada “C”, cujo ónus lhe competia nos termos do art.º 342º, nº2, do Código Civil, e sem necessidade de mais, decidimos declarar improcedente a excepção de caducidade invocada.

No mais,
Perante os factos dados como provados é inequívoco que entre os Demandantes e a Demandada “C” foi celebrado um típico contrato de compra e venda.
Há na compra e venda a transmissão correspectiva de duas prestações: por um lado, o direito de propriedade ou outro direito e, por outro lado, o preço.
Da definição dada pelo art.º 874º do Cód. Civil, resultam as características fundamentais deste tipo de contrato, quais sejam, onerosidade, bilateralidade, prestações recíprocas e eficácia real ou translativa.
O art.º 879º prescreve os efeitos essenciais deste típico contrato.
Ora,
Os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e as partes que neles outorgam cumprem as obrigações deles derivadas quando realizem a prestação a que estão vinculadas (artigos 406º, nº 1, e 762º, n.º 1 do Cód. Civil).
No âmbito das modalidades da inexecução da obrigação conta-se, além da mora e do incumprimento definitivo, a execução defeituosa, na lei designada por cumprimento defeituoso (artigo 799º, n.º 1 do Cód. Civil).
É o caso de o devedor executar materialmente a prestação, mas incumprir o contrato, por virtude de a executar deficientemente, isto é, em desconformidade com o convencionado.
A coisa vendida é defeituosa se sofre de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tem as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim a que se destinam (artigo 913º, nº 1 do Cód. Civil).
O vendedor garante a boa qualidade da coisa vendida (durante o período abrangido), “assegura por um certo período um determinado resultado, a manutenção em bom estado ou bom funcionamento (idoneidade para o uso) da coisa, sendo responsável por todas as anomalias, avarias, falta ou deficiente funcionamento por causa inerente à coisa e dentro do seu uso normal”.
Nesse período, o comprador apenas tem o ónus da denúncia da anomalia (para o vendedor poder repará-la, ou substituir o bem, se necessário, sem necessidade de alegar e provar a concreta avaria ou defeito). Consagra-se como que uma “responsabilidade especial de natureza objectiva que tem por base a assunção pelo vendedor do risco relativo a defeitos de funcionamento da coisa”. O vendedor, pela garantia de bom funcionamento, assegura um resultado – o bom funcionamento durante determinado período – e, portanto, assume a obrigação de reparação de qualquer avaria que surja ou, se necessário, a substituição da coisa, mesmo que não haja culpa da sua parte, só podendo desobrigar-se provando que a anomalia, a avaria ou a causa do mau funcionamento, é posterior à data da entrega do bem e foi provocada por conduta culposa do comprador. Surgindo a avaria no período de garantia, o comprador tem direito à reparação ou substituição da coisa, direito que acresce aos previstos nos art.ºs 913º e seguintes do Cód. Civil.
Sucede que nos negócios jurídicos relativos a bens de consumo como é o contrato de compra e venda dos autos pois trata-se de contrato celebrado entre um consumidor final, um particular não profissional, e um profissional que actua no quadro da sua actividade comercial, a Lei do Consumidor reforça a tutela dos direitos do consumidor em termos mais amplos que os previstos no Código Civil supra mencionados, conferindo-lhe o direito à qualidade dos bens e serviços destinados ao consumo, direito esse que tem assento constitucional – artigo 60º, nº 1 da CRP.
É o que resulta do artigo 2º, nº 1, do D.L. 67/2003 de 08.04, quando dispõe que o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda. Havendo alguma desconformidade do bem fornecido com o acordado (artigo 2º, nº 2, do DL 67/2003), há responsabilidade do vendedor, pois que este responde por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem é entregue ao comprador (artigo 3º, nº 1, do mesmo DL). Deve a coisa entregue ser idónea para satisfazer os fins e produzir os efeitos a que se destina, segundo as normas legalmente estabelecidas e as expectativas legítimas do consumidor. A tutela da confiança do consumidor na idoneidade dos bens adquiridos, que têm as qualidades asseguradas ou legitimamente esperadas, justifica a garantia contra defeitos da coisa, reportada à data da sua entrega.
Em caso de falta de conformidade do bem entregue com o contrato, o consumidor tem direito a que seja reposta a conformidade preterida, por meio de reparação ou de substituição do bem, pela redução do preço, podendo, ainda, resolver o contrato (artigo 4º, nº 1, do DL 67/2003), além do direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais (artigo 12º da Lei n.º 24/96 de 31.07), que o comprador pode sempre exercer isoladamente ou em conjunto com os outros direitos previstos naquele artigo 4º, nº 1.
Mas, se o vendedor responde pela desconformidade do bem, mesmo sem culpa, desta não prescinde a obrigação de indemnizar, nos termos desse artigo 12º, nº 1, da Lei 24/96 de 31.07, ainda que, como se está no âmbito da responsabilidade contratual, a culpa se presuma (artigo 799º/1 do CC). Embora os prazos previstos no artigo 5º, nº 1 do DL 67/2003 não constituam prazos de garantia do bom funcionamento do bem durante esse período, pois o vendedor só responde por vícios existentes no momento da entrega, acabam por ter efeitos semelhantes uma vez que qualquer desconformidade verificada nesses prazos se presume existente na data da entrega do bem.
Assim, aparecendo qualquer anomalia, que prejudique a efectiva utilização do bem, que não corresponda às expectativas legítimas do consumidor (tendo presente o bem em causa), e que apareça no período da garantia, é da responsabilidade do vendedor (a não ser que demonstre que avaria ou anomalia se deve a actuação inapropriada do consumidor ou de terceiro, ou seja, que não decorre de vício ou defeito, ou menor qualidade, existente na data da entrega do bem), ficando obrigado a reparar a avaria ou a substituir o bem se necessário, tratando-se de coisa fungível, ou sujeita-se a ver resolvido o contrato como acima se deixou dito.
O consumidor não goza de assistência gratuita durante toda a vida útil do bem; a garantia não é ilimitada no tempo.
Verifica-se que, no caso em apreço, a “garantia” é de dois anos já que se trata de coisa móvel, o que é dizer que o comprador pode exercer os direitos previstos no artigo 4º, nº 1, quando a falta de conformidade se manifestar dentro desse prazo a contar da entrega do bem, presumindo-se que o defeito existia nessa data. Daí que o consumidor só terá de alegar e provar a desconformidade, independentemente da causa concreta, e que a anomalia se manifestou dentro do prazo de “garantia”.
Nesta matéria e com relevo, dispõe o nº 1 do art.º 6.º do DL n.º 67/2003 que “Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, o consumidor que tenha adquirido coisa defeituosa pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição (…).”, e o nº 3 que “O representante do produtor na zona de domicílio do consumidor é solidariamente responsável com o produtor perante o consumidor (…)”.
De acordo com o art.º 1º-B, al. e) do citado DL “Representante do produtor” é, “qualquer pessoa singular ou colectiva que actue na qualidade de distribuidor comercial do produtor e ou centro autorizado de serviço pós-venda, à excepção dos vendedores independentes que actuem apenas na qualidade de retalhistas”.
Ora a Demandada “D” assegura o serviço pós-venda e assistência técnica da marca (fabricante) da máquina em causa, pelo que como representante da marca pode ser accionada.
Por outro lado, a reparação da máquina era possível, todavia teria de ser paga pelos Demandantes, por se verificar, na versão da Demandada “D”, violação das condições da garantia prestada pela marca” X” – mau uso pelos Demandantes da máquina ao introduzirem na mesma um objecto metálico.
Todavia, o que os Demandantes pretendem com a presente acção é a resolução do contrato de compra e venda celebrado com a Demandada “C”, com a consequente restituição do preço da máquina, e não a reparação ou substituição da máquina (o que implicaria a manutenção do contrato celebrado).
Contudo essa pretensão não pode ser assacada à Demandada “D” uma vez que, como representante do fabricante, esta só responde pela reparação/substituição da máquina (art.º 6.º do Decreto-Lei nº 67/2003), sendo que, por via disso, vai a mesma absolvida do pedido.
Afastada a sua responsabilidade nos termos expostos, interessa verificar se a sua conduta pode ser enquadrada na responsabilidade extracontratual.
O art.º 483º do Cód. Civil determina que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Importa referir que a obrigação de indemnizar, seja qual for a fonte de que provenha radica sempre num dano, isto é, na supressão ou diminuição de uma situação vantajosa que era protegida pelo ordenamento jurídico (cfr. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, II, 1986).
Além do dano, são ainda considerados pressupostos da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana: o facto, que se analisa numa conduta humana dominável pela vontade; a ilicitude, traduzida na violação de direitos subjectivos absolutos, ou de normas destinadas a tutelar interesses privados; a imputação psicológica do facto ao lesante, sob a forma de dolo ou de mera culpa e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, que pode afirmar-se, quando se prove, que a conduta do lesante era adequada à produção do prejuízo efectivamente verificado, nos termos do disposto no Art.º 563.º do C.C. (cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1, 4.ª ed., 471 e ss. e 578).
Reportando-nos ao caso dos autos, dúvidas não há que a Demandada “D” entregou a máquina aos Demandantes, sem reparação, com um buraco na cuba, por si efectuado (ou pelo menos alargado segundo a sua versão) aquando da verificação da origem do defeito. Quanto ao alegado objecto de metal, não foi possível determinar sequer a sua existência.
Os Demandantes limitaram-se a alegar, de forma conclusiva, que a máquina foi entregue em piores condições, com um buraco do tamanho de uma mão na cuba, que, como as fotografias juntas aos autos documentam, trata-se de uma estrutura plástica que é vulcanizada.
Todavia, não foi alegado pelos Demandantes, como lhes incumbia, nos termos do art.º 342º do Código Civil, que esse buraco tivesse agravado os defeitos de que a máquina já padecia (fuga de água e o tambor não rodar bem) ou que, porventura, ocasionassem outros que impedissem a sua utilização e que com aqueles pudessem concorrer, ou seja não foi alegado a produção de um dano causado pela Demandada “D” susceptível de inutilizar a máquina ou de diminuir a sua funcionalidade. Também não foi alegado e demonstrado nos autos que a Demandada “D” poderia/deveria ter agido de outro modo, na averiguação do defeito que a máquina apresentava.
Assim sendo, por não se encontrarem reunidos os requisitos cumulativos plasmados no art.º 483º do Código Civil, também por esta via a Demandada “D” vai absolvida do pedido.
Cumpre de seguida, face à matéria de facto dada como provada, verificar se estão reunidas as condições para a procedência do pedido em relação à Demandada “C”.
Como se deixou referido supra, os Demandantes cumpriram o ónus de evidenciar, atempadamente, junto da Demandada “C” a desconformidade apresentada pela máquina de lavar/secar roupa, sendo que a anomalia que a mesma apresentava (fuga de água e o tambor não rodar bem) impedia o fim para que foi construída – o de lavar/secar roupa.
À Demandada “C”, para se ilibar da sua responsabilidade, incumbia alegar e provar que a causa da fuga de água e do tambor não rodar bem é imputável aos Demandantes, a terceiro ou devida a caso fortuito.
Com efeito, na sua Contestação, a Demandada “C” imputa a verificação dos defeitos a deficiente instalação da máquina por parte dos Demandantes, o que não resultou provado.
Por sua vez, a Demandada “D” imputou o defeito à má utilização da máquina pelos Demandantes, concretamente por terem inserido nela um objecto metálico (barra de alumínio). Todavia, para além de não ter provado que no interior da máquina existisse a dita barra de alumínio, dada a natureza vulcanizada da cuba, é pouco provável que os Demandantes fizessem passar um objecto metálico do tambor para a cuba, para mais sem danificar o tambor (!?).
Voltando à específica legislação no âmbito do direito de consumo e que tende a favorecer o consumidor, no que concerne à aquisição de um produto defeituoso, estabelece esta a presunção que os bens de consumo não são conformes com o contrato se, entre outros factos, se verificar que os bens não apresentam “as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem”.
Nessa sequência, prescreve o art.º 3º do Decreto-Lei n.º 67/2003 de 8 de Abril: “o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue” e o nº 2 acrescenta que “as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou cinco anos a contar da data da entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.”
Beneficiando os Demandantes da presunção de desconformidade do bem em causa, enquanto a Demandada “C”, por sua vez, se encontrava onerada com uma presunção de culpa, nos termos previstos no art.º 799º do Cód. Civil, em que incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, presunções essas que não foram elididas, conclui-se que a máquina não apresentava as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pôde razoavelmente esperar.
Ora, a lei confere ao consumidor, como já supra referido, a escolha por uma das quatro soluções possíveis: a reparação ou substituição, a redução adequada do preço ou a resolução do contrato, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais, o que não se verifica.
Os Demandantes vieram pedir a restituição do preço da máquina de lavar/secar roupa, o que, juridicamente, se interpreta como pedido de declaração de resolução do contrato.
Os efeitos da resolução do contrato são equiparados aos da nulidade e anulabilidade devendo, no caso, a Demandada “C” restituir o preço de €599,00 da máquina aos Demandantes e estes, por sua vez, devolver a máquina adquirida à Demandada “C” no estado em que esta se encontrar (artigos 433º e 289º do Cód. Civil).
Peticionaram ainda os Demandantes a quantia de € 250,00, a título de indemnização pela privação do uso da máquina e pelos transtornos sofridos.
Nos termos do art.º 12º da Lei do Consumidor, têm os Demandantes, cumulativamente com os direitos previstos no já citado art.º 4º do DL n.º 67/2003, o direito a serem indemnizados nos termos gerais.
Provado ficou que a máquina lavou por 2/3 vezes, tendo sido recolhida em 16 de Abril de 2016 pela Demandada “D”, ficando os Demandantes privados da mesma desde essa data, sem que tivesse vindo a ser reparada.
Ora, este quadro de factos, por si só, independentemente da comprovação de outros factos que poderiam facilitar a quantificação exacta dos prejuízos, permite-nos afirmar que estamos em face de um dano autónomo: o dano da privação do uso.
Tendo em conta a orientação da jurisprudência mais recente, o simples uso constitui uma vantagem patrimonial susceptível de avaliação pecuniária. Os Demandantes não alegaram quaisquer prejuízos efectivos, tendo o Tribunal como referência para fixar a indemnização a data em que aqueles se viram privados da máquina e o facto de esta não ter sido reparada. Importa ainda considerar que, nos dias de hoje, a máquina de lavar e secar roupa é um electrodoméstico imprescindível, de uso frequente, senão diário.
Face ao exposto, fixa-se, equitativamente, no valor de € 100,00 (cem euros), a indemnização respeitante à privação do uso da máquina, por se considerar um valor adequado – art.º 566º, nº3, do Cód. Civil.
Quanto aos demais danos invocados,
prescreve o art.º 496º do Cód. Civil que: “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.”
É jurisprudência dominante que os transtornos, no sentido de “incómodos”, derivados da circunstância de se andar a tratar da resolução de um assunto pendente, com as inerentes deslocações, não são indemnizáveis a título de responsabilidade civil por danos não patrimoniais, por não reunirem dignidade bastante para que a ordem jurídica deles se ocupe.
Assim, entendemos que os transtornos que os Demandantes alegam ter sofrido com as deslocações que fizeram com vista à resolução da situação não se revestem daquela gravidade que mereça a tutela do direito e, por isso, não justificam a atribuição de uma indemnização.
Às quantias assim apuradas acrescem os juros de mora, à taxa legal vigente, contabilizados desde a citação até efectivo e integral pagamento – cfr. art.ºs 804º e 805º, n.º 1, do C. Civil.
V – DISPOSITIVO
Face a quanto antecede, julgo parcialmente procedente a acção e, por consequência:
a) declaro resolvido o contrato de compra e venda celebrado entre os Demandantes A e B e a Demandada “C.”, condenando esta a pagar-lhes a quantia de € 599,00 (quinhentos e noventa e nove euros) relativa ao preço de aquisição da máquina de lavar/secar roupa, devendo os Demandantes proceder à devolução da mesma;
b) condeno a Demandada “C.” a pagar aos Demandantes A e B a quantia de € 100,00 (cem euros), a titulo de danos sofridos pela privação do uso da máquina;
c) ambas as quantias acrescidas dos juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento;
d) absolvo do pedido a Demandada “D,Lda.”.

Custas pelos Demandantes e pela Demandada “C” na proporção do seu decaimento, que se fixa em 18% e 82%, respectivamente, devendo a Demandada “C” pagar a quantia de € 23,00, os Demandantes serem reembolsados desse mesmo valor, e a Demandada “D” ser reembolsada da quantia de € 35,00. Cumpra-se assim o disposto nos artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro.

Registe e notifique.
Vila Nova de Gaia, 13 de Março de 2017
A Juiz de Paz

(Paula Portugal)