Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 238/2022-JPSTB |
Relator: | CARLOS FERREIRA |
Descritores: | RECONHECIMENTO E RESTITUIÇÃO DA POSSE DE UMA PARCELA DE TERRENO. |
![]() | ![]() |
Data da sentença: | 09/27/2024 |
Julgado de Paz de : | SETÚBAL |
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 238/2022-JPSTB * Resumo da decisão: - Declara os Demandados totalmente absolvidos do pedido. - Declara improcedente, por não verificada, a ilegitimidade ativa da 3.ª Demandante. - A parte demandante tem custas a pagar na quantia de €70,00 (setenta euros), no prazo de 3 dias úteis. *** Sentença Parte Demandante: --- 1) [PES-1], contribuinte fiscal número [NIF-1], e; --- 2) [PES-2], contribuinte fiscal número [NIF-2], ambos residentes na [...], Caixa 904, [...], [Cód. Postal-1] [...]. 3) [PES-3], contribuinte fiscal número [NIF-3], residente na [...], [...] 8, [...], [Cód. Postal-2] [...]. - Mandatários: Dr. [PES-4], e Dr.ª [PES-15], Advogados, com escritório na [...], n.º 26, [Cód. Postal-3] [...]. --- Parte Demandada: ---- 1) [PES-5], contribuinte fiscal número 146667269, residente na [...], n.º 187, 3.º Dt. º, [Cód. Postal-4] [...]. --- Mandatário: Dr.ª [PES-6], Advogada com escritório na [...], n.º 11, 6.º Dt. º, [Cód. Postal-5] [...]. --- 2) [PES-7], contribuinte fiscal número [NIF-4], residente na [...], n.º 147, 2.º Dt. º, [Cód. Postal-6] [...]. --- Mandatária: Dr.ª [PES-8], Advogada, com escritório na [...], n.º 44, 2.º Dt. º, [Cód. Postal-7] [...]. * Matéria: Ações de reivindicação, possessórias, usucapião acessão e divisão de coisa comum, al. e), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei dos Julgados de Paz (versão atualizada da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho). --- Objeto do litígio: Reconhecimento e restituição da posse de uma parcela de terreno. --- * Relatório: --- Os Demandantes instauraram a presente ação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 7 a 25, que aqui se declara integralmente reproduzido, peticionando a condenação dos Demandados a restituírem-lhes a posse do “quintal” e a demolição do muro e de todas as coisas construídas que impedem o acesso ao local, e a sua utilização. --- Para tanto, alegaram em síntese que, os 1.º e 2.º Demandantes são proprietários do prédio descrito na ficha [Nº Identificador-1] da 1.ª Conservatória do Registo Predial de [...], [...]. --- Entre o referido prédio e a propriedade dos Demandados existe um “quintal” que, há mais de cinquenta anos, sempre foi utilizado pelos Demandantes e pelos anteriores proprietários para estenderem e secarem roupa, guardarem andaimes de obra e objetos de sua propriedade, de forma pacífica, à vista de todos e sem oposição de ninguém. ---- Desde 01-02-2017 o quintal é utilizado pela Demandante [PES-3], arrendatária do prédio dos Demandantes, para estender e secar roupa e guardar objetos. --- Em setembro e outubro de 2021, os Demandados construíram um muro junto da porta de entrada do referido “quintal”, que impede totalmente o acesso dos Demandantes ao local. --- Concluíram pela procedência da ação, juntaram documentos e procuração forense. ---- Regularmente citado, o 1.º Demandado apresentou contestação de fls. 102 a 115, que aqui se declara integralmente reproduzida, defendendo-se por exceção e por impugnação. ---- O 1.º Demandado alegou a titularidade do direito de propriedade sobre o logradouro, o qual abrange a parcela de terreno que os Demandantes designam como quintal. --- Mais alegou, a pendência de ação judicial que configura causa prejudicial relativamente ao objeto da presente ação, e impugnou o valor da ação para daí concluir pela incompetência do Julgado de Paz para julgar o mérito da causa. --- Por impugnação, o 1.º Demandado alegou, em síntese que, os Demandantes não exercem a posse sobre a parcela de terreno que designam por quintal, e que corresponde ao logradouro do prédio urbano descrito na ficha [Nº Identificador-2], da 1.ª Conservatória do Registo Predial de [...]. --- Por sua vez, a 2.ª Demandada apresentou contestação conforme fls. 173 a 176 verso, que também aqui se considera integralmente reproduzida. --- A 2.ª Demandada suscitou a exceção de ilegitimidade ativa relativamente à 3.ª Demandante, em resumo porque, sendo esta inquilina dos 1.º e 2.ª Demandantes, não titula nessa qualidade a posse em causa nos autos. --- Por impugnação, a 2.ª Demandada, sucintamente, secundou a contestação do 1.º Demandado. --- Ambos os Demandados, respetivamente, concluíram pela procedência das exceções e pela improcedência da ação, juntaram procurações forenses e documentos. --- * Foi realizada sessão de Mediação na qual as partes não lograram chegar a acordo, fls. 254 a 255. - * Aberta a audiência e estando todos presentes, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei dos Julgados de Paz. ---- Foi feito o esforço necessário e na medida em que se mostrou adequado, para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no art.º 2.º, e n.º 1, do art.º 26.º, ambos da Lei dos Julgados de Paz, o que não logrou conseguir-se. ---- Frustrada a tentativa de conciliação, em observância das normas de processo, prosseguiu a realização da audiência de julgamento, na qual, após exercício do contraditório foi admitida a junção de prova documental. --- Foi indeferido o pedido de suspensão da instância com base em causa prejudicial, por não verificada, e o incidente de impugnação do valor da causa foi declarado improcedente, bem como, foi declarada improcedente a incompetência do Julgado de Paz em função do valor da causa, tendo sido fixado o valor à causa em €5.000,00 (cinco mil euros), como resulta documentado na ata do julgamento. ---- O conhecimento e decisão sobre a exceção de ilegitimidade ativa da 3.ª Demandante foi relegada para sede de sentença, pelo que cumpre decidir a questão. --- * Sobre a exceção dilatória de ilegitimidade ativa da 3.ª Demandada. --- Resumidamente, a referida exceção foi deduzida com base na impossibilidade de o inquilino possuir em nome próprio porque, em última análise, a posse é sempre exercida pelo titular do direito real, que cede o gozo sobre o imóvel e bens que integram o objeto do arrendamento. --- Ora, como resulta das premissas em que a questão é colocada, a matéria que fundamenta a alegada exceção não releva para os pressupostos da ação, mas antes, impacta no mérito da causa. --- Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, a exceção de ilegitimidade ativa suscitada em sede de contestação pela 2.ª Demandada, respeita à vertente substantiva da situação jurídica em causa (situação possessória), e não à legitimidade processual enquanto pressuposto da regularidade da instância na presente ação, tendo em conta configuração dada à causa pelo autor e a salvaguarda do efeito útil normal da decisão, cf., art.º 30.º e 33.º, ambos do Código de Processo Civil.--- Com efeito, tendo em conta a configuração dada à ação no requerimento inicial, a 3.ª Demandante tem interesse em demandar, alegando elementos de facto constitutivos da posse que pretende ver reconhecida a seu favor, e correspondentemente, os Demandados têm interesse em contradizer, como fizeram nas suas doutas contestações, impugnando a factualidade alegada. --- Por outro lado, a lei consagra o direito de o arrendatário usar, mesmo contra o locador, os meios facultados ao possuidor para defesa dos seus direitos (o que pressupõe a legitimidade da inquilina para agir em juízo, em nome próprio, contra os autores de atos que perturbem o gozo da coisa), nos termos do art.º 1037.º, n.º 2, do Código Civil.--- Assim, deve improceder por não verificada a referida exceção de ilegitimidade processual. --- * Tendo em conta a natureza perentória da exceção relacionada com a alegada titularidade do direito de propriedade sobre a mesma parcela de terreno que os Demandantes invocam possuir, relego o seu conhecimento e decisão para a fundamentação de direito, infra. --- * Fundamentação – Matéria de Facto: --- Incumbe ao Demandante o ónus de provar os factos que constituem o direito invocado na presente ação (cf., n.º 1, do art.º 342.º, do Código Civil). --- Por outro lado, cabe ao Demandado fazer prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo Demandante (cf., nº2, do artigo 342º, do Código Civil). --- Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que: --- 1. Desde 20-11-2007, os 1.º e 2.º Demandantes têm registada em seu nome a aquisição do prédio urbano sito na [...], em [...], [Cód. Postal-2] [...], descrito na ficha [Nº Identificador-1], da 1.ª Conservatória do Registo Predial de [...], inscrito na matriz predial urbana sob o artigo[Nº Identificador-3], composto por edifício de um só pavimento para habitação, fls. 143 e 143 verso, e 144 a 148 verso;--- 2. Desde 28-07-2010, que os Demandados têm registada em seu nome, a aquisição em regime de compropriedade, do prédio urbano descrito na ficha [Nº Identificador-2], da 1.ª Conservatória do Registo Predial de [...], sito na [...], [...] (S. Lourenço e S. Simão), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 8385 (com origem no artigo [Nº Identificador-4]), composto por edifício de rés-do-chão para habitação, com a área de 50m2, e logradouro com a área de 62m2, fls. 58, 59, 134 a 142, e 180 a 181;--- 3. O prédio identificado em 1, confina a poente com o prédio identificado no número anterior; -- 4. O logradouro que integra a descrição do prédio identificado em 2, foi antigamente utilizado de forma repartida por duas famílias, como quintal; --- 5. Os utilizadores do antigo quintal pagavam uma quantia a título de renda a [PES-9], antiga proprietária (avó da testemunha [PES-10]); --- 6. O referido quintal era dividido por uma vedação rudimentar, feita em rede de arame e postes de madeira, colocada na perpendicular à via pública, [...]; --- 7. Uma parte do quintal estava arrendado à “[PES-16]”, e a outra parte a [PES-11]; --- 8. A “[PES-16]”, habitava a casa existente no prédio identificado em 2; --- 9. O acesso de [PES-11] à parte que utilizava do referido quintal era feito pela [...], através de uma porta existente no muro, fls. 35; --- 10. Desde a morte da “Tia Neca”, que o logradouro ficou desocupado e sem ninguém o utilizar; - 11. No ano de 2009, a testemunha [PES-10], registou em seu nome, por usucapião, a aquisição do prédio identificado em 2, fls. 180 a 181; --- 12. Todo o imóvel identificado em 2, ficou ao abandono durante vários anos, até à sua aquisição pelos Demandados, em 28-07-2010, por compra, à testemunha [PES-10], fls. 35, 178 e 179; --- 13. Em 2011, os Demandantes colocaram um andaime no referido quintal para fazerem obras na fachada do prédio identificado em 1; --- 14. Os Demandantes não procederam à retirada do andaime após a conclusão das obras; --- 15. O logradouro do prédio identificado em 2 ficou coberto de vegetação espontânea, com entulho e restos dos materiais utilizados pelos Demandantes nas obras realizadas no imóvel de sua propriedade; --- 16. Os anteriores arrendatários dos Demandantes utilizaram o local para estender roupa, durante um breve período de tempo; --- 17. Em setembro de 2011, o 1.º Demandado mandou limpar o logradouro do prédio identificado em 2; --- 18. No decurso da referida limpeza, os Demandados colocaram um portão e uma porta de madeira no muro que confina com a [...], fls. 51 a 53; --- 19. Por contrato escrito datado de 01-02-2017, os 1.º e 2.ª Demandantes cederam por arrendamento à 3.ª Demandada o imóvel identificado em 1, fls. 147 a 50 (164 a 165 verso); - 20. O 1.º Demandado consentiu que a 3.ª Demandante utilizasse temporariamente o logradouro para estender roupa; --- 21. A 3.ª Demandante utilizou o logradouro para estender roupa desde meados de 2017, até finais do ano 2018; --- 22. Desde o final de 2018 que a 3.ª Demandante deixou de utilizar logradouro do prédio identificado em 2; --- 23. Os Demandados realizaram obras na sua propriedade, incluindo no logradouro do prédio identificado em 2, fls. 66 e 67, 166 a 172; --- 24. Em data que não concretamente apurada, mas que se sabe ter sido entre finais de agosto e início de setembro de 2021, os Demandados reconstruíram o muro do prédio identificado em 2, na estrema da [...]; --- 25. Com as obras referidas no número anterior, os Demandantes ficaram sem acesso ao antigo quintal. --- * Factos não provados: --- Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, que: --- i. O quintal é uma faixa de terreno destacado e autónomo que não está registado em nome dos Demandados; --- ii. Há 50 anos, pelo menos, que o quintal é utilizado pelos proprietários (anteriores e atuais) do prédio identificado em 1, para estenderem e secarem roupa e guardarem objetos; --- iii. A posse do quintal foi transmitida aos Demandantes pelos anteriores proprietários que utilizaram pacificamente e à vista de todos; --- iv. O quintal, desde que o prédio identificado em 1, foi adquirido pelos Demandantes, foi sempre utilizado pelos moradores deste, para estender e secar roupa, guardarem andaimes de obra e objetos de sua propriedade; ---- v. Desde 01-02-2017, a 3.ª Demandante utiliza o quintal para estender e secar roupa, guardar andaimes e outros objetos; --- vi. No referido quintal, os Demandantes têm objetos da sua propriedade, nomeadamente, andaimes e um estendal. --- ---*--- Motivação da Matéria de Facto: --- Os factos provados resultaram da conjugação da audição de partes, dos documentos constantes dos autos, e do depoimento testemunhal prestado em sede de audiência de julgamento, tendo os vários elementos de prova sido apreciados de forma a compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, tendo em conta os dados da experiência de senso comum e as características próprias a relação controvertida vivenciada pelas partes. --- Consideram-se provados por declarações do 1.º Demandante, com valor de confissão, os factos respeitantes aos números, 18, 20, 21 e 25. --- Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, Código de Processo Civil, aplicável ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz, consideram-se admitidos por acordo os factos constantes nos números 3, 13, 14 e 24. ---- Pela prova documental consideram-se provados os factos suportados pelo teor dos documentos indicados de forma especificada, na enumeração do probatório supra. --- Os factos constantes dos números 4 a 10, 12, 15 a 17, e 23, ficaram provados pelo depoimento genericamente convergente de todas as testemunhas apresentadas em audiência de julgamento, as quais revelaram isenção e credibilidade e razão de ciência, em especial a testemunha [PES-12], comum a ambas as partes, que declarou ter feito, como empreiteiro, as obras de construção para os Demandados, sendo de relevar que a testemunha [PES-10] é descendente direto de [PES-13], e vendeu o prédio identificado em 2, aos Demandados. --- Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados, da audição ou do depoimento das partes ou das testemunhas com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito. – Os factos não provados resultam da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos. --- ---*--- Fundamentação – Matéria de Direito: --- O objeto da ação está delimitado pela causa de pedir, pelo pedido e pelas exceções suscetíveis de impedir, modificar ou extinguir o direito que os Demandantes pretendem exercer ou ver reconhecido. Dos pedidos deduzidos pelos Demandantes extrai-se, além do mais, a pretensão de obterem a condenação dos Demandados a restituírem-lhes a posse do “quintal” e a demolição do muro e de todas as coisas construídas que impedem o acesso ao local, e a sua utilização. --- As questões a decidir pelo tribunal são as seguintes: --- - Se os Demandantes exercem a posse numa parcela de terreno, que designam por “quintal”; --- - Se os Demandados estão obrigados a demolir as obras de construção civil que realizaram, e impedem os Demandantes de continuarem a aceder e utilizar o “quintal”; --- - A responsabilidade pelas custas da ação. --- Vejamos se assiste razão aos Demandantes: --- Pelos contornos da ação, os Demandantes pretendem a restituição da posse, do “quintal”. --- A ação de restituição da posse é uma ação possessória, isto é, uma ação declarativa de condenação, destinada a tutelar a posição do possuidor, violada por outrem. --- Nos termos do artigo 1277.º, do Código Civil. “O possuidor que for perturbado ou esbulhado pode manter-se ou restituir-se por sua própria força e autoridade, nos termos do artigo 336.º, ou recorrer ao tribunal, para que este lhe mantenha ou restitua a posse”. --- Ora, a procedência da ação depende da alegação e prova de dois pressupostos: i) a posse; ii) perturbação ou esbulho (com ou sem violência). --- “A posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”, cf., art.º 1251.º, do Código Civil.” --- Assim, a posse é o exercício de um poder que se manifesta pela prática de atos materiais sobre uma coisa (corpus), e que é exteriorizado publicamente nos termos correspondentes à titularidade de um direito real (animus). --- Resulta da prova que em tempos recuados, o logradouro do prédio identificado em 2, e atualmente propriedade dos Demandados, foi efetivamente utilizado como quintal, havendo uma divisória em rede de arame colocada no local, para separar o terreno em duas parcelas, que pertenciam à mesma pessoa [PES-9]. --- No entanto, resulta também da prova que, à utilização do referido terreno correspondia o pagamento de uma renda, por cada um dos agregados familiares que faziam a utilização do local. --- Nas mencionadas condições, o referido quintal era utilizado quer pelas pessoas que viveram na habitação da referida propriedade, quer pelas pessoas que habitavam o prédio confinante onde reside atualmente a 3.º Demandada. --- Porém ficou provado que o terreno ficou ao abandono cerca de uma década, desde a morte da anterior arrendatária “[PES-16]”, até ser adquirido pelos Demandados. --- Aliás, muito tempo antes a [PES-11] tinha deixado de utilizar o referido quintal. -- Note-se que, os Demandantes em momento algum do processo alegaram um direito real de gozo subjacente à sua posse, designadamente, nunca se assumiram como proprietários ou usufrutuários da parcela sobre a qual pretendem ver-se restituídos da posse. --- Aliás, os Demandantes estiveram interessados na compra do prédio identificado em 2, quando a testemunha [PES-10] colocou o imóvel em venda. --- Deste modo, os Demandantes apenas conseguiram provar nos autos uma posse precária ou mera detenção, com origem numa antiga situação de arrendamento informal, que se desvaneceu com o decorrer do tempo, até ficar temporariamente subordinada à tolerância dos subsequentes proprietários do logradouro, pela utilização esporádica do local, e ocasionalmente consentida por motivos de boa vizinhança, mas que se tornou incompatível com as obras de construção realizadas no prédio dos Demandados.--- Ora, abandonar um andaime, deixar resíduos de obra e entulho no terreno, ou estender ocasionalmente roupa no local, não configuram atos suscetíveis de dar «corpo e alma» à posse correspondente a um direito real de gozo sobre o mesmo imóvel. --- Certo é que, em momento algum, os Demandantes lograram provar – de forma juridicamente relevante, e com base em elementos de facto consubstanciais suficientes -, o elemento material da posse, ou seja, que à data da ação se encontravam no domínio, efetivo e concreto, do imóvel, incumbindo-lhes o respetivo ónus. --- Assim, os Demandantes falharam a verificação do primeiro pressuposto, uma vez que, não são considerados possuidores os simples detentores ou possuidores precários (cf., art.º 1253.º, do Código Civil). --- No que respeita ao animus, os Demandantes apenas alegaram o uso de uma faixa de terreno indefinida em termos de área, relativamente à qual demonstraram ter consciência que a propriedade não lhes pertencia, sem ter ocorrido a inversão do título, o que inviabiliza a existência de posse enquanto realidade suscetível de conferir o correspondente direito real de gozo.--- Aliás, o direito de uso (que, salvo o devido respeito por opinião contrária, foi o único direito real de gozo invocado pelos Demandantes em correspondência à alegada posse) é insuscetível de ser adquirido por usucapião, nos termos do disposto na al. b), do art.º 1293.º, do Código Civil, pelo que, in casu, teria de ter sido constituído por contrato a favor dos Demandantes, o que não foi alegado e muito menos provado, e mesmo que se considerasse que foi constituído a favor de [PES-11], teria que se entender que o mesmo se extinguiu (cf., artigos 1439.º, e art.º 1485.º em conjugação com art.º 1476.º, al. a), todos do Código Civil).--- Todavia, existe ainda um fator que por si só gera uma incompatibilidade insanável entre a alegação da posse (além do mais, não titulada) do quintal pelos Demandantes “há mais de 50 anos”, com o facto provado por documento autêntico em 11, relativo à aquisição do prédio identificado no número 2, pela testemunha [PES-10], em 2009, por usucapião. --- Com efeito, a aquisição registada em 2009, a favor da testemunha [PES-10], enquanto antigo proprietário do prédio descrito no número 2, foi feita com base em usucapião sendo, portanto, uma aquisição originária, que incluiu o referido terreno, sendo essa causa de aquisição conceptualmente incompatível com a posse invocada pelos Demandantes na presente ação. --- Aliás, o referido terreno só aparece referenciado documentalmente na descrição do prédio dos Demandados, cf. fls. 143. --- Ora, o facto descrito no número 11, da matéria provada, ficou provado por documento extraído do registo predial, sem que tenha sido arguida a sua falsidade, cf., art.º 371.º, n.º 1, do Código Civil.---- Mas mais, os Demandados lograram fazer prova do facto contrário à posse dos Demandantes, ao alegarem e provarem que o referido quintal, correspondia, a uma parcela do logradouro com 62m2, de área global, o qual é da sua propriedade como parte integrante do prédio identificado em 2, tendo os mesmos a sua posse efetiva, total e interrupta, desde a data da aquisição em 28-07-2010.---- Isto porque, decorre claramente dos números 2 a 11 da matéria provada, e com base nos documentos juntos aos autos, que a parcela de terreno que os Demandantes designam por quintal corresponde a uma parte do logradouro com a área total de 62 m2, que integra o prédio da propriedade dos Demandados, sendo certo que a utilização do local pelos Demandantes teve lugar a título precário, que deixou de ser consentido pelos legítimos proprietários, que neste caso são os Demandados.--- Assim, não se mostram reunidos os requisitos para reconhecer a posse do quintal a favor dos Demandantes, pelo que, falece a pretensão de condenar os Demandados à demolição daquilo que construíram no prédio de sua propriedade. --- Nestes termos a ação deve improceder por completo. --- ---*--- Decisão: --- Mantenho o despacho anteriormente, que atribui à ação o valor de €5.000,00. --- Pelo exposto e com os fundamentos acima invocados: --- Julgo improcedente a exceção de ilegitimidade ativa da 3.ª Demandante, por não verificada. - Julgo a presente ação totalmente improcedente por não provada, e consequentemente absolvo os Demandados de todos os pedidos contra si formulados. --- Custas: --- Taxa de justiça no montante de €70,00 (setenta euros), a cargo dos Demandantes (cf., al. b), do n.º 1, do art.º 2.º, da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro). --- O pagamento deverá ser feito no prazo de três dias úteis, mediante liquidação da respetiva guia de pagamento (DUC), emitida pela secretaria do Julgado de Paz. --- * Extraia e notifique a guia de pagamento (DUC), ao responsável pelo pagamento das custas, juntamente com a cópia da presente decisão. --- Após os três dias úteis do prazo legal, aplica-se uma sobretaxa no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação, até ao máximo de €140,00 (cento e quarenta euros). --- O valor da sobretaxa aplicável acresce ao montante da taxa de justiça em dívida. --- * Após trânsito, verificando-se a falta de pagamento das custas, mesmo após o acréscimo da referida sobretaxa legal, conclua para emissão de certidão para efeitos de execução fiscal, a instaurar junto dos competentes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), pelo valor das custas em dívida acrescidas da respetiva sobretaxa. * Registe. --- Notifique pessoalmente em sede de audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto no artigo 60.º, n.ºs 1 e 2, da Lei dos Julgados de Paz. --- ---*--- Julgado de Paz de Setúbal, 27 de setembro de 2024 O Juiz de Paz
_________________________ Carlos Ferreira |