Sentença de Julgado de Paz
Processo: 363/2013-JP
Relator: FERNANDA CARRETAS
Descritores: OBRIFAÇÕES DO ADMINISTRADOR
Data da sentença: 07/11/2013
Julgado de Paz de : SEIXAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
**
RELATÓRIO:
A, identificado a fls. 1 e 3, intentou, em 30 de maio de 2013, contra B, LDA., melhor identificada, a fls. 2 e 3, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que esta fosse condenada a a entregar-lhe a documentação do condomínio, que se encontrava à sua guarda e que é sua obrigação legal entregar à administração em exercício, nomeadamente: a) os recibos relativos ao pagamento das quotizações por parte dos condóminos no período referido entre 23-09-2009 a 23 de maio de 2011 (data da entrega da pasta ao condomínio); b) a listagem referente aos valores em débito à data da sua destituição, que sucedeu em 10 de maio de 2011 e c) a listagem referente aos valores em débito em setembro de 2008, data da sua eleição, devendo, ainda, ser condenada nas custas.
Para tanto, alegou os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 1 a 11, que aqui se dá por reproduzido.
Juntou 18 documentos (fls. 13 a 85 e 128 a 156) que igualmente se dão por reproduzidos.
A Demandada foi regularmente citada para contestar, no prazo, querendo, tendo apresentado a sua douta contestação de fls. 96 a 100, que se dão por reproduzidas, na qual impugna a versão dos factos trazida aos autos pelo Demandante e termina pedindo que a ação seja julgada improcedente e, em consequência, a sua absolvição do pedido.
Juntou 2 documento (fls. 101 a 104), que, igualmente, se dá por reproduzido.
**
A questão a decidir por este tribunal circunscreve-se ao alegado incumprimento por parte da Demandada de guardar e manter todos os documentos que digam respeito ao condomínio e de os entregar, logo que cessa as suas funções de administradora.
**
Tendo o Demandante prescindido do recurso à Mediação para resolução do litígio (fls. 11), não obstante estar a decorrer o prazo para a apresentação da contestação, sem prejuízo do mesmo, foi designado o dia 2 de julho de 2013 para a realização da Audiência de Julgamento e não antes, atento o decurso daquele prazo e a indisponibilidade de agenda (fls. 90).
**
Aberta a Audiência, e estando presentes a Ilustre mandatária do demandante – Sra. Dra. Isabel Carvalheiro – e o Ilustre mandatário da Demandada – Sr. Dr. Bruno Carrêlo Mota -, foram estes ouvidos, nos termos do disposto no Art.º 57.º da LJP, tendo-se explorado todas as possibilidades de acordo, que não logrou alcançar-se, pelo que se procedeu à realização da Audiência de Julgamento, com observância do formalismo legal, conforme da respetiva ata melhor se alcança.
Atenta a necessidade de ponderação da prova produzida, designou-se a presente data para a continuação da Audiência de Julgamento, com prolação de sentença.
**
Estando reunidos os pressupostos de estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir:
**
FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A convicção probatória do tribunal, ficou a dever-se ao conjunto de prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomados em os documentos juntos pelas partes.
Ponderaram-se os depoimentos das seguintes testemunhas, as quais prestaram depoimento credível, revelando conhecimento direto dos factos sobre os quais testemunharam, embora a testemunha apresentada pela Demandada tenha revelado alguma insegurança quanto a factos cruciais e de que deveria ter conhecimento, na sua qualidade de funcionária da Demandada que tratava do condomínio Demandante. Assim:
1.ª - C, que, aos costumes, declarou ser condómina do Demandante e conhecer a Demandada por esta ter exercido o cargo de administradora do mesmo. A testemunha esclareceu como se processou a consulta e a entrega de documentação, que recebeu pessoalmente, e os procedimentos subsequentes, não tendo a sua especial qualidade retirado credibilidade ao seu depoimento. ---
2.ª – D, que, aos costumes, declarou ser condómina do Demandante e conhecer a Demandada por esta ter exercido o cargo de administradora do mesmo. A testemunha esclareceu como se processou a consulta e a entrega de documentação, não tendo a sua especial qualidade retirado credibilidade ao seu depoimento.
3.ª – E, que, aos costumes, declarou ser sócia gerente da empresa que passou a prestar apoio à administração do Demandante, eleita após a destituição da Demandada daquela função. A testemunha esclareceu o tribunal do procedimento adotado para a conferência das contas e que a falta de registo de dívidas e de pagamentos, inviabilizou que se chegasse a qualquer conclusão segura quanto a dívidas e bem assim quanto à regularidade da gestão levada a efeito pela Demandada. ---
4.ª – F, que, aos costumes, declarou ser funcionária da Demandada, há cerca de três anos, e conhecer o Demandante por tratar dos assuntos que lhe diziam respeito, no âmbito das funções que exerce na Demandada. Conquanto o seu depoimento fosse credível, pareceu-nos de alguma forma afetado pelo facto de ser funcionária da Demandada o que conduziu a uma menor precisão no seu depoimento, revelando, também, injustificada insegurança quanto a factos que deveriam ser do seu conhecimento direto.
**
Com interesse para a decisão da causa ficaram provados os seguintes factos:
1. O Condomínio do G, constituído em propriedade horizontal, era, à data da propositura da ação, representado pelas suas administradoras eleitas – H, I e J (Docs. n.ºs 1 e 2);
2. Na Assembleia de Condóminos, realizada no dia 3 de junho de 2013, foi eleita nova administração, composta pelos condóminos K; L e M (Doc. fls. 129 a 156);
3. A Demandada é uma sociedade comercial que tem por objeto a gestão de condomínios e prestação de serviços conexos (Doc. n.º 3);
4. Na Assembleia de Condóminos, realizada no dia 17 de setembro de 2008, a Demandada foi eleita para exercer o cargo de administradora do Demandante, função pela qual, segundo a deliberação tomada, lhe era paga a contrapartida mensal de 190,00 € (Cento e noventa euros), acrescida de I.V.A. (Imposto de Valor Acrescentado) – Doc. n.º 4; ---
5. Cargo que a Demandada manteve por reeleição nas Assembleias de Condóminos de 29 de outubro de 2009, 28 de junho de 2010 e de 24 de janeiro de 2011 (Docs. n.ºs 5,6 e 7);
6. Na Assembleia de Condóminos, realizada no dia 10 de maio de 2011, convocada por condóminos representativos de vinte e cinco por cento do capital do prédio, os condóminos presentes, por unanimidade e por razões de incumprimento contratual e violação das obrigações inerentes ao cargo de administrador, foi a Demandada “exonerada” do cargo de administradora do condomínio (Doc. n.º 8);
7. Assim, a Demandada exerceu o cargo de administradora do condomínio demandante no período compreendido entre o dia 17 de setembro de 2008 e o dia 10 de maio de 2011;
8. Na referida Assembleia de Condóminos foi eleita nova administração e contratada a N – Gestão de Condomínios, Lda. para assessorar a administração eleita, prestando-lhe apoio administrativo (Doc. n.º 8);
9. Foi ainda deliberado auditar as contas dos anos de 2008, 2009 e 2010 e, caso resultassem divergências seriam pedidos os pertinentes esclarecimentos e a devolução de eventuais verbas pertencentes ao condomínio (Doc. n.º 8);
10. A Demandada foi convocada para a referida Assembleia de Condóminos, mas declarou que não ia estar presente, por ter a agenda preenchida (Doc. n.º 9);
11. Após a realização da referida Assembleia de Condóminos a nova administração comunicou, verbalmente, à Demandada a sua destituição e informou-a da nova composição da administração;
12. A nova administração eleita pediu à Demandada a entrega de todos os bens pertencentes ao Demandante, nomeadamente toda a documentação, livros de cheques e chaves;
13. Em 18 de março de 2011, a Demandada entregou à, então, administradora – C – cinco pastas (2 de 2008; 1 de 2009; 2 de 2010 e 1 de 2011); 1 caderneta da Conta Poupança, com o montante de 5.870,30 €, 22-12-2010; 5 cadernetas da Conta Ordem, com o montante de 8.480,26 € à data de 08-03-2010 e um Livro de atas que foi entregue no dia 27-02-2011 (Doc. n.º 1, junto à contestação);
14. Em 23 de maio de 2011, a Demandada entregou à referida administradora o Cartão de Contribuinte; Uma carteira de cheques com os números indicados no termo de entrega; 2 porta-chaves, com 25 chaves e uma pasta com documentação diversa, tendo a administradora inscrito no Termo de Entrega, quanto à pasta com documentação diversa, que “ que não se trata da passagem dos mesmos à nova administração, refiro sem qualquer tipo de documentos em relação a dívidas de condóminos.” (Doc. n.º 10);---
15. Analisadas as pastas, foi verificado que a documentação não continha qualquer listagem de valores pagos pelos condóminos e respetivos recibos emitidos por conta desses pagamentos, nem qualquer relação de dívidas das frações autónomas, bem como não havia nenhuma listagem das dívidas das frações reportadas a setembro de 2008, data em que a Demandada foi eleita;
16. Face à falta de tais documentos, o Demandante contactou a Demandada e solicitou-lhe a documentação em falta;
17. Como a Demandada não respondeu, o Demandante conferiu poderes à sócia gerente da empresa de apoio à administração para obter junto da Demandada, os documentos em falta (Doc. n.º 11);
18. Tanto a sócia gerente da empresa que presta apoio à administração, como a Ilustre mandatária do Demandante, solicitaram, por diversas vezes e meios, a entrega de tal documentação, sem qualquer sucesso ou resposta da Demandada (Doc. n.º 12, 13 e 14);
19. As contas do ano de 2010, por deliberação tomada na Assembleia de Condóminos, realizada no dia 24 de janeiro de 2011, não foram aprovadas, ficando dependentes de esclarecimento de algumas questões (Doc. n.º 7);
20. O Demandante necessita comprovar os pagamentos e fixar as dívidas, bem como analisar a regularidade da gestão levada a efeito pela Demandada, no período em que exerceu a administração;
21. A Demandada possui um programa informático, através do qual são emitidos todos os recibos relativos a pagamentos dos condóminos;
22. Na Assembleia de Condóminos, realizada em 29 de outubro de 2009, convocada pela Demandada e que tinha como assuntos da Ordem de trabalhos “Apresentação e aprovação das contas do ano de 2008/2009” (Doc. n.º 5) foi entregue uma listagem dos recibos emitidos no período compreendido entre o dia 1 de janeiro e o dia 22 de outubro de 2009 (Doc. n.º 16);
23. Face à não entrega da documentação, foi deliberado pela Assembleia de Condóminos intentar a presente ação (Doc. n.º 17);
24. O Demandante apenas juntou aos autos o segundo recibo de documentação e restantes bens entregue à então administradora, sendo certo que havia dois (Doc. n.º 1, junto à contestação)
Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão.
**
FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
A relação material controvertida circunscreve-se às obrigações assumidas pela Demandada de guardar, manter e entregar os documentos que dizem respeito ao Demandante, no período em que assegurou o exercício da administração, obrigações que não cumpriu.
Na realidade, resulta provado que, entre o Demandante e a Demandada foi celebrado um contrato de administração do condomínio, com início em 17 de setembro de 2008, o qual terminou, por deliberação da Assembleia de Condóminos, em 10 de maio de 2011.
Nos termos do referido contrato, a Demandada obrigava-se a exercer as funções de administradora as quais implicam, entre outra obrigações, a gestão do condomínio de acordo com o que for determinado pela Assembleia de Condóminos e com as melhores práticas de administração destas entidades, cobrar as receitas; pagar as despesas e, naturalmente, elaborar relatórios das receitas e despesas efetuadas e cobradas ao longo de cada ano.
Para o exercício das suas funções, foram entregues à Demandada as pastas de documentos do condomínio, as quais se mantiveram em seu poder até ao termo do contrato;
No termo do contrato, foram as referidas pastas solicitadas à Demandada, tendo esta entregue tudo o que tinha em seu poder, à exceção dos recibos de pagamentos dos condóminos, no período compreendido entre 23 de outubro de 2009 e 10 de maio, data em que foi destituída. Também não entregou a listagem dos valores em débito, à data da sua destituição, nem os valores em débito em setembro de 2008, data da sua eleição.
Ora, dispõe o Art.º 1436.º, n.º 1, al. j) que são funções do administrador “Prestar contas à assembleia.” e al. m) “ Guardar e manter todos os documentos que digam respeito ao condomínio.”.
A primeira daquelas funções só pode ser cabalmente exercida se tiver a “contabilidade” organizada com as entradas e saídas de dinheiro, estas suportadas pelos respetivos documentos e aquelas suportadas pelos respetivos recibos.
O que quer dizer que, para exercer a sua função, segundo as regras que lhe estão subjacentes, a Demandada teria, na data da sua eleição – 17 de setembro de 2008 – de ficar de posse dos seguintes elementos: listagem de condóminos devedores; dinheiro em caixa, na conta bancária à ordem e bem assim na Conta Poupança Condomínio.
Não se compreende, aliás, como podia a Demandada exercer o cargo da administração sem tais elementos.
E, no decurso do exercício do cargo da administração do condomínio, a Demandada teria de ter, também, organizada a entrada e saída de dinheiros e a listagem de condóminos devedores.
Até porque, para exercer a sua função de cobrar as receitas a Demandada teria de propor ações – o que faz com frequência neste tribunal, para o que cobra 200,00 € - e não se vê como o faria sem documento que suportasse a sua pretensão.
Acresce que a Demandada trabalha com um programa informático – utilizado pela generalidade das empresas gestoras de condomínios – o qual lhe permitiria, em qualquer momento, extrair as listagens que sempre se recusou a entregar, como era sua obrigação.
A Demandada veio, já na Audiência de Julgamento, alegar uma avaria no programa informático que a impedia de extrair tais listagens. Tais factos não resultaram provados, desde logo porque – se tal se tinha verificado – porque não o disse a Demandada na sua douta contestação? E, a ser verdade o que alega, como não foi possível a recuperação dos dados? Como prossegue a Demandada a administração dos restantes condomínios com quem cotratou?
Mas, para facilidade de raciocínio, admitamos que sim; que o sistema informático teria avariado, perdendo os dados. Neste caso, não é aceitável que as listagens estivessem apenas guardadas informaticamente, sem o respetivo suporte em papel, até para a realização das Assembleias e para a apresentação de contas para aprovação o que, como é consabido (ou deveria ser) se processa no início de cada ano, nos termos legais.
Este é o verdadeiro caso de que “à mulher de César não basta ser séria, tem de parecer séria” e a Demandada tinha a obrigação de manter – porque manter é organizar – a “escrita” do condomínio organizada e atualizada, uma vez que circulava com dinheiros que não lhe pertenciam e, a qualquer momento, poderia ser chamada a prestar contas.
Nem que fossem contas do estilo “merceeiro”, manuscritas com as entradas e as saídas de numerário, teriam sempre de estar atualizadas e não ser feitas por atacado, no final de 2 ou três mandatos.
A Demandada não o fez, o que se reprova frontalmente, pelo que, agora, terá de resolver o problema e facultar ao condomínio os meios que permitam aos condóminos confirmar que uso deu aos dinheiros do condomínio e o que está para receber ou, até, para pagar.
Não adianta a Demandada dizer que o condomínio pode fazer a reconciliação bancária e pedir a colaboração dos condóminos, porque a obrigação era sua e, ao cessar o exercício das suas funções, devia ter entregue as contas imaculadas e sem qualquer margem para dúvidas, o que não fez.
Do que fica dito resulta, inequivocamente, provada a obrigação da Demandada de apresentar e entregar os documentos pedidos e o direito do Demandante de os exigir, como a Demandada muito bem sabe pois o seu objeto societário é precisamente a administração de condomínios e, para exercer essa função, terá de saber quais as exigências da mesma, para que não venha a ser acusada de “vender gato por lebre”.
**
DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente ação totalmente procedente, porque provada, decido condenar a Demandada a entregar ao Demandante:
1. Os recibos relativos ao pagamento das quotizações, por parte dos condóminos, no período compreendido entre o dia 23 de outubro e o dia 23 de maio de 2011 (data em que entregou a última documentação ao condomínio);
2. A listagem referente aos valores em débito à data da sua destituição, em 10 de maio de 2011; e
3. A listagem referente aos valores em débito em setembro de 2008, data da sua eleição.
**
As custas serão suportadas pela Demandada (Art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro).
**
Registe.
**
Seixal, 11 de Julho de 2013
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 138.º/5 do C.P.C.)
(Fernanda Carretas)