Sentença de Julgado de Paz
Processo: 65/2023-JPTRF
Relator: PERPÉTUA PEREIRA
Descritores: INFILTRAÇÕES - CONDOMÍNIO
Data da sentença: 06/13/2024
Julgado de Paz de : TROFA
Decisão Texto Integral: ATA DE AUDIÊNCIA
(LEITURA DE SENTENÇA)

Aos 13 de Junho de 2024, pelas 16 horas e 30 minutos, realizou-se no Julgado de Paz da Trofa, a continuação da audiência de julgamento do processo n.º 65/2023-JPTRF em que são partes: --

Demandantes: [PES-1] e [PES-2]. ---

Mandatária: Dra. [PES-3], advogada, com procuração junta a fls. 99. -

1.º Demandado: [PES-4]. ---

2.º Demandado: Condomínio do Edifício Barca, Bloco 10, representado por [ORG-1] - [ORG-2], Unipessoal, Lda.---

Reaberta a audiência e não se encontrando ninguém presente, foi depositada na secretaria a seguinte:

SENTENÇA

I – IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandantes: [PES-1], com o NIF [NIF-1] e [PES-2], com o NIF [NIF-2], residentes na [...], Bloco 10, 3.º Dto.º, [Cód. Postal-1] [...].
Demandados: [PES-4], com o NIF [NIF-3], residente na [...], n.º 10, 4.º Dto., [Cód. Postal-1] [...] (adiante designado por primeiro Demandado) e Condomínio do Edifício Barca, Bloco 10, sito na [...], representado por [ORG-1] – [ORG-2], Unipessoal, Lda., (adiante designado por segundo Demandado), com sede na [...], n.º 173, [...], [...].

II - OBJECTO DO LITÍGIO
Os Demandantes intentaram contra os Demandados, a presente acção, enquadrada na alínea c) do nº 1 do art. 9º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, alterada e republicada pela Lei 54/2013 de 31 de julho, pedindo a condenação destes nos termos constantes de fls. 5.
Alegaram, para tanto e em síntese, ser proprietários da fracção autónoma designada pelas letras “CL” do edifício onde residem e supra identificado, constituído em propriedade horizontal; na primeira quinzena de 2023, o teto da casa de banho da fracção começou a apresentar sinais de humidade e a ficar manchado, em virtude de infiltração proveniente do andar superior; após interpelarem os Demandados para a reparação dos referidos danos, sem sucesso, os Demandantes solicitaram um orçamento para reparação, cujo valor requerem sejam os Demandados condenados a pagar.

Juntaram documentos e prescindiram da fase da mediação.

Os Demandados foram regularmente citados e apresentaram contestação.

O segundo Demandado alegou ser parte ilegítima, por entender que o objecto do litígio não abarca as partes comuns do edifício, mas que se refere a partes próprias dos condóminos.

Sobre esta matéria, à qual os Demandantes responderam no início da audiência de julgamento, adiante se decidirá, uma vez que a sua apreciação depende da prova produzida.


***

O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor.

O processo não enferma de nulidades que o invalidem totalmente.

As partes gozam de personalidade e capacidades judiciárias.

Não há outras excepções, nulidades ou quaisquer questões prévias que cumpra conhecer.

Procedeu-se ao Julgamento com observância das legalidades formais como da acta se afere.

Fixo o valor da causa no montante de €770,60 (setecentos e setenta euros e sessenta cêntimos) – artigo 297º n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC).

Cumpre apreciar e decidir.

III – FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com a prova carreada para os autos e com relevância para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
A) Os Demandantes são legítimos possuidores da fracção autónoma designada pelas letras “CL”, correspondente ao 3.º andar direito do Edifício Urbanização da Barca, Bloco 10, sito na [...], n.º 10, da [ORG-3], [Cód. Postal-1] [...];

B) A fracção supra identificada faz parte do referido prédio, constituído em propriedade horizontal e está inscrita a favor dos Demandantes na matriz predial urbana sob o artigo[ identificação 1];

C) No dia 11 de outubro de 2022, no âmbito do Processo n.º 80/2020, que correu termos neste tribunal, o Demandante acordou com o primeiro demandado relativamente ao pagamento de danos por água vindo da fracção deste último;

D) Na primeira quinzena de 2023, o teto da casa de banho dos Demandantes começou novamente a apresentar sinais de humidade, designadamente com o aparecimento de uma mancha amarela;

E) O Demandante deu conhecimento deste facto ao primeiro demandado e também ao representante do Condomínio;

F) Nessa sequência, no dia 26 de janeiro de 2023, o senhor Pereira, em representação do condomínio realizou uma medição na habitação do Demandante, tendo detetado humidade;

G) Por carta registada com aviso de recepção, no dia 27 de janeiro de 2023, o Demandante interpelou o primeiro demandado para verificar a zona envolvente à louça sanitária do seu WC, informando-o que se verificava, novamente, humidade no teto da casa de banho;

H) A casa de banho do Demandante já tinha sido sujeita a obras, em outubro de 2022;

I) O Demandante solicitou um orçamento para reparação dos danos, que ascende ao valor de €270,60 (IVA incluído);

J) A [ORG-1] – [ORG-2], Unipessoal, Lda. exerce funções como administradora do Condomínio desde janeiro de 2018.

Não resultaram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes, por ausência de prova quanto aos mesmos.

Motivação fáctica:
A convicção probatória do Julgado ficou a dever-se à audição das partes na audiência e ao conjunto da prova produzida, nomeadamente da conjugação dos documentos constantes dos autos e do depoimento testemunhal prestado, em função das razões de ciência, das certezas e incertezas decorrentes dos depoimentos, da incompatibilidade lógica entre factos alegados e provados, à luz das regras da experiência e do mais elementar senso comum.
Foram considerados os documentos juntos a fls. 6 a 17, 20, 52, 53, 60, 62 a 64, 80 a 83, 91, 92, 120 a 129, 142 e 143.

Tribunal e partes deslocaram-se à fracção dos Demandantes, tendo sido lavrado o Auto de Inspecção de fls. 78; nessa deslocação, foi constatado que já não se verificava humidade no teto da casa de banho dos Demandantes, mas que o mesmo permanecia manchado, tendo como causa provável uma infiltração de água; para além disto, foi constatado, na mesma data, que haviam também vestígios de infiltração ou humidades no teto do hall de entrada da habitação - matéria que, contudo, não pode ser apreciada neste processo, por não se encontrar sequer alegada.

Pelo Demandante foi declarado já não constatar humidade no teto da sua casa de banho, permanecendo, porém, as manchas.

Pelo Demandado foi referido ter realizado a substituição da louça sanitária, após o Demandante ter reclamado de danos, no início do ano de 2023.

Pelos Demandantes foram apresentadas as seguintes testemunhas:

- [PES-5], declarou ter sido colega de trabalho do Demandante e frequentar a sua habitação; por volta de setembro de 2023 foi lá e constatou que existia uma mancha no teto da casa de banho, situada por cima da sanita. Este depoimento foi considerado coerente, isento e credível.

- [PES-6], irmã do Demandante, mas cujo depoimento foi considerado isento e credível: declarou frequentar a casa dos Demandantes e que o irmão tem estado muito abalado com a situação da humidade, principalmente com a detectada ultimamente no hall de entrada; nesse hall, chegou a ver uma bacia a aparar a água; sabe que o Demandante toma medicação calmante para lidar com a situação das infiltrações;

- [PES-7], declarou que vive em união de facto com a testemunha anterior e prestou depoimento que foi considerado isento e credível. Disse também ter visto água a cair do teto do hall da entrada da habitação e que posteriormente este se encontrava a “descascar”; declarou ver o Demandante, que conhece há cerca de dois anos, ultimamente muito deprimido por causa da existência dos danos, sua reclamação e falta de resolução. Pelo Demandado [PES-4], foi apresentada a seguinte testemunha:

- [PES-9], sua mulher, cujo depoimento foi considerado coerente, isento e credível. Declarou que o Demandante mandou trocar a louça sanitária no início do ano de 2023, já depois das queixas do Demandante; declarou saber que o Condomínio já realizou obras de reabilitação do telhado.

IV – DO DIREITO
Respeitam os autos à responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (cfr. artigos 483.º e seguintes do Código Civil, doravante CC), e relacionados com os direitos e deveres de proprietários das fracções inseridas em prédios em regime de propriedade horizontal e comproprietários das partes comuns desses mesmos prédios (cfr. artigos 1414.º e seguintes do CC, especificamente, artigo 1420.º).
Na propriedade horizontal cada condómino é titular de um direito real composto, resultante da fusão do direito de propriedade singular sobre a fracção que lhe pertence com o direito de compropriedade, paralelo, sobre as partes comuns.

Dispõe o art. 1421º, nº1, alíneas a) e b) do Código Civil que são comuns, entre outras, as seguintes partes do edifício: o solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes-mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio.

E nos termos do seu nº 2, al. e) presumem-se ainda comuns, em geral, as coisas que não sejam afetadas ao uso exclusivo de um dos condóminos.

Compete ao administrador do condomínio efectuar as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, bem como proceder às reparações indispensáveis e urgentes.

Voltando ao tema da responsabilidade civil, determina o artigo 483.º do CC que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”

Assim, para que se conclua pela existência de responsabilidade civil por factos ilícitos é, então, necessário a verificação de comportamento voluntário, ilícito (que viola direitos subjetivos absolutos ou normas que visem tutelar interesses privados), nexo causal entre os factos alegados e os danos e culpa (juízo de censura ou reprovação que o Direito faz ao lesante por este ter agido ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma); a culpa pode revestir a forma de dolo ou negligência.

Nos termos do disposto no artigo 487.º, n.º 2, do CC, a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família e em face das circunstâncias de cada caso.

Cumpre ainda referir aqui o disposto no artigo 342.º do CC: àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, sendo que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.

Os Demandantes assacam responsabilidade civil por factos ilícitos ao condómino [PES-4] e ainda ao Condomínio.

No caso em apreço, parece resultar claro, de acordo com a prova que foi produzida e que gerou a convicção do tribunal para dar como assentes os factos supra indicados, que as infiltrações e humidades que assolaram o teto da casa de banho dos Demandantes, não provieram de parte comum do edifício, mas sim do andar superior, ou seja, da fracção do Demandado [PES-4].

Aliás, após reclamação do Demandante, no início do ano transato, o Demandado Custódio mandou trocar/reparar a louça sanitária da sua casa de banho, precisamente no local por cima do sítio onde se tinham verificado as humidades na fracção do Demandante e onde permaneceu uma mancha no teto. E, desde então, a humidade no teto da casa de banho deixou de se verificar, permanecendo apenas os seus vestígios.

Parece-nos, assim, estarem preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar por responsabilidade civil extracontratual por parte do Demandado [PES-4] quanto ao pedido de pagamento do valor para a reparação dos danos no teto da casa de banho.

Certo é que, no decurso dos autos, os Demandantes pretenderam ver também atendido um pedido de reparação de outros danos, entretanto, verificados noutra zona da casa, o hall de entrada. Ora, não tendo sido junto aos autos qualquer articulado superveniente que alegue tal factualidade, nem sequer pode o tribunal pronunciar-se sobre a mesma.

Peticionam também os Demandantes o pagamento do montante de €500,00 a título de danos morais.

Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito - artº 496º, nº 1, do CC.

A Lei remete a fixação do montante indemnizatório por estes danos para juízos de equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso - artº 494° e 496º, nº 3, 1ª parte do CC.

Não nos parece que, no caso, apesar do Demandante ter junto aos autos documento que atesta que se queixou estar muito afectado pela situação relatada nos autos, as testemunhas ouvidas colocaram a tónica das queixas do Demandante nas humidades advindas do hall de entrada, não nos parecendo que uma simples mancha no teto do WC (que foi o que permaneceu após a humidade vinda do andar de cima ter secado) tenha causado danos morais suscetíveis de ser indemnizados, improcedendo, nesta parte, o pedido.

V – DECISÃO
Face a quanto antecede, julgo parcialmente procedente a presente acção e em consequência:
- Condeno o Demandado [PES-4] a pagar aos Demandantes a quantia de €270,60 (duzentos e setenta euros e sessenta cêntimos), absolvendo-o do demais peticionado;

- Absolvo dos pedidos o Demandado Condomínio.

Custas na proporção do decaimento, que se fixa em 1/3 para o Demandado [PES-4] e 2/3 para os Demandantes.

Registe e notifique.

Arquive após trânsito.”

A sentença foi depositada nesta data na secretaria. ------

Para se constar se lavrou esta ata, que achada em conforme, vai ser assinada.

Trofa, 13 de junho de 2024.

A Juíza de Paz

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Dr.ª Perpétua Pereira A Técnica

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Dr.ª Marlene Sobral