Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 814/2006-JP |
Relator: | PAULA PORTUGAL |
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE VIAÇÃO |
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Data da sentença: | 03/28/2007 |
Julgado de Paz de : | VILA NOVA DE GAIA |
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Decisão Texto Integral: | Sentença I – Identificação Das Partes Demandante: A Demandada: B II – Objecto Do Litígio O Demandante veio propor contra a Demandada, a presente acção declarativa destinada a efectivar a responsabilidade civil emergente de acidente de viação, enquadrada na alínea h) do n.º 1 do Art.º 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, pedindo a condenação desta a pagar-lhe, a título de indemnização: a) a quantia de € 1.455,38 (mil quatrocentos e cinquenta e cinco euros e trinta e oito cêntimos), sendo € 896,89 a título de reparação do veículo, € 208,49, a título de aluguer automóvel, € 150,00 por danos não patrimoniais e € 200,00 pela desvalorização da viatura, devendo ainda liquidar-se em execução de sentença uma eventual diferença entre o valor da reparação peticionado e o valor da mesma quando efectuada, bem como uma eventual diferença entre o valor do aluguer peticionado e o valor do mesmo quando efectuado; Ou, em alternativa, b) a quantia de € 1.246,89 (mil duzentos e quarenta e seis euros e oitenta e nove cêntimos), referente ao valor da reparação do veículo, indemnização por danos não patrimoniais e desvalorização do veículo nos termos supra expostos, devendo ainda liquidar-se em execução de sentença uma eventual diferença entre o valor da reparação peticionado e o valor da mesma quando efectuada, bem como a colocar à disposição do Demandante um veículo de substituição, com as características do SD, pelo período de imobilização necessário à reparação do mesmo; E ainda, c) a acrescer a qualquer um dos pedidos, os juros vencidos, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. Fundamenta a sua pretensão nos prejuízos patrimoniais por si havidos em virtude de acidente de viação ocorrido entre o veículo SD, sua propriedade e por si conduzido à altura, e o veículo ligeiro de passageiros, matrícula EE, conduzido à data por C, cujo proprietário havia transferido para a Demandada a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo uso daquele veículo, através de seguro válido e eficaz à data do sinistro e titulado pela apólice n.º x, porquanto, no dia 31 de Dezembro de 2005, pelas 19h e 25m, o veículo SD encontrava-se devidamente estacionado na Avenida da República, em Vila Nova de Gaia, do lado direito, no sentido Gaia-Porto, a qual é uma via larga, constituída por duas faixas de rodagem, no mesmo sentido, sendo que, na aproximação do entroncamento a via tem duas faixas de rodagem divididas por linha longitudinal contínua; que a dado momento o condutor do SD resolve iniciar a sua marcha e, para o efeito, acciona o competente sinal de pisca para a esquerda, verifica que não seguem veículos pela hemi-faixa da direita onde pretendia ingressar, pelo que, inicia a sua marcha em condições de segurança, ocupando a referida via da direita; que quando assim se encontra é embatido, na sua hemi-faixa de rodagem, pelo veículo EE, seguro na Demandada, cujo condutor circulava na hemi-faixa de rodagem da esquerda, atento o sentido de marcha de ambos os condutores e resolve, na aproximação do entroncamento, mudar para a hemi-faixa da direita por onde seguia o SD, tendo-o feito, contudo, de forma desatenta e negligente, não verificando se podia efectuar a manobra em condições de segurança, nomeadamente, não verificou se seguiam veículos naquela hemi-faixa, como era o caso do SD, além de que ultrapassa a linha longitudinal contínua que dividia as duas hemi-faixas, indo embater, consequentemente, com a frente da sua viatura na lateral esquerda do veículo do Demandante, em plena hemi-faixa de rodagem por onde este seguia; que o próprio condutor do veículo seguro na Demandada assumiu a responsabilidade pela produção do presente sinistro; que do referido sinistro, resultaram danos patrimoniais para o Demandante, desde logo a reparação ficou orçamentada em € 896,89, conforme peritagem efectuada a mando da Demandada, sendo que ainda hoje o veículo se encontra por reparar pelo facto de o Demandante não dispor de capacidade económica e a Demandada não ter assumido a responsabilidade pelo sinistro, pelo que o valor orçamentado pela Demandada, mercê do aumento natural dos preços e do IVA, poderá ser insuficiente para proceder à reparação do SD; que para que a reparação do SD seja efectuada e concluída aquele veículo terá de ficar imobilizado na oficina de reparação durante três dias, ficando o Demandante durante esse período de tempo privado de o utilizar, sendo o único meio de transporte próprio que possui para assegurar os compromissos profissionais e as suas deslocações e do seu agregado familiar, nomeadamente para as deslocações para o trabalho e inerentes ao dia a dia, como idas às compras, ao sapateiro, à farmácia, etc. e ainda momentos de lazer; que o Demandante, no período de tempo em que irá ficar privado do seu veículo, tem necessidade imperiosa de alugar um outro veículo, com as características do SD, sob pena de não poder assumir os seus compromissos pessoais e profissionais; que a estes danos acrescem as perdas de tempo e gastos tidos com a resolução do presente sinistro, uma vez que o Demandante teve de dispor de tempo para contactar e se deslocar ao mediador, à B, etc, despendendo quantias de difícil contabilização em transportes, telefones, cartas e faxes, provocando atrasos e perturbações no normal funcionamento do seu dia a dia, sendo tais danos, porque relevantes e directamente relacionados com o sinistro, passíveis de indemnização; que, embora o SD não fosse um veículo novo à data do sinistro, estava em bom estado de conservação e era bem estimado e tratado pelo seu proprietário, ora Demandante, sendo que, por mais bem reparado que seja, não deixa de ser um veículo sinistrado, que foi sujeito a soldagens e torções e a uma pintura diferente da que trazia de fábrica, esta necessariamente mais resistente, reduzindo o seu valor comercial ou de troca. Juntou documentos. A Demandada, regularmente citada, apresentou Contestação, onde alega, em síntese, que o sinistro aqui em crise lhe foi comunicado, tendo iniciado um processo de averiguações tendente a verificar o preenchimento dos pressupostos de que depende a sua intervenção, concluindo que não se pode imputar ao condutor do veículo segurado culpa na produção do sinistro em causa; que, com efeito, o veículo conduzido pelo Demandante se encontrava estacionado na faixa de rodagem afecta ao sentido Gaia – Porto, circulando o veículo EE, seguro na Demandada, na faixa de rodagem mais à direita no mesmo sentido, a uma velocidade não superior a 50 km/hora e no mais estrito cumprimento de todas as regras estradais, quando, de repente e de forma desatenta e inopinada, eis que, do seu lado direito, atendendo o sentido de direcção tomado pelo EE, surge o SD, veículo conduzido pelo Demandante, que inicia a manobra, enviesando o veículo na faixa de rodagem, ficando a lateral esquerda em posição oblíqua face ao eixo da via; que o Demandante não atentou ao trânsito, ingressando inopinadamente e sem tomar qualquer precaução na faixa de trânsito destinada ao sentido seguido pelo veículo EE, porque pretendia circular no sentido Gaia – Porto, sendo que, quem sai de um estacionamento deve ceder passagem aos veículos que circulem na via em que vai penetrar; que o condutor do EE não pôde evitar o acidente dada a súbita e imprevista manobra do Demandante, resultando claro que a colisão se deveu exclusivamente ao comportamento culposo deste que, ao iniciar a marcha sem adoptar as precauções necessárias para evitar qualquer acidente, nomeadamente conferindo passagem ao veículo EE, praticou uma condução imprudente e irresponsável, provocando a colisão. Juntou documentos. A Demandada recusou o seguimento do processo para Mediação, pelo que se determinou a realização da Audiência de Julgamento. Questões a decidir: As questões essenciais decidendas consistem em saber: 1. Se se têm por verificados os pressupostos de responsabilidade civil que geram a obrigação de indemnizar por parte da Demandada. 2. Se os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Demandante se computam em € 1.455,38. O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor. O processo não enferma nulidades que o invalidem totalmente. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias. Não há outras excepções ou nulidades que obstam ao conhecimento do mérito da causa. Procedeu-se ao Julgamento com observância das legalidades formais como da acta se infere. Cumpre apreciar e decidir. III – Fundamentação Da prova carreada para os autos, resultaram provados os seguintes factos: A) O Demandante é proprietário do veículo ligeiro de passageiros, marca Citroen, matrícula SD, o qual conduzia à data dos factos; B) O veículo ligeiro misto, marca Toyota, matrícula EE, era conduzido à altura por C; C) A responsabilidade civil do veículo EE encontrava-se transferida à altura para a Demandada, através da apólice de seguro n.º x; D) No dia 31 de Dezembro de 2005, por volta das 19 horas, o veículo propriedade do Demandante, encontrava-se estacionado na Avenida da República, em Vila Nova de Gaia, no sentido Gaia -Porto, a qual configura uma via larga, constituída por duas faixas de rodagem, no mesmo sentido; E) A dado momento, o condutor do SD inicia a sua marcha e, para o efeito, acciona o competente sinal de pisca para a esquerda, passando a ocupar a referida via da direita; F) Quando assim se encontrava é embatido, na sua hemi-faixa de rodagem, pelo veículo EE, seguro na Demandada, cujo condutor circulava na hemi-faixa de rodagem da esquerda, atento o sentido de marcha de ambos os condutores e resolve, na aproximação do entroncamento, mudar para a hemi-faixa da direita por onde seguia o SD, indo embater com a sua viatura na lateral esquerda do veículo do Demandante; G) O condutor do veículo seguro na Demandada assumiu a responsabilidade pela produção do presente sinistro, expressando-o na declaração amigável que subscreveu; H) Do referido sinistro, resultaram danos patrimoniais para o Demandante, desde logo a reparação ficou orçamentada em € 896,89, conforme peritagem efectuada a mando da Demandada; I) Para que a reparação do SD seja efectuada e concluída aquele veículo terá de ficar imobilizado na oficina de reparação durante três dias. Motivação dos factos provados: Os factos A), B), D) e H) consideraram-se admitidos por acordo - art.º 490º, n.º 2 do C.P.C.. Ainda para o facto H) e para os factos C), G) e F), última parte, revelaram os documentos de fls. 12, 24 a 26, 10 e 11, e 46 a 48, respectivamente. Ainda para os factos F), G), bem como para os demais, tendo presente a matriz da livre apreciação da prova, relevou o depoimento da testemunha D, por ter conhecimento directo da situação, uma vez que circulava a pé na via em que ocorreu o sinistro, de frente para o local do embate, tendo declarado que viu o Demandante com o pisca accionado a sair do estacionamento, entrando na faixa direita para descer a via; que uma carrinha de caixa aberta que vinha a descer a Avenida abalroou o veículo do Demandante ao fazer a manobra para virar para a direita para a Rua de Moçambique, rua esta onde o condutor do veiculo segurado veio a estacionar a viatura após o embate; que viu os condutores a preencher a declaração amigável; que a viatura do Demandante não estava na oblíqua na via conforme faz parecer o croqui da declaração amigável; que o condutor do veículo segurado disse aos agentes da Polícia que não era necessário tomar conta da ocorrência uma vez que assumia a culpa. C, condutor do veículo segurado, por ter tido intervenção directa no acidente, tendo declarado que vinha a descer a Avenida pela faixa esquerda e que, como não vinha trânsito nenhum, passou para a faixa direita para ir para a Rua de Moçambique; que se deu como culpado por ter mudado de faixa. Não ficou provado que: I. Na aproximação do entroncamento próximo do local onde ocorreu o embate, a via tem duas faixas de rodagem divididas por linha longitudinal contínua; II. Ainda hoje o veículo SD se encontra por reparar pelo facto de o Demandante não dispor de capacidade económica; III. O SD é o único meio de transporte próprio que o Demandante possui para assegurar os compromissos profissionais e as suas deslocações e do seu agregado familiar, nomeadamente para as deslocações para o trabalho e inerentes ao dia a dia, como idas às compras, ao sapateiro, à farmácia, etc. e ainda momentos de lazer; IV. O Demandante teve de dispor de tempo para contactar e se deslocar ao mediador, à companhia de seguros, etc., despendendo quantias de difícil contabilização em transportes, telefones, cartas e faxes, provocando atrasos e perturbações no normal funcionamento do seu dia a dia; V. O veículo SD, à data do sinistro, estava em bom estado de conservação e era bem estimado e tratado pelo seu proprietário, ora Demandante, sendo que, por mais bem reparado que seja, não deixa de ser um veículo sinistrado, que foi sujeito a soldagens e torções e a uma pintura diferente da que trazia de fábrica, esta necessariamente mais resistente, reduzindo o seu valor comercial ou de troca; VI. Para alugar um veículo com as características do SD, por um período de três dias, é necessária a quantia de € 208,49; VII. O veículo EE, seguro na Demandada, circulava na Avenida da República, em Vila Nova de Gaia, na faixa de rodagem mais à direita no sentido Gaia - Porto, a uma velocidade não superior a 50 km/hora; VIII. De repente e de forma desatenta e inopinada, eis que, do seu lado direito, atendendo o sentido de direcção tomado pelo EE, surge o SD, veículo conduzido pelo Demandante, que inicia a manobra, enviesando o veículo na faixa de rodagem, ficando a lateral esquerda em posição oblíqua face ao eixo da via. Motivação da matéria de facto não provada: Resultou da ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao Tribunal aferir da veracidade dos factos, após a análise dos documentos juntos e audição das testemunhas arroladas. Refira-se que, quanto ao facto I., das fotografias de fls. 44 e 45 não resulta a existência de uma linha continua a separar as duas faixas no sentido Gaia – Porto. Relativamente ao facto descrito sob VII. revela-se o mesmo contraditório com o depoimento do próprio condutor do EE, que declarou circular na faixa mais à esquerda, passando para a da direita já próximo do entroncamento para virar à direita para a Rua de Moçambique. Quanto ao facto elencado em VIII., atento o depoimento da testemunha presencial D e a localização dos danos na viatura SD - lateral esquerda - tudo nos leva a crer que esta viatura, aquando do embate, não estaria na posição exacta correspondente à que consta da participação amigável, sendo certo que o próprio condutor do veículo segurado inviabilizou a possibilidade de ter sido registada a ocorrência pelas forças policiais, assumindo a responsabilidade pela produção do sinistro, tendo retirado a sua viatura do local, pelo que não foi possível apurar o local exacto do embate, embora tenha sido provado que o foi na faixa de rodagem mais à direita atento o sentido de marcha Gaia – Porto. IV - Do Direito Pela presente acção o Demandante pretende efectivar a responsabilidade civil emergente de acidente de viação, ocorrido em 31.12.2005, que teve como intervenientes o veículo SD, sua propriedade e por si conduzido à altura e o veículo ligeiro misto EE, conduzido à altura por C, cuja responsabilidade civil emergente de acidente de viação se encontrava à data transferida para a ora Demandada através da apólice n.º x. Alicerça o Demandante o seu pedido no facto de, ao iniciar a sua marcha, accionando, para o efeito, o competente sinal de pisca para a esquerda, passando a ocupar a via da direita na Avenida da República, em Vila Nova de Gaia, sentido Gaia – Porto, foi embatido, na sua hemi-faixa de rodagem, pelo veículo EE, seguro na Demandada, cujo condutor circulava na hemi-faixa de rodagem da esquerda, atento o sentido de marcha de ambos os condutores e resolve, na aproximação do entroncamento, mudar para a hemi-faixa da direita por onde seguia o SD, indo embater com a sua viatura na lateral esquerda do veículo do Demandante. Importa recordar que, nos termos do art.º 35º, n.º 1 do Código da Estrada, o condutor só pode efectuar a manobra de mudança de direcção (além de outras) em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito; e, nos termos do art.º 43º, o condutor que pretenda mudar de direcção para a direita, deve aproximar-se, com a necessária antecedência e quanto possível, do limite direito da faixa de rodagem e efectuar a manobra no trajecto mais curto. Como é óbvio, o cuidado imposto aos condutores não lhes impede a execução das manobras que pretendam, desde que não haja impedimento legal para o efeito. O que têm é de executar a manobra em local e por forma que, atendendo a todas as circunstâncias que no momento ocorram, seja de concluir que não resultará da realização da manobra perigo ou embaraço para o trânsito, como o impõe o art.º 3º, n.º 2 do C.E.. Ora, Da prova produzida, resulta que a via naquele local é formada por duas faixas de rodagem no sentido Gaia – Porto, divididas por linha descontínua, encontrando-se pintadas no chão marcas orientadoras de sentido de trânsito - na mais à esquerda seta de selecção para quem pretende seguir em frente e na mais à direita para seguir em frente ou virar à direita – pelo que o Demandante, que se encontrava estacionado, ao verificar que a faixa mais à direita se encontrava desimpedida, iniciou a sua marcha, tendo, quando já se encontrava naquela faixa de rodagem, sido embatido pelo veículo EE, o qual, já muito próximo do entroncamento onde pretendia virar à direita para passar a circular na Rua de Moçambique, fez a manobra sem atentar ao disposto no art.º 43º do C.E. já citado, ocupando, súbita e inesperadamente, a faixa de rodagem mais à direita, revelando uma actuação culposa, na medida que desatenta, descuidada e negligente, uma vez que circulando na hemi-faixa da esquerda, invadiu a hemi-faixa de rodagem à direita, sem tomar as precauções devidas, nomeadamente certificar-se da existência de veículos que nela circulavam, para mais configurando o local onde ocorreu o sinistro uma recta larga, seguida de entroncamento, de boa visibilidade, pelo que com a sua conduta terá sido o único e exclusivo culpado do acidente, não podendo qualquer responsabilidade sobre o mesmo ser assacada ao Demandante. Com efeito, para se considerar existente culpa do Demandante, teria de ter ficado assente uma conduta deste que se pudesse qualificar como censurável à luz do comportamento que se impõe ao homem comum, ao condutor dos preceitos estradais e que não tem, juridicamente, de prever condutas incumpridoras de outros condutores. É que dos factos provados não resulta que o Demandante tenha actuado de forma imprudente e irresponsável, iniciando a sua marcha sem tomar as precauções necessárias e tenha com a sua conduta sido o causador do acidente em apreço, sendo certo que é jurisprudência fixada, desde há muito, que nenhum condutor pode ser censurado pelo facto de, inopinadamente, lhe surgir um obstáculo impeditivo da sua livre circulação e ainda que é de exigir aos condutores que cumpram estritamente as disposições legais reguladoras do trânsito, mas não se lhes pode exigir que devam prever que os outros condutores infrinjam essas mesmas disposições legais. Portanto, o condutor do veículo EE foi com a sua conduta causador único e exclusivo do acidente que provocou, com a violação dos art.ºs 3º, 35º e 43º, do C. E. Ademais, reitere-se que o próprio comportamento do condutor do EE no momento da ocorrência, ao assumir a culpa na produção do sinistro, afirmando ser desnecessário que as autoridades policiais tomassem conta da ocorrência, criou fundadas expectativas no Demandante na resolução amigável da questão, tendo este, nessa sequência, prescindido de qualquer participação à P.S.P, o que poderia até ter consequências gravosas caso não dispusesse de outros meios probatórios para fundamentar a sua alegação relativamente à dinâmica do acidente. Determinada a responsabilidade civil da Demandada nos termos atrás expostos, importa agora valorar os danos que resultaram do acidente dos autos e computar a indemnização devida pelo seu ressarcimento. Por imperativo legal – art.º 562º do C. C. – sempre que alguém esteja obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não fosse a lesão. Ao responsável incumbe reparar os danos – e em princípio todos os danos – que estejam em conexão causal com o facto gerador da responsabilidade – art.º 563º do C. C. Não sendo possível a reconstituição natural, ou mostrando-se esta excessivamente onerosa para o lesado, a indemnização é fixada em dinheiro – art.º 566º, nº 1, do C.C. Esta terá como medida a diferença entre a situação real em que o facto lesivo deixou o lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria se não fosse a lesão – art.º 562º do C. C. Feita esta breve exposição quanto ao regime legal atinente, analisemos cada uma das categorias de danos invocados. I - Ficou provado que o veículo SD sofreu danos em consequência do acidente, cuja reparação ascendeu a € 896,89. Assim sendo, o Demandante sofreu a este título um dano patrimonial, que reveste a natureza de dano emergente, objecto da obrigação de indemnizar como expressamente refere o art.º 564º, n.º 1, do C. C.. Ascende, pois, a este título, o prejuízo sofrido pelo Demandante à quantia de € 896,89. II - Quanto ao dano de privação do uso da viatura decorrente da sua paralisação durante três dias, período previsto para a reparação, pede o Demandante a condenação da Demandada no pagamento da quantia de € 208,49 necessária para o aluguer de um veículo de iguais características do SD, para aquele período, ou, em alternativa, que a Demandada coloque à sua disposição um veículo de substituição, com as mesmas características, pelo período de imobilização necessário à reparação do mesmo. O que é dizer que durante pelo menos três dias úteis o Demandante, sendo certo que não foi provado se já reparou ou não a viatura, viu-se ou ver-se-á privado da utilização da mesma, sendo inevitáveis os incómodos e transtornos, como contratempos para si. Na verdade, ponderando-se que, nos tempos que correm, em que a utilização de um veículo automóvel faz parte e é indispensável ao normal decurso da vida profissional, familiar e social de praticamente todos os cidadãos, já não se pode defender em termos razoáveis que os incómodos derivados da privação do veículo constituem danos não tutelados pelo direito. Atenta a fraca qualidade e por vezes inexistência dos meios de transporte públicos, não são de desprezar os transtornos, aborrecimentos e perturbações que a privação do veículo sinistrado pode causar a quem o utiliza diariamente. É que, o Direito destina-se às pessoas concretas, socialmente integradas, com deveres, mas também com direitos, a reparar, se violados. Concordando-se em tese geral com estas proposições, afigura-se, todavia, que a fundamentação adequada para a concessão da indemnização, no segmento em apreço, não reside na norma do art.º 496º, nº 1, do CC, que manda atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, mas antes, mais precisamente, na consideração do dano da privação do uso do veículo acidentado como um dano autónomo, específico, passível de reparação no quadro das regras gerais fixadas nos art.ºs 562º, 563º e 566º daquele diploma. E o dano imediatamente ressarcível é precisamente a indisponibilidade do bem, qualquer que fosse a actividade (lucrativa, benemérita ou de simples lazer) a que o veículo estava afecto. Assim, deverá a Demandada colocar à disposição do Demandante um veículo com as características do SD, pelo período de três dias necessário para a sua reparação. De outra forma, o direito do Demandante à reconstituição da situação em que se encontraria se não fosse o evento lesivo, que a lei lhe confere, traduzir-se-á na liquidação das despesas que suporte no recurso a meios de transporte alternativos, designadamente no aluguer de um veículo semelhante. III - Alega ainda o Demandante que a resolução do presente sinistro lhe causou perdas de tempo para contactar e se deslocar ao mediador, à oficina reparadora, à companhia de seguros, etc., bem como gastos de difícil contabilização em transportes, telefones, cartas e faxes, provocando atrasos e perturbações no normal funcionamento do seu dia a dia, que representou como danos não patrimoniais computados em € 150,00. Ora, O dano não patrimonial, como é sabido, abrange os prejuízos (os vexames, os desgostos morais, etc.) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização. A nossa lei, no art.º 496º, do C. Civil, não determina quais os danos não patrimoniais que são compensáveis, limitando-se a fixar um critério geral que é o da gravidade desses danos. Essa gravidade há-de aferir-se por um padrão objectivo, e não à luz de factores subjectivos. Já os simples incómodos ou as meras contrariedades não serão, em regra, suficientes para justificar uma indemnização. Como refere Capelo de Sousa, in “O Direito Geral de Personalidade”, págs. 555 e 556, trata-se de “prejuízos insignificantes ou de diminuto significado, cuja compensação pecuniária não se justifica, que todos devem suportar num contexto de adequação social, cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar e que, em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa e interactiva vida social hodierna”. Por conseguinte, ao aludir aos danos “(…) que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, o legislador quis, num campo tão fluído como o das lesões não patrimoniais, reforçar a imperiosidade de se não aceitarem de ânimo leve, como compensáveis, prejuízos de pequeno relevo ou de anómala motivação (cfr. Delfim Maya de Lucena, in “Danos Não Patrimoniais”, pág. 19). Face aos princípios enunciados e tendo em consideração os factos alegados, ainda que tivessem sido provados, o que não foram, é nosso entendimento que tais danos “não assumem suficiente gravidade que devam merecer a tutela do direito”. Na verdade, seriam apenas idóneos a corporizar ou traduzir as chatices, arrelias, contrariedades ou incómodos sofridos pelo Demandante nas diversas diligências efectuadas tendentes a fazer valer a sua pretensão de reparação do veículo sinistrado. Pelo exposto, impõe-se desde já a improcedência da pretensão do Demandante neste particular. IV – Quanto à alegada desvalorização da viatura em consequência do sinistro, o Demandante não demonstrou como lhe cumpria que a reparação determinaria uma desvalorização do veículo, facto esse que não é notório, havendo mesmo possibilidade de a reparação ser feita de tal forma ou com tal tipo de materiais que origine aumento de valor. Como tal, também nesta parte, improcede o pedido. À quantia apurada de € 896,89 acrescem os juros de mora, à taxa legal vigente, desde a citação até efectivo e integral pagamento – cfr. art.ºs 804º e 805º, n.º 1 do C. Civil. V – Decisão Face a quanto antecede, julgo parcialmente procedente a presente acção e, por consequência, condeno a Demandada B a pagar ao Demandante A a quantia de € 896,89 (oitocentos e noventa e seis euros e oitenta e nove cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal vigente (actualmente de 4%), vencidos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; e ainda a colocar à sua disposição, por um período de três dias, um veículo com as características do SD, ou caso não o faça, a pagar-lhe uma indemnização em quantia a liquidar em execução de Sentença correspondente a três dias de aluguer de um veículo com as mesmas características; relegando ainda para execução de sentença uma eventual diferença entre o valor da reparação peticionado e o valor da mesma quando comprovadamente efectuada. Custas na proporção do decaimento e reembolso nesses precisos termos. Cumpra-se o disposto nos Artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro. Notifique. Registe. Vila Nova de Gaia, 28 de Março de 2007 A Juiz de Paz (Paula Portugal) Processado por computador Art.º 138º/5 do C.P.C. Revisto pelo Signatário. VERSO EM BRANCO Julgado de Paz de Vila Nova de Gaia |