Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 39/2024-JPCBR |
Relator: | CRISTINA EUSÉBIO |
Descritores: | PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE CONTABILIDADE |
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Data da sentença: | 12/03/2024 |
Julgado de Paz de : | COIMBRA |
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Decisão Texto Integral: | SENTENÇA Processo nº 39/2024-JPCBR
Demandante: [ORG-1] LDA., NUIPC n. º515175099, com sede na [...], 43 r/c direito em Coimbra Demandada: [PES-1], portadora do NIF n.º [NIF-1] residente na [...], 14, 1º Dto em Coimbra
Relatório A Demandada, regularmente citada, apresentou contestação de fls. 28 a 35 defendendo-se por exceção de ilegitimidade passiva, - na medida em que pela presente ação é peticionado o pagamento de serviços que não lhe foram prestados - e por impugnação defendendo a inexistência de qualquer enriquecimento sem causa na medida em que o valor do trespasse efetuado pela empresa [ORG-1] Lda não pertencia à demandante. Juntou 11 documentos na audiência de julgamento a fls. 68 a 86. Realizada a sessão de pré-mediação e mediação, as partes não lograram chegar a acordo. Foi designada data para audiência de julgamento, que se realizou com cumprimento das formalidades legais conforme da respetiva ata melhor se alcança. Valor da ação: 4.473,09€ (quatro mil, quatrocentos e setenta e três euros e nove cêntimos). *** Reunidos os pressupostos de estabilidade da instância, e com observância do artº 60º alínea c) da Lei nº 78/2001, de 13/07, alterada pela Lei nº 54/2013, de 31/07 (doravante designada por Lei dos Julgados de Paz), cumpre apreciar e decidir. *** FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Resultaram provados os seguintes factos: 1 – Correu termos no Julgado de Paz de Coimbra, ação declarativa de condenação com o n.º 211/2022, na qual foram partes a demandante e a empresa [ORG-1], Unipessoal Lda, tendo sido proferida sentença de condenação desta a pagar à demandante a quantia de 3.870,76€ acrescida de juros de mora, pelos serviços de contabilidade prestados. 2 – Tendo por título a referida sentença, correu termos ação executiva sob o n.º [Processo-1] no Juízo de Execução de Soure J1, tendo sido realizada, em 20 de dezembro de 2023, a diligência de penhora do recheio do estabelecimento comercial, explorado pela executada [ORG-1] Lda, 3 – Na diligência referida em 2, a demandante tomou conhecimento que o estabelecimento havia sido trespassado à [ORG-2] – [ORG-3], Comércio de Vestuário Lda, mediante o pagamento da quantia de 37.500,00€, em três prestações, até 15 de setembro de 2023. (cfr. Acordo homologado por sentença do processo de despejo com o n.º [Processo-2] de 22 de junho de 2023 a fls. 14 a 16) 4 – Nos termos do referido acordo, o pagamento da quantia de referida em 3 deveria ser pago para a conta com o NIB PT-------------------, cuja titular é a aqui demandada. 5- A demandada recebeu, na sua conta bancária identificada em 4, a quantia de 12.500,00€ em 15 de julho de 2023. (doc. Fls. 73 e 74). 6 – Em 17 de julho de 2023, a demandada efetuou pagamentos à [ORG-4], no valor de 12.264,65€ para regularização de empréstimo contraído pela empresa [ORG-1] Lda, do qual a demandada era fiadora. (cfr. Fls. 75 a 77). 7 – A demandante resolveu o contrato de prestação de serviços com a empresa [ORG-1] Lda com base no incumprimento de pagamento. 8 – A demandante pagou a quantia de 94,91€ a título de honorários ao agente de execução (docs. Fls 19 e 20). 9 – Em 16 de novembro de 2022 a empresa [ORG-1] lda transferiu para a demandante a quantia de 492,00€ e em 17 de janeiro de 2023 transferiu a quantia de 240,00€. 10 – A quantia de 492,00€ foi creditada à empresa antes da ação que correu termos no Julgado de Paz, referida em 1.
Factos não provados: C- A demandante não quis pedir o reembolso de IVA da empresa [ORG-1].
Motivação A testemunha [PES-3], sócio gerente da empresa [ORG-1] Lda, relatou ao tribunal que todo o dinheiro que foi recebido na conta da demandada – sem referir o montante concreto - , serviu para pagar o empréstimo bancário da empresa, contraído junto da [ORG-4]. Questionado sobre o facto de o montante não ter sido depositado em conta da empresa, refere que nessa data a empresa não tinha conta bancária.
DA MATÉRIA DE DIREITO A obrigação de restituir fundada no instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) a existência de um enriquecimento; b) que ele careça de causa justificativa; c) que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição; d) que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído. No presente caso, havemos de nos deter no requisito enunciado pela letra c), na medida em que o valor recebido pela demandada, pertencia à empresa [ORG-1] Lda e não à aqui demandante. Na verdade, a obrigação de restituir pressupõe que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga ao direito à restituição, não se afigurando poder haver de permeio outro ato jurídico. Ora, no presente caso, a demandada não recebeu, indevidamente, valores da demandante, que lhe tenham de ser restituídos e nessa medida é parte ilegítima na presente ação. É que, na verdade, o enriquecimento em causa da demandada, verificar-se-á em relação à empresa [ORG-1]. Lda. e não, repita-se, em relação à demandante. Por outro lado, o pedido da demandante consiste na condenação da demandada a proceder ao pagamento da dívida da empresa [ORG-1] Lda. e não o de restituir o valor recebido àquela para que satisfaça o crédito. Ora, a demandada não pode ser condenada a pagar um débito de contrato celebrado por terceiro, no qual não teve qualquer intervenção, sendo também, nesta conformidade parte ilegítima na presente ação. O instituto jurídico que se nos afiguraria relevante para a justa decisão da causa seria o da impugnação pauliana, que prevê os meios de reação do credor a ato jurídico praticado pelo devedor com vista a eximir-se ao devido pagamento, nos termos definidos no art. 610º do CC. A ação pauliana é uma ação de declaração de ineficácia dos atos em relação ao credor, que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito, que sejam dolosamente praticados pelo devedor, com o fim de impedir a satisfação do direito do credor. No entanto, mesmo que o tribunal entendesse que os factos poderiam integrar fundamento de impugnação pauliana, (por não estar adstrito ao enquadramento jurídico da demandante), ainda assim não poderia exceder os limites estabelecidos no art. 609º do CPC, para além de que se verificaria a situação de litisconsórcio necessário com o devedor originário, que não é parte na presente ação. Pelo exposto a presente ação está votada ao insucesso.
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a exceção de ilegitimidade procedente, absolvo a demandada do pedido formulado pela demandante. ** As custas serão suportadas pela Demandante nos termos e para os efeitos do art. 3º da Portaria n.º 342/2019 de 1 de Outubro devendo ser pagas, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença –ainda que o prazo de validade do DUC seja mais alargado, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação. A falta de pagamento das custas acarreta a sua cobrança por processo de execução fiscal. Registe. Coimbra, 3 de dezembro de 2024 (Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 131.º/5 do C.P.C.) _______________________________ (Cristina Eusébio) |