Sentença de Julgado de Paz
Processo: 86/2024 – JPCNT
Relator: MARTA SANTOS
Descritores: FATURAÇÃO
Data da sentença: 06/17/2024
Julgado de Paz de : CANTANHEDE
Decisão Texto Integral:
Proc. 86/2024 – JPCNT

SENTENÇA

I. RELATÓRIO

[PES-1], casado, maior, com o NIF [NIF-1], residente na [...], n.º 5/8- [Cód. Postal-1] [...], veio intentar a presente ação declarativa, com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei dos Julgados de Paz, contra [ORG-1] sociedade anónima, portadora do NIPC [NIPC-1], com sede na [...], n.º 12 - [Cód. Postal-2] [...], pedindo seja declarado resolvido o contrato por incumprimento imputável à demandada e que o demandante não deve à demandada a quantia de €697,75 (seiscentos e noventa e sete euros e setenta e cinco cêntimos), mas sim a quantia de €542,65 (quinhentos e quarenta e dois euros e sessenta e cinco cêntimos), correspondente à soma das faturas juntas aos autos, resultante do incumprimento e cumprimento defeituoso do contrato.
Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido.
Para prova do por si alegado juntou 7 (sete) documentos, que se dão por integralmente reproduzidos.
A demandada apresentou contestação, cfr. fls. 25 e ss.
Não se chegou a realizar a sessão de mediação porquanto o demandante prescindiu da mesma, cfr. notificação de fls. 15.
Foi agendada e realizada a Audiência de Julgamento, na qual compareceu o Demandante, a sua Ilustre Patrona, a Legal Representante da Demandada, Dra. [PES-2] e o Ilustre Mandatário da Demandada.
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Verificam-se os pressupostos de regularidade da instância, já que:
O Tribunal é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território, nos termos do disposto no artigo 6.º, nº 1, 8.º, 9.º, n.º 1 al. a), 10.º e 12.º, n.º 1, todos da Lei dos Julgados de Paz.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não existem nulidades, exceções ou outras questões prévias a conhecer.
Fixa-se o valor da ação em €542,65 (quinhentos e quarenta e dois euros e sessenta e cinco cêntimos), cfr. artigos 296.º, n.º 1, 297.º, n.º 1, 299.º n.º 1 e 306.º, n.º 1, todos do Código do Processo Civil, ex vi do artigo 63.º da Lei dos Julgados de Paz.
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Reunidos os pressupostos de estabilidade da instância, cumpre proferir sentença, sendo que a alínea c) do n.º 1 do artigo 60.º da Lei dos Julgados de Paz, estatui que, nas sentenças proferidas, deve constar, entre outros, uma “sucinta fundamentação”.
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II. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Factos provados:
Com relevo para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1. O demandante contratualizou os serviços de eletricidade à demandada, ao qual foi atribuído o código de contrato 160004078883 e o CPE 0002000072533087RZ, em 1998, aquando da obra da sua casa. Contrato que vigorou até dezembro de 2023, por iniciativa do demandante.
2. No normal decorrer do contrato 160004078883, conforme procedimento habitual, foi enviada pela Demandada ao Demandante uma carta de atualização de preços de eletricidade em 28.11.2022.
3. No referido documento é feita a seguinte ressalva:
“…poderá consultar em baixo os preços em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2023, considerando uma previsão das Tarifas de Acesso às Redes a definir pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) para 2023. Informamos que o preço final da eletricidade poderá ser actualizado em função do valor final que venha a ser definido pela ERSE para esta componente do preço.”
4. Em 02.01.2023, os serviços da Demandada são contactados pelo Demandante a reclamar de nas suas faturas estar a ser cobrado pela potência x 30 dias o valor de €11,90 (30x0.3761=11,283), sendo que, em concreto a reclamação apenas dizia respeito ao valor das casas decimais.
5. Em 15.01.2023, foi emitida pela Demandante a Fatura nº FT2023 K3423/340002132307, com o valor de €76,93, com vencimento a 01.02.2023, que debita os consumos realizados de 15.12.2022 a 14.01.2023, com base em leituras reais comunicadas pelo cliente.
6. Foi emitida pela Demandada a Nota de crédito nº NC2023 K3623/360000212191, com o valor de €10,11 (dez euros e onze cêntimos), com vencimento a 01.02.2023, referente a consumos de 26.11.2022 a 14.12.2022, com base em leituras reais comunicadas pelo cliente.
7. A situação reclamada ocorre quando faturados 30 dias de potência ao preço de €0,3761, sendo o arredondamento feito para cima assumindo assim o valor total de €11,29.
8. Analisada a faturação e nos períodos em que se encontram a ser faturados 31 dias, foi concluído que o valor se encontra corretamente faturado.
9. O Demandante volta a contactar os serviços da Demandada em 30.01.2023, a informar que aguarda resposta ao seu pedido para que seja verificada a situação, alegando que está a ser cobrado o valor a mais.
10. Indica que não foi informado sobre a alteração dos preços a partir de janeiro e que está a ser cobrado valor diferente.
11. Uma vez que o valor da fatura referida em 5. não foi liquidado na respetiva data de vencimento a Demandada, em 30.01.2023, enviou ao Demandante uma carta, para a morada indicada no contrato para local de consumo, a comunicar a necessidade de pagamento da fatura e a conceder-lhe prazo para o efeito, sob pena de ocorrer a interrupção de fornecimento.
12. Como não foi realizado o pagamento, em 02.02.2023, a Demandada enviou ao Demandante uma segunda carta, para a morada indicada no contrato para local de consumo, a comunicar a necessidade de pagamento do valor em dívida e a conceder-lhe prazo para o efeito, sob pena de ocorrer a interrupção de fornecimento.
13. Em 06.02.2023, os serviços da Demandada contactaram o Demandante para prestar esclarecimento.
14. Em seguida, a 08.02.2023, foi enviado ao Demandante outro aviso de interrupção de fornecimento por falta de pagamento de faturas.
15. No dia seguinte ao envio do aviso acima referido, em 09.02.2023, o Demandante contacta os serviços da Demandada e informa que recebeu um aviso de corte, e tem 3 faturas reclamadas. Pretende saber como estava a situação.
16. O Demandante reclamou do valor da fatura de €90,71 (noventa euros e setenta e um cêntimos) onde na potência a 30 dias x o valor 0,3761 é igual a €11,283 e está a ser cobrado €11,29. O demandante reclama que, sendo o valor exato de €11,283 deveria ser arredondado para baixo €11,28.
17. Informa ainda que recebeu no final do ano 2022 a comunicação do kwh de €0.1068 e da potência de €0.3917/dia e quer estes preços na sua fatura até 24/02/2023 porque só recebeu nova informação de preços no dia 24/01/2023 que vieram juntamente com a sua fatura e diz que a EDPC tem obrigação de comunicar com 30 dias de antecedência alterações de preços, pelo que quer a correção da sua fatura com os preços comunicados no final de 2022 e só após 24/01/2023, os preços de €0,1516 de kwh e da potência €0,3784/dia.
18. Em 14.02.2023, foi enviada carta ao Demandante com esclarecimentos relativos à reclamação apresentada, tendo sido esclarecido que, após análise, foi confirmado que o valor relativo à potência contratada que consta na fatura de €90,71, emitida a 14 de dezembro de 2022 encontra-se correto.
19. Mais foi esclarecido que o arredondamento dos valores das casas decimais é feito por cima, do que resulta o valor de €11,29, concluindo que a faturação foi corretamente emitida.
20. Em 15.02.2023, foi emitida nova Fatura nº FT2023 K3423/340006318625, com o valor de €104,06, com data de vencimento a 08.03.2023, que debita consumos de 15.01.2023 a 14.02.2023 com base em leituras reais comunicadas pelo cliente.
21. É ainda emitida a Nota de débito nº ND2023 K3523/350001266987, com o valor de €2,74, com data de vencimento a 08.03.2023, que debita consumos de 15.01.2023 a 14.02.2023, com base em leituras reais comunicadas pelo cliente.
22. É emitida a Fatura nº NA (120001107714), com o valor de €1,50 com data de vencimento a 08.03.2023, referente a Custo Administrativo por Atraso de Pagamento; É emitida a Fatura nº NA (120001123733), com o valor de €1,50 com data de vencimento a 08.03.2023, referente a Custo Administrativo por Atraso de Pagamento;
E é emitida a Fatura nº NA (120001150946), com o valor de €1,50 com data de vencimento a 08.03.2023, referente a Custo Administrativo por Atraso de Pagamento.
23. Em 28.02.2023, o Demandante volta a reclamar junto dos serviços da Demandada as seguintes situações:
Na fatura de €90,71 na componente da potência fatura a 30 dias com valor de €0,3761, está a ser cobrado em €11,29 em vez de €11,283, pretende a correção deste cêntimo de diferença pois 11,283€ só poderia ser arredondado para €11,284 e não €11,29, pois não ultrapassa a 0,005eur da casa decimal;
Na fatura de €69,84 está a ser cobrado com um tarifário de eletricidade diferente do qual foi comunicado em dezembro, e que não foi avisado do mesmo com 30 dias de antecedência, como prevê a lei que defende o consumidor. Só foi informado o valor novo de kw/h e potência na própria fatura já com o valor aplicado bastante superior ao indicado em dezembro pela EDPC;
Na fatura de €114,42 para além de ser a mesma situação referida do tarifário, tem a agravante de estarem a ser cobrados valores de atraso de pagamento no total de €4,50 que não podem ser aplicados pois ao reclamar, sobre as suas faturas elas tem de ficar bloqueadas e não pode gerar penalizações de atraso de liquidação.
24. Conclui, exigindo o bloqueio das 3 faturas e pretende resposta sobre os pontos referidos em 23. o mais rápido possível.
A Demandada bloqueou as faturas em causa.
25. Em face da falta de pagamento de qualquer valor, mesmo o valor que o Demandante aceita ser devedor, a Demandada emitiu e enviou ao Demandante um Aviso para pagamento do valor devido, sob pena de interrupção do fornecimento.
26. E em, 09.03.2023, voltou a enviar uma carta ao Demandante com esclarecimentos na decorrência da reclamação apresentada.
27. Em 15.03.2023, foi emitida a Fatura nº FT2023 K3423/340011203520, com o valor de €75,78, com vencimento a 03.04.2023, que debita consumos de 15.02.2023 a 14.03.2023, com base em leituras reais comunicadas pelo cliente.
28. Foram ainda emitidas as seguintes notas de débito:
29. Emitida a Nota de débito nº ND2023 K3523/350004628196, com o valor de €1,97, com vencimento a 03.04.2023, que debita consumos de 14.02.2023 com base em leituras reais comunicadas pelo cliente
30. Emitida a Nota de débito nº ND2023 K3523/350004626925, com o valor de €0,21, com vencimento a 03.04.2023, referente ao Mecanismo de Ajuste do MIBEL (DL 33/2022) - Serviços de Sistema.
31. Em 17.03.2023, por falta de pagamento do valor faturado, foi enviado aviso de interrupção de fornecimento.
32. Em 22-03-2023 o Demandante informa que recebeu resposta, mas pede resposta às restantes reclamações e em 14-04-2023 a Demandada envia nova carta a reiterar a informação prestada anteriormente, e os valores a pagamento.
33. Ora, o Demandante foi informado da alteração da tabela de preços em finais de 2022, aplicáveis a partir de dia 1 de janeiro.
34. O Demandante foi igualmente informado dos preços aplicados e também da carta/fatura a conter informação de preços a partir de 11/01, que recebeu, apenas não se conformando por não ter sido enviada a informação da atualização de preço com um aviso prévio de 30 dias, entendendo que não é legal, pois teria a faculdade de em 30 dias para negar/alterar comercializador.
35. A informação de atualização de preço enviada ao Demandante em finais de 2022, com a referência expressa à faculdade de resolver o contrato, caso não concorde, explicita que os valores indicados são uma previsão, comunicando ainda o valor máximo que poderá implicar a atualização: “…poderá consultar em baixo os preços em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2023, considerando uma previsão das Tarifas de Acesso às Redes a definir pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) para 2023. Informamos que o preço final da eletricidade poderá ser atualizado em função do valor final que venha a ser definido pela ERSE para esta componente do preço.”
36. A comunicação de atualização de preços recebida pelo Demandante na fatura já em 2023, corresponde ao valor efetivo e já não a uma previsão.
37. Tal facto foi explicado ao Demandante por carta enviada e que esclarece que os preços a aplicar a partir de 01 de janeiro de 2023 consideram a atualização dos preços comunicados aos clientes em novembro, para refletir o valor final das Tarifas de Acesso às Redes publicadas pela ERSE a 15 de dezembro.
38. Em 19.04.2023 os serviços da Demandada são novamente contactados pelo Demandante no sentido de manifestar a discordância da resposta dada, porque o documento enviado em novembro sobre a atualização dos preços a partir de 01/01/2023, não foi praticado. Volta a insistir que as faturas foram emitidas como um valor superior aos anunciados e enviados e reclama que as faturas emitidas até à nova atualização enviada a 24/02/2023 sejam faturados aos preços anteriores.
39. Consequentemente, foram enviadas novas cartas ao demandante a reiterar os esclarecimentos prestados e ainda a esclarecer a morada para a qual as faturas eram enviadas.
40. Em 20.05.2023 é enviada uma nova comunicação a informar a atualização dos preços pela Demandada, sendo que, em resposta à mesma, no dia 29-05-2023, o Demandante volta a reclamar que a redução do preço de 21% é falsa, segundo a tabela que recebeu esta a lhe dar um valor maior em sua fatura.
41. Em resposta, é informado que os preços ainda vão ser atualizados.
42. Em 31.05.2023 é novamente enviada carta ao Demandante em resposta às sucessivas reclamações e a reiterar a informação já enviada.
43. Em 12-06-2023, o Demandante volta a registar uma reclamação relativa à cobrança do valor de €1.50, referente a Taxa Administrativa por atraso de pagamento, visto que as faturas chegam, sempre após o prazo de pagamento. Portanto não tem culpa, pois há meses que informa essa situação, e nenhuma medida foi tomada.
44. Consequentemente, a Demandada informa por carta o Demandante que o custo administrativo no valor de 1,50 € é cobrado a todos os clientes sem tarifa social que, em determinado contrato, não liquidem as suas faturas dentro da sua data-limite de pagamento. Esta medida está em vigor desde 23 de maio de 2022.
45. Em 15-06-2023, é enviada nova carta ao Demandante com informação da estrutura do preço que paga pela eletricidade e evolução entre 1 de janeiro de 2021 e 30 de junho de 2023.
46. Em 30.06.2023 o Demandante volta a apresentar reclamação, pois, no final do ano de 2022 recebeu uma carta com uma tabela de preços que nunca foi praticado em que tinha kWh €0,1068 e a potência €0,3917 e no dia 24/01/2023 recebe uma nova tabela com os preços que estão agora em vigor.
47. Pretende então o demandante que seja retificado as faturas de 01/01/2023 até ao dia 24/02/2023 com os preços que recebeu na primeira carta e o acerto de €1,50 de atraso de pagamento das faturas.
48. As reclamações do Demandante continuaram, sempre com os mesmos fundamentos, apesar de todas as respostas já dadas pela Demandada.
49. Ainda assim, a Demandada sempre continuou a tentar esclarecer o Demandante da correção dos preços praticados.
50. As TAR são fixadas pela ERSE para vigorarem entre 1 de janeiro e 31 de dezembro. Esta circunstância justifica que os tarifários dos comercializadores sejam revistos e os novos preços vigorem a partir do início de cada ano civil.
51. Explicou ainda a tabela enviada a 28 de novembro de 2022.
52. Em 02-08-2023, o Demandante volta a reclamar dizendo que em julho de 2023 os preços foram novamente alterados, pois tem 30 dias legais para aceitar ou não as alterações. Diz não ter recebido as comunicações. Volta a reclamar o valor cobrado nas faturas de €1,50.
53. Em resposta, a Demandada envia uma carta ao Demandado a informar que a alteração em julho de 2023 é referente a redução da sua componente de preço denominada “Energia e Estrutura Comercial”.
54. Esta redução entrou em vigor a 1 de julho e representa, em média, para os clientes residenciais da EDP Comercial, uma descida de 21% na componente de preço de eletricidade definida pela EDP Comercial.
55. Não obstante todas as explicações e comunicações trocadas, o Demandante nunca deixou de reclamar, até que em setembro de 2023 decidiu rescindir o contrato de fornecimento.
56. Em face da rescisão contratual e mudança de comercializador, a Demandada em 02.10.2023 enviou uma carta com informação sobre os planos de energia e serviços e a informação do valor em dívida.
57. Em resposta a uma reclamação feita na sequência de uma ida do demandante a loja, é enviada uma carta ao Demandante a indicar que que todos os clientes devem ter um atendimento de excelência, sendo certo que um dos objetivos da nossa empresa é proporcionar as melhores condições nesse mesmo atendimento, bem como, no serviço prestado.
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Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
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A convicção do Tribunal, relativamente à factualidade supra descrita, resultou da audição do Demandante e da Legal Representante da demandada ao abrigo do disposto no artigo 57.º, n.º 1 da Lei dos Julgados de Paz, da análise ponderada dos documentos juntos aos autos pelos Demandantes e pela Demandada e da prova testemunhal apresentada pela Demandada, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607.º, nº 5 do Código do Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 63.º da Lei dos Julgados de Paz e no artigo 396.º do Código Civil.
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A testemunha da Demandada, [PES-4], disse que presta serviços para a EDP Comercial e que verificou na base de dados as comunicações enviadas ao demandante, tendo sido confrontada com todos os documentos juntos aos autos com a contestação, cujo teor confirmou e explicou, esclarecendo que as comunicações aos clientes são enviadas por carta e que as alterações aos tarifários de energia obedecem a certos requisitos impostos pela ERSE e que no mercado liberalizado os comercializadores podem alterar o valor praticado desde que este não ultrapasse o valor indicado pela ERSE, que foi o que sucedeu no caso dos presentes autos – faturaram abaixo do valor sugerido pela ERSE. Quando a ERSE procede a estas alterações, estas são enviadas para todos os clientes e comercializadores. Esclareceu ainda que esses envios são feitos por carta normal, sendo que no caso dos autos não se verificou a devolução de qualquer correspondência que tenha sido enviada ao demandante. Disse que muito embora pudessem ter efetuado o corte de energia ao demandante, nunca o fizeram, até porque como as reclamações eram sucessivas, esse procedimento ficou suspenso. Disse ainda que as respostas às reclamações não são feitas de forma automática, sendo feitas de modo adequado ao caso de cada cliente que reclama.
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III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A questão a dirimir nos autos em preço, face ao contrato de fornecimento de energia elétrica pela demandada ao demandante, e atendendo ao peticionado, é se o contrato entre as partes pode ser resolvido por incumprimento imputável à demandada e ainda a apreciação se o demandante deve à demandada a quantia de €542,65 (quinhentos e quarenta e dois euros e sessenta e cinco cêntimos), ao invés de €697,75 (seiscentos e noventa e sete euros e setenta e cinco cêntimos).
Relativamente ao primeiro pedido do demandante, dispõe o artigo 432.º n.º 1 do Código Civil que “É admitida a resolução do contrato fundado na lei ou em convenção.”
A resolução é uma declaração de vontade motivada por incumprimento ou alteração anormal da base negocial que atinge o equilíbrio das prestações.
Ora, da matéria de facto dada como provada, não resulta ter havido incumprimento ou alteração anormal da base negocial por parte da Demandada que comunicou atempadamente as alterações de preços da energia ao demandante e nunca deixou de fornecer energia ao demandante, apesar da falta de pagamento do preço por parte deste.
Efetivamente o fornecedor pode alterar o contrato, mas deve informar o consumidor sobre as alterações e que este tem direito a pôr fim ao contrato, sem penalização. Se a alteração implicar um aumento do preço, essa informação deve chegar antes do período de faturação em que esse aumento seja aplicado, ou seja, o prazo de 30 dias não se refere à alteração do preço em si, mas sim à possibilidade do consumidor denunciar o contrato mediante comunicação escrita, sem qualquer encargo, como aliás resulta dos docs. 1 juntos aos autos com o requerimento inicial e com a contestação. Desde logo, se não concordar com a alteração proposta, o consumidor pode pôr fim ao contrato, comunicando-o ao fornecedor, o que não aconteceu in casu, tendo o demandante feito apenas reclamações, mas não denunciando o contrato. Tal denúncia por banda do demandante veio a ocorrer em setembro de 2023. Ora, não pode este Tribunal dar como resolvido um contrato que já cessou por vontade própria do demandante na aludida data.
A denúncia corresponde a uma forma de cessação dos contratos que opera por comunicação do demandante dirigida à demandada (declaração de denúncia). Em regra, a denúncia traduz-se numa manifestação de vontade unilateral e discricionária de uma das partes. Tal significa, por um lado, que a declaração produz os seus efeitos quando é conhecida ou chega ao poder do destinatário, independentemente da sua aceitação e, por outro, que o seu exercício não depende da invocação de qualquer motivo para a denúncia. Quanto aos seus efeitos, em regra, a denúncia só produz efeitos extintivos para o futuro.
Ora a declaração produziu os seus efeitos, porquanto a demandada já não fornece serviços de eletricidade ao demandante desde setembro de 2023, tendo produzido os aludidos efeitos extintivos para o futuro.
Atente-se ainda ao que prescreve o n.º 2 do artigo 432.º do Código Civil: “A parte, porém, que, por circunstâncias não imputáveis ao outro contraente, não estiver em condições de restituir o que houver recebido não tem o direito de resolver o contrato.” Ora o demandante recebeu durante todos aqueles meses (de meados de dezembro de 2022 a setembro de 2023), energia fornecida pela demandada, não lhe sendo possível restituir o que recebeu (a energia), pelo que sempre lhe estaria vedado o direito à resolução do contrato.
Assim, atentos os fundamentos jurídicos explanados, e operada que está a denúncia do contrato não pode este Tribunal decretar a sua resolução, por um lado, porque já não existe contrato entre as partes a esta data, por outro, porque sempre estaria vedado o direito de resolução do contrato ao demandante, improcedendo assim o primeiro pedido por si peticionado.
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Relativamente ao pedido efetuado que o demandante não deve à demandada a quantia de €697,75 (seiscentos e noventa e sete euros e setenta e cinco cêntimos), mas sim a quantia de €542,65 (quinhentos e quarenta e dois euros e sessenta e cinco cêntimos) correspondente à soma das faturas juntas aos autos, escuda-se o demandante no facto de as faturas juntas aos autos não terem sido emitidas corretamente. Porém, da matéria de facto dada como provada, resulta terem sido efetivamente emitidas de forma correta, pelo mesmo motivo que já explanamos acima: o prazo de 30 dias não se refere à alteração do preço em si, mas sim à possibilidade do consumidor denunciar o contrato mediante comunicação escrita, sem qualquer encargo.
Relativamente às despesas administrativas, não tendo o demandante pago qualquer quantia a título dos serviços prestados, à demandada, é lícito à demandada cobrar tais despesas administrativas por atraso no pagamento. O aviso quanto a tais despesas administrativas inclusivamente consta das faturas emitidas, abaixo do item com o título “Evite atrasos no pagamento das faturas”.
Estatuí o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro sob a epígrafe “Dever de Informação”, que “1 - O contratante deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspetos nela compreendidos cuja aclaração se justifique. 2 – Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.” Da matéria de facto dada como provada, a aclaração e esclarecimento a que alude este normativo foram sempre prontamente prestados ao demandante, pelo que consideramos que também neste aspeto nada há a apontar à demandada, uma vez que todas as reclamações do Demandante foram respondidas por carta, onde consta a explicação referente a como são aplicadas e praticadas as alterações de preço.
A Demandada atua no mercado liberalizado e é regida por leis e regulamentos que lhe impõem o cumprimento escrupuloso dos procedimentos de cálculo de preços e faturação por parte da ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos). As Tarifas de Acesso às Redes são definidas pela ERSE e o preço final da eletricidade pode ser atualizado pelos fornecedores em função do valor final que venha a ser definido pela ERSE para essa componente do preço. Ao demandante cabia ter denunciado o contrato logo que não concordasse com os preços praticados pela demandada, mas não o fez, tendo reclamado sucessivamente, o que é um direito seu, mas que não suspendeu os serviços de fornecimento do serviço por parte da demandada, nas condições que aquela tinha fixado.
Acresce que no caso vertente, o demandante não logrou provar quaisquer factos que pudessem pôr em crise a versão da demandada e sustentar a sua versão.
Ora, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 342.º do Código Civil “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”, pelo que recaía sobre a demandante o ónus de alegar e provar os factos que determinassem a procedência do pedido que formulou, encargo que não logrou cumprir.
Assim, sem maiores indagações, porque desnecessárias, não pode deixar de improceder o segundo pedido formulado pelo demandante, não restando outra solução que não fosse a prolação da sentença nos termos da legislação aplicável e da prova produzida.
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IV. DECISÃO
Face ao que antecede e às disposições legais aplicáveis, julgo a ação totalmente improcedente, por não provada e, por via disso:
a) Absolvo a Demandada [ORG-1] – Comercialização de Energia, S.A. dos pedidos formulados pelo Demandante [PES-1].
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As custas, no montante de €70,00 (setenta euros) serão a suportar pelo Demandante, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono que lhe foi concedido (cfr. fls. 7 e 7 vs. dos autos). (Artigo 527.º do Código de Processo Civil - aplicável ex vi do artigo 63.º da Lei dos Julgados de Paz).
*
Registe e notifique.
***
Cantanhede, 17 de junho de 2024

A Juíza de Paz,

Marta Santos

Processado por meios informáticos e
revisto pela signatária. Verso em branco.
(art. 18º da LJP)