Sentença de Julgado de Paz
Processo: 121/2011-JP
Relator: DULCE NASCIMENTO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
Data da sentença: 10/11/2011
Julgado de Paz de : SANTA MARIA DA FEIRA
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Valor da Acção: 3.917,53€ (três mil novecentos e dezassete euros e cinquenta e três cêntimos)
I – IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A
Mandatário: B
Demandado: C
Mandatário: D
II – TRAMITAÇÃO
O Demandante intentou a presente acção pedindo a condenação da Demandada no pagamento da quantia de 3.917,53€ (três mil novecentos e dezassete euros e cinquenta e três cêntimos), correspondente ao reembolso das prestações que o Demandante teve de suportar no período de desemprego involuntário, cujo pagamento estaria transferido para a Demandada por contrato de seguro celebrado entre as partes. Juntou: seis documentos e procuração forense.
Procedeu-se à citação da Demandada, que contestou dizendo que a modalidade de seguro contratado não cobre as situações de desemprego, pelo que não existe obrigação de indemnizar o Demandante, termina pedindo a improcedência do pedido. Junta: procuração forense.
A partes prescindiram da realização da sessão de Pré-Mediação, tendo nos termos do disposto nos artigos 56º e 57º da Lei 78/2001 de 13 de Julho se procedido à Audiência de Julgamento.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor. O processo não enferma de nulidades que o invalidem na totalidade. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
III – FUNDAMENTAÇÃO
Por acordo das partes, resulta provado que:
1. O Demandante contratou com o E em 13.07.2007 um contrato de crédito ao consumo, o qual, para além das condições particulares e gerais, acoplava, sujeitos a adesão, contratos de seguro respeitantes a vários tipos de cobertura de risco e com as seguradoras F e C, conforme documento que se junta e dá por reproduzido (fls. 7 a 11).
Da prova produzida (documental e testemunhal), com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
2. O Seguro de x é possível ser celebrado em duas modalidades, com diferentes graus de protecção: “G” e “H”.
3. No caso do contrato de seguro celebrado na modalidade “G”, as coberturas previstas são: morte e invalidez permanente e incapacidade temporária por doença ou acidente.
4. No contrato de seguro modalidade “H”, as coberturas são, além das previstas na modalidade “G”, as correspondentes à situação de desemprego involuntário, com o reembolso da prestação mensal vincenda acordada até ao máximo de seis meses consecutivos (fls. 10).
5. O Demandante subscreveu a modalidade G, não tendo aderido à modalidade “H”, nos termos do documento intitulado “Adesão ao Contrato do Seguro de x” por ele assinado e por ele junto aos presentes autos (fl. 9).
6. O Demandante teve conhecimento sobre as condições gerais e especiais do seguro de x e do seguro x, por ele assinado e por ele junto aos presentes autos (fls. 10 e 11).
Para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreram os factos admitidos, os depoimentos testemunhais e os documentos juntos de fls. 7 a 18, e 28 a 31, 55 a 59 dos autos.
No que diz respeito aos depoimentos testemunhais os mesmos foram apreciados segundo as regras da experiência comum, os critérios da lógica e os juízos de probabilidade e razoabilidade, bem como a fundamentação do conhecimento dos factos sobre os quais depuseram, tendo em atenção nomeadamente o grau de parentesco, tendo todos eles sido isentos e suficientemente claros. No seu confronto, teve-se em consideração demais provas, tendo-se procedido à selecção fundamentada do que se considerou verdadeiro e credível do que é incoerente ou deixou dúvidas.
Verificando-se os pressupostos processuais de regularidade e validade da instância, não existindo excepções, nulidades ou quaisquer questões prévias de que cumpra conhecer, ou que obstem ao conhecimento do mérito da causa, cumpre apreciar e decidir:
IV - O DIREITO
Pretende-se nos presentes autos apurar a que modalidade de seguro de x o Demandante aderiu, e apurar sobre a existência de responsabilidade civil da Demandada, em virtude da ocorrência de uma situação de desemprego involuntário do Demandante.
O contrato de seguro é formal e tendo em consideração que foi pré-elaborado, sendo o mesmo oferecido pela Demandada à generalidade dos seus clientes, e que foi apresentado como sendo inegociável, presume-se ter a natureza de um contrato de adesão, isto é, contratos em que um dos contraentes se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, aderindo ao modelo oferecido, sem prévia negociação individual, ou possibilidade de negociação, regendo-se pelo regime das Cláusulas Contratuais Gerais, previsto no DL 446/85 de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas.
Dos autos resulta que o Demandante, assinou um Crédito ao Consumo x e que conhecia o documento denominado Condições Gerais (fls. 7 e 8), bem como assinou Adesão ao Contrato do Seguro de x e que conhecia o documento denominado Nota informativa sobre as condições gerais e especiais do seguro de protecção ao crédito (fls. 9 e 11).
Do documento denominado Nota informativa sobre as condições gerais e especiais do seguro de protecção ao crédito (fls. 10 e 11), consta expressamente que existem duas modalidades de contrato de seguro de protecção individual, uma denominada G, e outra de H.
Dos autos resulta provado que do documento denominado Adesão ao Contrato do Seguro de x (fls. 9) resulta ali descriminado que a modalidade subscrita pelo Demandante foi a de G, referindo ali que as coberturas são morte e invalidez absoluta e definitiva, bem como incapacidade temporária por doença ou acidente. Assim como, resulta provado que do documento denominado Nota informativa sobre as condições gerais e especiais do seguro de protecção ao crédito (fls. 10 e 11), resulta esclarecido que a modalidade G, garante em caso de 30 dias consecutivos de incapacidade temporária absoluta para o trabalho, causada por doença ou acidente o reembolso regular da prestação mensal vincenda acordada contratualmente, até que a pessoa segura volte ao trabalho, no máximo de 36 meses consecutivos.
Estando perante um contrato de adesão, recai sobre a seguradora, ora Demandada, o ónus da prova de que as cláusulas contratuais foram aceites pelo Demandante, uma vez que é ela quem pretende prevalecer-se do seu conteúdo, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 1º do DL 446/85.
Verifica-se assim salvaguardado o cumprimento dos deveres pré-contratuais de comunicação e informação das cláusulas a inserir no negócio e prestação dos esclarecimentos necessários a um exercício idóneo da autonomia privada, resultante do disposto no art. 227º/1 do Código Civil, especificamente consignada nos art. 5º e 6º do DL 446/95, como deveres de comunicação e de informação das ditas cláusulas contratuais gerais. Veja-se o que, a propósito, escreveu em "Cláusulas Escondidas e Não Lidas", Isabel Namora, decisão do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, Sub Judice, Justiça e Sociedade, nº 18, p. 35: “Para que num contrato de adesão o aderente possa ter um conhecimento efectivo das cláusulas antes de as subscrever é preciso que as mesmas lhe sejam lidas e explicadas”.
Dos normativos referidos resulta que a lei impõe, não apenas o dever de comunicação das cláusulas gerais dos contratos, como ainda o dever de informação ou de aclaração do conteúdo e sentido das ditas cláusulas. É assim imperioso que os contraentes conheçam com rigor as cláusulas a que se vão vincular, devendo as mesmas, ainda antes da subscrição ou outorga do contrato, ser dadas a conhecer aos aderentes, o que resulta provado nos presentes autos ter-se verificado.
Resultou provado que em Setembro de 2009 a empresa para a qual o Demandante trabalhava pôs termo ao contrato de forma unilateral, ficando o Demandante numa situação de desemprego (fls. 14 e 15), situação da qual deu conhecimento à Demandada (fl. 16), que lhe respondeu numa primeira fase solicitando documentação (fl. 17) e numa segunda onde esclarece que o seguro subscrito apenas cobre incapacidade temporária para o trabalho por doença ou acidente, não se encontrando coberta a situação de desemprego voluntário.
Acresce ao exposto que a empresa para a qual o Demandante trabalhava é espanhola e o local de trabalho também era em Espanha, situação esta que não foi previamente comunicada nem negociada com a Demandada.
Da análise dos factos provados, não resulta terem-se verificado os pressupostos da responsabilidade civil, consagrada no artigo 483º do Código Civil: facto ilícito, imputação do facto ao agente, danos e nexo de causalidade entre os factos e os danos, que geram a obrigação de indemnizar.
Em face do exposto não se encontrando a situação objecto dos autos coberta pelo seguro contratado com a Demandada, não pode a mesma ser responsabilidade face à inexistência de cumprimentos dos elementos legais da responsabilidade de civil contratual.
Atendendo aos princípios gerais de actuação dos Julgados de Paz, bem como aos seus fins, designadamente de pacificação social, entendemos que no caso concreto a decisão final deve conter, em si mesmo, também uma função pedagógica, em relação a ambas as partes. Termos em que se conclui por uma advertência ao Demandante no sentido de que a garantia dos direitos só pode ser juridicamente acautelada se os deveres e obrigações foram efectivamente cumpridos de acordo com a lei, sendo, nomeadamente, os advogados aqueles a quem as partes podem recorrer, previamente ao conflito (advocacia preventiva), ou na eminência do conflito (advocacia resolutiva).
Por outro lado, em relação à Demandada também a advertência de que os contratos de adesão e notas informativas devem de ser individualizadas em relação ao produto contratado para que não seja possível ao segurado ou ao cliente resultar qualquer duvida sobre o produto que está a contratar e condições gerais e especiais que lhe são aplicáveis.
V - DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente acção improcedente, por não provada, e consequentemente absolvo a Demandada do pedido formulado.
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro, condeno a Demandante no pagamento da taxa única, que ascende a 70€ (setenta euros), devendo a Demandante proceder ao pagamento dos 35€ (trinta e cinco euros) em falta, no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de 10€ (dez euros) por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no número 9 da mesma portaria em relação à Demandada.
Defiro e determino, excepcionalmente, a notificação da presente sentença às partes nos termos requeridos, atendendo aos fundamentos pelas mesmas apresentados.
Registe.
Julgado de Paz de Santa Maria da Feira, em 11 de Outubro de 2011
A Juíza de Paz
(Dulce Nascimento)