Sentença de Julgado de Paz
Processo: 69/2024–JPBMT
Relator: JOSÉ JOÃO BRUM
Descritores: DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA DE CONDOMÍNIO
Data da sentença: 05/10/2024
Julgado de Paz de : BELMONTE
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA
(arts. 26.º, n.º 1 e 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13/07 – LJP, na redação da Lei n.º 54/2013 de 31/07)

Processo n.º 69/2024 – JP Belmonte

Identificação das partes
Demandantes: LS e CS, casados, portadores dos Cartões de Cidadão n.º ------ e -----, com os NIF n.º ---------- e -------, respetivamente, residentes na -----------------------------------------------, 0000-000 Localização 1), ele munido de Procuração Forense junta a fls. 63 dos autos outorgada pela Demandante.
Demandado: Condomínio Urbanização --------------------------- Covilhã, com o NIPC ---------------, representado pela sua Administradora CC, Lda., Sociedade por Quotas, com sede na ----------------------------, 0000-000 (Localização 2), com o NIPC n.º -------, representado pela Dra LR, Solicitadora, portadora da cédula profissional n.º ----, com escritório na -----------------------------------------, 0000-000 (localização 3), munida de Procuração com Poderes Especiais junta a fls. 39V dos autos.

OBJETO DO LITÍGIO
O Demandante veio intentar a presente ação declarativa de condenação ao abrigo do art. 9º, n.º 1 al. c) da Lei n.º 78/2001 de 13/07, na redação da Lei n.º 54/2013 de 31/07, pedindo a anulação da Deliberação de Assembleia de Condóminos ocorrida na assembleia de condóminos que teve lugar no dia 19/09/23, mais concretamente, os Demandantes insurgem-se contra o lavrado no Ponto 1 da ata onde lhes foi imputada uma dívida de €56,11 (cinquenta e seis euros e onze cêntimos), na qualidade de condóminos e proprietários da fração “X” do edifício sito no prédio da Urbanização ----------------- na (localização 2).
Relatam os Demandantes no Requerimento Inicial que a transmissão da assembleia de condomínio padeceu de dificuldades de transmissão via Zoom, nomeadamente sofrendo de cortes. Os Demandantes quando receberam a ata verificaram que lhes havia sido imputada uma dívida a título de
quota extra relativa à impermeabilização do terraço. Os Demandantes narram que o anterior proprietário da fração havia solicitado a emissão de uma declaração de não divida à Administração do Condomínio, a qual foi emitida e se encontra junta a fls. 23 dos autos. Os Demandantes consideram que a imputação da dívida pela administração do condomínio é atentatória da sua honra e bom nome, uma vez que a sua reputação ficou gravemente afetada, passando a ser rotulados de “caloteiros”. Peticionam, assim, os Demandantes também uma indemnização que quantificam no valor de €100,00 (cem euros).
Juntaram dez (10) documentos a fls. 6 a 26V e 64 e 65 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
O Demandado foi regularmente citado, tendo apresentado Contestação a fls. 38 e 38V dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos. Em síntese, impugnou os fatos alegados no Requerimento Inicial nos artigos 8º a 21º por serem inexatos ou falsos e/ou por não constituírem factos pessoais ou de que o Demandado deva ter conhecimento, nos termos do art.º 574º, n.º 3, bem como impugnou os documentos juntos com o Requerimento Inicial. Nestes termos, pugnou pela improcedência da ação e a consequente absolvição do pedido. Formulou pedido reconvencional no valor de €246,00 (duzentos e quarenta e seis euros) contra os Demandantes, a título de despesas, com o patrocínio da sua constituinte, juntando para tanto dois documentos a fls. 39 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Junto Procuração Forense a fls. 39V e quatro documentos a fls. 39 e 66 e 67, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
Foi agendada uma sessão de Pré-mediação no dia 22/03/24, na qual as Partes não lograram alcançar um Acordo.
Os Demandantes foram notificados para se pronunciar quanto ao Pedido Reconvencional, o que aconteceu a fls. 48 e 49 dos autos, tendo pugnado pela improcedência do mesmo.
Foi marcada a realização da Audiência de Julgamento para o dia 2 de maio pelas 10h00.
Produzida a prova e concedida a palavra às Partes para proferirem breves alegações orais de acordo com o espírito dos Julgados de Paz, pelo que profere-se na presente data agendada para o efeito a seguinte Sentença.
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas
FUNDAMENTAÇÃO
Os Factos
Factos provados:
Da prova constante dos autos e com interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1 - Os Demandantes são proprietários da fração designada pela letra “X”, correspondente ao -------- do prédio urbano sito na Urbanização ----------------------------------, 0000-000 (localização 1).
2 - É administrador do condomínio a Sociedade CC, Lda., com sede na ----------------------------------, 0000-000 (localização 2).
3 - Os Demandantes adquiriram a sua fração no dia 21/10/22 por documento particular autenticado.
4 - No dia 06/10/22 foi emitida uma Declaração nos termos e para os efeitos do art.º 1424º-A, pela Representante Legal do Demandante a pedido do anterior proprietário da fração “C”, correspondente ao R/C Frente, o Senhor HR, dando conta que não existiam quaisquer encargos de condomínio em vigor, relativamente a essa fração.
5 - No passado dia 19/09/23 teve lugar, na sede da empresa que administra o condomínio, a assembleia de condóminos, com a seguinte ordem de trabalhos:
1- Aprovação das contas do ano de 2023;
2- Aprovação do orçamento para o ano de 2024;
3- Apresentação do comprovativo de seguro Multirriscos pelos condóminos;
4- Análise e aprovação de orçamento para reparação/alteração do ramal de esgoto existente na garagem da fração “X”;
5- Outros assuntos de interesse para o condomínio.
6 – A convocatória para assembleia de condóminos foi efetuada em 08-09-23, pela administração de condomínio, enviada para o endereço de correio eletrónico dos Autores xxxxxxxxx.
7 – A convocatória previa que decorridos 30 minutos depois da hora marcada da assembleia geral acima referida se não estiverem presentes ou representados condóminos titulares da maioria do valor do prédio, ou não for possível formar a maioria prevista no n.º 4 do art.º 1432º do Código Civil, a Assembleia poderá deliberar por maioria dos votos dos proprietários presentes ou representados, desde que constituam pelo menos um quarto do valor total do prédio.
8 – Os Demandantes, por residirem em localidade diferente e distante da cidade da Covilhã, requereram à Administração do condomínio para participar na assembleia de condóminos por videoconferência.
9 – À hora indicada foi estabelecida a ligação pela plataforma “Zoom” com a administração do condomínio.
10 – A assembleia de condóminos reuniu em primeira convocatória, onde para além dos Demandantes participaram os condóminos JB, residente em Urbanização -------------------------------------------------, 0000-000 (localização 2), proprietário das frações “X” e “Y”, correspondentes ao -------- e garagem --------, respetivamente, LM, proprietário da fração “Z”, FP proprietária da fração “G” e CA proprietária da fração “Y” perfazendo 44,89% do capital investido.
11 – Foi elaborada a ata n.º 33 relativa à assembleia de condomínio realizada no dia 19/09/23, tendo na mesma se consignado na rúbrica “valores em dívida”: (…) alínea n) LS, proprietário da fração “--”, no montante de €56,11 (cinquenta e seis euros e onze cêntimos, referente à quota extra para impermeabilizar o terraço.” (…).
12 – Na sequência da discordância manifestada pelos Demandantes quanto ao teor da ata, no que respeitava à quota em dívida foi elaborada no dia 11/10/23 a Adenda à Ata n.º 33, onde foi feito constar: “O proprietário da fração “--” não obstante ter estado presente via Zoom e se ter manifestado durante a assembleia, recusou-se a assinar a ata por discordar com a citação na alínea n) do ponto um, descrevendo o valor de €56,11 (cinquenta e seis euros e onze cêntimos) em dívida da fração “--” correspondente à quota extra de impermeabilização do terraço”.
13 – A quota em causa foi aprovada pela assembleia de condóminos realizada em 19 de setembro de 2022, tendo a administração se comprometido a avisar os condóminos da data exata do início das obras e a quota acima aprovada, vence-se a partir desse momento.
14 – O anterior proprietário da fração “--” procedeu ao pagamento da quota extra, no valor de €56,11 (cinquenta e seis euros e onze cêntimos), no dia 03/10/23.

MOTIVAÇÃO
Os factos n.º 1 a 8 resultaram assentes, admitidos por acordo nos termos do art.º 574º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do art.º 63º da Lei dos Julgados de Paz.
O facto n.º 9 resultou assente com base no documento junto a fls. 15 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
O facto n.º 10 resultou assente com base no documento junto a fls. 10 e segs. dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
O facto n.º 11 resultou assente com base no documento junto a fls. 10, 10V, 11, 11V e 12 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
O facto n.º 12 resultou assente com base no documento junto a fls. 66 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

Factos não provados:
Os Demandantes residem habitualmente no prédio.
A data de vencimento da quota extra relativa à impermeabilização do terraço venceu-se em data posterior à venda do imóvel dos Demandantes.
A Administração comunicou aos Demandantes a data do vencimento da quota extraordinária estabelecida na assembleia de condomínio realizada no dia 19/09/22.
Os Demandantes passaram a ser rotulados no prédio de “caloteiros”.

Motivação dos factos não provados
Resultou da ausência de mobilização probatória credível por parte da Demandada.

O DIREITO
Os Demandantes peticionam a anulação de deliberação da assembleia de condomínio que teve lugar no dia 19/09/23, constante do Ponto 1, alínea n) da Ata n.º 33 lavrada da Assembleia, ao imputar-lhe um valor de €56,11 em dívida a título de quota extraordinária relativa à impermeabilização do terraço do prédio. Os Demandantes sustentam tal pedido na falta de quórum da assembleia para deliberar. Da prova documental carreada para os autos resulta provado que foi elaborada e enviada convocatória onde se informou o seguinte aos condóminos: “decorridos 30 minutos depois da hora marcada da assembleia geral acima referida não estiverem presentes ou representados condóminos titulares da maioria do valor do prédio, ou não for possível formar a maioria prevista no n.º 4 do art.º 1432º do Código Civil, a Assembleia poderá deliberar por maioria dos votos dos proprietários presentes ou representados, desde que constituam pelo menos um quarto do valor total do prédio” A Assembleia de condomínio foi agendada para o dia 19/09/23 pelas 20h30, conforme convocatória a fls. 13 dos autos. A fls. 15 e segs dos autos foi junta pelos Demandantes a ata n.º 33 relativa a essa assembleia, a mesma é omissa quanto a tratar-se de uma segunda convocatória, no entanto menciona a hora do seu início pelas 21h30m, ou seja 60 (sessenta) minutos depois da hora para a qual foi convocada, pelo que com grande grau de certeza se terá tratado de uma segunda convocatória, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, a qual já permitia deliberar com 448,899% do valor total do edifício, pelo que com este fundamento a deliberação não pode ser anulada.
Importa ainda a este respeito, com base nos Factos Provados salientar que, os Demandantes, através de contrato de compra e venda datado de 21/10/22, adquiriram a fração designada pela letra “--”, correspondente ao --------- do prédio urbano sito na Urbanização ---------------, -----, 0000-000 (localização 1) ao senhor HR, conforme documento junto aos autos a fls. 7, 7V, 8, 8V e 9, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
No dia 06/10/22 foi emitida uma Declaração, nos termos e para os efeitos do art.º 1424º-A, pela Representante Legal do Demandante a pedido do anterior proprietário da fração “--”, correspondente ao ------, o Senhor HR, dando conta que não existiam quaisquer encargos de condomínio em vigor, relativamente a essa fração, documento na posse dos Demandantes.
Os Demandantes, de boa fé, no dia 21/10/22 formalizaram a aquisição da fração.
Neste contexto é forçoso assinalar que verifica-se um lapso na redação da ata n.º 33 que carece de ser corrigido, no sentido de aí constar que: “o valor da quota extra de €56,11 (cinquenta e seis euros e onze cêntimos) relativo à impermeabilização do terraço era devido pelo anterior proprietário da fração “C”, encontrando-se a situação posteriormente regularizada.” Termos em que procede parcialmente o pedido de anulação de deliberação formulado pelos Demandantes.
No que toca ao pedido de condenação do Demandado no pagamento de uma indemnização por ofensa ao bom nome e à honra dos Demandantes no valor de €100,00 (cem euros), o mesmo tem de ser analisado à luz das regras do ónus da prova. Estabelece o art.º 342º, n.º 1 do Código Civil que compete aos Demandantes a prova dos factos constitutivos do seu direito, mais concretamente, quais os danos sofridos. No caso concreto, o Demandado representado pela Sociedade CC, Lda. na assembleia de condomínio realizada no dia 19/09/23 limitou-se a enunciar na ata a existência de uma dívida no valor de €56,11 (cinquenta e seis euros e onze cêntimos) respeitante a quota extraordinária devida pela impermeabilização do terraço do edifício imputando-a aos Demandantes. Tratou-se de uma perceção errada por parte da Administração do Demandado, que se encontra, atualmente sanada materialmente com a realização das diligências necessárias à obtenção do pagamento do valor devido pelo anterior proprietário.
Para assistir direito a uma indemnização por parte dos Demandantes estes tinham de se provar que foi abalado o prestígio de que gozavam, ou o bom conceito em que eram tidos no meio social em que vivem ou exercem a sua atividade. O erro cometido pela Administração do Demandado na elaboração de ata com uma imputação de dívida indevida não se revela capaz de perigar o prestígio dos Demandantes, honra ou bom nome. As atas de condomínio são do conhecimento apenas dos condóminos e dizem respeito ao prédio em causa, não estamos perante um facto divulgado em publicação nacional. Aliás, os Demandantes não residem no prédio, pelo que os requisitos para a procedência do pedido indemnizatório não resultaram provados, pelo que improcede este pedido.
Por último, resta debruçar-nos sobre o pedido de condenação dos Demandantes no pagamento de honorários suportados pelo Demandando. O Demandado fez juntar aos autos dois documentos a fls. 39 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos. No caso sub judice o valor suportado resulta do exercício da defesa do Demandado no âmbito de processo judicial, o que se enquadra no âmbito das Custas de Parte, encontrando-se o seu ressarcimento excluído do âmbito da competência dos Julgados de Paz.

DECISÃO
Face a quanto antecede julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência decido:
a) Declarar anulada a deliberação da assembleia de condomínio realizada em 19/09/13, no Ponto 1, alínea n) devendo ser corrigida passando a ler-se: “o valor da quota extra de €56,11 (cinquenta e seis euros e onze cêntimos) relativo à impermeabilização do terraço era devido pelo anterior proprietário da fração “--”, encontrando-se a situação posteriormente regularizada.”
b) Julgar improcedente o pedido de indemnização por ofensa ao nome e honra dos Demandante por não provado.
c) Julgar improcedente o pedido de condenação dos Demandantes no pagamento de €246,00 (duzentos e quarenta e seis euros).

CUSTAS: Na proporção do decaimento que se fixa em 35,00 (trinta e cinco euros para cada parte.
Os Demandantes e Demandado deverão efetuar o pagamento de € 35,00 (trinta e cinco euros) cada. Mais ficam notificadas para pagamento da taxa, devida a título de custas de sua responsabilidade, no montante de €17,50 (dezassete euros e cinquenta cêntimos) para cada um dos Demandantes, €35,00 (trinta e cinco euros) para o Demandado, através de documento único de cobrança (DUC) que junto se envia (cf. nº 3 do artigo 2º da Portaria nº 342/2019, de 1 de outubro, conjugado com o nº1 do artigo 249º e artigo 149º, ambos do Código de Processo Civil).
O pagamento deste valor deve ser feito no prazo de 3 dias úteis após a receção desta carta. Por cada dia de atraso ao pagamento acrescem €10,00 (dez euros), até ao limite de €140,00 (cento e quarenta euros). O pagamento poderá ser efetuado através de terminal de pagamento automático, multibanco e homebanking, devendo o comprovativo de pagamento ser enviado ao Julgado de Paz.
As informações constantes no presente documento podem ser utilizadas para efetuar o pagamento até à data nele, indicada, mesmo com atraso.
Caso pague com atraso, será emitido um novo documento para pagamento da sobretaxa relativa ao atraso (€10,00 (dez euros) por cada dia de atraso.
Verificando-se a falta de pagamento das custas da sua responsabilidade proceder-se-á à remessa dos autos para a Autoridade Tributária e Aduaneira para instauração da competente execução por falta de pagamento.
Registe e notifique.

Belmonte, Julgado de Paz, 10 de maio de 2024
O Juiz de Paz,
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(José João Brum)
Processado por meios informáticos e revisto pelo signatário. Verso em branco.