Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 333/2023-JPSTB |
Relator: | CARLOS FERREIRA |
Descritores: | INDEMNIZAÇÃO POR DANOS DECORRENTES DE INFILTRAÇÃO DE ÁGUA COM ORIGEM NA FRAÇÃO DO PISO SUPERIO |
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Data da sentença: | 07/30/2024 |
Julgado de Paz de : | SETÚBAL |
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 333/2023-JPSTB * Resumo da decisão: - Condena a parte demandada a pagar à parte demandante a quantia de €490,00. - A parte demandada tem custas a pagar na quantia de €70,00 no prazo de 3 dias úteis. *** Sentença Parte Demandante: --- 1) [PES-1], contribuinte fiscal número [NIF-1], e; --- 2) [PES-2], contribuinte fiscal número [NIF-2], ambos residentes na [...], n.º 47, 3.º C, [...], [Cód. Postal-1] [...]. -- Parte Demandada: ---- 1) [PES-3], contribuinte fiscal número [NIF-3], e; --- 2) [PES-4], contribuinte fiscal número [NIF-4], ambos residentes na [...], n.º 47, 4.º D, [...], [Cód. Postal-1] [...]. ------ Mandatário: Dr. [PES-5], Advogado, com escritório em [...], 16 – 1.º I, [Cód. Postal-2] [...]. ---- * Matéria: ações que respeitem a responsabilidade civil contratual e extracontratual, al. h), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei dos Julgados de Paz (versão atualizada da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho). --- Objeto do litígio: Indemnização por danos decorrentes de infiltração de água com origem na fração do piso superior. --- * Relatório: --- Os Demandantes instauraram a presente ação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 4 e 5, que aqui se declara integralmente reproduzido, peticionando a condenação dos Demandados a pagarem-lhes a quantia global de €490,00 (quatrocentos e noventa euros), a título de danos patrimoniais. --- Para tanto, alegaram em síntese que, os Demandados tiveram uma avaria na sua casa de banho, que provocou uma infiltração de água na fração dos Demandantes, que está situada no piso inferior, com danos na pintura do teto e paredes da respetiva casa de banho. --- Os Demandados foram alertados dos factos, mas recusaram a responsabilidade pelos danos. --- Concluíram pela procedência da ação, e juntaram documentos. ---- Regularmente citados, os Demandados apresentaram contestação de fls. 35 a 37, que aqui se declara integralmente reproduzida. --- Por impugnação, os Demandados alegaram, em síntese que, efetuaram uma remodelação da sua casa de banho, porque a mesma tinha mais de vinte anos, por razões de estética e conforto e não em resultado de uma avaria. --- A fração dos Demandados está no piso acima da fração dos Demandados, mas ao lado da fração que está por cima da fração dos Demandantes, que é o 4.ºC. --- Os Demandantes abordaram os Demandados, referindo-se a danos que seriam provenientes do 4.º C, e não da fração destes. --- Só após as obras efetuadas pelos Demandados na sua casa de banho, e porque a companhia de seguros do 4.ºC, não assumiu a responsabilidade pelas infiltrações é que os Demandantes afirmaram que teriam de ser os Demandados a reparar os danos. --- Concluíram pela improcedência da ação, e juntaram procuração forense. --- * O objetivo de justiça próxima e pacificadora, que caracteriza o processo em Julgado de Paz já poderia ter sido apropriadamente alcançado nos presentes autos em sede de Mediação, ou por via de conciliação. --- Os presentes autos são apenas mais um exemplo de como as relações sociais ainda estão condicionadas por um acentuado espírito de litigância, que determina à rejeição da resolução amigável e construtiva dos conflitos. --- Certamente que, uma solução obtida por acordo traria os ganhos resultantes de uma utilidade imediata e tangível para as partes, e poderia ser capaz de lhes transmitir maior grau de satisfação das suas necessidades concretas e amplitude de reconhecimento, do que eventualmente resultará de uma decisão impositiva, limitada por estritos critérios de prova produzida e da legalidade aplicável. No entanto, não foi esse o caminho que as partes entenderam seguir, devendo ser respeitada a sua decisão de não haver acordo, e desse modo, terem optado por fazer depender a resolução do litígio da decisão a tomar na sentença que agora se declara. --- ---*--- Nos termos do art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei dos Julgados de Paz, a sentença inclui uma sucinta fundamentação. --- * Fundamentação – Matéria de Facto: --- Incumbe ao Demandante o ónus de provar os factos que constituem o direito invocado na presente ação (cf., n.º 1, do art.º 342.º, do Código Civil). --- Por outro lado, cabe ao Demandado fazer prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo Demandante (cf., nº2, do artigo 342º, do Código Civil). --- Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que: --- 1. Desde 09-12-1999, os Demandantes têm registada a seu favor a aquisição da fração designada pela letra “AB”, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de [...], ficha [Nº Identificador-1], correspondente ao 3.º andar, letra C, sito na [...], n.º 47, [...], [Cód. Postal-1] [...], fls. 27 a 30; -- 2. Desde 30-06-1994, os Demandados têm registada a seu favor a aquisição da fração designada pela letra “AK”, correspondente ao 4.º andar, letra D, do edifício identificado no número anterior, fls. 6 e 7; --- 3. Em data não apurada do ano 2022, mas que se sabe ter sido antes do dia 21-06-2022, os Demandantes detetaram uma infiltração no teto e nas paredes da sua casa de banho, fls. 70; --- 4. Os Demandantes contactaram a proprietária da fração imediatamente superior à sua (4.º C), no sentido de apurar a origem da referida infiltração; --- 5. Foi realizada uma peritagem pela companhia de seguros da fração correspondente ao 4.º C, que declinou a responsabilidade pelos danos, fls. 70; --- 6. Em data não concretamente apurada, mas que se sabe ter sido entre agosto e setembro de 2023, os Demandados fizeram obras de remodelação da casa de banho da sua fração; --- 7. Antes de terem sido feitas as obras de remodelação a canalização da casa de banho da fração dos Demandados, tinha cerca de 30 anos de antiguidade, as torneiras estavam com muito uso e a canalização era em tubo galvanizado apresentando desgaste normal para a idade. --- 8. A infiltração existente na casa de banho dos Demandantes deixou de estar ativa após as referidas obras realizadas pelos Demandados; --- 9. Durante as obras realizadas, os Demandados assumiram a responsabilidade por danos na fração correspondente ao 3.º D, por terem sido causados por infiltrações de água com origem na sua fração; 10. As casas de banho das frações “C” e “D”, confinam com a mesma parede nos pisos 3.º e 4.º do edifício; --- 11. A fração dos Demandantes tem danos na pintura do teto e das paredes, causados por saturação de água, fls. 11 a 14; - 12. Os danos existentes na casa de banho da fração dos Demandante têm origem na canalização original que existia na fração dos Demandados; --- 13. A reparação dos danos na casa de banho da fração dos Demandantes está orçamentada no montante de €490,00, fls. 15; --- 14. Os Demandantes contactaram os Demandados com vista à reparação dos danos, após estes terem feito as obras na sua fração; --- 15. Os Demandados recusaram a responsabilidade pelos danos existentes na fração dos Demandantes. --- * Factos não provados: --- Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, que: --- i. A canalização da fração dos Demandados não tinha problemas antes de terem sido efetuadas as obras; --- ii. Os Demandados fizeram obras na casa de banho da sua fração por razões de estética e conforto e não em resultado de uma avaria existente. --- ---*--- Motivação da Matéria de Facto: --- Os factos provados resultaram da conjugação da audição de partes, dos documentos constantes dos autos, e do depoimento testemunhal prestado em sede de audiência de julgamento, tendo os vários elementos de prova sido apreciados de forma a compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, tendo em conta os dados da experiência de senso comum e as características próprias a relação controvertida vivenciada pelas partes. --- Consideram-se provados por declarações de ambas as partes o facto respeitante ao número 10. --- Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, Código de Processo Civil, aplicável ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz, consideram-se admitidos por acordo os factos constantes nos números 4 a 6, 9, 14 e 15. --- O facto provado em 8, ficou provado por declarações dos Demandantes. --- O facto provado em 12 presume-se ao abrigo do disposto no art.º 351.º, do Código Civil, a partir dos factos provados em 5 a 8 e 10. --- Pela prova documental consideram-se provados os factos suportados pelo teor dos documentos indicados de forma especificada, na enumeração do probatório supra. --- O depoimento da única testemunha apresentada em audiência de julgamento foi considerado genericamente isento e credível, com respostas consentâneas com a restante prova produzida nos autos e da apreciação do seu depoimento resultou provado o facto correspondente ao número 7, relativamente ao qual demonstrou razão de ciência por ser gerente do empreiteiro que fez a obra na fração dos Demandados. --- Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados, da audição das partes ou das testemunhas com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito. Os factos não provados resultam da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos. --- ---*--- Fundamentação – Matéria de Direito: --- A causa de pedir na presente ação respeita a danos alegadamente provocados aos Demandantes, devido a uma infiltração evidente na casa de banho da sua fração, com origem na canalização da fração existente no piso superior, pertencente aos Demandados. --- Esta matéria remete-nos para o regime da responsabilidade por facto ilícito. --- As questões a decidir pelo tribunal são as seguintes: --- - Se os Demandados estão obrigados a pagar a totalidade da quantia peticionada pelos Demandantes, a título de indemnização pelos danos alegadamente sofridos em consequência da infiltração descrita nos autos. --- - A responsabilidade pelas custas da ação. --- Do pedido deduzido pelos Demandantes extrai-se, entre outras, a pretensão de obter a condenação dos Demandados no pagamento da quantia global de €490,00, a título de danos patrimoniais. --- Vejamos se assiste razão aos Demandantes: --- O art.º 483º, do Código Civil. dispõe o seguinte: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. --- Para que se possa declarar a existência da obrigação de indemnizar, resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos, têm de estar verificados os seguintes pressupostos: i) a existência de um facto cuja ocorrência seja dominada ou dominável pelo agente; ii) a ilicitude desse facto; iii) culpa do agente por dever e poder ter adotado uma conduta apta a evitar a ocorrência; iv) que da violação do direito subjetivo ou da lei derive um dano; e v) nexo de causalidade adequada e, ou, um nexo de imputação do facto praticado pelo lesante e o dano sofrido pelo lesado, de modo a poder concluir-se que a natureza e extensão do dano resultam necessariamente da conduta daquele. --- Os referidos requisitos da obrigação de indemnizar são cumulativos. --- Ora, o facto pode ser cometido por ação ou omissão (cf., 486.º, do Código Civil). --- Da matéria provada resulta verificada a existência do facto voluntário ilícito. Efetivamente, o facto é ilícito, porque se traduz na lesão da coisa imóvel (fração autónoma) sobre a qual incide o direito de propriedade dos Demandantes. --- E, é certo que o referido facto ilícito é imputável aos Demandados, porque lhes cabe o dever legal de proceder às obras de conservação na sua fração que se mostrem necessárias a evitar a produção de danos relativamente aos direitos de terceiros, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 492.º, n.º 1, e 493.º, n.º 1, ambos do Código Civil, em que a lei estabelece uma presunção de culpa relativamente ao proprietário ou possuidor de coisa imóvel que cause danos a outrem por falta de conservação. --- Assim, caberia aos Demandados, alegar e provar que nenhuma culpa houve da sua parte na produção dos danos, ou que os mesmos teriam lugar independentemente de culpa sua. --- Ora, os Demandados reconduziram a sua intervenção à negação dos factos, sem terem logrado provar que os mesmos não resultam de culpa sua ou que teriam ocorrido independentemente da sua atuação, pelo que se presume a culpa. --- Aliás, ficou provado que a infiltração na habitação dos Demandantes cessou quando os Demandados procederam a obras de remodelação da casa de banho da sua fração, que incluiu a substituição de toda a canalização original. --- Assim, o facto é perfeitamente dominável pela vontade humana, encontrando-se na esfera de risco do proprietário, nos termos do disposto no art.º 492.º, n.º 1, do Código Civil. --- Da matéria provada resulta que, em resultado da referida infiltração, a fração dos Demandantes apresenta danos na pintura do teto e paredes da sua casa de banho, com prejuízo para os mesmos. Também ficou provado que a referida infiltração teve origem nas deficiências/avaria da casa de banho da fração pertencente aos Demandados. -- Deste modo, é evidente o nexo de causalidade entre a infiltração de água proveniente da fração dos Demandados e os danos reclamados pelos Demandantes, sendo o facto imputável àqueles por não terem atuado de forma a evitar a lesão do direito de propriedade deste. --- Determinada que está a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil dos Demandados pelos danos causados no interior da fração dos Demandantes, resta analisar os pedidos formulados na ação e apreciar a respetiva procedência. --- Danos patrimoniais: --- O valor orçamentado para a reparação da fração, na quantia de €490,00, é compatível com a experiência de senso comum para as situações idênticas de pintura e restauro de danos por humidade. --- Não foram peticionados outros danos. --- Assim, a ação deve ser totalmente procedente. --- ---*--- Decisão: --- Atribuo à causa o valor de €490,00 (quatrocentos e noventa euros), por corresponder à quantia em dinheiro que os Demandantes pretendiam obter no momento da propositura da ação, cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 1; e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz. --- Pelo exposto e com os fundamentos acima invocados: --- Julgo a presente ação totalmente procedente, por provada, e consequentemente, condeno os Demandados a pagarem aos Demandantes a quantia global de €490,00 (quatrocentos e noventa euros). --- Custas: --- A taxa de justiça, no montante de €70,00 (setenta euros) fica a cargo dos Demandados, por terem ficado vencidos, nos termos da primeira parte, da al. b), do n.º 1, do art.º 2.º, da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro. --- O pagamento deverá ser feito no prazo de três dias úteis, mediante liquidação da respetiva guia de pagamento (DUC), emitido pela secretaria do Julgado de Paz. --- * Extraia e notifique a guia de pagamento (DUC), aos responsáveis pelo pagamento das custas juntamente com cópia da presente decisão. --- Após os três dias úteis do prazo legal para o pagamento, aplica-se uma sobretaxa no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação, até ao máximo de €140,00 (cento e quarenta euros). --- O valor da sobretaxa aplicável acresce ao montante da taxa de justiça em dívida. --- * Após trânsito, verificando-se a falta de pagamento das custas, mesmo após o acréscimo da referida sobretaxa legal, conclua para emissão de certidão para efeitos de execução fiscal, a instaurar junto dos competentes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), pelo valor das custas em dívida acrescidas da respetiva sobretaxa. ---- * Registe. --- Notifique pessoalmente em sede de audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto no artigo 60.º, n.ºs 1 e 2, da Lei dos Julgados de Paz. --- Envie cópia da mesma aos intervenientes processuais que, eventualmente, faltarem na data agendada para a prolação da sentença, cf., artigo 46.º, n.º 3, da Lei dos Julgados de Paz. --- ---*--- Julgado de Paz de Setúbal, 30 de julho de 2024 O Juiz de Paz
_________________________ Carlos Ferreira |