Sentença de Julgado de Paz | |
| Processo: | 103/2008-JP |
| Relator: | DULCE NASCIMENTO |
| Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL |
| Data da sentença: | 10/21/2008 |
| Julgado de Paz de : | SANTA MARIA DA FEIRA |
| Decisão Texto Integral: | SENTENÇA I – IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES Demandantes: 1 - A e 2 - B Mandatário: C Demandada: D II – OBJECTO DO LITÍGIO Responsabilidade civil contratual (alínea h), do nº 1, do artigo 9º, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho) Valor da Acção: € 1.083,21 (mil e oitenta e três euros e vinte e um cêntimos). III – TRAMITAÇÃO Os Demandantes intentaram a presente acção pedindo a condenação da Demandada a pagar a quantia de € 1.083,21 (mil e oitenta e três euros e vinte e um cêntimos) correspondente ao valor pago pelas reparações dos defeitos detectados no veiculo automóvel marca Renault, matrícula OU adquirido à Demandada, acrescida de juros à taxa legal a contar desde a citação da Demandada até integral e efectivo pagamento. Juntaram: 5 documentos e procuração forense. Procedeu-se à citação da Demandada, nos termos do disposto na al. b) do n.º 2 do artigo 233º e do artigo 239º, com a função prevista no n.º 1 do artigo 288º, todos do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 63º da Lei 78/2001 de 13 de Julho, a qual não contestou. Marcada sessão de Pré-mediação a Demandada faltou, sem apresentar justificação no prazo legal, encontrando-se agendada Audiência de Julgamento à qual a Demandada também faltou, sem apresentar justificação no prazo legal. Procedeu-se ao agendamento e notificação de nova data para a audiência de julgamento. Iniciada a audiência de julgamento, a Juiz de Paz explicou aos presentes que o facto da Demandada ter sido regularmente citada, não ter contestado, ter faltado à audiência de julgamento e não ter justificado a falta, fez operar a cominação legal prevista no nº2 do art. 58º da Lei 78/2001 de 13 de Julho, considerando-se confessados os factos articulados pelo Demandantes, devendo o Tribunal julgar a causa conforme for de direito. O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor. O processo não enferma de nulidades que o invalidem na totalidade. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Verificando-se os pressupostos processuais de regularidade e validade da instância, não existindo excepções, nulidades ou quaisquer questões prévias de que cumpra conhecer, ou que obstem ao conhecimento do mérito da causa, cumpre apreciar e decidir: IV – FUNDAMENTAÇÃO Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 484º, do CPC, aplicável por remissão do artigo 63º da LJP, “Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado”. Nos presentes autos a Demandada foi objecto de citação na sua própria pessoa, por meio de Solicitador de Execução, visto que a carta registada que lhe foi dirigida veio devolvida, por não reclamada (fls. 27). Ora, as cautelas previstas na lei para a citação indirecta não têm justificação no caso de a citação se processar na pessoa do próprio citando. No caso de citação por via postal (art. 236.º), considera-se a mesma feita no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro (art. 238.º/1). Por maioria de razão, se deve considerar efectuada a citação em caso de recusa por parte da pessoa directamente contactada. E que assim é, di-lo o próprio n.º 4 do art. 239.º, ao prever para a situação de recusa do citando em assinar a certidão ou receber o duplicado, o que pressupõe que a citação está feita, independentemente disso, e o n.º 5 do mesmo artigo, ao mandar que a secretaria notifique ainda o citando, enviando-lhe carta registada com a indicação de que o duplicado nela se encontra à sua disposição. Se a citação se não considerasse feita, a norma não mandava notificar o citando, mas citá-lo. Por aqui se vê que a lei não confunde citação e notificação e, se menciona no n.º 5 do art. 239.º a notificação, é porque já considera feita a citação nos termos do n.º 4. Aliás, tem de haver um princípio ético de responsabilização da pessoa que é abordada para ser citada e que, contra os mais elementares deveres de cidadania, se recusa a receber a citação. As pessoas são livres de agir como entenderem, mas não podem, depois, alijar a responsabilidade dos actos que livremente praticaram. Com efeito, em 25 de Julho de 2008, conforme certidão lavrada a fls. 47 e 48 dos autos, a Demandada foi directamente abordada pelo solicitador da execução que lhe terá dado a conhecer que contra si foi instaurado um processo no Julgado de Paz de Santas Maria da Feira, por A e outro, a que corresponde o processo n.º x. Tendo a citanda recusado o recebimento do duplicado e da nota de citação, bem como a assinatura da certidão de citação, foi informada de que aqueles elementos ficariam à sua disposição na secretaria do Julgado de Paz de Santa Maria da Feira, nos termos do n.º 4 do art. 239.º, de que o duplicado e os documentos ficavam à sua disposição na secretaria judicial, o que basta para que se tenha como feita a citação. Acresce que, posteriormente, a secretaria procedeu à notificação da Demandada, dando cumprimento ao disposto no n.º 5 do art. 239º, a fls. 49 dos autos, cuja carta voltou a não reclamar. No acórdão da Relação de Coimbra de 10-01-2006 (Sousa Pinto), in www.dgsi.pt, escreveu-se: “Nas situações, em que o citando se recusa a receber os duplicados da petição inicial, dos documentos que a acompanham e da nota de citação e ainda a assinar a respectiva certidão, prevê a lei que o solicitador dê conhecimento ao citando de que tais elementos ficam à sua disposição na secretaria judicial, devendo fazer constar da certidão de citação a ocorrência verificada (n.º 4 do art.º 239.º).” É sabido que a citação é um acto processual essencial que visa assegurar o direito da Demandada a defender-se, de molde a evitar ser surpreendida por uma decisão judicial não esperada, constituindo tal o corolário lógico do princípio do contraditório (art.º 3.º, n.º 1) Cfr. Antunes Varela, ob. citada, págs. 266-267. Contudo, também não pode descurar-se que o direito de defesa da Demandada não poderá traduzir-se na adopção de comportamentos que levem a que se inviabilize a possibilidade de realização da Justiça face ao processo instaurado pelos Demandantes. Termos em que se considera a Demandada citada da presente acção desde 25.07.2008. Constata-se assim dos autos que, regularmente citada nos termos legais, a Demandada não apresentou contestação dentro do prazo legal, bem como não compareceu, nem justificou a falta, à audiência de julgamento em primeira marcação, para a qual foi regularmente citada, verificando-se assim a sua revelia. Ora, em tal caso, atenta a cominação legal semi-plena prevista no referido nº 2 do artigo 58º da Lei nº 78/2001 de 13 de Julho, “Quando o Demandado, tendo sido regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita nem justificar a falta no prazo de três dias, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor”, julgo confessados os factos articulados pelos Demandantes nos artigos 1º a 30º. Consideram-se ainda reproduzidos os documentos juntos a fls. 8 a 18 dos autos. A Demandada teve oportunidade de se defender, do alegado contra si pelos Demandantes no âmbito da presente acção, designadamente contestando-a, para o que foi citada, bem como comparecendo à audiência de julgamento. Porém, nada fez para se defender relativamente à pretensão dos Demandantes, mantendo-se assim alheia a este processo que, como muito bem sabe, corre neste Tribunal. Consequentemente, com base e fundamento nos autos e nos documentos de fls. 8 a 18 apresentados pelos Demandantes, que se tiveram em consideração e se dão por reproduzidos, considero provados por confissão e relevantes para o exame e decisão da causa os factos articulados constantes de cada um dos artigos 1º a 30º do requerimento inicial. IV - O Direito Entre Demandantes e Demandada foi celebrado um contrato de compra e venda, definido no artigo 874º, do Código Civil, subordinado ao regime previsto no artigo 921º, do mesmo Código, que estipula que “Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador” (nº 1), e o nº 3 que “O defeito de funcionamento deve ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia e, salvo estipulação em contrário, até trinta dias depois de conhecido”. Nos presentes autos, estamos perante uma compra e venda para consumo, nos termos da Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que transpôs a Directiva n.º 1999/44/CE, de 25 de Maio), ou seja, o objecto do contrato é um bem destinado ao uso não profissional e as partes no contrato são, por um lado, um profissional (Demandada) e, por outro, uma pessoa particular (Demandantes que não actuam como profissionais), visando a satisfação de necessidades pessoais, ou seja os Demandantes (cfr. artigo 1º, nº2, alínea a) da Directiva 1999/44/CE, citada). Neste âmbito, prescreve a Lei de Defesa do Consumidor, no artigo 4º, que “Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor”; complementada pelo prescrito no já citado Decreto-Lei nº 67/2003 que, além de presumir os casos em que os bens de consumo não são conformes com o contrato (nº 2 do artigo 2º), responsabiliza o vendedor pela falta de conformidade do bem no momento da sua entrega, presumindo-se que as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois anos a contar da data de entrega, já existiam nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade do bem (artigo 3º). A aludida prescrição traduz importantes reflexos a nível do ónus da prova, já que o comprador apenas terá de alegar e provar o mau funcionamento da coisa durante o prazo de garantia, sem necessidade de alegar e provar a específica causa do mau funcionamento e a sua existência à data da entrega, enquanto que o vendedor, para se ilibar da responsabilidade, terá de alegar e provar que a causa do mau funcionamento é posterior à entrega, imputável ao comprador, ou a terceiro, ou é devida a caso fortuito, o que nos presentes autos não logrou. A Demandada deu à viatura adquirida pelos Demandantes uma garantia de 24 meses ou 50.000Kms, ficando obrigado a garantir o bom funcionamento da coisa vendida. Ora, nos presentes autos resulta provado que a viatura foi adquirida em 30.08.2007 e que as avarias ocorreram antes de se completarem dois anos sobre tal venda, tendo as mesmas sido reparadas pelos Demandantes dentro do prazo de garantia, já que a viatura foi adquirida em 30.08.2007 com 122.000kms e em 21.02.2008 aquando da 2ª reparação tinha 133.228Kms. Deste modo, tendo em consideração os factos dados como provados, e o disposto na legislação aplicável ao caso concreto, os Demandantes têm direito, nos termos do disposto no artigo 4º do referido Decreto-Lei, a que a conformidade do bem vendido “(…) seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”, tendo os Demandantes optado pela reparação do bem, cuja necessidade atempadamente denunciaram e efectivamente repararam, comunicando à Demandada as despesas tidas com as reparações, que não foram por esta liquidadas. V - Decisão Em face do exposto, julgo a presente acção procedente, por provada, e consequentemente condeno a Demandada a pagar aos Demandantes a quantia de € 1.083,21€, com juros à taxa legal a contar da citação (25.07.2008) até efectivo e integral pagamento e demais encargos legais. Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro, a Demandada é condenada nas custas, que ascendem a € 70 (setenta euros), devendo proceder ao seu pagamento, no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10 (dez euros) por cada dia de atraso. Cumpra-se o disposto no número 9 da mesma portaria, em relação à Demandantes. A sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária - artigo 18º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho) foi proferida e notificada à Demandantes, nos termos do artigo 60º, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, que ficou ciente de tudo quanto antecede. Notifique. Julgado de Paz de Santa Maria da Feira, em 21 de Outubro de 2008 A Juiz de Paz (Dulce Nascimento) |