Sentença de Julgado de Paz
Processo: 168/2018-JPCBR
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
DANOS PATRIMONIAIS.
Data da sentença: 04/08/2019
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Processo n.º 168/2018-J.P.CBR

RELATÓRIO:

Os demandantes, M., NIF: …, e marido D., NIF: …., residentes na rua …, na Mealhada, representados por mandatária constituída.

Requerimento Inicial: Alegam em suma que são donos e legítimos proprietários de um prédio rústico sito em R., União de freguesias de Trouxemil e Torre de Vilela, concelho de Coimbra, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo … e omisso na descrição predial, o qual confronta de norte com JS, de sul com FS, de nascente com SN e poente com Vala. O Demandado é proprietário do prédio rústico que confronta de Sul com o prédio dos Demandantes, que adquiriu por sucessão por morte de FS. Assim, os prédios das partes são confinantes entre si. O prédio do Demandado tem comunicação com a via pública, não se encontrando por isso encravado. A norte do terreno dos Demandantes existe uma serventia, afeta à passagem a pé, com tratores e outras máquinas agrícolas para os prédios dos proprietários dos terrenos que se encontram a nascente. A poente, nos limites da propriedade do prédio dos demandantes, foi concedido, há mais de 30 anos, o direito de passagem ao demandado, a fim de poder aceder ao seu prédio, passagem que os Demandantes, também, usavam para aceder ao seu prédio. A passagem foi cedida para possibilitarem, aos ante possuidores, do prédio do demandado a faculdade de acederem de forma mais facilitada à propriedade, ainda, que nenhuma obrigação lhes fosse possível assacar, uma vez que tinham acesso pela via pública ao seu prédio. Em Outubro de 2017, os Demandantes quando se deslocaram ao seu prédio para proceder à colheita das azeitonas constataram que o demandado, de forma abusiva e com ajuda de máquinas pesadas, colocara sobre a referida passagem pedras de grande porte, impossibilitando-os de fazerem uso daquele, como sempre fizeram, impedindo-os de exercerem o seu direito, e o exercício normal de passagem. O demandado danificou os limites do terreno dos Demandantes, abrindo um acesso dentro da propriedade destes, abrindo ilegalmente uma passagem pelo terreno, para aceder ao seu prédio que se encontra a sul, sem que lhe tenha sido concedida qualquer autorização, à total revelia destes. Violando assim o direito de propriedade, e causando-lhes sérios prejuízos no seu prédio, impedindo o cultivo do terreno e colheita das azeitonas ali existentes. A conduta do demandado é de tal forma prejudicial que não têm hoje acesso a parte do seu terreno por aquele ter colocado pedras, encontrando-se actualmente impedidos de zelarem pelas oliveiras e pela azeitona que detêm naquela área, bem como procederem à plantação de novas oliveiras e à limpeza do terreno, traduzindo-se numa diminuição da utilidade económica do prédio. O Demandado foi interpelado em Dezembro, por Notificação Judicial Avulsa, para remover as pedras por si colocadas e repor o muro no estado que se encontrava, contudo não o fez. É, evidente que agiu com dolo, dado que tinha total conhecimento que, violava o direito de propriedade dos Demandantes. O demandado sempre usou o acesso descrito, e que era esse que há mais de 30, 40 anos era usado, quer pelo próprio Demandado, quer pelos seus ante possuidores. Ao ter colocado pedras de grande porte, impediu que estes acedessem normalmente ao seu terreno, violando o direito de propriedade dos Demandantes, e sendo tal violação ilícita, constituiu-se na obrigação de indemnizar os Demandantes pelos danos sofridos. Os danos patrimoniais consubstanciam-se no facto das oliveiras não receberem o tratamento adequado, bem como a colheita das azeitonas perigou, e o terreno não poder ser limpo de ervas, pois está impedida a passagem de trator, o que se traduz num prejuízo calculado em 600€. Toda esta situação motivou um acréscimo de angústia, medo, inquietação e noites mal dormidas. A acção do demandado foi bastante perturbadora para os Demandantes, por se verem privados de acederem ao prédio normalmente e levar a cabo todas as suas actividades agrícolas, pelo que, devem ser indemnizados por danos não patrimoniais, em quantia nunca inferior a 1.500€. Concluem pedindo que: A) deve proceder à remoção imediata das pedras que abusivamente colocou; B) reparar os limites da propriedade dos Demandantes, colocando-a no estado em que se encontrava antes de estorvar o uso da servidão; C) ser condenado ao pagamento dos danos causados, que se traduzem em danos patrimoniais no valor de 600€ e em danos não patrimoniais em quantia nunca inferior a 1.500€; D) condenar o demandado a abster-se de praticar actos que impeçam ou diminuam a utilização por parte dos demandantes da referida serventia; E) deverá ser, ainda, ser condenado em custas, taxas e procuradoria; F) Após o trânsito em julgado, não procedendo o Demandado à remoção imediata das pedras, bem como à reparação do muro, deverá ser condenado ao pagamento de 100€ por cada dia de atraso no cumprimento da sentença, o que desde já se requer. Juntaram 5 documentos.

MATERIA: Ação respeitante a litígio entre proprietários de prédios relativo a servidão de passagem, enquadrada no art.º 9, n.º1, alínea D) da L.J.P.

OBJETO: Servidão de passagem, danos patrimoniais.

VALOR DA AÇÃO: 2.113,69€ (dois mil cento e treze euros e sessenta e nove cêntimos, fixada nos termos dos art.º 305, n.º4 e 306, n.º1 do C.P.C.).

O demandado, A, residente na rua de …, …, em, concelho de Coimbra, representado por mandatária constituída.

Contestação: Em suma alega-se que, os demandantes não têm posse sobre a dita passagem, pois a mencionada passagem pertence ao prédio que é propriedade da Infraestruturas de Portugal. O demandado desconhece os factos alegados nos artigo 1.º e 2.º, no que concerne à alegada propriedade dos demandantes sobre o prédio rústico inscrito na matriz predial de Trouxemil e Torre de Vilela, sob o artigo ... e respectivas confrontações, e não documentam a titularidade do dito prédio, nem alegam factos consubstanciadores da posse, juntando só uma certidão emitida pelas Finanças, cuja finalidade das inscrições matriciais é essencialmente de ordem fiscal, não tendo o condão de atribuir o direito de propriedade sobre qualquer prédio, nem define os seus limites. Os demandantes não gozam da presunção que resulta do art.º 7 do C. do Reg. Pred., não demonstram que são donos e legítimos possuidores do prédio. O demandado apenas admite que é dono e legítimo possuidor de um prédio rústico, sito no R., que confronta a sul com o prédio rústico inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de Trouxemil e Torre de Vilela, sob o art.º ..., impugnando o demais ali alegado. Aceita o art.º 7 do r.i., com excepção que o terreno rústico seja dos demandantes, asserção que impugna, admitindo apenas o seguinte: a norte do prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o art.º ..., existe uma servidão de inquilinos. O demandado é dono e legitimo possuidor do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da união de freguesias de Trouxemil e Torre de Vilela, sob o art.º …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo 8…, o qual veio à sua posse por partilha por óbito de seus pais, FS e BR, posse que tem exercido sobre o referido prédio, por si e pelos seus ante possuidores há mais de 50, 60 anos, gozando da presunção que resulta do artigo 7.º do C. do Reg. Pred. O prédio do demandado confronta do Norte com AC (pai da demandada MS) sul e nascente com JS e do poente com Vala. O prédio do demandado não confronta com a estrada, nem o prédio inscrito na matriz sob o art.º ..., de que os demandantes alegam ser donos, sendo que ambos os prédios confrontam a poente com a Vala. A referida vala tem mais de 70 anos, existe e sempre existiu no local desde que as pessoas têm memória, e é propriedade das Infraestruturas de Portugal. A vala tem por função receber as águas das chuvas que escorriam dos terrenos que se situam a uma quota superior dos terrenos descritos na acção. Mais tarde, há cerca de 20, 30 anos, aquando da construção do nó de Trouxemil do IC2, foi construída uma estrada municipal paralela ao IC2 e a qual confina com a referida vala e permite o acesso ao lugar de Trouxemil. Quando da construção do IC2 foi construído um aqueduto para encanamento das águas pluviais através de manilhas que passa por baixo da estrada e vai desaguar à vala que confronta a nascente com os prédios rústicos do demandado e com o art.º .... Quer o prédio do demandado, quer o prédio inscrito na matriz predial rústica, sob o art.º ... pertencente a AC, não têm acesso directo para a estrada, pois a faixa de terreno situada entre a estrada municipal e a vala é propriedade das infraestruturas de Portugal, faixa essa que foi expropriada pela então JAE quando da construção do nó de Trouxemil. Como resulta do exposto, o prédio está encravado pois não confronta com a estrada ou com caminho, para aceder ao seu prédio o demandado acede pela estrada nacional à servidão de inquilinos, que fica situada a norte do prédio pertencente às Infraestruturas de Portugal, e do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o art.º ..., e daí, a cerca de 3 metros curva à direita e entra no caminho que corre no topo poente deste prédio em toda a sua largura e em linha recta. Efectivamente, existe uma servidão de passagem sobre o prédio inscrito na matriz predial rústica sob o art.º ..., pertencente a AC, situada no topo poente do mesmo, que o atravessa no sentido norte/Sul, a qual dá acesso ao prédio do demandado. Assim, há mais de 20, 30, 40 e até 50 anos, que o demandado por si e ante possuidores, passam por aquela mesma faixa de terreno, para acederem ao seu prédio, quer a pé, quer com animais, quer com veículos de tracção animal e desde há cerca de 30 anos, com veículos e alfaias agrícolas motorizados, como automóveis, tractores ou autocultivadores. Os referidos actos sobre a faixa de terreno, foram sempre praticados de forma pública, ou seja, à vista de toda a gente, pacífica, sem oposição ou violência, continuada, sem hiatos ou interrupções, por si e através de ante possuidores, seus familiares ou trabalhadores, de boa-fé, na convicção de exercerem o direito de passagem sobre o seu prédio em toda a sua extensão, posse que adquiriram por usucapião. Constituiu-se sobre o prédio pertencente a AC uma servidão de passagem por usucapião a favor do prédio do demandado. Durante o mês de Julho de 2017, em dia que não sabe precisar, os demandantes ou alguém a seu mando, arrancaram as manilhas do aqueduto situadas na vala supra descrita, destruindo assim o aqueduto e puseram-nas na entrada da servidão de passagem, tapando assim a passagem de acesso ao prédio do demandado. As manilhas destruídas pelos demandantes correspondem aquelas que constam das fotos juntas com o r.i. O demandado, para desobstruir a passagem, a fim de lhe permitir o acesso ao seu prédio, mandou retirar as manilhas apostas na entrada da servidão e colocá-las no prédio de onde tinham sido retiradas, ou seja, as referidas manilhas partidas voltaram a ser colocadas no terreno que é propriedade das infraestruturas de Portugal. Como se deixou alegado, foram os demandantes que destruíram o aqueduto construído pela Infraestruturas de Portugal, partindo as manilhas em vários bocados, e o demandado deslocou as manilhas destruídas para o prédio pertencente à Infraestruturas de Portugal. Os demandantes são parte ilegítima na acção, o que se invoca, e que tem como consequência a absolvição da instância. SUBSIDIARIAMENTE: Para além das pedras não se encontrarem na servidão de passagem, os demandantes acedem ao prédio pela servidão de inquilinos que confronta a norte do seu prédio, não sofreram qualquer prejuízo, pois se não apanham as azeitonas ou deixaram de limpar o prédio, foi porque não quiseram, pois o demandado não obstaculizou a acção dos demandantes. Impugna-se os documentos juntos sob os nºs 2 a 4, e 5, pelos mesmos argumentos, de que o notificando é pessoa diversa do demandado, tendo a mesma sido dirigida a FS, pelo que o demandado não foi interpelado. Os pedidos dos demandantes são ininteligíveis, pois não se entende que muro é que foi danificado e que pretendem ver reparado. Os demandantes não podem deixar de conhecer que, não têm qualquer direito sobre a faixa de terreno onde estão as manilhas destruídas, considerando que tal faixa pertence à Infraestruturas de Portugal. Especialmente, não podem deixar de saber que acedem ao prédio pela serventia de inquilinos que confronta a norte com o seu prédio, e que o demandado não os impediu de fazer a colheita da azeitona e não lhes causou qualquer prejuízo. Deduziram assim pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar, fazendo do processo um uso manifestamente reprovável, pelo que devem ser condenados como litigantes de má-fé no pagamento de multa e indemnização, consistindo no reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários em quantia que não se prevê que seja inferior a 2.000€ sem prejuízo do disposto no artigo 543.º, nº 3, do CPC. Conclui pedindo que: deve A)ser julgada procedente a excepção de ilegitimidade e em consequência ser o demandado absolvido da instância; B) a acção ser julgada não provada e improcedente e o demandado ser absolvido dos pedidos; C) ser os demandantes condenados como litigantes de má-fé e no pagamento de multa nos termos requeridos no art.º 50. Junta 2 documentos. E, requer a inspeção ao local.

Resposta às exceções: O demandando tem conhecimento que o prédio rústico, inscrito na matriz predial sob o n.º ... é propriedade dos Demandantes, pois o prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º ... e omisso no registo predial, veio à posse de M. em processo de partilha, na qual foi-lhe atribuída, entre outras verbas, a verba 58. Estando há mais de 30, 40 e até 50 anos na posse dos Demandantes e seus ante possuidores, que sempre fruíram do prédio em toda a sua área, cultivando-o e colhendo de lá frutos, sendo visível a integridade de todo o terreno, à vista de quem quer por ali passasse, de forma continuada, sem intervalos ou interrupções. Demandado tem conhecimento dessa realidade pois o prédio era pertença de seus pais FS e BR, bem sabendo que o topo poente do prédio dos Demandantes não é aquele que, agora faz crer. Ilegitimamente tem acedido ao seu prédio usando a servidão de inquilinos que se encontra a norte do prédio dos demandantes, o que faz através da estrada nacional, percorrendo a sobre dita servidão em cerca de 10/15 metros e aí, através da abertura de uma passagem, que ilegitimamente executou em 2017, percorre toda a largura do prédio dos demandantes em linha reta acede ao seu prédio. Atravessando latitudinalmente o prédio dos demandantes, sem autorização ou consentimento dos proprietários. As manilhas que refere estão no prédio dos Demandantes, e não em propriedade das infraestruturas de Portugal, o que é percetível pelas imagens que aquele pedaço de terreno não é uma vala, mas sim área de cultivo de oliveiras. Dúvidas não restam de que os demandantes são os donos e legítimos possuidores do prédio sito no R. e inscrito na matriz predial sob o número ... e omisso na descrição. A passagem que o demandado usa não está no limite do prédio dos demandantes, mas antes atravessa latitudinalmente todo o prédio destes. Nos termos do art.º 30 do CPC, os Demandantes são parte legítima no processo, tendo interesse directo em demandar, que se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção pelo anteriormente demonstrado.
Nestes termos deve: ser julgado improcedente a excepção de ilegitimidade, prosseguindo os autos nos termos propugnados. Juntam 2 documentos.


TRAMITAÇÃO:
Não se realizou sessão de pré-mediação por recusa do demandado.

As partes são legítimas e dispõem de capacidade judiciária.

O processo está isento de nulidades que o invalidem na totalidade.

O Tribunal é competente em razão da matéria, valor e território.

AUDIENCIA DE JULGAMENTO:

Na 1ª sessão de julgamento, após a tentativa infrutífera de obter o consenso das partes (art.º 26, n.º1 da L.J.P.) procedeu-se á inspeção ao local. Na 2ª sessão reiniciou-se com a prova testemunhal. Na 3ª sessão continuou-se com as declarações das partes e finalizou-se com alegações finais das mandatárias das partes, como se infere das atas juntas de fls. 80 a 82, 84 a 89 e 113 a 114.


-FUNDAMENTAÇÃO-
I- DOS FACTOS PROVADOS:
1) Os demandantes são donos e legítimos proprietários de um prédio rústico sito em R., União de freguesias de Trouxemil e Torre de Vilela, concelho de Coimbra, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ... e omisso na descrição predial.
2) O demandado é proprietário do prédio rústico que confronta de sul com o prédio dos demandantes.
3) O demandado adquiriu o respetivo prédio por sucessão por morte de FS.
4) Os prédios das partes são confinantes entre si.
5) Há mais de 30 anos existia sobre o prédio dos demandantes uma servidão de passagem para o prédio do demandado.
6) A qual também era usada pelos demandantes para acederem ao respetivo prédio.
7) Em 2017 os demandantes constataram que foi colocado no local onde acedem ao prédio pedras de grande porte.
8) O demandado abriu um acesso dentro do prédio dos demandantes.
9) O que fez para aceder ao respetivo prédio.
10) Sem que tenha sido autorizado pelos demandantes.
11) O que impede o cultivo do prédio dos demandantes.
12) Os demandantes foram impedidos de plantarem novas árvores.
13) O que se traduz numa diminuição da utilidade económica do prédio dos demandantes.
14) O que se traduz num prejuízo de 350€.
15) O demandado é dono e legitimo possuidor do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da união de freguesias de Trouxemil e Torre de Vilela, sob o art.º …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo 8.., o qual veio à sua posse por partilha por óbito de seus pais, FS e BR.
16) Posse que tem exercido sobre o prédio referido em 15, por si e seus ante possuidores.
17) O prédio do demandado não confronta com a estrada.
18) O prédio do demandado confronta com a vala que tem por função receber as águas da chuva que escorre para os terrenos.
19) Há cerca de 30 anos, aquando da construção do nó de Trouxemil do IC, foi construída uma estrada municipal paralela ao IC2, que confina com a vala.
20) O prédio do demandado está encravado.
21) O demandado para aceder ao seu prédio acede á servidão de inquilino, situada a norte do prédio inscrito na matriz sob art.º ..., e curva para a direita.
22) Os demandantes puseram na entrada da servidão de inquilinos manilhas do aqueduto, tapando o aceso do demandado.
23) O demandado mandou desobstruir a passagem, retirando as manilhas apostas na entrada da servidão.
24) O demandado não obstaculizou a ação dos demandantes.
25) O demandado não impede os demandantes de fazerem a colheita da azeitona.
27) O prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º ... e omisso no registo predial veio á posse da demandante por processo de partilha.
28) Tendo na escritura de partilha sido atribuído á demandante a verba n.º 58.
29) Estando na posse dos demandantes e seus ante possuidores há mais de 40 anos, que sempre fruíram do prédio em toda a sua área, cultivando-o e colhendo de lá os seus frutos.
30) Sendo visível a integridade de todo o terreno, á vista de quem quer que por ali passe.
31) De forma continuada, sem intervalos, nem interrupções.
32) De que o demandado tem conhecimento, já que o prédio era pertença de FS e BR.
34) O demandado tem acedido ao seu prédio pela servidão de inquilinos, que se encontra a norte do prédio dos demandantes.
35) E, através desta efetuou uma abertura e passagem em 2017, percorrendo em toda a largura o prédio dos demandantes, e em linha reta acedo ao respetivo prédio.
36) Atravessando latitudinalmente o prédio dos demandantes, sem autorização ou consentimento dos proprietários.


MOTIVAÇÃO:

O Tribunal sustenta a decisão com base na analise critica de toda a documentação apresentada, conjugado com a inspeção realizadas ao local, objeto do litigio, a prova testemunhal, considerável em geral credível, nas regras de repartição do ónus da prova e regras da experiência comum.

A inspeção realizada foi importante para aferir do local onde os prédios das partes estão situados. Pode verificar-se que se tratam de 2 prédios rústicos, contíguos, encontrando-se próximos duma estrada camarária. No topo do prédio dos demandantes, passa um ribeiro e próximo dele existe uma vala com água. Verificou-se existir um carreiro, junto ao prédio dos demandantes, por onde passam alguns proprietários de prédios limítrofes. Constatou-se, ainda, o local onde cada uma das partes acedem aos respetivos prédios, tal como eles descreveram. Visualizando-se dois carreiros, um usado pelos demandantes, que se encontra obstruído com manilhas e outros materiais, o qual é um pouco íngreme, e outro, a serventia de proprietários, a qual é agora usada em parte pelo demandado para aceder ao prédio dos demandantes e daí ao respetivo prédio.

A testemunha, L., era uma das proprietárias de um prédio que foi totalmente expropriado, e que se situava no limite superior do prédio dos demandantes. O seu depoimento foi claro e isento auxiliando na prova dos factos com os n.º 1,2,3,4,5,6, 17, 19, 20 e 32.

A testemunha, MJ., é irmã da demandante. Conhece o local pois a propriedade em causa era dos pais delas, e costumavam ir ajudar os pais na lavoura. O seu depoimento foi esclarecedor para perceber como as partes acediam aos prédios antes de ter passado o IC 2. Reconhecendo que hoje o local está diferente, existindo uma pequena inclinação para se deslocarem ao prédio da demandante, antigamente era mais plano. Auxiliou na prova dos factos com os n.º1, 2, 3, 4, 5, 6, 17, 19, 20, 27, 28, 29 e 32.

A testemunha, C., também é irmã da demandante. Conhece o local pois a propriedade em causa era dos pais delas, e costumavam ajudar os pais na lavoura. O seu depoimento foi esclarecedor para perceber como as partes acediam aos prédios antes de ter passado o IC 2. Reconhece que o local sofreu alterações. Auxiliou na prova dos factos com os n.º 1, 2, 3, 4, 5, 6, 17, 19, 20, 27, 28, 29 e 32.

A testemunha, R., conhece o local pois foi casado com uma das irmãs da demandante, e costumavam ir auxiliar o sogro na lavoura. Reconhece que houve alterações na configuração das propriedades, e no acesso às mesmas, inclusive a serventia de inquilinos. Esclarecendo que antes de passar o IC 2, o demandado e seus pais não passavam pela serventia de inquilinos para acederem ao prédio. O seu depoimento foi esclarecedor para perceber como as partes acediam aos prédios antes de ter passado o IC 2. Auxiliou na prova dos factos com os n.º 1, 2, 3, 4, 5, 6, 17, 19, 29, 30, 31, 32 e 34.


A testemunha, JM., é proprietário de uns terrenos que confinam com os das partes, há mais de 50 anos, pois era dos avós dele, daí conhecer os antigos proprietários dos prédios das partes. Esclareceu que antes das partes os prédios pertenceram aos respetivos pais, que identificou. Esclareceu que a configuração do local foi um pouco alterada com a passagem do IC 2, tendo, os prédios, ficado mais pequenos e vala que existia quase não se vê. O prédio do demandado sempre foi encravado, pelo que sempre passou pelo prédio dos demandantes, mas em local diferente. Referiu também, que houve expropriações de vários terrenos. Auxiliou na prova dos factos com os n.º 1, 2,3, 4, 5, 6

A testemunha, P., conhece o local pois costuma auxiliar o demandado na lavoura do prédio dele. Refere que passa pelo local onde o demandado lhe disse para passar, o que sucede á cerca de 15 anos, passando de trator. Foi ele que retirou os pedaços partidos das manilhas, que estavam a estorvar a passagem do trator, e os colocou no cimo da propriedade, e fê-lo a pedido do demandado. Facto que sucedeu á cerca de 2 anos. Auxiliou na prova dos factos com os n.º 9,10, 17, 18, 20, 21, 23, 34.

A testemunha, MR, era a pessoa que antigamente lavrava o prédio do demandado, daí conhece o local há mais de 30 anos. Esclareceu como acedia ao prédio daquele, isto foi na altura das expropriações cerca de 1985, na altura ainda existia a vala, mas atualmente sabe que já não se vê. Reconhece que houve modificações nos terrenos. Auxiliou na prova dos factos com os n.º 1, 2,3, 4, 5, 6, 7, 17,18, 19,20, 21, 29, 30, 32, 34,35.

As partes prestaram declarações nos termos do art.º 57, n.º1 da L.J.P.

Os demandantes explicaram como eram os prédios há mais de 30 anos, e como se alterou a configuração com o passar do troço do IC 2, tendo ocorrido expropriações. Referiram, ainda, como costumam aceder ao prédio, depois do prédio ter sido parcialmente expropriado, no topo. O depoimento destes foi coerente e coincidente com a grande maioria dos depoimentos das testemunhas. Sendo relevado para efeitos de prova dos factos com os n.º1,2,3, 4, 5,6,7,8, 9,10, 11, 12, 13,34,35 e 36.

O demandado teve um depoimento um pouco confuso, embora reconhecesse que o prédio dele confronta com o prédio dos demandantes, e que tem passado pelo meio do prédio deles para aceder ao dele. Assim, apenas foi relevado para prova dos factos com os n.º 4, 11,12,13, 15, 16, 17,18,34, 35 e 36.

Não se provou a área do prédio dos demandantes, uma vez que estes reconheceram que também foi parcialmente expropriado, pelo que se desconhece se a área que consta da caderneta corresponde á realidade. Note-se que a escritura de partilhas não faz referência á área do prédio. Também, as confrontações do prédio dos demandantes estão desatualizadas, conclusão a que se chegou pelo facto de já não confrontar com o pai do demandado, mas com o próprio demandado, e também com a vala, que já não existe, como se observou na inspeção ao local e igualmente referido pelas testemunhas.

Quanto ao muro, ninguém referiu que existia no prédio dos demandantes um muro, nem na inspeção ao local foi visualizado, mas todos referiram que o prédio está mais pequeno.
Quanto á passagem que referiram como sendo de acesso ao prédio dos demandantes, provou-se que desapareceu, com a passagem do IC 2.

Em relação á notificação judicial avulsa, embora tenha sido realizada, a pessoa a quem é dirigida não é o demandado, mas sim o pai do mesmo, pelo que não posso considerar que tenha sido validamente interpelado.

Não se provaram factos não patrimoniais, embora se compreenda que a demandante está bastante aborrecida com a situação, pois o prédio provém dos pais e afeta-a.

Também não se provou que o local por onde os demandantes costumam aceder ao respetivo prédio seja propriedade das Infrastruturas de Portugal. Quanto a isto apenas se provou que ocorreram expropriações que diminuíram a dimensão e configuração do prédio.

Quanto ao prédio do demandado embora goze da presunção do art.º 7 do C. Reg. Pred., a verdade é que há dúvidas se a área do mesmo seja aquela que consta da caderneta predial e da descrição registal, pois o próprio admitiu em audiência que o prédio dele também fora objeto de expropriação, embora não soubesse dizer quando tal sucedeu, nem se a área do prédio está ou não correta.


III-DO DIREITO:

O caso dos autos prende-se com uma servidão de passagem entre dois terrenos rústicos.

Questões: ilegitimidade ativa, servidão, indemnização.

No que respeita á primeira questão, em termos processuais configura uma exceção de natureza processual, a qual é solucionada pela conjugação do art.º 30, n.º 1 e 3 do C.P.C.

Na realidade, a lei processual considera ser parte legítima da ação, quem tiver interesse em intentar a ação, o que deriva da forma como foi configurado pelo demandante na ação, conjugando a causa de pedir com o pedido.

No presente caso a ação foi intentada contra o demandado, que contestou os autos, na qualidade de vizinho que perturbou e danificou a propriedade dos demandantes.
Do exposto depreende-se que processualmente os demandantes são parte legítima nesta ação, uma vez que se arrogam de terem sido perturbados pela contraparte, no respetivo direito de propriedade.

Não obstante, o que o demandado refere é uma questão de direito material, uma vez que na sua contestação, até admite que o prédio de que ele é proprietário, confronta a norte com o prédio do pai da demandante, veja-se o art.º 15 da contestação, todavia a questão da legitimidade, ou não, refere-se ao local que os demandantes referem que faz parte da propriedade deles, e que serve de passagem para o respetivo prédio, mas que na perspetiva do demandado será pertença das Infra-estruturas de Portugal, devido a uma expropriação.


Quanto á segunda questão foi apurado que os prédios das partes são contíguos, o que o Tribunal verificou na inspeção realizada ao local, facto que nenhuma das partes negou em declarações proferidas na audiência de julgamento, e igualmente confirmado pela maioria das testemunhas.

E, que cada um dos prédios provém de heranças, dos respetivos progenitores, os quais eram os ante possuidores dos respetivos prédios.

Para além disso, foi, ainda, apurado que o local onde os prédios se encontram implantados sofreu grandes alterações, que se prendem com a passagem do IC2, que faz a ligação entre Coimbra e Viseu.

Na realidade, devida a necessidade de ordem pública, a realização de vias rápidas, ocorreram várias expropriações no local onde as partes têm os respetivos prédios, facto que ocorreu em data não concretamente apurada, mas em meados dos anos 80.

As expropriações tiveram influência na configuração e área dos prédios das partes, o que se apurou através das declarações das partes, que assim o admitiram, bem como de outras testemunhas cujos prédios também sofreram com este facto, nomeadamente, de L..

Todavia, nenhuma delas apresentou documentos das referidas expropriações, por isso o Tribunal não possui elementos suficientes para conseguir apurar as áreas atuais de cada um dos prédios.

Pese embora se compreenda, pela análise da escritura, junta de fls. 94 a 112 verso, conjugada com pela prova testemunhal realizada por: MJ. e C., irmãs da demandante, qual foi o prédio que veio á posse da mesma derivado da herança por óbito dos pais, realizada a 20/07/1982, o qual corresponde na dita escritura era á verba 58, e é este que os demandantes alegam ter sido objeto de perturbação e danos pelo demandado.

O referido prédio na época estaria inscrito na matriz rústica sob o art. 201, atualmente deu origem ao prédio inscrito na matriz rústica sob o art. ..., o que resulta do documento junto a fls. 10, porém em nenhum dos documentos juntos tem áreas que permita identificar corretamente a área real do prédio, uma vez que na dita escritura não é referido a área do mesmo e não se sabe qual a área que foi objeto da expropriação. Assim, não é possível dizer que o prédio, dos demandantes, possui a área que consta da caderneta predial rústica, por falta de elementos condignos, note-se ainda que há uma menção, que consta da caderneta predial, a fls. 10, um processo administrativo n.º …/2010, que não será certamente o que levou á expropriação, uma vez que esta terá sido realizada em data anterior, embora não concretamente apurada, o que resultou da prova testemunhal.

Não obstante, foi possível apurar que, no tempo dos ante possuidores dos prédios das partes, existia uma servidão de passagem a favor do prédio, que hoje é propriedade do demandado, pois estava encravado, não tendo os seus ante possuidores qualquer forma de acesso ao mesmo diretamente (art.º 1550 do C.C.).

A referida servidão era para passagem a pé e de carro de bois, o qual era, há mais de 25 e 30 anos um auxílio na lavoura dos prédios, situando-se no topo, ou inicio, do prédio dos demandantes, contornando um poço, que também já não existe. Esta servidão de passagem foi, durante décadas, respeitada por todos, inclusive pelas partes.

Todavia, com a referida expropriação a dita servidão também desapareceu, pois o local onde se situava foi expropriado, o que sucedeu há cerca de 30 anos, mas em data não concretamente apurada.

Para além disso, apurou-se que o demandado tem feito passagem pelo meio do prédio dos demandantes, pese embora não se apurasse
desde quando o faz. Por este motivo, há cerca de 2 anos, aqueles colocaram umas pedras e manilhas partidas, no local por onde aquele costuma passar com o trator, precisamente para evitar que passa-se pelo meio da respetiva propriedade, conforme o demandante, M. explicou, esclarecendo que não podiam cultivar nada, nem plantar oliveiras, pois aquela passagem estraga as culturas.

Posteriormente, este ao deparar-se com aqueles obstáculos, resolveu retira-los daquele local, solicitando á testemunha, JM., que os colocasse no atual topo do prédio daqueles, o que assim fez, como reconheceu.

Contudo, o local onde se encontram dificultam o acesso ao prédio dos demandantes, tapando-lhes o local por onde estes começaram a aceder ao respetivo prédio, uma vez que o prédio tem atualmente um pequeno declive, pese embora possam aceder ao mesmo por outro local, e também por aquele que o demandado usa.

Do exposto conclui-se que as pedras e manilhas foram colocadas no respetivo prédio pelos próprios demandantes, embora noutro local e com o intuito de impedir que o demandado passa-se pelo prédio deles no local onde atualmente o faz.

Ora o prédio do demandado continua a não ter acesso á estrada, pelo que sempre terá de passar pelo prédio dos demandantes, o que estes reconhecem e até concordam.

Os prédios das partes são rústicos, encontrando-se o do demandado cultivado com vinha e o dos demandantes com algumas oliveiras.

Mais se apurou que os demandantes pretendiam plantar mais oliveiras, mas devido á passagem constante do demandado pelo meio
do prédio deles não conseguem plantar mais nada, pois a propriedade está coartada, assim como a sua utilização.

Na realidade, dispõe o art.º 1305 do C.C. que o direito de propriedade, embora seja um direito absoluto, está sujeito a algumas limitações que, também advém das relações com os prédios limítrofes.

E, também resulta do art.º 1553 do C.C. que o proprietário do prédio encravado tem direito a passar pelo prédio serviente, mas em local que cause menos estorvo a este.

Do exposto resulta que embora o demandado possa passar pelo prédio dos demandantes, uma vez que o prédio dele está encravado, não pode fazê-lo por onde bem entende, pois a lei obriga-o a respeitar a propriedade dos outros, assim como a causar o mínimo de transtornos, o que significa que não pode continuar a fazê-lo nos moldes em que o faz, ou seja, pelo meio do prédio, passando com um trator e ordenando a outros que façam o mesmo, tal como reconheceu a testemunha, JM.

Por outro lado, como a servidão entre os prédios deixou de existir naqueles exatos moldes que era conhecido de todos, reconhece-se que o demandado tem direito á mesma, contudo os termos em que se processará deve ser, ou por acordo das partes, ou definida pelo Tribunal, caso continuem a desentenderem-se.

Não obstante, deve causar o mínimo de incómodos para que os demandantes possam continuar a explorar o respetivo prédio.

Para além disso, apurou-se que os demandantes fazem ou faziam, até ao momento deste episódio, á cerca de 2 anos, uma agricultura de subsistência, quer isto dizer que apenas cultivam para retirar das respetivas terras alguns frutos, como é o caso das oliveiras.

Assim, resulta da experiência comum que as culturas, inclusive de arvores, como a que estavam a tentar fazer, facto que foi constatado na inspeção ao local, necessitam de alguns cuidados para que cheguem a dar frutos, nomeadamente de alguma rega e a colocação de algum adubo.

A passagem de máquinas de forma regular, como é o caso de um pequeno trator, pelo meio de uma propriedade impede o crescimento das espécies agrícolas e hortícolas, o que resulta do senso comum, e traduz-se na prática numa diminuição da utilidade económica do prédio. Não obstante, acresce dizer que os demandantes podiam ter continuado a recolher alguns frutos, aqueles que as árvores dessem, e a deslocarem-se ao respetivo terreno, pois a passagem daquele pelo terreno deles não impedia que, também, o fizessem.

Tendo em consideração tudo o que foi exposto, entendo atribuir, com recurso á equidade (art.º 566, n.º 3 do C.C.) a título de danos patrimoniais a quantia de 350€.

Quanto ao pedido de factos não patrimoniais, os que foram alegados não merecem a tutela do direito, nos termos previstos do art.º 496 do C.C., uma vez que esta disposição coloca a tónica na gravidade dos danos.
Para além disso, os que foram alegados pelos demandantes não foram provados, pelo que sempre teria de improceder.


DECISÃO:
Nos termos expostos julga-se a ação parcialmente procedente, e condenando-se o demandado a respeitar a propriedade dos demandantes, não causando actos que diminuam a utilização, pelo que vai condenado a título de danos patrimoniais no pagamento da quantia de 350€.

CUSTAS:
Face ao decaimento da ação em 70%, são da responsabilidade dos demandantes no valor de 14€ (catorze euros), a efetuar no prazo de 3 dias úteis, sob pena da aplicação da sobretaxa diária no valor de 10€ (dez euros).

Proceda-se ao reembolso do demandado no valor de 14€ (catorze euros).

Proferida e notificada nos termos do art.º 60, n.º2 da L.J.P.


Coimbra, 8 de Abril de 2019


A Juíza de Paz

(redigido pela signatária, art.º 131, n.º5 do C.P.C.)



(Margarida Simplício)