Sentença de Julgado de Paz
Processo: 33/2018-JPTRV
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: CONTRATO TRANSPORTE AEREO DE PASSAGEIROS
RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA POR ATRASO NO VOO
INDEMNIZAÇÃO
Data da sentença: 02/12/2019
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE POIARES
Decisão Texto Integral: Proc.º n.º 33/2018JPTRV
SENTENÇA

RELATÓRIO:
A e B, melhor identificados a fls. 1 e 3, intentaram, em 30 de outubro de 2018, a presente ação declarativa de condenação, contra C, melhor identificada a fls. 1 e 3, pedindo que esta seja condenada no pagamento de indemnização no valor 8644,80€ , relativa ao atraso no embarque do voo contratado (500,000€), despesas que tiveram de suportar (144,80€) e danos não patrimoniais ou morais.(8.000,00€).
Para tanto, alegaram os factos constantes do Requerimento Inicial de fls.3 a 11, que se dá por reproduzido.
Juntaram 5 documentos (fls.12 a 18) que se dão por reproduzidos.
Foi a demandada regularmente citada - em 6 de Novembro - para contestar, no prazo, querendo, nada disse.
Tendo a Demandante optado pelo recurso à Mediação para resolução do litígio, foi agendado o dia 27 de novembro de 2018 para a realização da sessão de Pré-Mediação, a qual não se realizou em virtude de a demandada não ter comparecido, nem apresentou posteriormente qualquer justificação da sua ausência.
Foi designado o dia 15 de janeiro de 2019 para a realização da Audiência de Julgamento, e estando apenas presentes os Demandantes, foi esta suspensa ficando os autos a aguardar a justificação de falta, por parte da Demandada, o que não sucedeu.
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Cabe a este tribunal decidir se a Demandada deve ser condenada nos pedidos formulados pelos Demandantes, por incumprimento do contrato de transporte aéreo, no âmbito da responsabilidade civil contratual.
Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir:
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A prova produzida resulta do efeito cominatório decorrente do artigo 58.º, n.º 2 da LJP, que regula os efeitos das faltas, aí se referindo “Quando o demandado, tendo sido pessoal e regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita, nem justificar a falta no prazo de três dias consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.”
Teve-se ainda em consideração o teor dos documentos juntos aos autos pelos Demandantes, constantes de fls. 12 a 18.
O n.º 3 do artigo 567.º do Código Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 63.º da LJP, refere “Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado”, que é o que vamos fazer.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
O contrato celebrado entre Demandantes e Demandada é um contrato de transporte aéreo de passageiros, no qual uma entidade se obriga a transportar um indivíduo (o passageiro) e sua bagagem, de um local para o outro, utilizando uma aeronave. Caracteriza-se por ser um contrato consensual, bilateral, em regra oneroso e não solene e normalmente de adesão.
O contrato de transporte aéreo internacional encontra-se regulado, em especial, pelo Decreto-Lei n.º 39/2002, de 27 de Novembro, que transpõe para a ordem jurídica portuguesa a denominada Convenção de Montreal – Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional - e pelo Regulamento (CE) nº 261/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de 2004. (doravante designado por Regulamento).
Nos termos do disposto no Artigo 5º do Regulamento “1. Em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a: a) Receber da transportadora aérea operadora assistência nos termos do artigo 8. °;
b) Receber da transportadora aérea operadora assistência nos termos da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 9.º, bem como, em caso de reencaminhamento quando a hora de partida razoavelmente prevista do novo voo for, pelo menos, o dia após a partida que estava programada para o voo cancelado, a assistência especificada nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 9. °; e
c) Receber da transportadora aérea operadora indemnização nos termos do artigo 7. °, salvo se:
i) tiverem sido informados do cancelamento pelo menos duas semanas antes da hora programada de partida, ou ii)tiverem sido informados do cancelamento entre duas semanas e sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até duas horas antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até quatro horas depois da hora programada de chegada, ou iii) tiverem sido informados do cancelamento menos de sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até uma hora antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até duas horas depois da hora programada de chegada.
2. Ao informar os passageiros do cancelamento, devem ser prestados esclarecimentos sobre eventuais transportes alternativos.
3. A transportadora aérea operadora não é obrigada a pagar uma indemnização nos termos do artigo 7.°, se puder provar que o cancelamento se ficou a dever a circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis.
4.O ónus da prova relativamente à questão de saber se e quando foi o passageiro informado do cancelamento, recai sobre a transportadora aérea operadora”.
Ora, resulta provado que o voo de regresso de Menorca para Barcelona com o n.º VY303 se encontrava agendado para as 17h35 e o voo de Barcelona para o Porto operado também pela demandada tinha hora marcada para as 20h40m, chegando ao seu destino pelas 21h e 30m do dia 29 de Julho de 2018. Sucede, no entanto, que o referido voo de Menorca a Barcelona sofreu um atraso de 5 horas – 22h05m (chegando a Barcelona cerca da 1h do dia 30 de Julho), o que originou que os demandantes perdessem o voo de ligação para o Porto.
Após os demandantes terem aguardado 3 horas junto do balcão da demandada em Barcelona, esta apresentou como solução a recolocação dos passageiros no voo do dia 30 de Julho pelas 20h40m, o que veio a acontecer.
Assim, os demandantes chegaram ao seu destino pelas 21h30m do dia 30 de Julho, quando deveriam ter chegado à mesma hora do dia anterior.
Durante o tempo que tiveram de aguardar em Barcelona pelo voo de ligação a Porto, a demandada não prestou aos demandantes qualquer assistência, tendo estes de suportar as despesas de alimentação e transporte.
Verificou-se assim, um atraso de 24 horas, sem que a demandada tenha invocado ou provado alguma circunstância excludente da sua responsabilidade.
Citando o Acordão do STJ de 23 de outubro de 2012 processos apensos C-581/10 e C-629/10 : “O Regulamento n.º 261/2004 visa garantir um elevado nível de proteção dos passageiros, independentemente do facto de se encontrarem numa situação de recusa de embarque, de cancelamento ou de atraso do voo, uma vez que são todos vítimas dos mesmos sérios transtornos e inconvenientes ligados ao transporte aéreo (v. acórdão Sturgeon). A indemnização prevista no artigo 7.º do Regulamento n.º 261/2004 permite compensar a perda de tempo sofrida pelos passageiros sem que estes tenham de provar que sofreram um dano individualizado. Esta medida permite assim garantir um nível elevado de protecção dos passageiros.”
Pelo exposto, procede o pedido de indemnização pelo atraso, nos termos do citado no art. 7º do Regulamento, n.º 1 alínea a), no valor de 250,00€ para cada um dos demandantes.
No que diz respeito às despesas suportadas de alimentação e transporte –danos patrimoniais -, igualmente não restam dúvidas ao tribunal que foram efectuadas em virtude do sucedido, procedendo no valor documentado de 15,75€.
Quanto aos danos não patrimoniais, diga-se que a jurisprudência não é unânime em considerar a indemnização prevista no citado artigo do Regulamento inclui ou não os danos não patrimoniais, devendo, no entanto, ter-se em conta o direito interno de cada país na aplicação do regime.
Para haver responsabilidade civil tem de haver, necessariamente, dano. Nem a Convenção de Montreal, nem o Regulamento 261/2004 definem o que seja o dano, para efeito de responsabilidade civil do transportador aéreo por atraso.
O artigo 19º da Convenção de Montreal apenas diz que tem de ser “dano resultante de atraso, ou seja, dano causado por atraso.
Não tendo a Convenção definido o dano, essa determinação não cai no âmbito da sua exclusividade: cabe, em cada caso concreto, à lei nacional aplicável segundo o Direito Internacional Privado, tal como interpretada pela respetiva jurisprudência.
Ora, resultando provado que a demandada não prestou qualquer assistência aos demandantes, que a demandante mulher tem a sua saúde debilitada (com uma incapacidade permanente global de 70%), e atendendo a que , pela falta de descanso e preocupação, quando regressou a Portugal ficou acamada durante o resto da semana, aos cuidados do seu marido e de terceiros, parece-nos um dano relevante, do ponto de vista do direito interno, merecendo a sua tutela.
Assim, adoptando a posição de que os danos não patrimonias podem ser ressarcidos, desde que provados, para além da indemnização prevista no regulamento, considera-se adequado fixar o valor de 1000,00€ para a demandada mulher, porquanto resulta que o dano sofrido por esta assume gravidade bastante para merecer a tutela do direito. ( cfr. art. 496º e 566 n.º 3 do Código Civil).
No que diz respeito aos juros de mora peticionados, em regra, a falta de pagamento de quantias a que o devedor esteja obrigado, dentro do prazo acordado, constitui o faltoso em mora e na obrigação de reparar os danos causados ao credor, verificando-se que a mora se inicia com a interpelação, judicial ou extrajudicial, para cumprimento (artº 804º e 805º do Código Civil). Por seu turno, o artº. 806º do mesmo Código, dispõe que, nas obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.
Assim, por força dos citados preceitos, serão devidos juros de mora á taxa legal de 4% (artº. 559º do Código Civil), desde a citação até integral pagamento.

DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente ação parcialmente procedente, decido condenar a Demandada a pagar aos demandantes a quantia de 1515,75€ (mil quinhentos e quinze euros e setenta e cinco cêntimos) acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até integral e efectivo pagamento.

As custas serão suportadas, na proporção do decaimento à razão de 17% pela Demandada e 83% pelos demandantes, declarando ambas partes vencidas (Art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro).

Registe.

Vila Nova de Poiares , 12 de Fevereiro de 2019
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 138.º/5 do C.P.C.)
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(Cristina Eusébio)