Sentença de Julgado de Paz
Processo: 105/2022–JPVFR
Relator: MARTA M. G. MESQUITA GUIMARÃES
Descritores: DIREIRO DE PROPRIEDADE
Data da sentença: 05/10/2024
Julgado de Paz de : SANTA MARIA DA FEIRA
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Proc. n.º 105/2022–JPVFR

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandantes: [PES-1], NIF [NIF-1], e [PES-2], NIF [NIF-2], ambos residentes na [...], n.º 72, [Cód. Postal-1] [...]
Demandados: [PES-3], NIF [NIF-3], e [PES-4], NIF [NIF-4], ambos residentes na [...], n.º 66, [Cód. Postal-1] [...]
*

OBJECTO DO LITÍGIO
Os Demandantes propuseram contra os Demandados a presente acção enquadrável nas alíneas d) e h) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, formulando o seguinte pedido, que se passa a citar:
“Nestes termos e nos mais de Direito que V.ª Ex.ª Doutamente suprirá, deverá a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência, serem os Demandados:
a) Condenados a reembolsar os Demandantes na quantia de 45,00 € despendidos com a limpeza do seu prédio em resultado da(o) poda/corte da referida sebe efetuada em NOV/2021 pelos Demandados.
b) Condenados a pagar os Demandantes a quantia de 1.047,82 €, quantia essa necessária para a substituição dos vidros colocados na caixilharia metálica do muro destes últimos;
c) Condenados a retirar completamente a sebe que plantaram no seu prédio e que se mostra junto do muro divisório com a propriedade dos Demandantes;
d) Caso assim não se entenda, condenados a que a altura da sebe nunca ultrapasse o limite máximo da cota do muro divisório com a propriedade dos Demandantes, devendo a sua altura máxima fixar-se no limite da base onde inicia a caixilharia metálica que se mostra colocado no mesmo;
e) Na hipótese de virem a ser condenados no peticionado em d), condenados igualmente a afastarem a sebe 1,5 metros do muro divisório com a propriedade dos Demandantes.”

Alegaram, em suma, que são proprietários do prédio urbano sito na [...], n.º 72, em [...], concelho de Santa Maria da Feira; esse prédio confronta, a poente, e através de um muro sua pertença, com o prédio urbano de que os Demandados são proprietários; os Demandados, depois de adquirirem o seu prédio, plantaram uma sebe no logradouro do prédio, junto ao muro do prédio dos Demandantes e em toda a extensão; o seu muro e a estrutura metálica que nele se encontra colocada, em resultado da plantação da sebe e pela pressão exercida pela mesma, apresentam várias rachadelas e vidros partidos; a sebe tem uma altura muito superior em relação à altura do muro (dos Demandantes), incluindo caixilharia metálica, o que limita a exposição à luz e raios solares, nomeadamente no logradouro; com a plantação da sebe, o conjunto habitacional, composto pelos diversos lotes que o compõe, perdeu a sua “configuração” unitária, dado que mais nenhum dos restantes proprietários agiu da mesma forma que fizeram os Demandados; da última vez que os Demandados fizeram a poda da sebe, caíram, no prédio dos Demandantes, folhas e detritos, o que os obrigou a limpar o seu logradouro, para o que despenderam a quantia de € 45,00; a substituição dos vidros inseridos na estrutura metálica importa a quantia de € 1.047,82 – cfr. fls. 1 e seguintes.
*

Os Demandados apresentaram contestação, nos termos plasmados a fls. 27 e seguintes, tendo invocado a ilegitimidade activa, impugnado parte da factualidade alegada pelos Demandantes, tendo, contudo, reconhecido que i. os prédios em causa são confinantes, ii. até novembro de 2021, as sebes encontravam-se encostadas ao muro de vedação dos Demandantes, bem como à estrutura metálica que a encima, porém, os galhos que pendiam para o logradouro dos Demandantes eram secos, não tendo o peso necessário para quebrar um vidro ou originar fissuras nos muros, iii. plantaram a mesma espécie de sebe no logradouro, do lado oposto ao dos Demandantes, nas mesmas condições, não existindo quaisquer rachadelas nos muros ou nos vidros, iv. a sebe foi plantada em meados de maio ou junho de 2017, tendo como propósito a sua segurança e privacidade, v. os Demandantes nunca se opuseram à plantação das sebes, tendo cedido, ao longo de 16 anos, a entrada do jardineiro dos Demandados no seu prédio para o corte e limpeza das sebes, tendo as boas relações de vizinhança azedado quando, em meados de maio de 2021, os Demandantes construíram uma piscina no logradouro e exigiram o corte da sebe, vi. as sebes são cortadas anualmente e, em 2021, as sebes foram cortadas em 2 épocas diferentes do ano (em abril de 2021, a pedido dos Demandantes, porque se encontravam a construir a piscina, e em novembro de 2021), vii. aquando do corte das sebes, em abril de 2022, nenhum detrito ou folha caiu no logradouro dos Demandantes, viii. a sebe que confronta com o lado do prédio dos Demandantes encontra-se desencostada 30 cm do muro de vedação destes xix. os Demandantes agem com má-fé, porquanto sabem que a sua pretensão não tem fundamento, agindo com o único fim de perturbar os Demandados. Pugnaram, a final, pela total improcedência da acção e pela condenação dos Demandantes no pagamento da quantia de € 1.500,00 atenta a litigância de má-fé, no pagamento da quantia de € 1.500,00 pela devassa da sua vida privada, intenção de prejudicá-los e pelos incómodos que causaram na sua vida pessoal e profissional, bem como no pagamento das despesas administrativas que suportaram, no valor de € 16,00.
Por requerimento de fls. 65 e seguintes, os Demandantes alegaram “a falta de competência da Ilustre Advogada Estagiária na autoria e subscrição da contestação” e exerceram pronúncia quanto à invocada excepção de ilegitimidade activa e ao pedido de condenação como litigantes de má-fé.
Por despacho de fls. 78 e 79, e pelos motivos que daí constam e que ora se dão por integralmente reproduzidos, julgou-se não verificada a invocada excepção de ilegitimidade activa, indeferiu-se o pedido reconvencional deduzido na contestação (pedido de condenação dos Demandantes no pagamento, aos Demandados, da quantia de € 1.500,00 pela devassa da sua vida privada, intenção de prejudicá-los e pelos incómodos que causaram na sua vida pessoal e profissional) e julgou-se não verificada a irregularidade no que se reporta à invocada falta de competência da Ilustre Advogada Estagiária na autoria e subscrição da contestação.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo, consoante resulta das respectivas actas (cfr. actas de fls. 103 e 104, 124 a 137, 152 a 154, 177 a 180 e 223 e 224), tendo os Demandantes, aquando do início da primeira sessão de audiência de julgamento, requerido, designadamente, a produção de prova pericial, indicando o respectivo objecto (cfr. fls. 101 e 102), pelo que foi concedido prazo, aos Demandados, para exercício do direito de contraditório quanto à requerida prova e objecto (cfr. despacho de fls. 104).
Por requerimento de fls. 105 a 107, os Demandados exerceram pronúncia quanto à prova pericial e respectivo objecto, tendo considerado tal diligência inútil; subsidiariamente, propuseram a ampliação do respectivo objecto, nos termos que daí melhor constam.
Por despacho de fls. 109 e pelos fundamentos que daí constam e que ora se dão por integralmente reproduzidos, não se determinou, desde logo, a realização de prova pericial, tendo-se considerando mais conveniente a produção da demais prova indicada pelas partes, e, caso, porventura, no final de tal produção de prova, o Tribunal considerasse necessário ou conveniente à boa decisão da causa a realização da perícia, determinaria a sua realização.
Finda a produção de prova por inspecção judicial, por depoimento de parte, por declarações de parte e testemunhal, por despacho de fls. 186 e pelos motivos que daí constam e que ora se dão por integralmente reproduzidos, foi deferida a realização da prova pericial, com o objecto aí melhor identificado e, consequentemente, determinada a remessa do processo ao Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro para a sua produção (cfr. artigo 59.º, n.º 3, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho).
Nesse seguimento, foi apresentado, a fls. 190 e seguintes, relatório pericial.
Aquando do início da última sessão de audiência de julgamento, os Demandantes apresentaram o requerimento de fls. 210 e seguintes, por via do qual pugnaram pela condenação dos Demandados também no pagamento da quantia de € 45,00 respeitante aos serviços de limpeza ocorridos em 09.04.2024.
Atenta a sua inadmissibilidade legal (cfr. artigo 63.º, segunda parte, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho), o aludido requerimento de fls. 210 e seguintes não foi considerado (cfr. despacho de fls. 223).
Na última sessão de audiência de julgamento, foi dado conhecimento, ao Tribunal, de que, na sequência do relatório pericial, os Demandados efetuaram reclamação (cfr. artigo 485.º, nº 2, do CPC) e, nesse seguimento, foram prestados esclarecimentos pelo Sr. Perito, pelo que, foram juntos aos autos cópia de tal reclamação, do respectivo despacho judicial e dos esclarecimentos do Sr. Perito (cfr. fls. 217 a 222).
*

O Julgado de Paz é competente em razão da matéria (cfr. alíneas d) e h) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho), do território (cfr. artigo 11.º, n.º 1, da indicada Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho) e do valor, que se fixa em € 5.000,01 (cfr. artigo 8.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho e artigos 296.º e seguintes do Código de Processo Civil, doravante CPC, aplicáveis por via do disposto no artigo 63.º da citada Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho ). (1)
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
*

FATOS PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA
A. Os Demandantes têm inscrita, a seu favor, na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, desde 08.09.2006, a aquisição, por compra, do prédio urbano sito na [...], n.º 72, freguesia de [...], concelho de Santa Maria da Feira, composto por um edifício de cave, rés-do-chão, 1.º andar e anexo, com logradouro (Lote 7), aí descrito sob o n.º 1294 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1827, da referida freguesia.
B. Os Demandados têm inscrita, a seu favor, na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, desde 07.03.2007, a aquisição, por compra, do prédio urbano sito [...], n.º 66, freguesia de [...], concelho de Santa Maria da Feira, composto por um edifício de cave, rés-do-chão, andar, com logradouro (Lote 8), aí descrito sob o n.º 1295 e inscrito na matriz predial urbana com o artigo n.º 1848.
C. O prédio dos Demandantes confronta, a poente, com o dos Demandados, através de um muro, pertencente àqueles.
D. O muro aludido no precedente facto apresenta 1,10 metros de altura (medição do solo até ao final do muro).
E. No cimo do aludido muro mostra-se colocada uma estrutura metálica, cor branca, que integra vidros aramados, com 50cm de altura.
F. Em maio de 2007, os Demandados plantaram uma sebe no logradouro do seu prédio, junto ao referido muro do prédio dos Demandantes e em toda a extensão.
G. Os Demandados plantaram sebes no seu prédio por razões de segurança e privacidade.
H. A sebe aludida em F, em 18.11.2021, media 2,60 metros de altura do lado dos Demandados e, do lado dos Demandantes, cerca de 2,00m de altura.
I. Até novembro de 2021, a sebe encontrava-se encostada ao já mencionado muro dos Demandantes, bem como à estrutura metálica que o encima, aludida em E.
J. A estrutura metálica mencionada em E, em resultado da plantação da sebe mencionada em F e pela pressão exercida pela mesma, apresenta vidros partidos.
K. Os vidros ficaram danificados em virtude da pressão sofrida pelo encostar da sebe aos mesmos.
L. A sebe plantada pelos Demandados situa-se no limite do prédio destes últimos, em toda a extensão confinante com o prédio dos Demandantes e, em 18.11.2021, a uma distância de cerca de 30 centímetros do muro destes últimos.
M. Desde a plantação da sebe (portanto, maio de 2007) até 2021, os Demandantes permitiram a entrada, no seu prédio, do jardineiro contratado pelos Demandados para o corte e limpeza da sebe.
N. Em 2021, os Demandantes construíram uma piscina no seu logradouro.
O. Por comunicação expedida, via correio postal registado, em 15.07.2021, os Demandantes, por intermédio de mandatário, comunicaram, aos Demandados, que, a partir dessa data, não permitiam mais o acesso ao seu prédio para o corte da sebe e limpeza dos detritos.
P. Em 2021, as sebes foram cortadas em 2 épocas diferentes do ano: o primeiro corte foi efetuado em abril de 2021, a pedido dos Demandantes, uma vez que estavam a construir a piscina e não queriam resíduos na piscina.
Q. O segundo corte foi efetuado em novembro de 2021, corte, este, que foi comunicado em subscrito enviado a 27.07.2021 e rececionado pelos Demandantes.
R. Por Via do corte mencionado no precedente facto, a sebe foi desencostada do muro dos Demandantes e, por conseguinte, da caixilharia e respectivos vidros que a compõem.
S. O último corte da sebe foi efetuado em abril de 2022, tendo os trabalhos sido efectuados do lado dos Demandados, uma vez que os Demandantes proibiram a entrada do jardineiro para o efeito.
T. A substituição dos vidros aludidos em J e K ascende ao valor de € 1.131,35.
*

FATOS NÃO PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA
1. No cimo do muro do prédio dos Demandantes mostra-se colocada uma estrutura metálica, cor branca, em vidro fosco, com 85 cm de altura.
2. O muro do prédio dos Demandantes, em resultado da plantação da sebe, pelos Demandados, e pela pressão exercida pela mesma, apresenta várias rachadelas.
3. Actualmente, a sebe em questão, por falta de corte e podagem dos Demandados, mostra-se com uma altura ainda maior à apurada em 18.11.2021 e mostra-se praticamente encostada ao muro do prédio dos Demandantes.
4. A sebe plantada pelos Demandados tem uma altura muito superior em relação à altura do muro dos Demandantes, incluindo caixilharia metálica.
5. A exposição às condições climatéricas e a inclinação e cedência normal do terreno torna normal o aparecimento de fissuras nos muros e, por conseguinte, vidros rachados.
6. O muro e vidros que compõem a estrutura metálica e que se encontram do lado oposto ao dos Demandantes mostram-se intactos, apesar de terem, igualmente, junto uma sebe da mesma espécie da sebe aludida em F.
7. Na última vez que os Demandados fizeram a poda da sebe caíram, no prédio dos Demandantes, folhas e detritos que provêm da mesma, tendo os Demandantes despendido, com a limpeza do logradouro, o valor de € 45,00.
*

FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA
Nos termos do disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, as sentenças proferidas nos Julgados de Paz devem conter “uma sucinta fundamentação”.
Isto posto, cumpre mencionar que ao pronunciar-se pela forma acabada de enunciar quanto à matéria de facto em causa nos autos, o Tribunal firmou a sua convicção na análise crítica e conjugada que dos meios de prova fez.
Assim, o facto A resultou provado por via do documento junto, pelos Demandantes, a fls. 74/75 (certidão permanente da Conservatória do Registo Predial), conjugado com o documento n.º 2 junto com o requerimento inicial (caderneta predial urbana).
O facto B por via do documento n.º 3 junto com o requerimento inicial (certidão permanente da Conservatória do Registo Predial).
Os factos C, L e N por via de admissão.
O facto D por via da inspecção judicial realizada (cfr. acta de fls. 124 e seguintes, concretamente, respectivo auto de inspecção).
O facto E por via do relatório pericial junto aos autos (cfr. fls. 190 e seguintes), no qual se menciona que os vidros aramados se encontram inseridos na estrutura metálica, estando individualizados por perfis de alumínio lacado, com 50cm de altura; também na inspecção judicial realizada, foi possível efectuar medições (constantes do respectivo auto de inspecção), daí constando uma ligeira variação (2cm) no que se reporta à altura da estrutura metálica (aí se refere: “O muro que confronta com a propriedade dos Demandados apresenta 1,10 metros de altura (medição do solo até ao final do muro)” e “O muro que confronta com a propriedade dos Demandados e a respectiva estrutura metálica apresentam 1,62 metros de altura (medição do solo até ao final da caixilharia)” – cfr. fls. 124 verso).
O facto F resultou provado por admissão, em contestação, desde logo no que se reporta à plantação da sebe, data da plantação e sua localização; acresce que, a sebe é visível por via das várias fotografias juntas aos autos (quer com o requerimento inicial, quer com a contestação), tendo, ainda, sido possível a sua visualização in loco aquando da inspecção judicial (cfr. fotografias que instruem o auto de inspecção e que constam de fls. 126 e seguintes).
O facto G por via de presunção judicial (cfr. artigos 349.º e 351.º do Código Civil, doravante CC), conjugada com o depoimento da testemunha [PES-5] (irmã da Demandada). Com efeito, por via da inspecção judicial foi possível aferir que a moradia dos Demandados confronta, do lado oposto ao do prédio dos Demandantes, com um terreno não cultivado, no final de uma rua sem saída – veja-se, ainda, o documento junto com a contestação, sob o n.º 7 (“Planta Topográfica”) –, pelo que se compreendem, desde logo, as razões de segurança invocadas pelos Demandados para a plantação das sebes. No que se reporta às razões de privacidade, a aludida testemunha [PES-5] (irmã da Demandada) – num depoimento espontâneo e, por isso, credível – disse que a irmã sempre quis ter privacidade no seu pátio, até porque aí tem uma piscina móvel (2) e, no verão, aí passeia de biquíni, por isso plantou as sebes de ambos os lados do seu prédio.
O facto H resultou provado, em parte, por admissão (cfr. artigo 31.º da contestação), e por via do depoimento de parte prestado pela Demandada, que confirmou essas mesmas medidas.
O facto I resultou provado por via do depoimento de parte da Demandada, através do qual reconheceu que a sebe esteve encostada aos vidros durante cerca de 14 anos (cfr. acta de fls. 152 e seguintes); também o Demandado, no seu depoimento de parte, referiu isso mesmo, ou seja, que a sebe esteve encostada aos vidros até Outubro/Novembro de 2021, altura em que procederam ao corte da sebe com vista a afastá-la do muro (e respectiva caixilharia e vidros) dos Demandantes.
O facto J por via do relatório pericial junto aos autos, por via do qual se conclui, de forma inequívoca, nos seguintes termos: “Pela vistoria efetuada, as rachadelas dos vidros foram resultado da plantação da sebe.” (sic) (cfr. fls. 191). Cumpre, ainda, referir que não obstante a testemunha apresentada pelos Demandados, [PES-6] (trolha, responsável pela realização de várias obras na habitação destes), ter dito que os vidros se encontravam partidos devido à “falta de juntas de dilatação” (sic), a verdade é que, para além de tal testemunha não deter os conhecimentos técnicos necessários (desde logo porque não é formada em engenharia )(3), a mesma é, sempre, uma testemunha apresentada por uma das partes, pelo que, e existindo, como existe, nos autos, um relatório pericial, sempre as conclusões constantes deste (as quais, no que se reporta à causa para a quebra/as rachadelas dos vidros, são inequívocas) se sobrepõem ao depoimento da dita testemunha, por mais credível que este depoimento se apresente e, no caso, cremos que o depoimento desta testemunha até se revelou pouco credível, desde logo porque, quando perguntado sobre se tinha conhecimento dos valores praticados no mercado para o fornecimento (e colocação) de vidros aramados ou vidros laminados, a testemunha logo disse que os vidros estavam partidos porque não existiam juntas de dilatação: isto é, foi-lhe questionado um aspecto muito específico e a testemunha logo respondeu, não ao que, concretamente, lhe foi perguntado, mas ao que “entendeu” responder. Já a testemunha apresentada pelos Demandantes, [PES-7] (amigo dos Demandantes e vidraceiro), também referiu que – à semelhança do Sr. Perito (cfr. resposta ao quesito 6, constante de fls. 191) – passou os dedos no vidro (fissuras) do lado do prédio dos Demandantes e não sentiu nada, pelo que concluiu que a pressão foi exercida do outro lado do vidro, portanto, do lado do prédio dos Demandados, embora não tivesse concluído, de forma evidente, de que as fissuras nos vidros se tivessem devido à pressão exercida pela sebe, tendo, até, dito que também a estrutura de alumínio pode ter estalado, o que também poderia causar danos nos vidros… Já as testemunhas [PES-8] (jardineiro dos Demandantes) e [PES-9] (jardineiro dos Demandados há cerca de 6 anos e que, em tempos, também já havia sido jardineiro dos Demandantes), não falaram, concretamente, sobre a causa para a quebra dos vidros: o primeiro disse que, em Abril de 2021, quando foi, pela 1.ª vez, ao prédio dos Demandantes, as sebes estavam encostadas aos vidros e já acima da caixilharia que encima o muro dos Demandantes; e o segundo disse que as sebes sempre tiveram cerca de 2,60cm do lado do prédio dos Demandados e que, em 2021, desencostou a sebe do lado do prédio dos Demandantes para poder passar, a fim de proceder ao seu corte, porque a Demandante deixou de lhe permitir aceder ao seu prédio (dos Demandantes) para o efeito, permissão, essa, que antes sempre havia sido dada, tendo sido a Demandada a dar-lhe esta mesma informação. Já quanto à existência de fissuras nos vidros da parte do muro que não tem sebe, o Sr. Perito também refere essa circunstância: refere que as fissuras com maior expressão são as que se encontram nos vidros que confrontam com a sebe, e, designadamente, por essa razão, considerou que a sebe é que tinha sido a causadora das fissuras nos vidros (cfr. fls. 191). Acresce que, quer a prova pericial, quer a prova testemunhal são livremente apreciadas pelo Tribunal (cfr. artigos 389.º e 396.º do CC). Em face do exposto e considerando i. os depoimentos das testemunhas, neste concreto aspecto, contraditórios, inexistentes ou inconclusivos, ii. a credibilidade (ou falta dela) que cada depoimento testemunhal mereceu, e iii. o resultado da prova pericial (conclusivo no sentido que as fissuras nos vidros foram causadas pela pressão exercida pela sebe), consideramos provada esta mesma factualidade.
O facto K resultou provado por via do relatório pericial, conforme se deixou exposto, no qual se conclui, ainda, que “(…) verifiquei que os vidros apresentam fissuras/rachadelas essencialmente verticais, com maior quantidade de fissuras, onde existe uma sebe plantada no terreno da Ré e que pela sua implantação, no limite do terreno e encostada aos muros de delimitação, e ainda pela espessura do tronco e ramos laterais dos arbustos que compõem a sebe, provocam uma força contínua sobre os vidros provocando o “estalar” dos vidros.” (sic) (cfr. fls. 191). Acresce que, e conforme já se deixou exposto, os Demandados reconheceram que a sebe esteve encostada aos vidros até 2021; a Demandada, no seu depoimento de parte, disse, ainda, que, até 2021, a sebe era cortada, anualmente, com recurso a tesoura e que, a partir de 2021, quando os galhos da sebe começaram a ter mais “resistência”(sic), o corte começou a ser feito com um “corta-sebes” (sic), e que tais cortes eram sempre em altura, pois não se procedia ao corte dos galhos que estavam encostados aos vidros; como se não bastasse este reconhecimento pelos Demandados, acrescem os depoimentos das testemunhas, [PES-10] e [PES-9] (ambos jardineiros) e aos quais já se aludiu supra.
O facto M resultou provado por via de admissão, pela própria Demandante, em depoimento de parte, que referiu que proibiu o jardineiro contratado pelos Demandados de entrar no seu prédio com vista ao corte da sebe e respectiva limpeza dos detritos (cfr. acta de fls. 152 e seguintes, em concreto, fls. 153 verso), conjugado com a comunicação junta com a contestação como documento n.º 5 (comunicação e respectivo envelope), e, ainda, com o depoimento da indicada testemunha [PES-9] (jardineiro dos Demandados) que, conforme exposto, disse que, em 2021, desencostou a sebe do lado do prédio dos Demandantes para poder passar, a fim de proceder ao seu corte, porque a Demandante deixou de lhe permitir aceder ao seu prédio para o efeito, permissão, essa, que antes sempre havia sido dada.
O facto. O por via da aludida comunicação junta, com a contestação, sob o documento n.º 5.
Os factos P, Q, R e S por via do depoimento de parte prestado pela Demandante (cfr., em concreto, fls. 153 verso), que reconheceu os referidos cortes, nos períodos em causa, sendo que o facto Q resultou, ainda, provado por via do documento n.º 4 junto com a contestação (comunicação e respectivo aviso de recepção), e o facto R por via da fotografia junta, com a contestação, como documento n.º 10, e por via do depoimento da aludida testemunha [PES-9], conforme já exposto.
O facto T resultou provado por via do orçamento que instrui o relatório pericial (cfr. fls. 193).
No que se reporta aos factos não provados, os mesmos ficaram a dever-se à insuficiência ou inexistência de prova produzida no sentido da sua demonstração.
Com efeito, e no que se reporta ao facto 1, esta factualidade só poderia resultar não provada atenta a factualidade provada constante de E.
Relativamente ao facto 2, é dito, no relatório pericial, que “Quanto às rachadelas do muro, não existe qualquer relação com a plantação e existência das sebes.” (sic) (cfr. fls. 191). Acresce que, e a bem da verdade, esta factualidade não se afigura propriamente relevante para a decisão da causa, pois os Demandantes não formulam qualquer pedido indemnizatório atinente às alegadas “rachadelas” no muro.
No que se reporta ao facto 3, a inspecção judicial realizada (e as medições que aí se efetuaram – cfr. fls. 124 verso) permitiu concluir que a sebe não se encontrava com uma altura maior à apurada em 18.11.2021, assim como permitiu concluir que a sebe não se encontrava encostada ao muro do prédio dos Demandantes. Relevante mostrou-se, ainda, a fotografia junta, com a contestação, sob o documento n.º 10, sendo, ainda, certo que, e conforme já exposto, a Demandante reconheceu, em depoimento de parte, que o corte feito na sebe, em Novembro de 2021, foi um corte em largura (cfr. fls. 153 verso), tendo, ainda – e como se não bastasse este reconhecimento – a testemunha [PES-9] (jardineiro dos Demandados) referido, conforme se deixou também exposto, que, em 2021, desencostou a sebe, do lado do prédio dos Demandantes, para poder passar e realizar o seu serviço (portanto, cortar a sebe).
Quanto ao facto 4, por via da inspecção judicial foi possível aferir que – e conforme consta do auto de inspecção – a altura da sebe, acima da caixilharia, varia entre 33 cm e 44 cm (fls. 124 verso), pelo que daí se conclui que a sebe não tem uma “altura muito superior” em relação à altura do muro dos Demandantes, incluindo caixilharia metálica.
Relativamente ao facto 5, cumpre remeter, mais uma vez, para o relatório pericial junto aos autos (cfr. fls. 190 e seguintes), no qual se refere, de forma clarividente, o seguinte: “O desnível entre os dois terrenos, conforme medições efetuadas no local é de 64 cm, sendo uma pequena diferença de desnível e não se verificando indícios de assentamento do solo, na envolvente aos muros, não existe razões para provocar eventuais fissuras no muro.
A eventual existência de fissuras nos muros relacionar-se-á por deficiências construtivas dos muros, nomeadamente inexistência de juntas de dilatação, tendo em consideração os seus comprimentos.” (sic) (cfr. fls. 191 verso). Assim, a factualidade em causa só poderia resultar não provada – sendo, ainda, certo que nenhuma prova (documental, testemunhal ou outra) se fez quanto às alegadas consequências da exposição às condições climatéricas nos muros e, por conseguinte, nos vidros.
No que diz respeito ao facto 6, cumpre mencionar os esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito – e que constam de fls. 222 –, por via dos quais o mesmo refere que “(…) Confirmei no local que a outra delimitação, a poente do imóvel dos RR apresentava idênticos danos, nos vidros, que encimam o muro, encontrando-se a sebe a exercer pressão nos vidros.” (sic). Portanto, o Sr. Perito concluiu que os vidros que encimam o outro muro do prédio dos Demandados, e junto ao qual se encontra plantada outra sebe idêntica à sebe em causa nos autos, padecem de “idênticos danos”, pelo que concluiu, não só a existência de fissuras nesses mesmos vidros, como que a causa dessas fissuras é a pressão exercida pela sebe.
Por fim, e quanto ao facto 7, a última vez que a sebe foi cortada (terceiro corte) foi em Abril de 2022 (cfr. facto provado S), e a factura-recibo que os Demandantes apresentam para prova dos custos com a limpeza do seu logradouro data de 11.11.2021 (cfr. documento n.º 5 junto com o requerimento inicial), sendo que essa terá sido a data em que a sebe foi cortada pela segunda vez (e não pela última). Em face do exposto, a factualidade em causa resultou não provada.
Finalmente, quanto ao facto, alegado pelos Demandantes, de que mais nenhum dos restantes proprietários agiu da mesma forma que fizeram os Demandados, isto é, plantou sebes, o que, segundo invocam, fez com que o complexo habitacional tivesse perdido a “sua «configuração» unitária”, cremos que tal factualidade nenhuma relevância tem para a decisão da causa, tanto mais que nada foi alegado pelos Demandantes (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC), no sentido de que tais lotes se encontravam constituídos em propriedade horizontal (cfr. artigos 1414.º e seguintes do CC, em concreto, artigo 1438.º-A), única razão (de direito privado, pois é nesse âmbito que nos situamos) que antevemos para que tal fundamento (isto é, a alegada perda de “configuração unitária”) pudesse ser tomado em consideração para a decisão da causa (cfr. artigo 1422.º, nºs 1 e 2, alínea a), do CC). Acresce que, apesar de invocarem tal fundamento, os Demandantes nada concluem quanto às consequências jurídicas de tal alegada perda de “configuração unitária”.
*

DIREITO
De acordo com o disposto no artigo 1305.º do CC, o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.
As aludidas restrições (de direito privado) encontram-se previstas nos artigos 1344.º e seguintes do CC e visam regular interesses conflituantes entre proprietários de prédios com relações de proximidade.
Conforme entendimento da nossa Doutrina (4), “Cada prédio é necessariamente vizinho de outros. Daí a inevitabilidade dos problemas juridicamente designados por “relações de vizinhança”. Estes problemas não são apenas os de definição dos limites físicos de cada prédio, mas sim também os de definição de limites às actividades levadas a cabo em cada prédio”.
Assim, o direito de propriedade dos Demandados, portanto, o poder de usar, fruir e dispor do seu prédio, tem de se conciliar ou conjugar com o direito de propriedade dos Demandantes, seus vizinhos, que também têm o direito de usar, fruir e dispor do seu prédio.
Dispõe o artigo 1356.º do CC que, a todo o tempo, o proprietário pode murar, valar, rodear de sebes o seu prédio, ou tapá-lo de qualquer modo.
Já de acordo com o preceituado no artigo 1366.º, n.º 1, do CC, é lícita a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória dos prédios; mas ao dono do prédio vizinho é permitido arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem, se o dono da árvore, sendo rogado judicial ou extrajudicialmente, o não fizer dentro de três dias. (5)
Ora, não há dúvidas de que a sebe – alvo da discórdia nos autos – se encontra plantada no prédio dos Demandados (cfr. facto provado F) – o que foi, até e desde logo, alegado pelos próprios Demandantes (com efeito, estes alegaram, nos artigos 3.º e 4.º do requerimento inicial, respetivamente, que “O prédio dos Demandantes confronta a poente com o dos
Demandados, através de um muro, pertencente àqueles” e “Os Demandados, em data não concretamente apurada, mas seguramente depois que adquiriram a sua propriedade, plantaram na mesma uma «sebe» no logradouro do seu prédio, junto ao muro do prédio dos Demandantes e em toda a extensão.”).
Portanto, não há dúvidas de que a sebe não viola o disposto no citado artigo 1356.º do CC, pois a mesma encontra-se plantada no prédio dos Demandados.
Acresce que, a sebe também não viola o disposto no citado artigo 1366.º, n.º 1, do CC, pois a sebe encontra-se plantada junto à linha divisória dos prédios (cfr. factos provados C, F e L).
Vejamos, então, se a sebe viola (ou violou), ou não, qualquer outra norma do CC que regula o direito de propriedade (dos Demandantes). E aludimos a normas do CC pois são estas que regulam a relação jurídica entre Demandantes e Demandados, enquanto titulares de direitos reais, concretamente, proprietários de prédios confinantes.
E, caso viole (ou tenha violado), haverá, ainda, que aferir se os Demandados são, ou não, civilmente responsáveis, para com os Demandantes, nos termos por estes pugnados, isto é, se são responsáveis pelo pagamento das indemnizações peticionadas sob as alíneas a) e b) do petitório e pela prática dos actos aludidos nas alíneas c), d) e e) do petitório (estas últimas formuladas a título subsidiário).
A responsabilidade civil extracontratual é regida pelo disposto nos artigos 483.º e seguintes do CC, dispondo o artigo 483.º que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Para que se conclua pela existência de responsabilidade civil por factos ilícitos é, então, necessário um comportamento humano dominável pela vontade; ilicitude, ou seja, a violação de direitos subjetivos absolutos ou normas que visem tutelar interesses privados; um nexo causal que una o facto ao lesante – a culpa (o juízo de censura ou reprovação que o Direito faz ao lesante por este ter agido ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma) – e outro que ligue o facto ao dano, de acordo com as regras normais de causalidade. A culpa pode revestir duas formas: o dolo e a negligência ou mera culpa. Nos termos do disposto no artigo 487.º, n.º 2, do CC, a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
Isto posto,
No que se reporta à altura da sebe, o CC nada diz sobre a altura das árvores ou das sebes. Assim, tal questão terá que ser resolvida em sede de abuso de direito (cfr. artigo 334.º do CC), isto é, atenta a factualidade que resultou provada, há que apurar se a manutenção da altura da sebe configura, ou não, um uso abusivo do direito de propriedade por parte dos Demandados.
Dispõe o citado artigo 334.º do CC que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
No caso, resultou provado que os Demandados plantaram a sebe, no seu logradouro, junto à linha divisória do seu prédio com o dos Demandantes – portanto, em local legalmente permitido, conforme já se deixou exposto –, tendo-o feito por razões de segurança e de privacidade (cfr. facto provado G) – tanto mais que, e conforme resultou da instrução da causa, os Demandados também têm, no seu logradouro, uma piscina (móvel), fazendo uso da mesma no verão (cfr. fundamentação do referido facto provado G).
A sebe tem, assim, uma função de tapagem/vedação, função que – e conforme os próprios Demandantes invocam, fazendo apelo à nossa Doutrina e Jurisprudência (cfr. artigos 22.º e 23.º do requerimento inicial) – se afigura ainda mais eficaz, como garantia de privacidade, do que a mera demarcação, sendo que a sebe, no caso, serve de obstáculo ao devassamento da vida privada, tendo, ainda, uma função de resguardo/protecção da propriedade (pois o prédio dos Demandados confronta, do lado oposto ao do prédio dos Demandantes, com um terreno não cultivado, e situa-se no final de uma rua sem saída).
Note-se que, no caso, o muro divisório das propriedades é encimado por uma estrutura metálica, composta por vidros aramados, que, todavia – e não obstante não serem translúcidos –, não permitem tanta privacidade como a sebe que, atenta a sua configuração, assemelha-se a uma verdadeira cortina, permitindo, assim, tutelar, numa maior medida, a reserva da vida privada dos Demandados. Acresce que, e conforme resulta da factualidade provada (cfr. em concreto, facto provado H) e, bem assim, do relatório pericial (cfr. fls. 191 verso), os terrenos em causa apresentam um desnível, de cerca de 60 cm (cfr., ainda, a indicação, feita pelo Sr. Perito, de desnível, entre os dois terrenos, de 64 cm – cfr. fls. 191 verso), situando-se o terreno dos Demandados numa cota inferior, pelo que, e também por esta razão, se mostram justificadas as razões de reserva da privacidade por parte dos Demandados.
Está, assim, em causa não só o direito à propriedade dos Demandados, como o respectivo direito à reserva da sua intimidade, da sua vida privada (cfr. artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa).
Atente-se que, e conforme resultou provado, a sebe, em 18.11.2021, media 2,60 metros de altura do lado dos Demandados e, do lado dos Demandantes, cerca de 2,00m de altura (cfr. facto provado H), sendo que não resultou provado que a mesma tivesse uma altura muito superior em relação à altura do muro dos Demandantes, incluindo a caixilharia metálica (cfr. facto não provado 4 e respectiva fundamentação), pelo que, e tomando em consideração a altura da sebe – portanto, cerca de 33 cm a 44 cm acima da caixilharia do muro (cfr. fls. 124 verso) –, não cremos que a sua altura, tomando em consideração as razões de reserva da privacidade já aludidas supra, se mostre abusiva.
Assim, os Demandados atuam dentro dos poderes que lhes confere o seu direito de propriedade e de forma legítima, pois não há abuso de direito quando apenas se prossegue o fim lícito de manter a reserva da sua vida privada dos olhares dos vizinhos.
Alegam os Demandantes que a sebe, atenta a sua altura, os obriga a, principalmente no verão, terem que mudar de lugar as toalhas e as espreguiçadeiras, uma vez que a sebe afeta a luminosidade e o calor que o seu prédio recebe do sol, proveniente do prédio dos Demandados, e que torna o seu prédio mais sombrio e menos soalheiro.
Ora, para além de a lei não estabelecer qualquer altura máxima para as árvores ou sebes, a sebe em causa nos autos encontra-se com a altura que resultou provada por razões de reserva da privacidade dos Demandados, conforme já exposto, pelo que, no caso, a eventual afectação da luminosidade e do calor que o prédio dos Demandantes recebe do sol, proveniente do prédio dos Demandados – que, note-se, os Demandantes nem sequer concretizaram, pois não alegaram (como lhes competia, nos termos do já citado artigo 342.º, n.º 1, do CC) em que é que se traduzia, em termos, designadamente, de quantidade de horas, tal afectação/limitação de luminosidade e calor por via da altura da sebe – afigura-se-nos razoável para que o referido direito de tapagem (tendo em vista a reserva da privacidade) produza o seu efeito útil normal. Isto é, essa eventual afectação da luminosidade e do calor é aceitável porque deriva da plantação de uma sebe no prédio vizinho, com a altura máxima de 2,00m do lado dos Demandantes, que consideramos ser a dimensão mínima (porque pouco maior do que a altura média de um indivíduo) para garantir a privacidade que, no caso, constitui o efeito útil do direito de tapagem.
Realce-se, ainda, que não nos encontramos – nem os Demandantes o alegaram – perante uma situação de privação total de luminosidade e calor adveniente do sol: com efeito, os Demandante apenas alegaram que a sebe afetava a luminosidade e o calor que o seu prédio recebe do sol, proveniente do prédio dos Demandados, e que tornava o seu prédio mais sombrio e menos soalheiro, obrigando-os a mudar de lugar as toalhas e as espreguiçadeiras…
Acresce que, resultou, ainda, provado que a sebe foi plantada em Maio de 2007, e que, desde a plantação até 2021 (portanto, ao longo de cerca de 14 anos), os Demandantes permitiram a entrada, no seu prédio, do jardineiro contratado pelos Demandados para o corte e limpeza da sebe, tendo, em 2021, construído uma piscina e, por comunicação de 15.07.2021, informado os Demandados de que, a partir dessa data, não permitiam mais o acesso ao seu prédio para o corte da sebe e limpeza dos detritos (cfr. factos provados F, M, N, O e S).
Ora, dispõe o artigo 1349.º, n.º 1, do CC, que, se, para reparar algum edifício ou construção, for indispensável levantar andaime, colocar objetos sobre prédio alheio, fazer passar por ele os materiais para a obra ou praticar outros actos análogos, é o dono do prédio obrigado a consentir nesses actos.
Enquadra-se, nestes “outros actos análogos” – até pela redacção dos artigos 1366.º e 1367.º do CC –, a necessidade de entrar no prédio vizinho para podar uma sebe.
Atenta a decisão da matéria de facto que se deixou exposta, constata-se que, a partir de 2021, os Demandantes têm violado o disposto no citado artigo 1349.º, n.º 1, do CC, pois desde essa data que têm impedido o jardineiro contratado pelos Demandados de entrar no seu prédio com vista ao corte da sebe e limpeza dos respectivos detritos.
E, assim sendo, como é, torna-se evidente concluir, desde já, que nunca lhes assistiria razão no pedido que formulam sob a alínea a) do petitório: com efeito, e mesmo que, porventura, se considerasse ter resultado provado o custo de € 45,00 com a limpeza do logradouro devido ao corte da sebe (cfr. facto não provado 7), sempre os Demandados não seriam responsáveis pelo pagamento, aos Demandantes, de tal valor, pois foram estes que, em clara violação do disposto na lei (cfr. citado artigo 1349.º, n.º 1, do CC), impediram o jardineiro contratado pelos Demandados de aceder ao seu prédio com vista, não só ao corte da sebe, como à respectiva limpeza dos detritos por este causados, pelo que, nunca poderiam pretender ser ressarcidos, pelos Demandados, de tal custo, que só a eles (Demandantes) seria imputável.
Já no que se reporta ao pedido formulado sob a alínea b) do petitório, cumpre referir que, resultou provado que, i. até novembro de 2021, a sebe encontrava-se encostada ao muro dos Demandantes, bem como à estrutura metálica que o encima, ii. que esta estrutura, em resultado da plantação da sebe e pela pressão exercida pela mesma, apresenta vidros partidos e que iii. os vidros ficaram danificados em virtude da pressão sofrida pelo encostar da sebe aos mesmos (cfr. factos provados I, J e K). Mais se provou que a substituição dos vidros ascende ao valor de € 1.131,35 (cfr. facto provado T).
Em face do exposto, conclui-se que se encontram preenchidos todos os pressupostos supra mencionados e necessários para a existência de responsabilidade civil extracontratual por parte dos Demandados, para com os Demandantes, no que especificamente se reporta aos danos causados nos vidros, pois os vidros, que integram a estrutura metálica que, por sua vez, encima o muro dos Demandantes, partiram-se por causa da pressão que neles foi exercida, ao longo de anos, pela sebe, mantida, nessas mesmas condições (portanto, encostada aos vidros), por parte dos Demandados (pois a sebe apenas foi desencostada do muro, respectiva caixilharia e vidros em Novembro de 2021), pelo que, existe um comportamento humano dominável pela vontade (traduzido na manutenção da sebe encostada aos vidros, durante longo período de tempo), ilicitude (no caso, a violação do direito de propriedade dos Demandantes sobre os vidros), culpa (na modalidade de negligência, pois os Demandados podiam e deviam ter agido de outra forma, isto é, podiam e deviam ter equacionado que a pressão exercida pela sede, ao longo de anos, poderia danificar os vidros), danos (vidros partidos) e nexo de causalidade (não fosse o encostar da sebe, ao longo de anos, os vidros não se teriam partido).
Assim, e porque a reparação dos danos sofridos nos vidros ascende ao valor de € 1.131,35, vão os Demandados condenados no pagamento, aos Demandantes, do peticionado valor de € 1.047,82 (cfr. artigo 609.º, n.º 1, do CPC).
Relativamente ao pedido formulado sob a alínea c) do petitório, já vimos que a sebe se encontra plantada em local legalmente permitido (no logradouro do prédio dos Demandados, visando tapar/vedar o seu prédio, e junto à linha divisória dos prédios), pelo que a plantação da sebe é legal.
Acresce que, e sem prejuízo dos danos que o encostar da sebe causou nos vidros dos Demandantes – que resultaram provados –, resultou igualmente provado que, em 18.11.2021, a sebe encontrava-se a uma distância de cerca de 30 centímetros do muro dos Demandantes (cfr. facto provado L).
Assim, a sebe já não se encontra a exercer qualquer pressão sobre os vidros que encimam o muro dos Demandantes, pelo que, tendo sido esta mesma pressão a causadora dos danos nos vidros, estando a sebe afastada, como está, cerca de 30cm, dos vidros, nada impõe a sua retirada ou, sequer, afastamento.
Destarte, o pedido formulado sob a alínea c) terá que improceder.
Quanto aos pedidos formulados sob as alíneas d) e e), atento o que já se deixou exposto supra, concretamente, no que se reporta à inexistência de qualquer abuso de direito, por parte dos Demandados, quanto à altura da sebe, o pedido formulado sob a alínea d) terá que improceder e, por conseguinte, e porque dele dependente, também o pedido formulado sob a alínea e).
Há, ainda, que conhecer do pedido de condenação dos Demandantes como litigantes de má-fé, que os Demandados formularam, em sede de contestação.
Dispõe o artigo 542.º, n.º 1, do CPC que, tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir; já nos termos do n.º 2, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver, designadamente, deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa ou feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Ora, a presente acção é parcialmente procedente, pelo que cremos que tal é quanto basta para que o pedido de condenação, dos Demandantes, como litigantes de má-fé seja julgado improcedente.
Por último, quanto ao pedido de condenação dos Demandantes no pagamento do valor de € 16,00, a título de despesas administrativas, formulado pelos Demandados na contestação, cumpre referir que os Demandados não alegaram qualquer factualidade atinente a tal pedido, sendo ainda certo que nos processos que correm termos nos Julgados de Paz, não se admite a reconvenção, exceto quando o demandado se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida (cfr. artigo 48.º, n.º 1, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho), pelo que o pedido formulado pelos Demandados terá que improceder.
*
DECISÃO
Em face do exposto e das disposições legais aplicáveis, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condeno os Demandados a pagar, aos Demandantes, o valor de € 1.047,82 (mil e quarenta e sete euros e oitenta e dois cêntimos), a título de danos patrimoniais;
b) Absolvo os Demandados do demais contra eles peticionado;
c) Absolvo os Demandantes do pedido de condenação como litigantes de má-fé contra eles formulado, e,
d) Absolvo os Demandantes do pedido de condenação no pagamento do valor de € 16,00 a título de despesas administrativas contra eles formulado.
Custas a cargo dos Demandantes e dos Demandados, na proporção de 80% e de 20%, respetivamente.
Registe e envie cópia da presente sentença aos faltosos.

Santa Maria da Feira, 10 de maio de 2024


A Juíza de Paz,

(Marta M. G. Mesquita Guimarães)


Processado por computador
(Artigo 18.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho).
Revisto pela signatária.
Julgado de Paz de Santa Maria da Feira

(1) - À semelhança dos demais artigos do CPC que sejam mencionados.
(2) - A qual é visível na fotografia junta como documento n.º 6 com a contestação, tendo ainda sido visualizada, in loco, aquando da inspecção judicial (cfr. fotografia que instrui o auto de inspecção e que consta de fls. 137).
(3) - Ao contrário do Sr. Perito nomeado pelo Tribunal Judicial que realizou a perícia – cfr. fls. 190 verso.
(4) - Em concreto, RUI PINTO DUARTE, inCurso de Direitos Reais”, principia, 3.ª Edição, págs. 80 e seguintes.
(5) - O disposto no n.º 2 do citado artigo 1633.º do CC não tem relevância para o caso, pois não foi alegada, por parte dos Demandantes (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC), qualquer factualidade que pudesse levar à aplicação do disposto em tal normativo, isto é, os Demandantes não alegaram factualidade subsumível a qualquer(quaisquer) eventual restrição(ões) constante(s) de leis especiais relativas à plantação ou sementeira de eucaliptos, acácias ou outras árvores igualmente nocivas, ou a quaisquer outras restrições impostas por motivos de interesse público.