Sentença de Julgado de Paz
Processo: 254/2022–JPFNC
Relator: CELINA ALVENO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL – ACIDENTE DE VIAÇÃO
Data da sentença: 11/29/2024
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Processo n.º 254/2022 – JPFNC

I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: [PES-1], NIF [NIF-1], residente na [...], n.º 35, porta 1, [Cód. Postal-1] Funchal.
Demandada: [ORG-1] S.A., NIPC [NIPC-1], com sede na [...], n.º 242, [Cód. Postal-2] [...].

II - RELATÓRIO
O Demandante instaurou contra a Demandada a presente ação declarativa enquadrada na alínea h) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001 de 13 de julho, na sua atual redação (LJP), pedindo a condenação da Demandada a assumir a responsabilidade do seu segurado e, nessa senda, a mesma condenada no pagamento de uma indemnização na quantia de € 1.285,76, a título de danos patrimoniais, pelos danos causados na sua viatura e entretanto reparados; e a proceder ao pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais na quantia de € 230,96, pela privação de uso da viatura no período entre 20/06/2022 a 23/06/2022, acrescido de juros civis desde a citação e até efetivo e integral pagamento. Juntou: 13 documentos.
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A Demandada foi citada e contestou (fls. 20 e de fls. 22 a fls. 29) e não aceitou submeter o litígio à mediação.
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As partes e Ilustre Mandatária foram notificados da audiência de julgamento. Foram efetuadas várias tentativas de conciliação, com o esforço necessário e na medida adequada, para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do n.º 1 do art.º 26º da LJP, contudo a mesma não se revelou possível.
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Foram ouvidas as partes, nos termos do disposto no artigo 57.º da LJP, e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta das atas, tendo as partes exposto as suas posições perante os factos objeto do litígio, tendo sido ouvido testemunhas e conclusões e alegações finais pelo Demandante e Ilustre Mandatária da Demandada, respetivamente.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor. O processo é próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há exceções, nulidades ou questões prévias que cumpra conhecer.

III- VALOR DA AÇÃO
Fixa-se em € 1.516,72 (mil quinhentos e dezasseis euros e setenta e dois cêntimos), o valor da presente causa (artigos 296.º, 297.º n.º 2, 299.º, 300.º e 306.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 63.º da LJP).

IV- OBJETO DO LITÍGIO
Responsabilidade civil – acidente de viação A questão que se controverte, consiste em saber se a Demandada deve ser responsabilizada pelo pagamento da quantia exigida a título dos danos patrimoniais, decorrentes do acidente de viação descrito nos autos.

V- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Assim e com relevância para a decisão da causa, e de acordo com as declarações do Demandante, da Demandada, das testemunhas e da prova documental carreada para os autos, resultaram os seguintes:
FACTOS PROVADOS:
1. O Demandante é proprietário do automóvel ligeiro, de passageiros, Mercedes-Benz, modelo 250D, com a matrícula [ - - 1].
2. A Demandada celebrou com [PES-2] um contrato de seguro automóvel obrigatório, ficando para si transferida a responsabilidade extracontratual decorrente da circulação do veículo de marca [Marca-1] Clio, com a matrícula [ - - 2].
3. No dia 4 de abril de 2022, pelas 17 horas, na [...], ocorreu um acidente, em que foram intervenientes as duas supra referenciadas viaturas.
4. Ambos os veículos circulavam na [...], em sentidos opostos, pretendendo o condutor do veículo [ - - 1], seguir em frente na [...], enquanto o condutor do veículo [ - - 2], pretendia efetuar mudança de direção à esquerda na [...],
5. quando ao descreverem tais sentidos de trânsito, no cruzamento da [...] com a [...], ao passarem ambos os veículos pelo semáforo de cor verde, em sentidos opostos, o veículo [ - - 1] embateu com a lateral esquerda na frente dianteira esquerda do veículo [ - - 2].
6. A reparação dos danos na viatura do Demandante, conforme relatório de peritagem tem o valor de € 1.053,90 (sem IVA) - € 1.285,77 (com IVA).
7. A Demandada comunicou assumir responsabilidade 50/50.
8. A paralisação diária da viatura tem um valor de € 57,74.
9. A viatura esteve quatro dias paralisada para efeitos de reparação.
10. O Demandante pagou € 1.285,76 pela reparação da sua viatura. Consideram-se reproduzidos os documentos de fls. 4 a fls. 16 e de fls. 27 a fls. 29.
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Motivação da matéria fática:
O Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência, tendo considerado os elementos documentais juntos pelo Demandante e pela Demandada, que aqui se dão por reproduzidos e integrados, conjugados com as declarações das testemunhas, inquiridas em sede de audiência de julgamento. Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, do CPC, aplicável ex vi, art.º 63.º, da LJP, consideram-se admitidos por acordo os factos constantes nos números 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7. Durante a audiência procedeu-se à audição de testemunhas: [PES-3] e [PES-4] que não assistiram ao acidente, tendo apenas confirmado que este ocorreu porque ambos viram os carros imobilizados após o acidente, pelo que nenhuma das testemunhas foi capaz de descrever a dinâmica do acidente nem se houve uma contravenção rodoviária por parte de um dos condutores intervenientes no sinistro.
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Considerou o Tribunal o teor dos documentos de fls. 4 a fls. 8, para prova do facto 1; de fls. 9 a fls. 10 e de fls. 27, para prova do facto 2, 3, 4 e 5; de fls. 11 e de fls. 13 a fls. 15, para prova do facto 7; de fls. 12 e de fls. 27 (verso) a fls. 29, para prova do facto 6 e 10; e, de fls. 16, para prova do facto 8.
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Em suma, a fixação da matéria dada como provada resultou dos factos admitidos e do teor dos supra referenciados documentos juntos aos autos, o que devidamente conjugado com regras de experiência comum e critérios de razoabilidade, alicerçou a convicção do Tribunal.
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FACTOS NÃO PROVADOS:
1 – Houve uma contravenção rodoviária por parte de um dos condutores intervenientes no sinistro.
2 - O acidente em causa nos autos se ficou a dever a culpa exclusiva do condutor do veículo com a matrícula [ - - 2], veículo este seguro na Demandada. Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou a insuficiência de prova nesse sentido. Os factos não provados resultam, portanto da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos. Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito.
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VI – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A questão a resolver é daquelas que, se houvesse maior espírito de compreensão e tolerância, teria sido resolvida pela via conciliatória. Aliás, dúvidas não temos que a mediação e/ou conciliação teria sido o meio ideal, útil, e único de, no caso em apreço, se conseguir conciliar as partes e, inclusivamente, solucionar o litígio. Contudo, uma vez que as partes não perfilharam esse caminho há que apreciá-la sob o prisma da legalidade. Debruçando-nos, assim, nesse prisma, sobre o caso em juízo, com base na matéria de facto provada, cumpre apreciar os factos e aplicar o direito.
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Visa o Demandante, com a presente ação, a condenação da Demandada a assumir a responsabilidade do seu segurado e, nessa senda, a mesma condenada no pagamento de uma indemnização na quantia de € 1.285,76, a título de danos patrimoniais, pelos danos causados na sua viatura e entretanto reparados; e a proceder ao pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais na quantia de € 230,96, pela privação de uso da viatura no período entre 20/06/2022 a 23/06/2022, acrescido de juros civis desde a citação e até efetivo e integral pagamento, por entender que o acidente em causa nos autos se ficou a dever a culpa exclusiva do condutor do veículo com a matrícula [ - - 2], veículo este seguro na Demandada.
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Da Responsabilidade dos intervenientes no acidente:
Em termos de sinistralidade rodoviária o princípio geral que rege a matéria da responsabilidade civil é o consignado no artigo 483.° do Código Civil, segundo o qual “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”, incumbindo ao lesado provar a culpa do autor da lesão, de acordo com o disposto no artigo 487.º, nº 1, do Código Civil. Constituem pressupostos do dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos: a existência de um facto voluntário do agente e não de um facto natural causador de danos; a ilicitude desse facto; a existência de um nexo de imputação do facto ao lesante; que da violação do direito subjetivo ou da lei resulte um dano; que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima de forma a poder concluir-se que este resulta daquela, conforme artigo 487.º, n.º 2 do Código Civil. Exige-se por que haja um comportamento humano positivo (ação) ou negativo (omissão) voluntário, controlado pela vontade, do qual depende a averiguação da ilicitude e da culpa. Atentas as declarações de ambos os condutores, que alegam ter passado o cruzamento com o sinal verde, inexistindo auto policial ou testemunhas presenciais do sinistro que permitam aferir com rigor qual das versões corresponde à verdade dos factos, ou se existiu alguma irregularidade com a sinalização luminosa à data do sinistro, ou indícios de contravenção rodoviária por parte de qualquer um dos condutores intervenientes no acidente (o que nem sequer foi invocado), aplica-se o artigo 506.º, do Código Civil, nos termos do qual “
1. Se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos; se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a indemnizar.
2. Em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores.” Do exposto considero igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores, fixando-se no caso concreto igual proporção, ou seja 50% para cada condutor, nos temos do artigo 570.º do Código Civil.
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Assim, quanto ao pedido de indemnização por danos patrimoniais, provou-se que o Demandante suportou na íntegra o custo da reparação do seu veículo, conforme o atesta a fatura-recibo de fls. 12 dos autos.
O valor que suportou corresponde precisamente ao que fora atribuído na peritagem. Tendo em consideração que se considerou que a responsabilidade pela produção do sinistro é da responsabilidade de ambos os condutores, a Demandada apenas deve satisfazer metade do valor pago pelo Demandante, ou seja, a quantia de € 642,88 (seiscentos e quarenta e dois euros e oitenta e oito cêntimos).
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Quanto à privação do uso pela imobilização do veículo sinistrado: Quanto ao pedido de privação pelo uso do veículo, tem vindo a ser considerado pela doutrina nacional que não basta o proprietário do veículo lesado, alegar que o mesmo esteve paralisado durante algum tempo para que lhe seja atribuída uma determinada quantia em função do tempo em que não circulou. A fruição do veículo e sua privação constituiu uma restrição ao direito de propriedade e por si só, o uso constitui uma vantagem patrimonial suscetível de avaliação pecuniária, dano que deve ser indemnizado como contrapartida da perda da capacidade de utilização normal durante o período de privação. Nos presentes autos, e tendo em conta as circunstâncias, a obrigação de indemnizar pressupõe a existência de um dano real, concreto, efetivo – artigos 563.º e 564.º, n.º 2, do Código Civil - pelo que não basta demonstrar-se a simples privação, é necessário, ainda, que o lesado alegue e prove que a privação da coisa lhe acarretou prejuízo, ou seja, que seria por ele utilizada durante o período da privação (cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 3/5/2011, processo n.º 2618/08.06TBOVR.P1, in www.dgsi.pt/jstj).
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No caso concreto foi apurado que devido ao facto do veículo do Demandante ser um táxi, devido aos danos que sofreu esteve parado 4 dias. Mais se apurou que existe em vigor um protocolo quanto à paralisação entre a [ORG-2] e a [ORG-3], conforme consta da fls. 16 dos autos. Assim, apurou-se que o veículo do Demandante possui diariamente um turno, sendo o valor diário a pagar correspondente a € 57,74, conforme consta na fls. 16 dos autos. Pelos 4 dias, o valor corresponde da paralisação importa a quantia de € 230,96, contudo uma vez que foi entendido que a responsabilidade pelo sinistro se deveu a ambos os condutores na proporção de 50%, a Demandada apenas deverá suportar metade deste valor, ou seja, a quantia de € 115,48 (cento e quinze euros e quarenta e oito cêntimos).

VII - DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada, e em consequência, condeno a Demandada a pagar ao Demandante a quantia global de € 758,36 (setecentos e cinquenta e oito euros e trinta e seis cêntimos), ao que acrescerá os juros de mora, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.

VIII – RESPONSABILIDADE POR CUSTAS
As custas serão suportadas pelo Demandante e pela Demandada, em partes iguais (Artigos 527.º, 607.º, n.º 6 do Código de Processo Civil - aplicáveis ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001, de 13 de julho, na sua atual redação - e artigo 2.º da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro), devendo o Demandante efetuar o pagamento de € 35,00 (trinta e cinco euros) e a Demandada efetuar o pagamento de € 35,00 (trinta e cinco euros) num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, incorrendo cada uma das partes numa sobretaxa de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação, até um máximo de € 140,00 (cfr. Portaria 342/2019, de 1 de outubro).
O prazo legal para proceder ao pagamento das custas é o mencionado na presente decisão, isto é, três dias úteis, pelo que, o prazo que vai indicado no Documento Único de Cobrança (DUC) é um prazo de validade desse documento, que permite o pagamento das custas fora do prazo legal. Assim, o facto de o pagamento ser efetuado com atraso não isenta o responsável do pagamento da sobretaxa, nos termos aplicáveis. Transitada em julgado a presente decisão sem que se mostre efetuado o pagamento das custas, emita-se a respetiva certidão para efeitos de execução por falta de pagamento de custas, e remeta-se aos Serviços da Autoridade Tributária, pelo valor das custas em dívida, acrescidas da respetiva sobretaxa, com o limite máximo previsto no art.º 3.º da citada Portaria.

Registe e notifique e após trânsito em julgado, arquive.

Funchal, 29 de novembro de 2024.

A Juíza de Paz
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Celina Alveno