Sentença de Julgado de Paz
Processo: 116/2023-JPTRF
Relator: PERPÉTUA PEREIRA
Descritores: DESCARGA ELETRICA - INDEMNIZAÇÃO
Data da sentença: 05/20/2024
Julgado de Paz de : TROFA
Decisão Texto Integral: ATA DE LEITURA DE SENTENÇA

Aos 20 de Maio de 2024, pelas 16:30 horas, realizou-se no Julgado de Paz da Trofa, a continuação da audiência de julgamento do processo n.º 116/2023-JPTRF em que são partes: --
Demandante: [PES-1]. ---
Demandada: [ORG-1], S.A.--- Mandatário: Dr. [PES-2], advogado, com substabelecimento junto a fls. 320.---
Técnica de Atendimento: Dr.ª Marlene Sobral. ---
Juíza de Paz: Dra. Perpétua Pereira. ---

Reaberta a audiência de julgamento e não se encontrando presente ninguém, pela Senhora Juíza de Paz foi depositada na secretaria a seguinte:

SENTENÇA

I- Identificação das Partes Demandante:
[PES-1], NIF [NIF-1], residente na [...], n.º 417, [Cód. Postal-1] [...], [...].
Demandada: [ORG-2], S.A., NIPC [NIPC-1], com sede na [...], n.º 43, [Cód. Postal-2] [...].

II- Objecto do Litígio
A Demandante veio intentar contra a Demandada a presente acção declarativa, enquadrada na alínea h) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, pedindo a condenação desta nos termos constantes de fls. 5 e 6. Alegou, para tanto e em síntese que, no dia 01/01/2023, verificou-se uma descarga elétrica que avançou para dentro da sua moradia e que provocou o rebentamento das caixas isolantes do quadro elétrico; esta descarga elétrica provocou vários danos, melhor descritos no requerimento inicial; a Demandante reclamou tais prejuízos à Demandada, que não assumiu a responsabilidade pelo seu pagamento; por outro lado, a Demandada realizou vários agendamentos para intervenção no contador, não tendo nenhum técnico da Demandada comparecido em várias datas agendadas, o que deve ser indemnizado; por fim, alega ter recebido uma fatura com valor que reputa excessivo, o que requer seja retirado; por todos os incómodos sofridos, além de danos patrimoniais, peticiona o pagamento de danos morais. Juntou documentos. A Demandada foi regularmente citada e apresentou contestação que está junta a fls. 52 e seguintes, com junção de documentos. Nesta peça, alega, em suma, que se verificou uma primeira incidência na data e hora indicadas pela Demandante no seu requerimento inicial, contudo, tal ocorrência consistiu num corte geral e respectivo rearme do Posto de Transformação do qual deriva o abastecimento de energia elétrica em baixa tensão à habitação da Demandante; relativamente a uma segunda incidência, a Demandada enviou ao local uma equipa técnica, tendo estes constatado uma avaria no equipamento de contagem da Demandante, causada por evento externo à instalação da mesma e que teve como efeito a interrupção de energia elétrica; conclui que estes dois eventos, não são suscetíveis de gerar danos em equipamentos elétricos; quanto às alegadas visitas, afirma já ter indemnizado, em parte, a Demandante; conclui pela improcedência da acção por não provada e absolvição do pedido. *** O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há exceções, nulidades ou quaisquer questões prévias que cumpra conhecer. Fixo o valor da acção no montante de €1.528,87 (mil, quinhentos e vinte e oito euros e oitenta e sete cêntimos).

III- Fundamentação Fática
De acordo com a prova carreada para os autos e com relevância para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos: a) No dia 01/01/2023, cerca das 01:00 horas, a Demandante deparou-se com uma descarga elétrica que avançou para dentro da estrutura férrea da sua moradia, não tendo sido eficaz o sistema de segurança que deveria garantir o corte da alimentação de toda a casa; b) Esta descarga elétrica provocou o rebentamento das caixas isolantes do quadro elétrico, deixando expostos os fios e demais conexões; c) A mesma descarga elétrica provocou a quebra de quase a totalidade dos focos da moradia, nomeadamente nos quartos, sala, WC e cozinha, deixando a Demandante sem iluminação na sua habitação; provocou também o rebentamento de lâmpadas da garagem, com projeção de vidros, rebentamento de cimento na parede da cozinha, uma mancha escura de explosão junto à estrutura férrea, avaria em vídeo porteiro e na máquina de secar roupa; d) No mesmo dia, a Demandante chamou o piquete da EDP, tendo este referido que o contador não tinha sido bem montado, afirmando que faltava o fio terra, motivo pelo qual a descarga elétrica entrou na estrutura férrea da casa e provocou os danos já mencionados; e) Como solução temporária e para a Demandante poder ter energia elétrica na sua moradia, foi feita uma ligação direta, todavia mantendo fios expostos; f) Em 03/01/2023, a Demandante participou prejuízos à Demandada; g) A 23/01/2023, a Demandante obteve como resposta da Demandada a informação de que “não pode assumir a responsabilidade pelos danos” e que, apesar de considerar a avaria no disjuntor controlador de potência, “este tipo de avaria não é suscetível de causar danos em equipamentos elétricos, uma vez que os mesmos devem ser construídos para suportar essas situações”; h) Não tendo sido feita a reparação definitiva do contador, foi agendada uma primeira intervenção por parte de técnicos a mando da Demandada, para o dia 16/01/2023, conforme confirmado pela Demandada, i) Afirmando, posteriormente, a mesma, que foi feita a deslocação à instalação em apreço, no dia e período previamente acordados, mas que o serviço não foi efetuado por não lhes ter sido dado acesso à instalação. j) O marido da Demandante tem como local de trabalho a moradia supramencionada, que é também residência de ambos, tendo a Demandante faltado ao trabalho para se encontrar no local, no dia e período horário acordado entre as partes, e nenhuma deslocação de técnicos foi feita ao local da instalação. k) Após contacto por parte da Demandante, a Demandada volta a reagendar visita para o dia 30/01/2023, posteriormente para o dia 03/02/2023 e, datas que se sucederam, nomeadamente 23/03/2023, 17/04/2023, 25/05/2023 e 30/06/2023; l) A Demandante sempre cooperou com a Demandada no sentido de acederem à moradia; os sucessivos reagendamentos acarretaram prejuízos vários à Demandante, nomeadamente deslocações do trabalho a casa, faltas ao trabalho, bem como, gerando stress e ansiedade com todo o adiamento desta situação. m) Na ausência de solução, a Demandante deu entrada de reclamação no Livro de Reclamações da Demandada, a 13/04/2023, registada com o n.º ROR00000000044768201 e também na [ORG-3], n) Tendo obtido resposta da Demandada no dia 22/05/2023 em que confirma que em nada se alteraram os elementos de análise e conclusão, mantendo-se alheios à responsabilidade pelos danos causados. o) Posteriormente, e com data de emissão do documento a 26/04/2023, a Demandante recebeu uma Fatura no valor de €233,98 relativa a acerto de consumos. p) A Demandada dispõe de contrato com a EDP com “Mensalidade Conta Certa”; q) No dia 09/05/2023, a Demandada informou a Demandante que, “embora o contador funcione corretamente, tem existido dificuldades na comunicação remota de leituras”. r) A Demandante mandou reparar os equipamentos danificados, com exceção da máquina de secar, tendo suportado um custo de 644,89€, conforme Fatura FT FA.2023/72, emitida a 07/07/2023 e recibo, emitido a 25/07/2023; s) No dia 13/07/2023, a Demandada deslocou técnicos ao local, realizando uma reparação parcial no contador, ou seja, ainda não ficando totalmente reparado, tendo sido necessária uma nova data para reparação total, agendando-se o dia 03/08/2023, isto, 8 meses após a incidência que causara danos na moradia. t) A Demandante foi informada pela Demandada que compensaria a Demandante no montante de €20,00 por cada agendamento que fez e não compareceu, tendo sido até à data apenas ressarcido de €40,00 quando os reagendamentos se verificaram nos seguintes dias: 16/01/2023, 30/01/2023, 03/02/2023, 23/03/2023, 17/04/2023, 25/05/2023 e 30/06/2023. Resultou ainda provado que: u) Por força de um contrato celebrado entre a Demandante e o comercializador em mercado livre EDP Comercial, a Demandada abastece de energia elétrica a instalação da Demandante. v) Tal instalação corresponde ao local de consumo n.º 1549085, sito na morada da Demandante. w) A rede que alimenta a instalação da Demandante encontrava-se em boas condições de exploração, dentro do seu tempo de vida útil e instalada de acordo com as regras técnicas de segurança legalmente previstas, x) Tendo sido alvo de várias manutenções preventivas, encontrando-se em bom estado de conservação. y) No dia 01/01/2023 foi registado, na rede elétrica que abastece a instalação da Demandante, duas ocorrências na rede de baixa tensão; z) A primeira ocorrência, nomeadamente o incidente n.º 10040839, foi comunicado pelas 10:21 horas, por um consumidor que não a Demandante; aa) Os técnicos no local, verificaram que esta ocorrência se devia a um fusível fundido; bb) Tal ocorrência consistiu num corte geral e respectivo rearme do Posto de Transformação, do qual deriva o abastecimento de energia elétrica de baixa tensão à instalação da Demandante; cc) Esta ocorrência foi resolvida pelo piquete técnico da Demandada; dd) A segunda ocorrência, foi comunicada (pela Demandada) pelas 12:51 horas; ee) A Demandada enviou ao local uma equipa técnica; ff) Tal ocorrência consistiu numa avaria no equipamento de contagem (DCP e contador), tendo sido causada por um evento externo à instalação da Demandante e ao próprio equipamento de contagem e gg) Causou a interrupção de fornecimento de energia à instalação da Demandante, o que os técnicos provisoriamente resolveram. Não resultou provado que: - O incidente n.º 10040839 teve como efeito única e exclusivamente a interrupção de energia à instalação da Demandante, bem como de todas as outras abastecidas pelo mesmo PT; - Com a resolução deste incidente, ficou a instalação da Demandante com o fornecimento reposto; - As ocorrências verificadas apenas se traduziram numa interrupção de fornecimento de energia elétrica, em tudo semelhante ao que sucede quando cada um de nós liga e desliga um interruptor e, - Jamais são suscetíveis de gerar danos em equipamentos elétricos. - A 16/01/2023, técnicos a mando da Demandada não realizaram a visita porque não foi possível o acesso à habitação. - Aquando da ligação provisória no dia 01/01/2023, a instalação da Demandante ficou sem as mínimas condições de segurança. Motivação fáctica: O Tribunal formou a sua convicção na apreciação crítica e articulada da prova produzida em sede de julgamento, nomeadamente, as declarações da Demandante, dos documentos juntos e dos depoimentos das testemunhas arroladas, em função das razões de ciência, das certezas e incertezas decorrentes dos depoimentos, da incompatibilidade lógica entre factos alegados e provados, à luz das regras da experiência e do mais elementar senso comum. Foram considerados os documentos juntos pela Demandante a fls. 7 a 43 e 333; pela Demandada a fls. 67 a 82, 86 a 194, 196 a 293, 296 a 310, 334 a 337. Em declarações, a Demandante esclareceu o tribunal que a sua habitação foi restaurada no ano de 2019 e foi colocado um contador novo em 2017; que no dia 01/01/2023 verificou-se mau tempo e trovoada, toda a rua ficou sem iluminação pública; refere que aquando da instalação do contador trifásico, o mesmo não ficou compatível com o disjuntor que tinha na habitação, que era monofásico; declarou que na referida data, em virtude de descarga elétrica, ouviu-se um estrondo muito grande e o disjuntor queimou; viu o piquete na rua, na manhã do dia 1 e chamou pelos técnicos; declarou que os mesmos lhe transmitiram que houve uma descarga elétrica no Posto, eventualmente por queda de raio; mais tarde, estiveram a fazer uma intervenção na habitação da Demandante para que a mesma não ficasse sem luz, fizeram uma ligação direta sem passar pelo contador; mais referiram à Demandante que, como o disjuntor queimou, não houve descarga para o fio terra, embora tivesse fio terra, não foi absorvida pelo mesmo; quanto aos equipamentos, já efetuou a reparação de tudo, com excepção da máquina de secar, cujo custo de reparação ascende a €50,00; esteve dois meses sem Efectuar qualquer reparação, à espera que a Demandada mandasse lá um perito, o que nunca aconteceu, porque não assumiram culpa; chamou lá eletricistas particulares que sempre a informaram que a culpa do sinistro foi da Demandada; que desde 2017, o contador novo ia muitas vezes “abaixo”; o último piquete que foi à habitação, colocou um contador monofásico. Pela Demandante foi ainda referido que não corresponde à verdade o que está escrito no campo “Observações” nos docs 6 e 7, uma vez que não foi isso que reportou na chamada que efetuou; acrescentou que o disjuntor que está ligado aos painéis solares não queimou. Relativamente aos depoimentos testemunhais: - [PES-5], é responsável da área de manutenção da Demandada na Trofa; analisou os dois incidentes registados no dia 01/01/2023 no local em apreço; relativamente a essas incidências, constata que uma senhora esteve sem luz e ainda outros vizinhos; declarou saber que os técnicos (de piquete) se deslocaram ao local e substituíram um fusível numa caixa de derivação no Posto; confrontado com o doc. de fls. 69 (doc. 4 junto com a contestação) referiu ser este o incidente em causa e que os técnicos chegaram lá às 11:58 horas (conforme Doc. 5, com o qual foi confrontado); que o Poste em que o fusível foi substituído também abastecia a casa da Demandante; declarou que os colegas lhe transmitiram que a Demandante já tinha danos antes dos técnicos terem substituído o fusível; referiu que os mesmos técnicos também lhe disseram que informaram a Demandante para participar a avaria, uma vez que só tinham ido para a reparação no Poste; a Demandante ligou para os serviços pelas 12:51 horas, a que foi atribuído o incidente n.º 10041123; confrontado com o doc. 6, referiu que o que consta nas observações é escrito pelo call center; refere que depois o piquete foi ao local, conforme refere o doc. 7, com o qual foi confrontado; explicou que o DCP é o equipamento que controla a potência, é tipo um disjuntor e quando a potência é ultrapassada, desliga a instalação; disse que EB se refere ao contador digital; confrontado com o documento de fls. 72, referiu que onde se fala em “defeito de isolamento” refere-se aos equipamentos que avariaram; relativamente à causa da avaria, na sua opinião é a que a cliente reclamou no processo, mas já haveria um problema na sua habitação; ou seja, no seu entendimento, a avaria aconteceu de dentro para fora na habitação da Demandante, para o DCP e BE, que já são equipamentos da Demandada; a ideia que tem do episódio é que ninguém foi afetado pela trovoada, mas sim por avaria vinda da casa da Demandante; explicou que um fusível funde por carga ou curto circuito; o piquete foi a casa da Demandante e fizeram uma ligação direta para posteriormente tratarem da substituição dos equipamentos; sabe ainda que houve substituição de materiais e tudo o que relatou sabe-o administrativamente, ou seja, não tratou diretamente de nenhum assunto; confrontado com o doc. 2 junto com a contestação, confirmou que foram feitas as manutenções aí indicadas; não sabe de quaisquer danos dentro da habitação da Demandante; referiu ainda que são feitas vistorias à rede pela empresa [ORG-4] (prestador de serviços). - [PES-6], referiu trabalhar na empresa [ORG-5], Lda. desde 2021; recorda-se que foi a uma intervenção no dia 01/01/2023 com o colega [PES-7] porque faltava um fusível num quadro elevado num Posto; relatou que quando lá se encontravam, veio uma senhora reclamar que tinha tudo queimado em casa; nessa sequência, acompanhado do referido colega, foram a casa da Demandante e viram o quadro queimado; referiu que o disjuntor tinha dado um estouro e, no sentido de ser tratado tal assunto, informaram a cliente para reportar a avaria; por referência ao documento 5 junto com a contestação, declarou que o mesmo se refere à reparação ao Poste e que o Doc. 6 é que é da situação da Demandante; assim, referiu, no mesmo dia, foram ao local por duas vezes; disse que o que está escrito nas “Observações” é o piquete que reporta; na segunda ida viu o DCP e o contador na habitação da Demandante, queimados; depois tentam deixar a cliente com luz, o que aconteceu; na sua ideia houve uma trovoada nesse dia e, sendo, assim, o disjuntor dispara; na sua opinião, uma trovoada pode queimar equipamentos dentro das habitações; nada queimou após a intervenção no Posto, porque a Demandante veio reclamar com eles antes dessa intervenção; a instalação da Demandante é trifásica e, assim, pode arder o disjuntor se entrar corrente no neutro e só nesta hipótese é que se podem verificar os danos; nessa data, viu vidros no chão da garagem da Demandante e a mancha escura no disjuntor. Quanto aos factos não provados, resultaram da ausência de prova sobre os mesmos ou estão em contradição com factos dados como assentes.

IV- O Direito
Peticiona a Demandante que a Demandada - abastecedora de energia elétrica - seja condenada a pagar os valores que reputa como necessários para cabal reparação de danos provocados por causa elétrica e que discrimina no seu requerimento inicial, designadamente os referidos na fatura junta aos autos a fls. 33; peticiona ainda uma compensação pelo facto da Demandada ter agendado visitas para efetuar reparações e nenhum técnico ter comparecido (às várias visitas agendadas), o que lhe acarretou deslocações e faltas ao trabalho e ainda a devolução do valor de uma fatura, que reputa ter sido indevidamente cobrada. Conforme resultou provado, a Demandada exerce, em regime de concessão de serviço público, a atividade de distribuição de energia elétrica em alta e média tensão, sendo ainda concessionária da rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão à instalação da Demandante. No âmbito dessa sua actividade, a Demandada abastece de energia elétrica a instalação da Demandante, por força de um contrato celebrado com um terceiro comercializador, correspondendo tal instalação ao local de consumo n.º 1549085, sito na morada supra indicada. Logo, não existindo relação contratual entre as partes, entendemos que estamos no domínio da responsabilidade civil extracontratual. No domínio da responsabilidade civil extracontratual por actos ilícitos, a regra é de que a obrigação de indemnizar só existe, para além dos restantes pressupostos, quando há culpa do agente, tendo carácter excecional os casos em que dela se prescinde, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 483º do Código Civil (CC). São pressupostos deste tipo de responsabilidade: a) a verificação do facto; b) a ilicitude; c) a culpa; d) a existência de danos; e) o nexo de causalidade entre o facto ocorrido e os danos verificados. O facto terá de ser necessariamente aquele que é dominável e controlável pela vontade humana, a ilicitude traduz a reprovação da conduta do agente refletida na violação do direito de outrem ou de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios. De acordo com o art.º 487º do CC, a culpa é apreciada face às circunstâncias concretas de cada caso pela “diligência de um bom pai de família” (critério de diligência abstrata), ou seja, de acordo com a capacidade e diligência do homem médio colocado na mesma situação do agente. Os danos correspondem ao prejuízo que decorre para quem suporta a actuação ilícita e culposa, ligados pelas regras normais da causalidade. Salvo havendo presunção legal de culpa, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, art.º 487 n.º 1. A culpa, definida como a censurabilidade da conduta do agente pela ordem jurídica, que, neste caso em concreto, se presume, ao abrigo do disposto no artigo 493º, n.º 2 do CC, onde se pode ler que: “quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”. O que qualifica uma actividade como perigosa será a sua especial aptidão para causar danos, seja pela sua própria natureza, seja pela natureza dos meios utilizados, sendo pacífico, na jurisprudência, que a actividade de exploração de redes de energia elétrica se integra nesta previsão. Daqui resulta que a Demandante não necessita provar a culpa da Demandada, que se presume, incumbindo a esta provar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias, com vista a prevenir os danos. Dos factos provados resultou que houve interrupção do fornecimento de energia elétrica à habitação da Demandante, o que violou o seu direito ao fornecimento, conforme contratado com terceiro. A Demandada provou que, quer a rede de baixa tensão (BT), quer a rede de média tensão (MT), à data dos factos, se encontravam dentro do seu tempo de vida útil e é verificada e mantida periodicamente. As linhas elétricas aéreas encontram-se sujeitas a fatores externos como fenómenos meteorológicos e, de acordo com a prova produzida, convenceu-se o tribunal que um evento externo, concretamente uma trovoada (acompanhada de mau tempo), provocou não só uma incidência no Poste, mas também uma carga excessiva no fornecimento à instalação da Demandante, o que causou o “tal” estouro” por esta relatado e teve como consequências a ineficácia do disjuntor e o rebentamento das caixas isolantes do quadro elétrico (equipamentos da Demandada), o que provocou danos dentro de equipamentos e eletrodomésticos na habitação, possivelmente por entrada de corrente no neutro. Foi declarado pela testemunha [PES-6] que a instalação da Demandante é trifásica e, assim, pode arder o disjuntor se entrar corrente no neutro e só nesta hipótese é que se podem verificar os danos, o que nos parece ter sido o caso; a mesma testemunha viu vidros no chão da garagem advindos do rebentamento das lâmpadas e ainda a mancha escura no disjuntor. Entendemos, assim, que não resultou ilidida a presunção de culpa da Demandada, muito menos que a incidência no Poste tenha sido causada por evento advindo da habitação da Demandante. Apurou-se que no Poste havia um fusível fundido, o que deixou várias habitações sem abastecimento elétrico, o mesmo se passando com a habitação da Demandante que, além disso, também viu queimados/destruídos equipamentos da Demandada (DCP/contador) e danos no interior da sua habitação. Não foi, destarte, apurado que a Demandada empregou todas as diligências por forma a impedir a ocorrência da interrupção do fornecimento de energia elétrica, danos nos seus equipamentos e danos em bens da Demandante, ou seja, considera-se haver culpa. Considera-se também haver nexo de causalidade entre tais factos e os danos sofridos nos equipamentos da Demandante, designadamente os elencados no artigo 3.º do requerimento inicial e que esta, mandou reparar, com excepção da máquina de secar. Para a reparação dos equipamentos, a Demandante despendeu o valor de €644,89, que a Demandada vai, nos termos expostos, condenada a pagar e bem assim, o montante necessário à reparação da máquina de secar roupa, no valor de €50,00. Alegou também a Demandante que teve muitos incómodos, como faltas ao trabalho e deslocações do mesmo para a sua habitação, em virtude de vários agendamentos realizados por técnicos a mando da Demandada e que não compareceram; ora, quanto a estes factos, também resultou provado que os serviços da Demandada agendaram várias visitas para a reparação do contador, às quais faltaram – designadamente nas datas indicadas no artigo 18.º do requerimento inicial. Destas, a Demandante apenas foi indemnizada pela Demandada quanto a duas datas, pelo que é devido também à mesma o pagamento de €100,00, nos termos peticionados e de acordo o enquadramento legal que a Demandada fez na sua contestação, do montante a indemnizar. Pelo que procede, também, nesta parte, o pedido. Peticiona também a Demandante que a Demandada seja condenada a pagar (devolver) o valor de uma fatura que, no seu entender, foi cobrada indevidamente. Ora, quanto a tais factos, que implicavam a prova de que, além de ter um contrato com mensalidade de conta certa, não era devido tal montante referente a acertos, a Demandante nada provou, pelo que não pode proceder o pedido nesta parte. Por fim, peticiona que a Demandada seja condenada no pagamento de danos morais, que alicerça nas várias deslocações do trabalho, à falta de iluminação, ao estado de perigo do contador, pretendendo ser indemnizada no valor de €500,00. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito - artº 496º, nº 1, do Código Civil. A Lei remete a fixação do montante indemnizatório por estes danos para juízos de equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso - artº 494° e 496º, nº 3, 1ª parte do Código Civil. Ora, quanto aos transtornos causados pelas desmarcações, a Demandante já está a ser indemnizada, como supra se descreveu; quanto aos demais danos, não provou que se revestissem de elevado grau de gravidade ou perigosidade que mereçam a atribuição de indemnização. Pelo que improcede, nesta parte, o pedido.

V- Dispositivo
Face ao que antecede, julgo parcialmente procedente a presente acção e, por consequência, condeno a Demandada a pagar à Demandante, nos termos expostos, a quantia de €794,89 (setecentos e noventa e quatro euros e oitenta e nove cêntimos), absolvendo-a do demais peticionado. Custas na proporção de 50% para cada uma das partes. As partes deverão pagar as custas de sua responsabilidade, num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, incorrendo numa sobretaxa de €10 (dez euros) por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação. Emita os correspondentes DUCs.
Registe. Arquive após trânsito.” A sentença foi depositada nesta data na secretaria. ------------
Para se constar se lavrou esta ata, que achada em conforme, vai ser assinada. ------------------
Trofa, 20 de maio de 2024.
A Juíza de Paz,
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Dr.ª Perpétua Pereira

A Técnica,
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Dra.ª Marlene Sobral