Sentença de Julgado de Paz
Processo: 160/2024-JPSTB
Relator: CARLOS FERREIRA
Descritores: PAGAMENTO DE PRESTAÇÕES RELATIVAS A DESPESAS E SERVIÇOS DE CONDOMÍNIO
Data da sentença: 06/23/2024
Julgado de Paz de : SETUBAL
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 160/2024-JPSTB
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Resumo da decisão:
- Condena a parte demandada a pagar à parte demandante a quantia de €347,72.
- A parte demandada tem custas a pagar na quantia de €70,00 no prazo de 3 dias úteis.
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Sentença
Parte Demandante: ---
Condomínio do prédio sito na [...], n.º 1, [Cód. Postal-1] [...], entidade equiparada a pessoa coletiva com o NIPC [NIPC-1], legalmente representado por [PES-1], e [PES-2], com domicílio na [...], n.º 1, 2.º D, e 1.º C (respetivamente), [Cód. Postal-1] [...]. ----
Mandatários: Dr.ª [PES-3], Advogada com escritório na [...], n.º 11, 3.º Esq., [Cód. Postal-2] [...], com substabelecimento no Dr. [PES-4], Advogado, na mesma morada.
Parte Demandada: ---
[PES-5], contribuinte fiscal número [NIF-1], com morada na [...], n.º 1, 2.º Dt. º C, [Cód. Postal-1] [...]. ---
Patrono: Dr. [PES-6], Advogado, com escritório na [...], n.º 148, 4.º B, [Cód. Postal-3] [...]. ---
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Matéria: Direitos e deveres de condóminos, al. c), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, doravante designada por Lei dos Julgados de Paz. ---
Objeto do litígio: Pagamento de prestações relativas a despesas e serviços de condomínio. ---
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Relatório: ---
O Demandante instaurou a presente ação, nos termos do requerimento inicial, que aqui se declara integralmente reproduzido, peticionando a condenação da parte Demandada na quantia global de €1.930,00, respeitante às quotas de condomínio vencidas e não pagas, acrescidas da penalização aprovada em assembleia de condóminos. ---
Juntou procuração forense e documentos. ---
Regularmente citada, a parte demandada obteve apoio judiciário com nomeação de Patrono, que não contestou a ação, fls. 124. ---
Relativamente à eventual isenção do pagamento de custas nada foi junto aos autos, apesar da Demandada ter sido devidamente notificada do despacho de fls. 113, que determinou a junção aos autos da decisão da Segurança Social sobre o pedido de proteção jurídica, nada tendo sido junto até à presente data, incumbindo o respetivo ónus à Demandada. ---
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Nos termos do art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 78/2001, de 13/07, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (Lei dos Julgados de Paz), a sentença inclui uma sucinta fundamentação. ---
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Fundamentação – Matéria de Facto: ---
Com interesse para a resolução da causa, ficou provado que: ---
1. Desde 30-01-1989, a parte Demandada tem registada em seu nome a aquisição da fração designada pela letra “X”, correspondente ao 2.º andar C, do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na [...], n.º 1, em [...], descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de [...], ficha n.º [Nº Identificador-1], da freguesia de [...] (S. Julião), cf. fls.47 a 53;-
2. Por deliberação constante na ata n.º 3/2024, da reunião da assembleia dos condóminos datada de 26-03-2024, a mensalidade da quota de condomínio imputável à referida fração, corresponde atualmente à quantia de €30,00, cf., fls. 9 a 46; ---
3. As quotas vencem mensalmente ao dia 8, idem; ---
4. Até à entrada da ação venceram-se quotas de condomínio não pagas, que totalizavam a quantia de €1.405,00 respeitante às mensalidades de maio de 2019, a março de 2023, e de outubro de 2023 a março de 2024, incluindo a quota extraordinária vencida em abril de 2024; -
5. Após a entrada da ação venceram-se as quotas ordinárias e extraordinárias, correspondentes a 7 mensalidades com o valor correspondente a €80,00, cada. ---
6. Na ata da assembleia dos condóminos acima mencionada foi deliberado aplicar uma pena pecuniária no montante de €525,00, aos condóminos com quotas em dívida; ---
7. Com a entrada da presente ação o Demandante aplicou à parte demandada uma pena pecuniária no montante de €525,00; ---
8. Na pendência da ação a parte Demandada efetuou vários pagamentos, de quantias destinadas a pagar as quotas peticionadas e valores designados como “Dívida Anterior Gestão”, fls. 174 a 179; ---
9. A Demandada tinha um acordo informal com o Demandante relativamente ao pagamento de valores globalmente designados nos documentos transmitidos entre as partes como “Dívida Anterior Gestão”; ---
10. O Demandante efetuou a alocação de verbas resultantes dos pagamentos efetuados pela Demandante à dívida exigida nos presentes autos e à designada “Dívida Anterior Gestão”. ---
11. Em 16-12-2024, o Demandante contabilizou o saldo em dívida da Demandada no montante de €427,72 (documento junto em audiência de julgamento); ---
12. No documento mencionado no número anterior a mensalidade respeitante à quota ordinária e extraordinária do mês de novembro de 2024, aparece incluída na constituição do referido saldo da dívida, no montante de €80,00; ----
13. No documento de fls. 179, o Demandante deu quitação da mensalidade respeitante às quotas de novembro de 2024, no montante de €80,00; ---
14. Até à presente data, a Demandada não efetuou o pagamento da quota de dezembro de 2024. ---
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Motivação da Matéria de Facto: ---
A fixação da matéria de facto dada como provada teve por base a audição da Demandada, os documentos juntos aos autos, nomeadamente, as atas da assembleia dos condóminos, nas quais constam a deliberação com a eleição do administrador, a aprovação do orçamento, mencionando a mensalidade do condomínio, e bem assim, a pena pecuniária respeitante ao incumprimento. ---
Foi ainda considerada a informação da conservatória do registo predial, na qual consta o registo da aquisição da fração identificada nos autos a favor da parte Demandada. ---
Relativamente ao montante dos pagamentos efetuados, a quantia apurada resulta dos documentos juntos por ambas as partes no decurso da audiência de julgamento, e das declarações das partes, designadamente, no que respeita à inclusão de verbas respeitantes à dívida acumulada designada por “Dívida Anterior Gestão”, constante nos documentos de quitação, que é compatível com as declarações da Demandada relativamente à falta de especificação das quotas que pretendia liquidar nos comprovativos de transferência que juntou.---
Assim, paralelamente aos valores reclamados na presente ação, é de admitir que, pelo menos uma parte substancial das transferências documentadas de fls. 184 a 190, se destinavam a liquidar outras quantias, incluindo quotas prescritas, não podendo o respetivo pagamento ser repetido, nos termos do disposto no art.º 304.º, n.º 2, do Código Civil.---
A forma como os pagamentos foram efetuados, sem qualquer indicação da Demandante relativamente às verbas que pretendia liquidar, a própria composição da dívida que incorpora valores globais antigos, a intermitência dos pagamentos, e a correspondente quitação avulsa de mensalidades, sem qualquer critério aparente, bem como, a informalidade dos compromissos assumidos pelas partes, em especial a falta de rigor do Demandante na emissão dos recibos, designadamente, no que respeita à designada “Dívida Anterior Gestão”, impedem a determinação rigorosa do valor da dívida, sendo certo que, a conduta das partes é igualmente concorrente para esse resultado indesejável.---
Porém, tendo sido dada oportunidade para as partes requerem o que entendessem pertinente, não se vislumbrou útil conceder prazo para diligências de maior rigor no apuramento do valor da dívida da Demandada, mas que a mesma confessa ter valores vencidos e não pagos. ---
Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor do requerimento inicial com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito. ---
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Fundamentação – Matéria de Direito: ---
A relação material controvertida circunscreve-se ao incumprimento da parte Demandada, da obrigação de pagamento da sua quota-parte de contribuição para as despesas geradas pelo condomínio, e quais as consequências que derivam de tal facto. ---
Vejamos se assiste razão ao Demandante: ---
A propriedade horizontal encontra-se regulada, designadamente, nos artigos 1414.º, e seguintes, do Código Civil. ---
Do regime legal da propriedade horizontal resulta que a posição de condómino confere direitos e obrigações, assentando na dicotomia existente entre o direito de usufruir das partes comuns do edifício e a obrigação de contribuir para as despesas comuns de manutenção, conservação e serviços de interesse comum, abreviadamente despesas comuns. ---
A liquidação das despesas comuns advém, necessariamente, das receitas cobradas para esse efeito. ---
Na categoria das receitas do condomínio avultam as quotas dos condóminos, ou seja, a sua quota-parte de contribuição para liquidação das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento dos serviços de interesse comum, enquadrando-se nessa categoria as quotas ordinárias e extraordinárias de condomínio, a pagar por cada condómino, em princípio, na proporção do valor das respetivas frações, relativamente ao capital investido no edifício (cf., art.º 1424.º, n.º 1, do Código Civil). ---
A obrigação de contribuir para as despesas comuns encontra-se estabelecida no art.º 1424.º, n.º 1, do Código Civil, o qual dispõe que, “Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das frações no momento das respetivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas frações”. ---
Temos assim que, a obrigação de contribuir para as despesas comuns de manutenção e conservação do edifício, na proporção da respetiva fração autónoma face ao capital investido no edifício, é uma obrigação que decorre expressamente da letra da lei, a qual assume natureza pecuniária, nos termos do citado art.º 1424.º, do Código Civil. Pelo que, o incumprimento da referida obrigação torna o devedor responsável pelos prejuízos que daí possam resultar para o condomínio, nos termos gerais das obrigações (cfr., art.º 798.º, do Código Civil). ---
O administrador do condomínio tem competências funcionais estabelecidas no art.º 1436.º, do Código Civil, cabendo-lhe a legitimidade material para agir em juízo no âmbito das suas competências (cf., art.º 1437.º, do Código Civil). ---
Uma das funções do administrador do condomínio consiste em cobrar as receitas e exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas, conforme resulta das alíneas d), e f), do n.º 1, do art.º 1436.º, do Código Civil. -
Aliás, resulta do disposto no n.º 4, do art.º 6.º, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro, que o administrador tem o dever de instaurar a ação de cobrança contra o condómino que não liquide atempadamente as quantias respeitantes à sua quota-parte de contribuição para as despesas comuns. ---
Quotas vencidas: ---
Conforme declarado no seu requerimento inicial, o Demandante prescindiu das quotas vencidas em abril de 2019, e anteriores, com base na respetiva prescrição, o que equivale à renúncia ao direito, que aqui se reconhece e declara, por ser admissível nos termos do disposto no art.º 809.º, do Código Civil, com efeitos para o futuro. ---
Ficou provado que, até à entrada da ação a parte demandada não pagou atempadamente as quotas que se venceram desde maio de 2019, totalizando o montante de €1.405,00. ---
Ora, o pagamento da contribuição para as despesas comuns constitui uma obrigação irrenunciável para os condóminos, no sentido em que, enquanto comproprietários das zonas comuns do edifício não se podem eximir do vínculo ou recusar-se ao cumprimento, total ou parcialmente. ---
Assim, é inequívoca a responsabilidade da parte Demandada relativamente à referida quantia, pelo que, a ação deverá proceder nesta parte do pedido. ---
Quotas vincendas: ---
O Demandante peticionou as quotas que se venceram no decurso da ação. ---
Por efeito do fracionamento da quota anual em prestações, com vencimento calendarizado, a referida obrigação de contribuir para as despesas comuns assume carácter periódico. ---
Deste modo, as quotas vencidas na pendência da ação correspondem a prestações futuras, cujo pagamento pode ser exigido nos termos do n.º 1, do art.º 557.º, Código de Processo Civil; ou seja, tratando-se de prestações periódicas, caso o devedor deixe de pagar, podem compreender-se no pedido, e na condenação, tanto as prestações já vencidas como as que se vencerem enquanto subsistir a obrigação. ---
Assim, é admissível o pedido de condenação relativamente às quotas vencidas na pendência da presente ação, sendo exigível e devido o seu pagamento, uma vez que, a contribuição para as despesas comuns constitui uma obrigação legal, que a parte Demandada não desconhece, ou desconhecendo, está obrigada a conhecer cf., art.º 1436.º, n.º 1, alíneas d) e f), do Código Civil. ---
Ficou provado que, durante a pendência da ação venceram-se 7 mensalidades (dado que, a quota vence ao dia 8 de cada mês), respeitantes a quotas ordinárias e extraordinárias na quantia de €80,00, cada, que totalizam o montante de €560,00. ---
Pelo que, o valor das quotas vencidas na pendência da ação deve ser adicionado ao montante da dívida existente no momento da propositura da ação, para apuramento dos valores debitados à parte demandada, perfazendo a quantia global de €1.965,00. ----
Pagamentos parciais efetuados na pendência da ação: ---
Ficou ainda provado que a parte demandada efetuou pagamentos parciais do valor em dívida, sem que se tivesse conseguido apurar com exatidão o montante destinado a abater na dívida peticionada nos presentes autos, pelos motivos já afirmados em sede de fundamentação da matéria de facto. ---
Sendo assim, resulta da matéria provada que a parte demandada acumulou uma dívida correspondente ao valor indicado no documento junto na audiência de julgamento, diminuído do montante de €80,00, correspondente à mensalidade de novembro de 2024, cuja quitação foi anteriormente data pelo Demandante, conforme documento de fls. 179. ----
Pelo que, a ação deve ser declarada procedente nesta parte do pedido, pelo montante de €347,72, que inclui a penalização aplicável e as quotas vencidas na pendência da ação. ----
Relativamente à matéria de penalizações cumpre, ainda, dizer o seguinte: ---
Nos termos do disposto no art.º 805.º, n.º 2, al. a), do Código Civil, há mora do devedor independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo. ---
Por outro lado, no âmbito da propriedade horizontal, vigora o disposto no art.º 1434.º do Código Civil, que permite à assembleia dos condóminos estabelecer a aplicação de penas pecuniárias para sancionar a inobservância das disposições legais do Código Civil, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador. ---
Ora, no caso dos presentes autos a constituição da parte Demandada em mora decorre diretamente do prazo de vencimento da obrigação, isto é, o momento em que ocorre o facto pelo qual se torna exigível o pagamento de uma determinada mensalidade. ---
Sendo as quotas mensais, e com vencimento ao dia oito de cada mês, conforme resulta da deliberação constante em ata, a obrigação tem prazo certo, pelo que, a constituição da parte Demandada em mora não está dependente de interpelação para o pagamento. ---
Ficou provado que o Demandante aplicou à parte demandada uma pena pecuniária, no montante de €525,00, nos termos da deliberação constante em ata da assembleia dos condóminos. ---
A aplicação da referida pena pecuniária decorre do teor do requerimento inicial, tendo ficado também provado que, à data, a dívida da Demandada era relativamente elevada. ---
Para além do facto processualmente relevante de a ação não ter sido contestada, é por demais evidente que a Demandada ainda está em incumprimento, pelo que, a aplicação da sanção é inteiramente justificada. ---
Deste modo, a ação deve proceder nesta parte do pedido, sendo que o valor ainda em aberto (tendo em conta os pagamentos parciais reconhecidos pelo Demandante) já está incluído no montante indicado supra. ---
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Decisão: ---
Atribuo à causa o valor de €1.930,00, por corresponder à quantia em dinheiro que o Demandante pretendia obter no momento da propositura da ação, cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 2; e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz. ---
Pelo exposto e com os fundamentos acima invocados: ---
Julgo a presente ação totalmente procedente, por provada, e consequentemente, condeno a parte demandada a pagar ao Demandante a quantia global de €347,72, que inclui todas as quotas vencidas e não pagas, e pena pecuniária aplicada. ---

Custas: ---
Taxa de justiça no montante de €70,00 (setenta euros) a cargo da parte Demandada, por ter ficado vencida, nos termos da primeira parte, da al. b), do n.º 1, do art.º 2.º, da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro. -
O pagamento deverá ser feito no prazo de três dias úteis, mediante liquidação da respetiva guia de pagamento (DUC), emitido pela secretaria do Julgado de Paz. ---
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Extraia e notifique a guia de pagamento (DUC), ao responsável pelo pagamento das custas juntamente com cópia da presente decisão. ---
Após os três dias úteis do prazo legal para o pagamento, aplica-se uma sobretaxa no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação, até ao máximo de €140,00 (cento e quarenta euros). ---
O valor da sobretaxa aplicável acresce ao montante da taxa de justiça em dívida. ---
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Após trânsito, verificando-se a falta de pagamento das custas, mesmo após o acréscimo da referida sobretaxa legal, conclua para emissão de certidão para efeitos de execução fiscal, a instaurar junto dos competentes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), pelo valor das custas em dívida acrescidas da respetiva sobretaxa. ----
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Registe e notifique. ---
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Julgado de Paz de Setúbal, 23 de junho 2024
O Juiz de Paz

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Carlos Ferreira