Sentença de Julgado de Paz
Processo: 57/2024-JPCBR
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: INDEMNIZAÇÃO POR PRIVAÇÃO DE USO DO VEÍCULO E DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data da sentença: 12/17/2024
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral:
Proc. N.º 57/2024-JPCBR

SENTENÇA

RELATÓRIO:
[PES-1], demandante devidamente identificada nos presentes autos propôs a presente ação declarativa de condenação contra [ORG-1] E [ORG-3] LDA, igualmente devidamente identificada no presente processo, pedindo a resolução do contrato de compra e venda de automóvel usado, bem como indemnização por privação de uso do veículo e danos não patrimoniais, no valor global de 11.604,58€ ou em alternativa a substituição do veículo por outro com idênticas características, acrescido do valor indemnizatório no valor de 5604,58€.
Para tanto, alegou os factos constantes do seu Requerimento Inicial de fls. 1 a 9 que se dá por reproduzido.
Juntou 9 documentos (fls. 10 a 20) que igualmente se dão por reproduzidos.
Regularmente citada, a demandada apresentou contestação de fls. 33 a 41, impugnando os factos alegados pelo demandante, invocando que o veículo já não se encontra em fase de garantia e que transcorrido mais de um ano do conhecimento do alegado defeito, não pode alegar a anulabilidade do negócio.
Juntou 5 documentos (fls. 43 a 47) que se dão por reproduzidos.
Afastada a fase da mediação pelo demandante, agendou-se a audiência de discussão e julgamento, que se realizou com cumprimento das formalidades legais conforme da respetiva ata resulta.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor - que se fixa em 11604,58€ (onze mil seiscentos e quatro euros e cinquenta e oito cêntimos) – artºs 297º nº1 e 306º nº2, ambos do C. P. C.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem exceções que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito da causa.
As questões a decidir por este tribunal circunscrevem-se à caracterização do contrato celebrado entre Demandante e Demandado; às obrigações e direitos daí decorrentes e às consequências do incumprimento dessas obrigações.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1 – No dia 15 de abril de 2021, a demandante adquiriu à demandada, pelo valor de 6.000,00€, uma viatura suada, ligeira de passageiros da marca [Marca-1] Modelo Astra, do ano de 2010 com a matrícula [ - - 1] com cerca de 126.907 km.
2 – Por acordo entre as partes, a viatura foi vendida com a garantia de 1 ano, para motor e caixa de velocidades.
3 – A demandante passou a utilizar a viatura, na sua atividade profissional de vendedora de doces conventuais, servindo o veículo para transportar a mercadoria para os clientes.
4 – Em 11 de outubro de 2021 foi realizada revisão à viatura (mudança de óleo, filtros, colocação de anticongelante) na oficina da demandada.
5 – Em 8 de novembro de 2021, foi necessária a substituição de uma vela, o que a demandada fez, tendo cobrado o valor do material que era peça de desgaste.
6 – Na data referida em 5, o veículo apresentava 151.420 km percorridos.
7 – No dia 17 de novembro de 2021, a viatura avariou, tendo ficado imobilizada na [...], em Coimbra, tendo sido rebocada para a oficina da demandada.
8 – Detetada a avaria na caixa de velocidades, disco de embraiagem, sensor da cambota e valvulina, a demandada procedeu á reparação em 18 de novembro de 2021, no âmbito da garantia, sem custos para a demandante.
9 – No dia 8 de fevereiro de 2022, a viatura avariou, ficando imobilizada no IP3, próximo da [ORG-2], tendo sido transportada por reboque para a oficina da demandada;
10 – Verificando-se que o problema era um sensor da cambota, a demandada reparou a viatura.
11 – Em 17 de maio de 2022, o veículo voltou a variar e foi transportado de reboque para a oficina da demandada, tendo sido verificada avaria no motor, o que implicou a substituição da cambota.
12 – Na data referida em 11, o veículo tinha 171051km percorridos.
13 – A demandada cobrou à demandante, os materiais aplicados na viatura no valor de 1186,37€ tendo oferecido a mão de obra.
14 – A demandante acordou com a demandada, o pagamento da reparação em prestações de 50,00€/mês, o que tem vindo a cumprir.
15 – A demandada agendou com a demandante uma visita à oficina, logo que tivesse realizado 4.000 km, para proceder aos ajustes que se mostrassem necessários.
16 – A demandante não levou a viatura á oficina da demandada para revisão e ajustes, como referido em 15, nem em data posterior.
17 – No dia 16 de agosto de 2022, na [...], perto de Coimbra B, a viatura avariou, imobilizando-se, tendo a demandante chamado a assistência em viagem, que rebocou a viatura para uma oficina que a reparou.
18- Em 1 de outubro de 2023 a viatura avariou, tendo sido transportada de reboque para a oficina de [PES-2], tendo sido detetados problemas graves no motor, sendo necessária a sua substituição.
19 – A demandante encontra-se privada da sua viatura desde 1 de outubro de 2023, vendo-se impossibilitada de trabalhar na venda de doces conventuais.

MOTIVAÇÃO
Para a declaração dos factos como provados, o tribunal teve em consideração as declarações das partes conjugadas com os documentos apresentados., sendo certo que as partes, quanto à matéria fáctica selecionada não apresentam divergências de maior, sendo que o litígio se centra no apuramento da responsabilidade contratual do vendedor pelas avarias que o veículo apresentou. Os factos sob a n.º 1, 4 a 14 e 17 encontram-se devidamente documentados nos autos.
O facto n.º 2 - resulta provado por acordo
Facto n.º 3 e 19- Resultaram das declarações da demandante e das testemunhas por si apresentadas [PES-3] e [PES-4], que relataram que o veículo em causa nos autos era utilizado pela demandante para a sua atividade profissional e que as avarias que foi sucessivamente apresentado causaram prejuízos na referida atividade.
Factos n.º 15 e 16 – As testemunhas [PES-5] e [PES-6] referiram, com conhecimento direto dos factos que foi combinado, por ser aconselhável após a intervenção na cambota do motor, que após transcorrer 4000 km, a demandante deveria levar a viatura para verificação à oficina da demandada, o que não aconteceu. Desde a referida intervenção (maio de 2022), segundo as testemunhas, a demandante não voltou a contactar a demandada, a não ser uma mensagem de telemóvel referindo que não iria à verificação do carro como agendado, por consulta médica.
Facto n.º 18 – A testemunha [PES-2], referiu que em outubro de 2023, a viatura deu entrada na sua oficina por reboque e numa análise superficial, - pois não desmanchou o motor – aparenta graves danos em várias peças do motor (cabeça e pistons). Na sua opinião, a melhor solução seria colocar um motor usado, por ser mais barato, mas a demandante não tinha possibilidades e por esse motivo o carro continua parado, na sua oficina.

FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
Estamos perante um contrato de compra e venda de um automóvel usado celebrado entre uma sociedade comercial e um particular que a destinou ao seu uso profissional.
A compra e venda realizada tem natureza objetiva e subjetivamente comercial, face ao disposto no artigo 2.º in fine e no n.º 1.º do artigo 463.º, ambos do Código Comercial.
Ora, à compra e venda mercantil é aplicável o regime do artigo 471.º do Código Comercial, que prevê o prazo de 8 dias para denúncia dos defeitos.
O prazo de denúncia ou reclamação dos defeitos conta-se a partir do momento em que o comprador teve ou podia ter tido conhecimento do vício se agisse com a diligência devida, devendo a comunicação ser feita nos seis meses posteriores à entrega da coisa.
Tal prazo tem natureza supletiva, podendo as partes acordar de outra forma. Resulta provado que as partes convencionaram um prazo de garantia de 1 ano.
O art 921º do CC sob a epígrafe “Garantia de bom funcionamento”, aplicável por força do art. 3º C. Com. estabelece:”1 - Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substitui-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador.(…) 3. O defeito de funcionamento deve ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia e, salvo estipulação em contrário, até trinta dias depois de conhecido. 4. A ação caduca logo que finde o tempo para a denúncia sem o comprador a ter feito, ou passados seis meses sobre a data em que a denúncia foi efetuada.”
Nos presentes autos, resulta provado que, no período de garantia, a viatura avariou e a demandada procedeu às reparações solicitadas, nada resultando que tais reparações tenham sido insuficientes ou defeituosas e que tenham determinado a persistência de eventual defeito.
Por outro lado, a partir de maio de 2022 (após términus da garantia), o veículo foi reparado noutras oficinas, que não a da demandada, desconhecendo-se os trabalhos ou reparações que tais oficinas terão realizado, quebrando-se a eventual responsabilidade da demandada pelas reparações e intervenções anteriores (que poderia, inclusivamente, ter efeito interruptivo da caducidade).
É que, na verdade a responsabilidade da demandada, no âmbito da garantia convencionada, terminou em 15 de abril de 2022 e a demandante não estabeleceu o nexo causal entre a atuação da demandada (nas intervenções realizadas na viatura) e as avarias subsequentes que veiculo apresentou, por não o ter sequer alegado.
A demandante peticiona a anulação do contrato de compra e venda, com base na venda de coisa defeituosa, sendo certo que, como alegado pela demandada, o prazo de caducidade para tal pedido já se encontra ultrapassado. O prazo geral de um ano, estabelecido no nº 1 do artº 287 º do C.C., no caso do contrato de compra e venda, conta-se a partir do pagamento do preço e entrega da coisa (art. 879º CC).

E o referido prazo aplica-se, igualmente, quanto à pretensão de reparação do automóvel ou substituição por outro com as mesmas características e indemnização por privação de uso e danos não patrimoniais, conforme pedido subsidiário formulado que haverá de improceder.
Da interpretação extensiva dos artigos 916º, 917º e 921º do Código Civil resulta que, na venda de coisa defeituosa, todas as ações referentes à denominada garantia edilícia, ou seja, com fundamento na responsabilidade contratual por incumprimento defeituoso da prestação, estão sujeitas aos prazos de denúncia e caducidade previstos para a ação de anulação do contrato de compra e venda.

Decisão
Face ao exposto, julgo procedente a exceção de caducidade do direito que a demandante pretendia fazer valer e em consequência absolvo a demandada do pedido.


CUSTAS
Custas a cargo da demandante, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza.

Registe.

Coimbra, 17 de dezembro de 2024


A Juíza de Paz

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(Cristina Eusébio)